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Sumários. 23 de Setembro (1)

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Faculdade de Direito Ano académico 2008-2009 1º Semestre

Sociologia jurídica

Docente : Pierre Guibentif

Sumários

23 de Setembro (1)

Preenchimentos pelos alunos de um questionário sobre os motivos da escolha da cadeira e sobre conhecimentos em ciências sociais. Sensibilização geral ao tema da cadeira: Tem-se assistido nos últimos anos a um forte desenvolvimento da investigação sobre o direito, levada a cabo por especialistas das ciências sociais. Manifestações deste desenvolvimento: a cooperação entre o Research Committee on Sociology of Law ( http://rcsl.iscte.pt/ ), da Associação internacional de sociologia, e a Law & Society

Association, que conduziu à realização do Congresso de Berlim “Law and Society in the

21st Century” ( http://www.lsa-berlin.org/ ); a criação de um Instituto internacional de sociologia jurídica (http://www.iisj.net/?sesion=1347 ); a negociação de um “World Consortium on Law and Society, etc. Razões desta dinâmica: necessidade sentida de perceber melhor as transformações que o direito atravessa, ligadas, em particular, à importância crescente das normatividades internacionais e regionais, nomeadamente europeias, que põem em causa a imagem piramidal da ordem jurídica; e ao surgimento de novos modos de governação, nos quais o direito é utilizado em articulação com diversas outras ferramentas. – Para apresentar este domínio de conhecimento, opta-se por centrar o ensino no estudo de cinco autores através dos quais se pode, a partir de percursos concretos, ver melhor como as referidas transformações foram experienciadas e abordadas como objecto de uma reflexão científica. São cinco autores muito lidos e citados, pelo que o seu estudo facilitará no futuro aos estudantes a leitura de trabalhos de ciências sociais pertinentes para aprofundar o conhecimento da realidade jurídica. – Exame concebido em função deste objectivo pedagógico: um exercício de leitura e de interpretação cuidadosa de um texto em ciências sociais. – Informação adicional: o docente também é responsável de um ensino de Sociologia do Direito dirigido a

sociólogos, logo concebido de maneira muito diferente. Interessados poderão encontrar mais informações sobre este ensino em http://cadeiras.iscte.pt/SDir/ .

23 de Setembro (2)

Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia : (1) surgimento das ciências humanas e sociais, entre as quais o direito, com a tomada de consciência da

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como decorre este processo do lado do direito: das compilações de leis (Ordenações), passando pelas codificações, até ao constitucionalismo, que consagrou a lei como instrumento de governo da Nação por si própria. Processo paralelo nas ciências da sociedade. Desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor conhecimento da colectividade a governar. Um momento revelador : a criação do

Institut no decorrer da Revolução Francesa (ver Tabela 1). Desenvolvimento das

diferentes ciências sociais (direito, economia, história, geografia, demografia, etc.). (2) Motivos da criação de uma disciplina generalista : - necessidade de se dotar de

instrumentos para analisar as estatísticas sociais, que são produzidos nomeadamente para responder à necessidade de melhor conhecer a gravidade da « questão social »; - necessidade sentida de « pensar a sociedade como unidade » face a fenómenos de « desintegração social » (Europa) ou face à nova heterogeneidade do tecido social urbano (Estados Unidos da América); - necessidade de criar um contrapeso ao materialismo histórico, interpretação global da realidade social que emana de intelectuais próximos do movimento operário. (3) Evolução da sociologia desde a sua fundação (ver tabela 2): (i) na Europa, recuo entre as duas guerras (mas de referir o caso particular da Escola de Frankfurt); desenvolvimento nos EUA; (ii) envolvimento no esforço de reconstrução empreendido pelos governos depois da II Guerra Mundial; a sociologia torna-se mais “funcional” e especializa-se; (iii) reacção face aos aspectos “disciplinadores” da etapa anterior; crítica de um conhecimento condicionado pela procura de saber dos governos; apelos à inter- e transdisciplinaridade (entre outros Habermas e Foucault no início dos seus percursos); (iv) normalização progressiva procurando conciliar contribuição construtiva com distanciamento crítico (representativos desta fase, entre muitos outros: Bourdieu e Luhmann); fase actual marcada pelos processos ditos de “globalização” (tema central na obra de Boaventura de Sousa Santos). – Objectivo da uc: dar aos estudantes ferramentas intelectuais que lhes permitam participar mais conscientemente nas transformações em curso, que afectam o trabalho tanto dos juristas como dos cientistas sociais, para que possam avaliar com algum fundamento o que foi o

contributo do direito moderno e da sua prática, e para que possam, tendo esta avaliação em conta, melhor formular novas concepções destes trabalhos.

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Institut national des sciences et des arts (décret du 3 Brumaire an IV, 25 octobre 1795)

Académie française (Richelieu, 1635) Académie royale de sculpture et peinture

(Mazarin, 1648) Classe des Beaux-Arts

Académie royale des sciences

(Colbert, 1662) Classe des sciences physiques et mathématiques

Académie royale des inscriptions et médailles (Colbert, 1663)

Classe des sciences morales et politiques (*) (**)

(*) Seis secções:

- Análise das sensações e das ideias - Moral

- Ciências sociais e legislação - Economia política

- História - Geografia

(**) Abolida por Napoleão em 1803; re-estabelecida por Guizot em 1832.

Fontes: Encyclopaedia Universalis (“Académies”), Gusdorf, Introduction aux sciences

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Tabela 2 Sociologia Fundação Émile Durkheim 1858-1917 De la division du travail social, 1893 L’Année sociologique (1896) Max Weber 1864-1920 Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903) Rechtssoziologie, 1911 American Journal of Sociology (1895) Apagamento / Resistência Escola de Francoforte Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung (1931-41) Franz Neumann, Behemoth, 1944

Reconstrução Talcott Parsons

(1902-79) Robert K. Merton (1910-2003) Funcionalismo Interaccionismo Simbólico Erving Goffman (1922-1982) Críticas Michel Foucault (1925-1984) Jürgen Habermas (1929) Consolidação Pierre Bourdieu (1930-2002) Alain Touraine (1925) Niklas Luhmann (1927-1998) Rechtssoziologie, 1972 Globalização Anthony Giddens (1938) Boaventura de Sousa Santos (1940)

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30 de Setembro (1)

Complemento ao panorama apresentado na semana anterior: fase actual caracterizada por um lado, pela crescente importância de realidades transnacionais e da “sociedade-mundo” como objecto da sociologia; por outro lado pelo facto de a sociologia ser em crescente medida sustentada por entidades supranacionais, nomeadamente, no caso das investigações levadas a cabo em Portugal, a União europeia. Boaventura de Sousa Santos exemplar desta evolução: não só trata o tema da globalização, fá-lo em particular para apoiar iniciativas de tipo “Forum Social Mundial”. - No desenvolvimento da sociologia, etapas da sociologia do direito (Tabela 3): (1) Para os Fundadores da disciplina: capítulo indispensável de uma sociologia geral. Émile Durkheim quer entender a tansição das sociedades arcaicas para as sociedades evoluídas. O que as distingue seriam as formas de “solidariedade”: passa-se de uma solidariedade

“mecânica” para uma solidariedade “orgânica”, isto é: de uma moral que visa proteger cada um contra agressões dos outros, para uma moral que associa compromissos diferentes a diferentes funções sociais, para possibilitar uma complexa divisão do trabalho. Procura observar esta evolução empiricamente, e fá-lo analisando a evolução do direito: principalmente direito penal nas sociedades arcaicas; direito “cooperativo” nas sociedades evoluídas. – Max Weber quer entender a evolução das nossas formas de pensar o mundo, antes da modernidade muito ligadas à religião, a formas de “magia”; agora “racionais”, no sentido em que podemos olhar para a realidade sob vários ângulos: científico, jurídico, artístico, etc., tendo o nosso pensamento perdido o antigo nexo com formas tradicionais de religião e com a “magia” (Entzauberung). As

transformações do direito contribuíram para esta evolução – Racionalização – nomeadamente pela maneira como os juristas se especializaram num saber sobre o direito apoiado cada vez mais nos conteúdos do direito positivo, desligando-o nomeadamente da religião. Transformações favorecidas pela Reforma e pelas necessidades geradas pelo desenvolvimento do comércio e da industria.

