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RUPESTRES SONOROS - O CANTO DOS POVOS DA FLORESTA

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Academic year: 2021

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RUPESTRES SONOROS - O CANTO DOS POVOS DA FLORESTA

“O trabalho do grupo Mawaca, conduzido por Magda Pucci, vem mais uma vez marcar presença consistente no panorama da música no Brasil com sua interpretação vocal marcante,

incluindo em seu repertório diversificado a temática indígena brasileira. É uma iniciativa que consolida a trajetória de um grupo dedicado a estudar e apresentar ao grande público do Brasil

e do exterior as músicas “de raiz” de várias culturas do mundo, com grande maestria”. Por Marlui Miranda

Em Rupestres Sonoros o Mawaca se envereda por uma arqueologia musical em torno de imagens ancestrais entendendo que o homem pré-histórico brasileiro foi o índio que dança, faz seus rituais, participa de festas, caça, bebe chicha, ama, pinta seu corpo com urucum, se reporta aos espíritos do céu, do ar e da terra e se adorna com colares e cocares.

São apresentadas arranjos arrojados sobre canções dos índios Suruí de Rondônia (So perewatxe e Koi txangare); dos Kayapó do Xingu (Tamota Moriore); dos Wari do Guaporé (Duo Wari); dos Kaxinawá do Acre (Matsã Aka Hua) entre outras. Assim, o grupo mostra parte da enorme diversidade musical dos povos indígenas, pouco conhecida do público brasileiro. “Escolhi canções que me chamavam a atenção pela raridade melódica, pela lindeza da língua, pelo ritmo inusitado. O oposto que um antropólogo faria talvez, porque fui atrás das músicas que são exceções e não as mais características” - comenta Magda.

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Mas não pretendemos refazer uma documentação, enveredamos por um diálogo criativo que nos fez "mexer" nessa cosmogonia musical, misturá-la com outros elementos também nossos e de outros povos. De certo modo, a ideia era aproximar esses cantos dos ouvidos urbanos apressados, para que eles pudessem se dar à grande expedição sonora em torno dos rupestres vividos na arqueologia do Mawaca. Rupestres Sonoros representa esse desejo de encontro. Do encontro de ideias, de emoções, de tribos de lá e de cá.

Apresentação de quem conhece o assunto....

por Marlui Miranda

O trabalho do grupo Mawaca, conduzido por Magda Pucci, vem mais uma vez marcar presença consistente no panorama da música no Brasil com sua interpretação vocal marcante, incluindo em seu repertório diversificado a temática indígena brasileira. É uma iniciativa que consolida a trajetória de um grupo dedicado a estudar e apresentar ao grande público do Brasil e do exterior as músicas “de raiz” de várias culturas do mundo, com grande maestria. Neste projeto, voltado ao Brasil, intitulado Rupestres Sonoros, Mawaca nos brinda com um repertório de adaptações vocais e instrumentais sobre temas dos povos Menbengokrê (que os brancos chamam Kayapó), Paiter (Suruí), Wari´(Pakaa Nova), Ikolen (Gavião) e Huni Kuin (Kaxinawá). O Mawaca também presta uma homenagem com canções como Asurini, e a encantadora música de abertura Mawaca, de Phillipe Kadosch.

A música dos Povos Indígenas tem alcançado nos últimos anos as plateias brasileiras e internacionais. Uma construção lenta a partir do trabalho de artistas e criadores, aliados dos Povos Indígenas, apoiados por antropólogos e linguistas. Tenho a minha cota de contribuição nesse processo e procuro participar e apoiar iniciativas sempre que fortaleçam a cultura indígena.

Temos visto ao longo dos anos surgir, a partir dos próprios indígenas, projetos originais. Há uma intensificação de redes de encontros intertribais, acesso à internet em suas associações, apresentações musicais e oficinas em escolas e centros culturais para os quais os indígenas se deslocam quase sempre com muito esforço, desde suas aldeias muito longínquas, para mostrar sua cultura. Esse trabalho educativo semeou espaço e esclareceu melhor o público sobre a cultura indígena no Brasil. Esses fluxos de artistas indígenas, embaixadores de suas culturas originais, criaram aos poucos uma rede de relacionamentos com artistas

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urbanos, obtendo resultados muito positivos, tendo como uma das consequências o interesse pelo estudo de sua música.