30 de Setembro (2)

(2) A sociologia utilizada por juristas para propor um fundamento do direito alternativo à teoria do direito positivo; com a ambição de apoiar regras sociais num conhecimento científico da sociedade. O que conduziu ao corporativismo e faz parte de evoluções que levaram ao autoritarismo e ao totalitarismo. (3) A Escola de Frankfurt. Resultado da necessidade sentida pelos pensadores críticos do início do século XX de melhor ter em conta a importância dos fenómenos culturais; de melhor aproveitar os avanços

(culturais) do conhecimento conseguidos nas universidades. Criação, com estes

objectivos, de um instituto universitário. Desenvolve-se em particular sob a direcção de Horkheimer, que lança a revista Zeitschrift für Sozialforschung, consegue transferir o instituto para os Estados Unidos quando os Nazis tomam o poder, e manter o ritmo de publicação durante estas deslocações. disciplina de apoio aos políticos do direito. Neste âmbito, em particular os trabalhos de Franz Neumann. – Depois da II Guerra mundial, uma fase durante a qual se avança pouco em sociologia do direito. Os sociólogos entraram numa fase de especialização, e não avançam no terreno do direito por este estar reservado às Faculdades de Direito; os juristas evitam a sociologia depois de doutrinas jurídicas inspiradas nela terem-se comprometido com os regimes autoritários. Ver a exigência de Hans Kelsen em voltar a um conhecimento do direito baseado

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apenas no próprio direito. (4) Sociologia jurídica promovida por juristas conscientes da necessidade de melhor conhecer as realidades sociais para melhor antecipar os efeitos das leis. Entre outros, Jean Carbonnier. Tomam a iniciativa da criação do Research

Committee on Sociology of Law nos anos 1960. (5) critical legal studies : contra uma

visão tecnocrática do direito, e insistindo na urgência de um trabalho transdisciplinar sobre o direito (6) regresso do direito como objecto de discussões genuinamente sociológicas, apoiadas em resultados de investigações conduzidas por cientistas sociais com longa experiência em matéria de direito, e nas quais se vão envolver vários

sociólogos e cientistas sociais – entre estes os autores tratados na UC – interessados em elaborar teorias mais globais da realidade contemporânea, às quais, no entender deles, deveriam estar particularmente atentas ao papel do direito.

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Tabela 3 Direito Sociologia Fundação Émile Durkheim 1858-1917 De la division du travail social, 1893 L’Année sociologique (1896) Max Weber 1864-1920 Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903) Rechtssoziologie, 1911 American Journal of Sociology (1895) Apagamento / Resistência A sociologia jurídica como alternativa ao positivismo Archives de philosophie du droit et sociologie juridique (1931-1940) Escola de Francoforte Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung (1931-41) Franz Neumann, Behemoth, 1944 Reconstrução Normativismo Hans Kelsen (1881-1973) Reine Rechtslehre, 1934 Talcott Parsons (1902-79) Robert K. Merton (1910-2003) Funcionalismo Research Committee on Sociology of Law, 1962 Jean Carbonnier (1908-2003) Sociologie juridique, 1972 Interaccionismo Simbólico Erving Goffman (1922-1982) Críticas

“Critical Legal Studies” Michel Foucault

(1925-1984) Jürgen Habermas (1929) “Critical Legal Studies” Richard Abel, Marc Galanter, etc. Consolidação Pierre Bourdieu (1930-2002) Niklas Luhmann (1927-1998) Rechtssoziologie, 1972 Globalização Boaventura de Sousa Santos (1940) 7 de Outubro (1)

(1) Síntese das principais teses sobre o direito que foram enunciadas no campo sociológico ao longo da evolução descrita (tabela 4); em complemento aos autores comentados anteriormente, dois autores que não se especializaram no tema do direito mas que produziram obras importantes para a abordagem sociológica do direito. Parsons: os sistemas sociais e as condições da sua manutenção (serem dotados de dispositivos de adaptação, “goal attainment”, integração, “latent pattern maintenance”). Goffman: as estratégias de adaptação segundárias dos indivíduos nas instituições

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totalitárias. Proposta de síntese das teses que são formuladas ao longo do século XX: o direito revelou-se como profundamente ambivalente. Por um lado, incorporaria

elementos importantes da “moral social” (Durkheim), mas, por outro lado, ter-se-ia desligado radicalmente de todo que não é tecnicamente jurídico (Weber). Por um lado, contribuiria para a integração das sociedades (Parsons), mas por outro lado, pode ser uma arma em conflitos ou relações de força (Neumann). Por um lado, pode enviezar a nossa visão da realidade (a sociologia jurídica das anos 1960-70), mas, por outro lado, é uma ferramenta cognitiva essencial (Weber). Anexam-se à tabela uma sequência de citações ilustrando os pensamentos de Durkheim, Weber e Neumann.

Tabela 4

O direito, tema central nas interpretações sociológicas clássicas Correspondência entre formas de sociedade e formas de direito

Sociedade Direito

Durkheim Divisão do trabalho Direito cooperativo aumenta traduz alterações da moral social Weber Racionalização Profissionalização

Dessacralização Parsons Sistema Função de integração

Neumann Conflito Instância de compromisso, sob certas condições Instrumentalizável, até certo ponto

O direito, tema marginal no desenvolvimento da sociologia no Pós-Guerra A interacção, estruturada nomeadamente pelo direito

Parsons Interacções em contextos

profissionalizados As profissões jurídicas entre as leis e as pessoas Goffman Interacções em instituições Adaptação primária / segundária às regras

A sociologia jurídica fundada por juristas Programar a observação empírica dos factos jurídicos “Auto-entendimento” do direito Hipóteses juris-sociológicas

Carbonnier e outros Unidade Validade Publicidade Igualdade Aplic. dispositivo Pluralismo jurídico (In)efectividade

Knowledge and Opinion about Law “Justiça de classe”

Efeitos inesperados

DURKHEIM, Émile, A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977 (trad. de De la division du travail social, Paris, publ. orig. : 1893 ; novo prefácio : 1902).

[p. 79] « A divisão do trabalho desempenharia um papel muito mais importante do que o que se lhe atribui vulgarmente. Ela não serviria somente para dotar as nossas

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sociedades de um luxo, talvez invejável, mas supérfluo ; seria uma condição da sua existência. É através dela, ou pelo menos sobretudo através dela, que seria assegurada a sua coesão ; é ela que determinaria os traços essenciais da sua constituição.

(…) é preciso verificar a hipótese que acabamos de apresentar sobre o papel da divsião do trabalho.

Mas como proceder a esta verificação ?

(...) é preciso sobretudo determinar em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade.

[p. 80] (…) Para responder a esta questão (…) é indispensável começar por classificar as diferentes espécies de solidariedade social.

Mas a solidariedade é um fenómeno completamente moral que, por si próprio, não se presta à observação exacta nem sobretudo à medida. Para proceder, quer a esta classificação, quer a esta comparação, é preciso portanto substituir o facto interior, que nos escapa, pelo facto exterior, que o simboliza, e estudar o primeiro através do segundo.

Este símbolo visível é o direito. (…) Com efeito, a vida social, por todo o lado onde ela existe de uma maneira durável, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a organizar-se, e o direito não é outra coisa senão esta mesma organização, naquilo que tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode estender-se num certo sentido sem que a vida jurídica para aí se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Podemos assim estar certos de encontrar refectida no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social.»