O Mawaca apresenta vozes e arranjos marcantes e grava um repertório que reflete muito a pesquisa de Magda Pucci sobre os índios Suruí de Rondônia e sua predisposição em mergulhar mais fundo nesse hemisfério musical.

E podemos, com muita felicidade agora, conferir o resultado do brilhante trabalho Rupestres Sonoros, voltando nossos olhos e ouvidos para a agradável tarefa que se apresenta perante nós: desvendar mistérios deste grande e rico país que é o Brasil, através das vozes harmoniosas do Mawaca.

no início eram a voz e a pedra... ou um moitará de idéias

Uma forma indireta de conhecer é achar bonito Clarice Lispector

O projeto Rupestres Sonoros surgiu quase simultaneamente ao convite de Betty Mindlin para trabalhar sobre a música dos índios Suruí de Rondônia, com quem ela mantém antiga amizade. Aproveitei a oportunidade para assumir minhas pesquisas sonoras numa esfera institucional, mas com outros olhos, ou melhor, com os ouvidos de músico e não exatamente de pesquisador acadêmico. Um ouvido amoroso, eu diria, com o qual "achar bonito" seria a "pedra de toque".

Nesse período, ouvi e li muito a respeito dos índios brasileiros – das cenas mais violentas às mais comoventes e singelas. Foi um tempo de constatações terríveis, que provocaram grandes mudanças na minha forma de pensar.

De fato, não há nada que possa abrandar o sofrimento das perdas humanas causadas por doenças, guerras e genocídios, que hoje se revelam na disputa por terras – um problema que transcende o solo brasileiro, é mundial. Levou séculos para nos darmos conta dos estragos causados pela atitude desbravadora e civilizatória empreendida contra lógicas que não as do acúmulo e do consumo. Ainda assim, continuamos a não ouvir o que dizem os que vivem nas matas em consonância com outros modos de estar sobre a terra.

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Eram por volta de 4 milhões. Hoje são 500.000 índios divididos em 227 povos que resistem como podem à voracidade iniciada nos tempos dos colonizadores.

Felizmente, há antropólogos que pesquisam a vida indígena e escrevem suas teses; há adereços, cerâmicas e pinturas corporais que são expostos em museus para serem apreciados mundo afora. Mas e a música que faz parte disso tudo? Como ela é? Onde podemos ouvi-la? Me vi diante de uma barreira que parecia intransponível: o mundo acadêmico, que de certo modo zela pela preservação desse universo sonoro, na verdade o guarda, quase morto, acessível a poucos.

Ainda bem que temos Marlui Miranda, pioneiríssima, que nos fez conhecer uma boa porção dessa riqueza. Por sua conta e risco, ela desbravou estradas sonoras da Amazônia. Marlui foi responsável pelo meu primeiro encontro com essa sonoridade indígena, tão grande como o mundo. E foi ela que, junto com Betty Mindlin, gravou em plena década de 1970 as músicas dos Suruí de Rondônia, povo com quem hoje desenvolvo minha pesquisa.

Mas a vontade de ir além, conhecer outras músicas, saber como é cantar esses

tantos sons e línguas me fez girar por outros cantos índios.

E fui aos poucos buscando o que já teria sido registrado, mas que difícil era! Em que arquivos ou fonotecas estariam esses cantos todos? Era como buscar a humanidade ainda por existir, guardada debaixo da pedra! Felizmente, há alguns CDs sendo gravados pelos próprios índios, que fui adquirindo sempre que podia. Mas, ainda assim, vejo que está tudo muito disperso, sem continuidade, e me pergunto por quê.

Esse desinteresse – às vezes descaso mesmo – talvez ainda exista porque essas melodias, algo estranhas ao nosso repertório, correspondem a uma outra esfera do fazer musical, pedem uma outra escuta. Alguns chamam essa música de primitiva, como sinônimo de menos desenvolvida – o que é insustentável. Há uma sofisticação que nem sempre damos conta de reproduzir; há sons que não conseguimos pronunciar, nuances que passam despercebidas por ouvidos enquadrados na paisagem sonora das grandes cidades.

Acontece que essa música indígena, às vezes de um tempo muito remoto, muito diferente do que costumamos chamar de música, parece viver num outro mundo. Ainda são poucos osque se dedicam a ela, a ouvi-la com atenção e a dialogar, criando interpretações que cheguem a muitos.

Eu diria que essa música é antiga, bem antiga mesmo, ancestral. Forte, transpôs séculos de adversidades. São matrizes nossas, embora muitos não se identifiquem com elas.

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Essa distância parece enraizada numa imagem equivocada sobre os habitantes destas terras, construída com a chegada dos europeus, suas armas e suas leis. É inacreditável que haja quem vê os índios como entrave ao desenvolvimento econômico do país ou como usurpadores de terras de que precisamos para produzir, produzir, produzir... É certo que o tempo-índio é outro tempo, desacelerado, mais contemplativo, embora não necessariamente mais sereno. Acontece que vivemos aflitos demais, querendo respostas, resultados, produtos, como se os processos e os percursos fossem secundários. Ainda mais no universo da cultura!

Como cidadã, sei que minhas possibilidades para mudar essa situação são limitadas. Mas, para não me ver de mãos atadas, é no meu métier que encaro esse desafio, com a música, num CD como este. Sei também que, entre milhões de CDs lançados no mundo, este será apenas mais um, mas é um que fala do Brasil profundo, desse Brasil pouco conhecido – e de uma riqueza sem par!

"E no quê têm a ver os tais rupestres com os índios?" – me perguntam... Pois é, não é

que tive a sorte de encontrar pelo caminho um analista, um "louco pela pedra", Marcos Callia, coordenador de um moitará – não a troca cerimonial dos Kamayurá do Xingu, mas a que acontece entre seus pares para compartilhar impressões sobre o mundo dos arquétipos do “homem das cavernas” brasileiro. Devo dizer que a simples proposta de trabalhar sonoramente sobre os rupestres já me proporcionou um salto criativo. Quando me dei conta da fecunda relação entre as pinturas rupestres e os sons indígenas, me entusiasmei. Era como se tivesse achado o elo perdido.

Desde aí, viemos seguindo uma trilha com diversas fases de elaboração. A cada momento, mais músicas e ideias iam ganhando novos aportes com as pesquisas, as experiências em shows, as investidas em outras linguagens, as maravilhosas conexões com a linguística, a etnopoética, a arqueologia, com os caminhos mitológicos e até com a neurociência!

A minha sorte é que, com o Mawaca, tem sido possível experimentar diferentes

sonoridades e, com esse novo impulso, nos pusemos a cantar/contar essas melodias

indígenas brasileiras tão peculiares, que dormiam nos arquivos sonoros, sem partilha viva.

Mas não pretendemos refazer uma documentação, enveredamos por um diálogo criativo que nos fez "mexer" nessa cosmogonia musical, misturá-la com outros elementos também nossos e de outros povos. De certo modo, a ideia era aproximar

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esses cantos/contos dos ouvidos urbanos apressados, para que eles pudessem se dar à grande expedição sonora em torno dos rupestres vividos na arqueologia do Mawaca. Rupestres Sonoros representa esse desejo de encontro. Do encontro de ideias, de emoções, de tribos de lá e de cá. Espero que dê a muitos o prazer que tive ao concebê-lo – será esta uma bela maneira de renovar os encontros primeiros.

Magda Pucci

São Paulo, setembro de 2008

REPERTÓRIO RUPESTRES SONOROS

1. MAWACA – Phillipe Kadosch

2. SO PEREWATXE – canto de pajelança povo Ãgn (Rondônia)

3. DUO WARI´ – canção Wari´ - Pakaa Nova (Rondônia)

4. CANÇÃO KAYAPÓ – canto de nominação – Menbengokrê - Kayapó Metyture

(Xingu - Mato Grosso)

5. AHKOY TÉ – mito da criação Gavião (Rondônia)

6. TAMOTA MORIORE – canto de despedida Txucarramãe (Xingu - Mato Grosso)

(Goka - Japão)

7. WAIKO KOMAN – Magda Pucci

8. KOI TXANGARÉ – canto antropofágico Paiter Suruí (Rondônia)

9. MATSÃ KAWÃ – canto de miração Huni Kuin - Kaxinawá (Acre)

10.TUPARI – Magda Pucci

11.ASURINI – Magda Pucci

Referências

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