[Índice :]

« Solidariedade mecânica ou por similitudes : (…) As normas que o direito penal sanciona exprimem portanto as similitudes sociais mais essenciais ; por consequência, corresponde à solidariedade social, a qual deriva das semelhanças , e varia com ela. (…) A solidariedade que deriva da divisão do trabalho ou orgânica : (…) Relações positivas ou de cooperação que derivam da divisão do trabalho regem-se por um sistema definido de normas jurídicas que se pode chamar de direito cooperativo. »

WEBER, Max, Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), Tübingen, 1ª edição

1921 (citado a partir da 5ª ed., Tübingen, Mohr, Siebeck, 1976).

[p. 198] « Efectivamente, uma ordem económica de tipo moderno, sem dúvida, não se poderia realizar sem uma ordem jurídica com características muito especiais, as quais se podem concretizar, na prática, apenas no âmbito de uma ordem ‘estadual’. A economia contemporânea baseia-se em hipóteses [de negócios] adquiridas através de contratos. Existe algum interesse próprio de cada um na ‘lealdade nos contratos’, assim como interesses comuns dos possuidores na protecção recíproca da posse. E ainda hoje os usos e os costumes determinam com alguma força o indivíduo. Mas a influência destas forças sofreu uma extraordinária perda de significado como consequência do abalo da tradição – por um lado das condições ordenadas pela tradição, e por outro lado, da crença no seu carácter sagrado. Os interesses das classes divergem como nunca. A rapidez das transacções exige um direito que funcione de maneira rápida e segura, isto é, com a garantia do mais forte poder de coerção. E, acima de tudo, a economia moderna, em virtude das suas particularidades, aniquilou as outras associações, que sustentavam o direito e as suas garantias. Isto foi a obra do desenvolvimento do mercado. O domínio universal de uma formação social assente no mercado exige (…) um funcionamento do direito calculável, na base de regras racionais. »

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(conclusão do capítulo I da Segunda Parte, « A economia e as ordens sociais »)

[p. 513] « (…) em todos os casos, o destino inevitável, em consequência do desenvolvimento técnico e económico, será (…) um crescente desconhecimento, por parte dos leigos, de um direito cuja substância técnica vai aumentar constantemente, ou seja a professionalização do direito, bem como a qualificação do direito actualmente em vigor como aparato técnico e racional, isto é, susceptível de ser modificado em qualquer altura em função de finalidades racionais, e cuja substância perdeu qualquer carácter sagrado. »

(conclusão do capítulo VII da Segunda Parte, « Sociologia do direito »)

NEUMANN, Franz (1937), “Der Funktionswandel des Gesetzes im Recht der

bürgerlichen Gesellschaft” (A transformação da função do direito na sociedade purguesa), Zeitschrift für Sozialforschung, 1937 (cit. a partir da reedição em

Demokratischer und autoritärer Staat, Francoforte, Fischer Wissenschaft, 1986.

[p. 55] « A teoria e a prática do direito sofrem uma mudança determinante no período do capitalismo monopolístico, que começa na Alemanha com a República de Weimar. Para a compreensão das transformações do direito, deve ter-se em conta não apenas as evoluções estruturais económicas, que já foram descritas muitas vezes. O facto político determinante na República de Weimar é o novo significado do movimento operário depois de 1918. A sociedade burguesa já não podia ignorar a existência de uma oposição de classes e tinha, (…) considerando este facto, que construir de alguma forma uma constituição. A solução técnica aqui foi o contrato, única maneira de se alcançar um compromisso político. (…)

[p. 57] « Um sistema contratual apenas pode funcionar se os parceiros contratuais subsistem (…). O partido democrático, no entanto, desapareceu quase completamente na evolução política ulterior. Novos partidos, antes de mais o partido nacional-socialista alemão, surgiram e dominaram numericamente os partidos tradicionais. A crise impediu os parceiros contratuais capitalistas em cumprir as suas obrigações contratuais, em particular a manutenção das instituições sociais. (…)

[p. 58] Às transformações das estruturas económicas e políticas correspondeu uma viragem radical na teoria e na prática do direito. (…)

[p. 62] Um direito natural oculto tinha sido, na realidade, aplicado sem escrúpulos durante todo este período. O tempo de 1918 a 1932 caracterizou-se por uma aceitação quase geral da doutrina do direito livre (Freirechtsschule), pela destruição da racionalidade e da calculabilidade do direito, por restrições ao sistema contratual, e por uma vitória das cláusulas gerais sobre as verdadeiras regras jurídicas. (…)

[p. 67] No Estado autoritário, o significado das cláusulas gerais torna-se mais claro ainda. (…) Possibilitam uma aplicação das concepções políticas dominantes também nos casos onde são contraditas pelo direito positivo. Com efeito, na aplicação das cláusulas gerais, o juiz não deve, hoje, recorrer a uma ‘apreciação subjectiva’ ; ‘na

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aplicação das cláusulas gerais pelo juíz, pelo advogado (…) ou pelo docente de direito, são os princípios do Nacional-Socialismo que intervêm, imediatamente e exclusivamente’ (Carl Schmitt, 1933). (…) Existe unanimidade na literatura nacional-socialista neste ponto : a lei não é mais que a ordem do Führer, pois o direito ‘pre-revolucionário’ apenas tem validade por força da vontade do Führer. »

7 de Outubro (2)

(2) Michel Foucault (ver sinopse, em documento separado): Aspectos da biografia: estudos em filosofia e psicologia; algum contacto com a prática da psiquiatria; adere por uns breves tempos ao Partido comunista, mas sai por não suportar a disciplina que lhe era imposta; distancia-se claramente, a partir desse momento, do marxismo; experiência de regimes autoritários, em particular na Polónia e na Tunísia; envolvido na reforma da universidade depois de de Maio de 1968, mas sobretudo no movimento social de apoio aos reclusos que surge pouco depois; entra no Collège de France (breve descrição desta instituição); crescente envolvimento internacional. Depois da sua morte, trabalho editorial intensivo sobre a sua obra: edição completa dos textos publicados; transcrição das aulas no Collège de France. Recepção internacional. – Primeira abordagem à obra: projecto intelectual central: pensar o pensamento, procurando, para o fazer, distanciar-se dele. Projecto concretizado sucessivamente na História da Loucura e em As palavras e

as coisas. Recusa de valorizar o individuo que pensa, e hipótese segundo à qual a

preocupação com o tema “Homem” poderia ser historicamente datada aproximam-no do Estruturalismo, como pensamento oposto ao Existencialismo de Jean-Paul Sartre. Aplicação de elementos dos raciocinios elaborados nestas obras ao domínio penal em

Vigiar e Punir. Forte insistencia na noção de controlo social. Tema ainda central no

primeiro volume da história da sexualidade. Os dois volumes seguintes são publicados oito anos mais tarde e adoptam uma perspectiva radicalmente diferente (Tabela 5): entender como podemos fazer de nós próprios a experiência de sermos sujeitos que pensam. Ou seja, aborda sucessivamente dois aspectos radicalmente diferentes das nossas sociedades: o desenvolvimento de mecanismos de controle, por um lado; a importância crescente da subjectividade, por outro.

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Tabela 5

Os dois planos de Histoire de la sexualité

1976 1984

1. La volonté de savoir (1976)

2. La chair et le corps 2. L’usage des plaisirs (1984) 3. La croisade des enfants 3. Le souci de soi (1984) 4. La femme, la mère et l’hystérique 4. Les aveux de la chair 5. Les pervers

6. Population et races

Os volumes publicados são mencionados em bold.

14 de Outubro (1)

(1) Michel Foucault (cont.): Precurso (fim). - A mudança no pensamento de

Foucaultentre 1976 e 1984: Caracterização da mudança na base da comparação entre os doisplanos da “História da Sexualidade”. As duas perspectivas sucessivas (pelo

“controlosocial”, por um lado; pelos “sujeitos” por outro) como talvez complementares. Causas possíveis desta mudança: (a) vontade de Foucault de nunca deixar o seu

pensamento imobilizar-se; (b) mudanças sucessivas do pensamento sobre o governo, ligadas às suas investigações: governo pela repressão; governo dinamizador de actividades sociais; governo através dos sujeitos; governo de si pelos sujeitos. (c) Vontade de Foucault de se afastar de um certo tipo de discussão política, depois de ter sido duramente criticado pela apreciação positiva que, numa fase inicial, tinha feito da revolução iraniana.

-Abertura do debate sobre a Pós-modernidade pelo livro de Jean-François Lyotard, La

condition post-moderne, 1979: já não se pode falar da realidade social por grandes

narrativas; devem preferir-se pequenas narrativas. Foucault considerado como próximo desta tendência. Criticado por isso por Habermas.

Foucault sobre o direito: principal contributo: Vigiar e Punir. Intenção do livro: alterar as condições nas quais se debatem os problemas das prisões. Modo de abordar o tema: situar as prisões no contexto de um sistema de pensamento mais amplo (comparar com As palavras e as coisas); reconstituir este sistema pelo estudo de documentos mas também de dispositivos materiais (arquitectura) (comparar com a História da Loucura). Interrogação central: porquê se passou dos suplícios do Antigo Regime, não para uma prisão concebida como um meio de “requalificação dos cidadãos”, mas sim para um dispositivo “disciplinar”. Resposta: porque as estruturas de poder tornaram-se, de maneira geral, disciplinares, isto é: assente em mecanismos de apertada vigilância, que (a) permitem acumular dados sobre as populações (cujo tratamento dará lugar ao desenvolvimento de ciências sociais), (b) levam cada um a vigiar-se a si próprio, sabendo que é actualmente vigiado. Reveladora desta modalidade de poder: a arquitectura “panóptica”.

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14 de Outubro (1)

(2) Michel Foucault e o direito (cont.): Implicações da hipótese do sistema de

pensamento disciplinar para a reflexão sobre o direito: (a) a prática do direito deve ser vista como componente de mecanismos de exercício do poder; (b) nestes mecanismos, o direito actua em combinação com outros dispositivos, nomeadamente as ciências; (c) alterações no direito e nos dispositivos conexos poderão ser analisadas como revelando alterações nas formas de exercer o poder (época actual: importância de mecanismos “reguladores”). – Evolução posterior de Foucault: não apenas “o controle social”, mas todas as reacções que se verificam contra qualquer forma de poder: ver última frase de

Vigiar e Punir: deve estar-se atento ao “grondement de la bataille” (frase justamente

realçada por Antonio Negri). Processus jurídicos / judiciários podem, pelas reacções que podem suscitar nos/nas que neles se encontram envolvidos/as, favorecer tomadas de consciência de uma subjectividade, da sua capacidade de actuar criativamente como sujeito.

Luhmann: o percurso: biografia (ver sinopse, documento separado): jovem no fim da guerra; inicia vida profissional na fase de intensiva reconstrução da RFA; formação como jurista; tempo nos EUA onde tem aulas com Talcott Parsons; doutora-se em sociologia; entra em sociologia formulando o seu programa de trabalho sob o título “Soziologische Aufklärung”; entra em Bielefeld onde permanece até se reformar, implementando o seu projecto de investigação: formular uma teoria da sociedade. Apresentação da obra: três fases: livros de ciência da administração; livros de sociologia do direito e de sociologia geral, formulação da sua teoria dos sistemas e realização metódica de um programa de publicações percorrendo os vários sistemas funcionais diferenciados, até abordar – último livro do autor – a própria sociedade. – Explicação da produtividade do autor: diz não dedicar-se principalmente à escrita de artigos e livros, mas sim ao preenchimento do seu ficheiro de trabalho (Zettelkasten; um pequeno filme sobre este ficheiro, razoavelemente bem realizado, pode ser actualmente visto

em“YouTube” ). Relação entre o funcionamento deste ficheiro e o conceito de sistema social em Luhmann: conjunto delimitado em relação ao exterior, que funciona pela forma como se estabelecem relações internas.

Questão organizativa: registo das preferências de artigos a analisar pelos/as estudantes na UC (lista das escolhas feitas em documento separado).

21 de Outubro

(1) Luhmann: as propostas teóricas. Não esquecer: evoluíram muito no tempo.

Principalmente duas etapas. (a) Anos 1960-70: forte influência ainda de Parsons. Visão mais optimista do papel da sociologia como sociologia funcionalista. Principal tese quanto ao direito: uma estrutura necessária nas sociedades funcionalmente

diferenciadas; “protegendo” cada sistema contra os outros (Grundrechte als Institution, 1965), facilitando a produção de novas normas (Legitimação pelo procedimento, 1969), garantindo as expectativas normativas numa época em que os costumes já não são consensuais e as regras demasiado complexas para se apoiar em valores partilhados (Rechtssoziologie, 1972). (b) A partir dos anos 1980: desenvolvimento da teoria dos sistemas. Principais elementos desta teoria: (i) entender os sistemas a partir das suas operações, da maneira como estas se ligam umas com as outras, e da maneira como

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certos encadeamentos de comunicações se distinguem de outros. Códigos binários como mecanismos que estabelecem estas ligações e permitem a diferenciação entre sistemas. (ii) na periferia deste encadeamentos de comunicações, podem existir “reservas” de comunicações menos rigorosamente conectadas. Luhmann fala em medium. No caso do direito, a argumentação produz este medium. (iii) Entre diferentes sistemas, não há relações imediatas; têm que existir mecanismos de “structural coupling”. (iv) Tipos de sistemas: organismos, sistemas psíquicos, sistemas sociais. Entre os sistemas sociais: interacções, organizações, sistemas funcionalmente diferenciados, a sociedade-mundo. (2) O direito na teoria dos sistemas. Um sistema funcionalmente diferenciado entre outros, com mecanismos de structural coupling que o ligam a estes (contrato e

propriedade entre direito e economia; constituição entre direito e política). A prática do direito como, simultaneamente, operações do sistema jurídico, operações das

organizações que sustentam o funcionamento do sistema jurídico (entre estas, um tipo sui generis de organização complexa sui generis: os sistemas jurídicos nacionais), e operações correspondendo a interacções. O sistema jurídico como, também, plano de comunicação mundial pela qual se concretiza actualmente, embora imperfeitamente, uma sociedade-mundo.

Habermas: o percurso em sete etapas: (a) No imediato pós guerra, confrontado com fragilidades da democracia na República federal; vontade de melhor entender o

funcionamento do espaço público, como dispositivo necessário à democracia. Etapa de trabalho no Institut für Sozialforschung. (b) Face aos problemas encontrados no espaço público, privilegia por algum tempo o debate no interior da universidade; intervém no chamado “Positivismusstreit”, debate entre os que preconizam uma ciência assente em procedimentos rigorosos de observação, e os que consideram que as próprias condições de observação devem ser postas em discussão. (c) Em 1968, simpatiza numa primeira fase com os estudantes. Mais tarde, qualifica de “Fascismo de esquerda” certos

excessos, o que conduz à ruptura com o movimento estudantil. (d) Procura distanciar-se dos debates públicos; redige a Teoria da Actividade comunicacional.

28 de Outubro: Docente ausente; aula compensada em 15 de Dezembro de 2008.

4 de Novembro de 2008

(1) Habermas, percurso (cont.). (d) Fase conduzindo à redacção da Teoria da actividade

comunicacional: debate com Niklas Luhmann; direcção, com Carl von Weizsäcker, de

um Instituto Max-Planck para o estudo das condições de vida na sociedade técnico-científica. Trabalho sobre a TAC como reflexão sobre as condições da comunicação em debates públicos e em debates especializados. (e) Regresso à universidade. Trabalho mais filosófico de “ética da discussão”; debate com filósofos “pós-modernos” (ver aula sobre Foucault); intervenção em debates públicos sobre o papel da Alemanha na história. Passa a separar duas linhas de publicações: os trabalhos “académicos”; e os “escritos políticos” (Kleine politische Schriften). (f) Passa a tratar a questão normativa: como deveremos organizar a nossa comunicação para podermos, enquanto sociedade complexa, governar-nos a nós próprios. Importância do direito. Trabalho de vários anos, em debate com juristas alemãs e de outros países, sobre o papel do direito nas

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ao caso concreto do processo de reunificação da Alemanha. (g) época mais recente: intervenções em debates públicos sobre vários temas. Focos de interesse: o governo na sociedade-mundo e na Europa; as bio-tecnologias; as relações entre razão e religião. (2) As propostas teóricas de Habermas. A teoria da actividade comunicacional:

Analisando como comunicamos hoje em dia, Habermas constrói um modelo complexo do “circuito” actos de comunicação – Lebenswelt. Uma forma de reconstituir este modelo: teríamos quatro circuitos paralelos, que podem ser reconstituídos a partir do raciocínio seguinte. Por um lado, os actos de comunicação são eficazes na medida em que se identificam por quatro coordenadas: a sua relação com o mundo (fala-se de alguma coisa); com um locutor (alguém que fala); com um ouvinte (fala-se a alguém); com a própria língua (falar significa servir-se de forma consciente dos símbolos

linguísticos). Por outro lado, o facto de se poder comunicar relaciona-se com o facto de certas realidades serem reconhecidas como claramente diferenciadas na nosso

experiência-Lebenswelt : reconhecemos a existência de personalidades, de sociedades, e de culturas; também reconhecemos que existe uma “realidade”. Assim a actividade comunicacional dá lugar às quatro componente da Lebenswelt: ao afirmar um locutor, cria personalidade; ao actualizar uma relação com um ouvinte, cria sociedade; ao mobilizar símbolos, cria cultura; ao referir factor, cria realidade.

As condições nas quais comunicamos evoluíram profundamente com a entrada na modernidade. Por um lado, a três âmbitos culturais de comunicação que se

especializaram em três “pretensões para a validade”: a ciência (veracidade); o direito (correcção); a arte (autenticidade). Por outro lado, há dois domínios (sistemas) nos quais os indivíduos deixaram de dominar actualmente os símbolos que mobilizam (não pode haver discussão): na administração e na economia: não se discutem os poderes

legalmente atribuídos; não se discute o valor do dinheiro. Uma tese formulada em vários locais na Teoria da Actividade Comunicacional: o domínio dos sistemas

estender-se-ia progressivamente, enquanto diminuiria o âmbito onde podemos definir o sentido das nossas experiências. O que é designado de “colonização da Lebenswelt”. Este tese é ilustrada por Habermas pelos resultados de investigações de sociologia do direito, que observam a tendência em regulamentar cada vez mais domínios da

actividade social, nomeadamente a família e o sistema educativo, por normas jurídicas: a chamada “juridicização” (ver o texto de Habermas dedicado a este tema).

Facticidade e validade: Reconhece o lugar central que ocupa o direito nas sociedades modernas: participa na institucionalização, por um lado, da administração do Estado; por outro lado, da economia (os sistemas); por outro lado, participa na constituição da

Lebenswelt, pelo reconhecimento dos direitos fundamentais da personalidade, isto é: da

dignidade de cada um como interlocutor na comunicação humana.

– Reconhece as funções cruciais que o direito deve desempenhar nas nossas sociedades: garantir a mediação entre sistemas e Lebenswelt; garantir a coexistência de grupos com formas de vida e experiências do mundo muito diferentes.

– Pretende identificar de que maneira o direito pode desempenhar estas funções. Em primeiro lugar, pode articular sistemas e Lebenswelt pelo facto de os procedimentos jurídicos formalizados (tomada de decisão administrativa; debate parlamentar) terem lugar sempre no contexto de debates espontâneos. Em virtude desta característica dos procedimentos jurídicos, os debates espontâneos podem “cercar” a tomada de decisões formais; o direito funciona como um conjunto de “comportas” pelas quais os temas interessando o público podem ser canalizados para as arenas de debate formalizado. Este mecanismo será facilitado, em segundo lugar, na medida em que os juristas

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desempenham a sua profissão de uma certa maneira, isto é: atentos ao seu papel de mediadores entre esferas societais. Ou seja, devem actuar de acordo com o que Habermas chama o paradigma jurídico processualista (nos procedimentos nos quais participa, o jurista deve procurar mobilizar o direito de maneira a favorecer uma expressão construtiva dos vários interesses em presença) ; ultrapassando

progressivamente a oposição entre dois paradigmas mais tradicionais: o paradigma formalista (o jurista deve procurar aplicar correctamente a lei) e o paradigma providencialista (o jurista deve procurar restabelecer a justiça social).

Exemplo de aplicação do paradigma processualista: Habermas preconiza a reunificação da Alemanha pela via da elaboração de uma nova constituição, que cria as condições para um procedimento no qual os Alemães poderão desenvolver uma experiência comum da reunificação. Afinal optou-se pela outra solução: manter o Grundgesetz, os Länder da RDA aderindo a este. O debate não teve lugar. A integração entre as duas partes da Alemanha foi, durante anos, um tema sensível.

Indicações para os trabalhos a realizar pelos estudantes. Estes deverão incluir necessariamente os seguintes pontos:

- Contextualização: o texto analisado na obra / no percurso do autor. - As interrogações (citá-las textualmente e comentá-las)

- Organização do texto, modo de argumentação. - Conceitos (comentar as definições)

- As conclusões do autor.

- Dar conta das suas próprias experiências de leitura. O que se retirou do texto.

11 de Novembro de 2008

(1) Os trabalhos mais recentes do Habermas incidem no direito internacional. Trata-se dos dois textos seguintes:

HABERMAS, Jürgen (2004), « Hat die Konstitutionalisierung des Völkerrechts noch eine

Chance ? » [Ainda haverá alguma hipótese de constitucionalização do direito dos povos?], in : Der gespaltene Westen [O Ocidente divido] (2004), pp. 113-193. – (2005), « Eine politische Verfassung für die pluralistische Weltgesellschaft ? »

[Uma constituição política para uma sociedade-mundo pluralista?], Neue Zürcher

Zeitung, 11-12 décembre 2004, rééd. in: ID., Zwischen Naturalismus und Religion

[Entre o naturalismo e a religião], Francfort, Suhrkamp, pp. 324-365.

Textos elaborados em relação a um processo de reflexão sobre possíveis reformas das Nações Unidas, iniciado por Kofi Annan. Processo no qual a Alemanha tinha interesse em participar activamente, na perspectiva de um reforço da sua posição institucional. Considera que uma ordem mundial deveria desenvolver-se paralelamente em três planos.

(i) Num primeiro plano, deve haver normas de garantia dos direitos humanos básicos e de prevenção dos conflitos armados; estas normas gozam de uma legitimidade

suficiente, manifestada pelas reacções da opinião pública às notícias sobre violações graves dos direitos humanos e podem, logo, ser sancionadas eventualmente por meios

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militares. A organização que assumiria esta função poderia ser a Organização das Nações Unidas, que se deveria concentrar nestas questões.

(ii) Num segundo plano, deveriam instituir-se arenas de negociação mundial das grandes opções de desenvolvimento económico, social e ecológico; nestas arenas, deveriam confrontar-se grandes actores da política internacional, isto é: as

superpotências actuais assim como blocos de países que deveriam alcançar uma maior capacidade de acção internacional, nomeadamente a Europa.

(iii) O terceiro plano é o da formação destes blocos de países, pelo facto de os países que os compõem se experienciarem, tanto ao nível dos governos como ao nível dos cidadãos, como componentes destes blocos regionais, isto é, entidades dotadas de uma coerência interna, e assumindo um determinado papel no plano mundial. O que está em jogo a nível nacional é que os cidadãos adquiram a noção de que a sua participação política no plano nacional tem implicações nos planos regionais e mundiais.

Este modelo da ordem internacional aproveita vários elementos de reflexão desenvolvidos ao longo do percurso do autor. No primeiro plano, utilisa a ideia, defendida em Facticidade e Validade, segundo a qual o direito, pela forma como

relaciona procedimentos formalizados com espaços públicos espontâneos, transforma os constrangimentos fracos do poder comunicacional em constrangimentos fortes do poder administrativo. No terceiro plano, apoia-se no conceito de solidariedade cidadã,

desenvolvido depois de Facticidade e Validade: os cidadãos adquirem, na prática política e das suas relações com o Estado, a noção de que têm em comum uma certa relação com o Estado, com direitos e obrigações, noção que cria uma certa

solidariedade; os mesmos cidadãos intervêm na política em função desta noção. No segundo plano, volta a dar mais relevo ao tema da autonomia dos sistemas em relação à

Lebenswelt, tema que se inspira na obra de Luhmann, e do qual Habermas se tinha

afastado desde a Teoria da Actividade Comunicacional. Restaria articular melhor este compente “sistemico” da ordem mundial com os dois outros. Articulação que Habermas não chegou a aprofundar.

11 de Novembro de 2008

(2) Sobre o Pierre Bourdieu em geral: O seu lugar na cronologia geral apresentada no inicio do semestre: trabalhou muito na base das obras dos clássicos Durkheim e Weber. Contribuiu para a recepção em França de Goffman, sociólogo americano que se afastava do funcionalismo de Talcott Parsons. Apareceu – e apresentou-se – de alguma forma como um sucessor de Michel Foucault. Colaborou com Habermas em esforços em criar um espaço intelectual europeu. Manifestou nalgumas ocasiões uma nítida hostilidade a Luhmann, preocupado em marcar diferenças entre as suas propostas teóricas e as de Luhmann.

Percurso em cinco etapas sucessivas: (i) investigações sobre meios sociais desfavorecidos (os Kabilos na Argélia; as classes populares e população rural em França). Com a vontade de fazer melhor reconhecer estes meios sociais e as suas diferenças em relação à elite francesa instalada em Paris.

(ii) Progressivo reforço dos meios organizados de investigação: retoma a direcção de um centro de investigação, publica um manual de sociologia, lança uma revista,

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concorre para uma cátedra no Collège de France. Consegue desta maneira formar uma equipa de investigação bem formada e dotada de importantes meios materiais.

(iii) Tendo conseguido entrar no Collège de France, manifesta uma grande preocupação em não se deixar condicionar intelectualmente pelo facto de ter alcançado esta posição. Neste sentido, empreende vários trabalhos de investigação agora sobre as elites e sobre os meios sociais onde actuam os que dominam a sociedade francesa: os técnicos superiores da função pública, a cultura, a economia, etc.

(iv) Na realização de uma investigação sobre a formação de um novo mercado – o mercado da habitação: os franceses são incentivados em comprar e fazer construir casas próprias –, constata os efeitos do endividamento, da desertificação do espaço público, e da degradação das zonas progressivamente abandonadas pelas classes médias, e, mais geralmente a aparição de novas formas de pobreza. Considerando que o debate publico deste tema não é bem conduzido pela comunicação social, lança um livro destinado a ter uma grande divulgação e a alterar as condições deste debate: não um livro de

investigação, mas uma recolha de entrevistas de pessoas que vivem situações de precariedade: La misère du monde (1993). Grande êxito deste livro. Bourdieu aparece agora como um autor político.

(v) Últimos anos: por um lado mais intervenções políticas. Por outro lado, livros nos quais procura dar mais coerência ao seu trabalho teórico (Meditações pascalianas;

science de la science et réflexivité). Neste sentido, ver a contracapa das Maditações

pascalianas:

(2) Elementos da teoria da sociedade de Pierre Bourdieu. Recorda-se primeiro que Bourdieu, comparado com os três outros autores é quem dá mais importância ao trabalho de observação directa, “no terreno”, da realidade social. Elabora no entanto uma teoria, mas formula mais globalmente esta teoria no fim da sua carreira; até lá, desenvolve conceitos, que são ferramentas indispensáveis para a observação. Principalmente dois conceitos:

O Habitus: uma maneira de entender a realidade social sem dar uma importância

excessiva à subjectividade individual. Actuamos de uma certa forma porque adquirimos reflexos, disposições. Estes reflexos e disposições, por um lado, são adquiridos porque existem dispositivos que favorecem a sua interiorização (família, escola, outros

dispositivos de aprendizagem) e mantém-se porque têm uma certa eficácia social (as nossas atitudes são intelegíveis para os outros, o que facilita a interacção). Ao mesmo tempo, a facilidade com a qual as conseguimos reproduzir e a sua eficácia na interacção permitem-nos actuar de maneira eficaz. Ou seja: o habitus simultaneamente

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condiciona-nos e dá-condiciona-nos meios de acção. Conceito desenvolvido em particular quando Bourdieu observa as actividades de pessoas que não beneficiaram de uma formação intelectual avançada.

Os campos: Bourdieu verifica que existem domínios de actividade diferenciados, e que se diferenciam pelo facto de se travar uma luta, na qual se envolvem pessoas que ocupam posições diferentes, luta essa pela qual se vai definindo progressivamente um objecto (o que está “em jogo” na luta), e pela qual este objecto adquire uma certa

relevância social (o que merece que haja luta deve ter um certo valor, na perspectiva dos combatentes como na perspectiva de pessoas exteriores). À medida que esta importância é reconhecida, torna-se também mais importante definir quem pode participar na luta: desenvolvem-se então mecanismos de “filtragem” no acesso ao campo, garantindo que entrem no campo apenas os que adquiriram o Habitus adequado as lutas que deverão ser travadas. Exemplos de campos, entre muitos outros, onde Bourdieu e os seus assistentes observam estes mecanismos de importância de um fenómeno conferida pelas lutas às quais dá lugar: a moda, a banda desenhada (na época: a luta entre Tintin e Pilote, jornal onde se publicava Asterix). Conceito desenvolvida precisamente na fase em que

Bourdieu estava a posicionar-se de maneira polémica face a outros autores franceses em sociologia, abordando a sociologia como um campo, que teria tudo a ganhar das lutas travadas entre autores. Existe aliás um documentário sobre Bourdieu intitulado “A sociologia, um desporto de combate”.

18 de Novembro de 2008

(1) O direito na obra de Pierre Bourdieu. Existe um conjunto de artigos dedicados ao direito, publicados num intervalo relativamente breve: entre os primeiros anos 1980 e os primeiro anos 1990. Mas este período é também o período durante o qual o pensamento de Bourdieu evolui mais, talvez em parte por causa das reflexões que lhe sugerem a observação do direito.

Porque o direito é tratado apenas em alguns artigos, este aspecto da obra de Bourdieu é pouco comentado. As introduções a Bourdieu costumam ignorar a sua contribuição à sociologia do direito.

Contexto deste trabalho: os primeiros anos no Collège de France e a vontade de Bourdieu de entender o funcionamento das elites sociais, utilizando o conceito de campo. Entre os campos que pretende estudar: o direito. Vai, nesta perspectiva,

organizar um seminário no CF onde vários investigadores sociólogos vão apresentar os seus trabalhos sobre o direito. Para dar fundamento teórico a este trabalho, Bourdieu escreve o texto “A força do direito” que publica na sua revista. As contribuições dos outros sociólogos – Yves Dezalay, Alain Bancaud, Anne Boigeol (actual presidente do RCSL) e outros, serão publicados alguns anos mais tarde. Estes contactos de Bourdieu com sociólogos do direito vão ter como consequência que Bourdieu é convidado em pronunciar a conferência de encerramento do primeiro congresso mundial de sociologia do direito, em Amesterdão em 1991.

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Desenvolvimento do conceito de Habitus. As regras jurídicas são maneiras de codificar as condutas, isto é, de ir além da simples reprodução de hábitos, e de procurar formular o que convém fazer. Primeira questão: quais as condições que podem favorecer este esforço de codificar as condutas? Quando certas actividades são particularmente perigosas (utilização de armas, por exemplo); ou quando as condições são pouco favoráveis para o desenvolvimento de um habitus comum: sociedades multiculturais. Segunda questão: quais são os efeitos desta codificação? As regras podem tornar-se mais constrangedoras, mas também são criadas melhores condições para reflectir sobre as regras sociais e para as rever. Bourdieu faz um paralelo entre a actividade jurídica de codificação e a actividade sociológica de conceptualização.

Aproveitamento do conceito de campo: o direito deve a sua força social ao facto de existir um campo jurídico, isto é: uma arena de luta entre várias concepções do direito. Os Estados modernos – os monarcas – teriam favorecido o reconhecimento deste

campo, pois os juristas podiam desempenhar a função de formular conceitos úteis para a consolidação do poder de Estado, a começar pelo conceito de soberania. Na actualidade, entre os conflitos entre juristas que contribuem para o prestígio social do direito, temos as tensões entre privatistas e publicistas; ou entre os que defendem um modelo clássico de justiça e os que defendem modelos alternativos (exemplo: julgados de paz).

O direito na teoria da razão escolástica: A teoria da razão escolástica: consiste em combinar os conceitos de campo e de habitus: ter-se-iam formado, nas sociedades modernas, campos nos quais o que está em jogo é adoptar uma perspectiva distanciada sobre a realidade social. É o que Bourdieu chama a “razão escolástica”. Estes campos são, nomeadamente, a ciência e o direito. O facto de se poder alcançar esta visão distanciada, segundo Bourdieu, pode ser considerado como uma conquista, pois alcançamos assim meios de actuar sobre a realidade social; mas trata-se de uma

conquista que não resulta de esforços ou de génios individuais, mas de combates que se travaram e continuam a travar-se. Para participar nestas actividades, nestes combates, é preciso adquirir um determinado Habitus, requerido para se poder intervir eficazmente nos campos onde se produz a razão escolástica. Ora, a aquisição deste habitus implica uma progressiva perda da capacidade de entender a realidade mais quotidiana; de entender a sua própria prática. Além da luta pelo alcançar do distanciamento

escolástico, deve, portanto, travar-se também uma outra luta, contra os efeitos negativos deste distanciamento. Neste sentido, mais concretamente, Bourdieu considerava que se devia não apenas fomentar o debate entre cientistas, mas também manter um debate permanente entre cientistas e activistas políticos.

Bourdieu refere em várias ocasiões que o direito é um dos campos onde se produz razão escolástica. Mas aprofunda pouco o caso do direito nas suas últimas publicações.

Deixam-se deduzir dos seus trabalho várias linhas de reflexão: o pensamento jurídico como um pensamento distanciado sobre a realidade social, com um potencial de crítica às condições sociais que prevalecem actualmente (pense-se na afirmação dos direitos humanos). Mas ao mesmo tempo, um pensamento afastado da realidade social quotidiana (por exemplo pela sua maneira de procurar atribuir qualquer acto a uma vontade subjectiva). Um pensamento que ganha, por um lado, em haver mais debates entre juristas; por outro lado em haver debates entre juristas e não juristas,

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18 de Novembro de 2008

(2) Boaventura de Sousa Santos: diferença em relação aos quatro outros autores: não pertence à mesma geração. Alcança fase de maior produtividade quando se entra na época da globalização. Comparável com os outros quatro pela forma de abordar o direito a partir de uma teoria geral da sociedade; obra discutida fora da sua região linguística de origem.

Etapas:

(i) Formação inicial como jurista em Coimbra, mas possibilidade de aprofundar esta formação no estrangeiro, primeiro na Alemanha, depois nos Estados Unidos. Completa a sua formação em sociologia do direito com o seu doutoramento sobre modalidades de resolução dos conflitos numa favela brasileira.

(ii) Regresso a Portugal coincide com o 25 de Abril. Participa na criação de uma área de ciências sociais na faculdade de economia da Universidade de Coimbra. Posiciona-se nas ciências sociais em Portugal ao lançar a Revista crítica de ciências sociais e ao criar o Centro de Estudos Sociais. Neste âmbito, procura desenvolver também a sociologia do direito (número especial da RCCS; organização em Coimbra de um grande encontro de Critical Legal Studies nos anos 80. Esforços travados pela faculdade de direito de Coimbra.

(iii) Meados dos anos 1980: Primeira tentativa de desenvolver a sociologia do direito em Portugal. Número especial da revista crítica de ciências sociais; associação para o estudo do direito em sociedade.

(iv) Fim anos 80: Fase de reforço da sua legitimidade de teórico da sociedade em Portugal; de reforço do seu dispositivo de investigação (publicação de Portugal. Um

retrato singular, como demonstração dos recursos do CES – Centro de Estudos

Sociais); de consolidação da sua posição de sociólogo do direito nas associações internacionais (um dos conferencistas convidados na inauguração do Instituto internacional de sociologia do direito).

(v) Alcança posição privilegiada para desenvolver a sociologia do direito quando é encarregue pelo CEJ de levar a cabo uma grande investigação sobre os tribunais em Portugal. Concluído este trabalho, cria-se, sob a sua responsabilidade, o Observatório permanente da justiça portuguesa.

(vi) Recentemente muito activo no movimento “altermundialista” (Forum Social mundial).

Procedimentos: (a) utiliza eficazmente a retórica, cujos efeitos também tem estudado nos seus trabalhos sobre o direito; (b) identificou a importância da dimensão

organizacional do trabalho em ciências sociais e reforçou o seu dispositivo em função disto; (c) relaciona experiência da intervenção política com conhecimento cientifico; (d) aproveita a posição semiperiférica de Portugal, considerando que oferece um bom ponto de vista para estudar os efeitos da globalização.

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Consultados os estudantes é fixado em 9 de Dezembro o prazo para entrega dos trabalhos escritos.

25 de Novembro de 2008

(1) Aula adiada para possibilitar aos estudantes a participação num debate organizado pela associação de estudantes.

25 de Novembro de 2008

(2) O direito na obra de Boaventura de Sousa Santos. Consideração geral: a preocupação central é ultrapassar a compartimentação do saber na modernidade. Estabelecer ligações entre o direito e a política, e entre o direito e a ciência.

(a) O pluralismo jurídico: ponto de partida: a oposição entre o direito oficial e o direito da comunidade (trabalhos dos anos 1970-80). Modelo tornado mais complexo nos anos 1990-2000, com a elaboração de um mapa estrutural das sociedades capitalistas no sistema mundial. Apresentação e comparação de duas versões sucessivas deste mapa: na RCCS 30, 1990 e em Crítica da Razão Indolente, 2000 (ver a seguir ao presente

sumário na versão “word” dos sumários completos). Observação de método quanto a estes quadros: representam divisões, pelas casas das tabelas; estas divisões têm um estatuto ambivalente: correspondem a realidades, na medida em que se conseguiram processos de diferenciação nas sociedades modernas; mas indicam também separações que se deve procurar ultrapassar na prática. Assim o movimento “contra-hegemónico” de que BSS considera que está a ganhar força à escala global, tem força porque reúne dinâmicas globais, de cidadania (nos Estados), oriundas das comunidades, e também do espaço doméstico (movimentos mulheres).

(b) Direito na semi-periferia. BSS procura precisar o conceito de semiperiferia proposto por Immanuel Wallerstein. Define-o pela descoincidência entre estruturas produtivas (a economia) e estruturas de reprodução (o Estado). As primeiras próximas das condições da periferia; as segundas das condições do centro. Resultado no plano do direito: leis que são próximas das que vigoram em países do centro não são efectivas por que os actores sociais que deveriam intervir na sua aplicação não têm forças suficientes. Hipóteses de alguma maneira confirmadas em Os tribunais nas sociedades

contemporâneas (1996): os cidadãos utilizam pouco os meios jurídicos que são postos à

sua disposição; estes meios são utilizados sobretudo por grandes empresas na cobrança das dívidas dos consumidores.

(c) Direito pós-moderno: o direito moderno resultaria de – e teria contribuído a favorecer – um predomínio do Estado e da economia entre os âmbitos estruturais da sociedade, e de uma concepção segundo à qual o único direito que vale é o direito do Estado. Para ultrapassar esta situação, devem revalorizar-se as formas de legalidade que emergem noutros âmbitos de sociabilidade, onde são consubstanciais de formas de conhecimento essas também alternativas às formas autorizadas de conhecimento (a ciência). Isto é, deve desenvolver-se um “novo senso comum”. Processos de valorização deste novo senso comum terão mais facilmente lugar na semi-periferia, onde a

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2 de Dezembro de 2008

(1) Síntese: Os autores tratados podem ser considerados como uma “amostra” da comunidade que, nas ciências sociais, se debruça sobre o direito. Depois dos retratos individuais, procura-se reconstituir um mapa mais global dos trabalhos desenvolvidos por esta comunidade. Os temas destes trabalhos evoluíram. Para ter uma noção mais nítida das evoluções, pode comparar duas gerações: os fundadores (aos quais se pode juntar Talcott Parsons e os seus contemporâneos, que “re-fundaram” a sociologia depois da segunda Guerra Mundial), e os mais recentes (tratados nas aulas anteriores). Têm em comum a preocupação de abordar o direito no contexto de uma concepção mais

abrangente da realidade social. Deve, pois, analisar-se sucessivamente as concepções da realidade social em geral (as duas aulas de hoje) e, com este pano de fundo, os trabalhos sobre o direito (próxima semana).

Conceptualização da realidade social: comentário ao quadro incluído na versão

completa dos sumários. Dimensões: a realidade social é abordada (i) como composta de sub-conjuntos (de pessoas, de actividades) que nela coexistem (Composição); (ii) como feita de elementos de natureza diferente, que se poderão encontrar em muitos ou todos os sub-conjuntos (constituição); como animada por dinâmicas diferentes ) (iii).

Principais evoluções: No plano da composição: importância primordial do tema da diferenciação social; diversificam-se os campos/sistemas estudados; torna-se mais abstracto e, logo, versátil, o conjunto de conceitos elaborados para os analisar; as classes sociais permanecem como tema importante, embora cada vez menos a título de actores, e mais como correspondendo a categorias pelas quais cada um se situa no universo social. Importância crescente de outros grupos sociais; entre estes os que resultam da actuação do próprio Estado. A tensão entre macro-estruturas e experiência das

interacções, de motivo de debate entre escolas, passa a ser um tema teórico próprio. A tensão entre os discursos e as práticas motiva o desenvolvimento de uma sociologia do imaginário. Ganham terreno as teorias que procuram ter em conta simultaneamente as tendências para a integração e as para o conflito. Pode falar-se de “função integradora do conflito” (Lewis Coser). As concepções da mudança social sofrem uma profunda alteração: perde terreno a noção de “progresso”, face aos que sublinham os efeitos também negativos deste (“ambivalência da modernidade”), os que sublinham o carácter aleatórios dos processos evolutivos, e os que consideram que se deve deixar de procurar o “Progresso” e investir em processos locais de emergência de o “novo senso comum”. Os autores recentes afastam-se de uma noção de sociedade que corresponde à

“sociedade nação”, considerando a importância das influências globais sobre os processos societais locais; a crescente individualização de muitos processos sociais; o facto de uma parte da população ficar de tal maneira desconectada das várias redes de sociabilidade que se pode falar em “exclusão social”.

Temas Fundação / Reconstrução Época recente (autores tratados)

Diferenciação

funcional Divisão do trabalho social (Durkheim) Subsistemas sociais (Parsons)

Diferenciação funcional (Luhmann) Os campos sociais (Bourdieu) Diferenciação das esferas de acção / comunicação (Habermas) C o m p o -s ão Classes /

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Outras

categorizações Delinquência (Foucault) Género, Etnicidade Interacções /

Macro-estruturas

Estruturo-funcionalismo (Parsons)

“vs.” Interaccionismo (Goffman) Sistema e Lebenswelt (Habermas) Interacções, organizações, sistemas funcionais (Luhmann) C o n st it u ão Discursos /

Práticas Infra-estruturas / Superstruturas (Marx) Arqueologia / Genealogia (Foucault) Integração Solidariedade social (Durkheim)

Integração (Parsons) Telos do entendimento (Habermas) Solidariedade cidadã (Habermas) Conflito Luta de classes (Marx, Neumann) “Grondement de la bataille” (Foucault)

O combate no campo (Bourdieu)

D in â-m ic as

Mudança social Racionalização (Weber)

Sociedades modernas (Parsons) Modernidade inacabada (Habermas) Evolução (Luhmann) Pós-modernidade (B.S.Santos)

Globalização Sociedade-Mundo (Luhmann/Habermas)

Semi-periferia (B.S.Santos) Globalizações (B.S.Santos)

Individualização Sujeito (Foucault)

F ro n -t ei ra s

Exclusão Loucos/reclusos (Foucault)

Misère du monde (Bourdieu)

Meta-código exclusão (Luhmann)

2 de Dezembro de 2008

(2) Esta conceptualização da realidade social resulta de (i) experiências históricas. As principais: os compromissos de classe nas primeiras décadas de desenvolvimento dos Estados providência; a eficácia do trabalho de reconstrução no pós-Segunda Guerra Mundial; o aparecimento da “sociedade de consumo”; as revoltas estudantis que reagiram à disciplina da reconstrução e ensaiam novos modos de vida na sociedade de consumo; a crise do Estado providência; o fim da Guerra Fria e os processos posteriores de globalização e europeização; o desenvolvimento das novas tecnologias de

comunicação. (ii) Foi possível tirar destas experiências novas formas de pensar a realidade social, porque foi possível analisá-las com algum distanciamento. Pela observação sistemáticas (inquérito aos estudantes [Habermas]; a pessoas de várias categorias sociais; a técnicos superiores da administração francesa, a pessoas marginalizadas [Bourdieu]); pela elaboração conceitos permitindo comparações, generalizações, etc.: habitus, campos, panoptismo, sistema, Lebenswelt, etc. etc., assim como todos os conceitos armazenados no “Zettelkasten” de Luhmann; pela discussão intensiva de vários aspectos destas transformações, em particular nos debates entre funcionalistas e interaccionistas, entre existencialistas e estruturalistas, entre “modernos” e “pós-modernos”, por um trabalho intensivo de reformulação das experiências em livros (Les mots et les choses, Surveiller et punir). (iii) Porque se procurou, paralelamente ao trabalho de entendimento do que estava actualmente a acontecer, os autores de ciências sociais também procuraram analisar melhor as condições nas quais eles próprios estavam a pensar (Luhmann, ao pensar no

funcionamento da sua caixa de fichas; Bourdieu, a analisar a conflitualidade do campo científico do qual ele próprio faz parte).

Referências

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