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A importância do uso do conceito Água Virtual à luz da atual crise de recursos hídricos no Brasil.

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A importância do uso do conceito “Água Virtual” à luz da atual crise de

recursos hídricos no Brasil.

Autores: Karen Regina de Souza; Ana Maria Jara Botton Faria

RESUMO

O presente artigo busca elucidar a luz da atual crise de recursos hídricos no Brasil a crescente valoração da aplicação do conceito de “Água Virtual” como uma das principais ferramentas inovadoras contra o esgotamento dos sistemas hídricos brasileiros. Esse termo inovador além de trazer uma conscientização sobre a quantidade de água utilizada para produzir produtos que circulam no mercado, é considerado um instrumento estratégico importante para política da água na sociedade contemporânea. Dada essa importância, esse artigo tem como eixo condutor abordar tanto o uso do conceito de “Água Virtual” no cenário brasileiro, seu vínculo com o setor de exportação, suas contribuições para a preservação de água no meio ambiente, quanto seus impactos sobre o mercado nacional e internacional. Em suma, para adentrar no universo do uso da expressão “Água Virtual” este artigo buscará mostrar desde a necessidade da análise do tema, sua origem, construção de sua definição, até, por fim, o entendimento de seu funcionamento no cenário brasileiro atual.

Palavras – chave: Água virtual; recursos hídricos; crise brasileira.

1. INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, os conflitos relacionados à falta de compatibilidade entre o uso dos bens naturais de forma sustentável e o crescimento do desenvolvimento econômico estão cada vez mais presentes na sociedade global moderna. Podemos observar que paralelo ao auge da industrialização, da era tecnológica e da ciência houve um agravamento alarmante do índice de poluição dos recursos naturais. Essa problemática é causa de impactos relevantes tanto para preservação dos bens provenientes do meio ambiente quanto para o desenvolvimento político, econômico e social dos países. Dada à importância, a relação sustentabilidade versus desenvolvimento tornou-se alvo de discussões no cenário nacional e internacional entre representantes políticos, membros acadêmicos e especialistas.

No Brasil, um dos assuntos mais preocupantes, a exemplo dessa temática, é a atual crise dos recursos hídricos provocada pela presença de sinais de escassez e decaimento da qualidade da água. A água é um dos instrumentos mais utilizados em todos os campos da atividade humana, além de ser fundamental para preservação da própria existência da humanidade. O esgotamento desse líquido vital afeta desde atividades corriqueiras dentro do cotidiano dos seres humanos como beber água e a utilização para higienização pessoal a grandes produções industriais, geração de energia elétrica, abastecimento das cidades e

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principalmente para o setor agrícola, um dos principais setores que mais consomem água em sua produção.

No cenário brasileiro, segundo alguns especialistas, a crise hídrica vivenciada nos últimos tempos é fruto de um conjunto de questões ambientais acentuadas por problemas correlacionados a práticas econômicas sociais (GLEICK, 2000). Um dos fatores ambientais associados a problemas socioeconômicos contribuinte para a crise hídrica contemporânea são as mudanças hidrológicas extensas, onde há a promoção de insegurança alimentar e por consequência vulnerabilidade populacional. Conhecidos como períodos de mudanças climáticas intensas, a intercalação de períodos chuvosos prolongados e épocas de extrema seca relacionada às questões sociais e econômicas como a intensa urbanização, onde há ampliação da contaminação e da demanda por água (TUCCI, 2008), a ausência de infraestruturas adequadas de algumas regiões para sistemas de tratamento hídrico e, a falta de soluções governamentais para esta situação são as principais causas do estresse dos recursos hídricos e de sua deterioração.

Apesar de, o Brasil ser considerado uma potência hídrica por sua vasta riqueza natural sobre os recursos hídricos potáveis (12 % da porção de água doce do mundo está localizada no território brasileiro), a perda de seu potencial de água é constante e, na maioria das vezes ocorre de forma silenciosa. Essa situação ocorre também, pelo fato desse precioso liquido não ser distribuído de maneira uniforme pelas regiões nacionais. Cabe salientar que, a maior parte de recursos hídricos potáveis, cerca de 70%, encontra-se abrigados nos rios presentes no norte brasileiro, parte do país que possui menos de 5% da população nacional, enquanto outras regiões como o nordeste vivem em constante seca.

Um dos casos recentes acometido de forma silenciosa e surpreendente para sua população é a crise de abastecimento hídrico da região sudeste, atingindo também o Estado de São Paulo, considerado o grande centro econômico do país. Toda essa situação foi agravando-se por várias nuances, entre elas, a falta de chuvas, contaminação dos rios, o consumo elevado de água promovido pelos setores de irrigação, industrial e pelo abastecimento das cidades. A crise hídrica paulista tornou-se o foco das atenções pelo seu ineditismo e por acontecer em uma das cidades, símbolo econômico, mais influentes do país. Porém, milhares de nordestinos convivem com efeitos nefastos da estiagem ano após ano.

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Desde 2013, o nordeste brasileiro, por conta da ausência de chuvas provocada por fenômenos naturais, sofre com a pior crise de seca dos últimos 50 anos. Muitos, vivenciando essa situação, acabam abandonando seus lares em busca de uma vida melhor em outras regiões do país. O Governo Federal, com intuito de atenuar os graves problemas, busca promover políticas públicas de combate à seca no sertão nordestino. Dentro das políticas governamentais de combate estão: investimentos em obras de proteções contra as inundações e a seca, como a conhecida construção de açudes e, desenvolvimento de tecnológicos como sistemas coletivos de abastecimento de água.

Análogo à crise hídrica vivenciada pelos brasileiros, existem diversos locais do mundo em que os sinais de escassez dos potenciais hídricos são fatores de extrema preocupação. A falta de água corre sérios riscos de resultar em uma crise profunda, agravada cada vez mais pelo aumento das demandas sociais, pelas modificações resultantes dos fenômenos climáticos, pela poluição das fontes naturais e, pelo mau gerenciamento e uso dos fluxos hídricos. A escassez hídrica afeta principalmente o desenvolvimento socioeconômico das nações, como também, torna-se um grave problema para a própria existência humana. O consumo de água pelos cidadãos é vital para tornar sua sobrevivência possível. Dessa forma, o acesso à água potável de qualidade é um direito fundamental dos seres humanos, dado que, seu consumo é essencial para manutenção da vida e da saúde humana.

Diante desse contexto contemporâneo, o foco da política socioeconômica mundial volta-se a necessidade da promoção de políticas e tecnologias inovadoras, especialmente nativas, com intuito de assegurar a preservação dos bens naturais hídricos, proporcionar uma oferta ideal de água de qualidade para toda sociedade global, e por fim, proteger as fontes hidrológicas da poluição e da má administração de sua gestão. Atualmente, as ferramentas inovadoras, foco das potências mundiais, são investimentos em tecnologias que propiciam o reuso de águas contaminadas e em estudos científicos que promovem a conscientização da população sobre o uso do liquido essencial para a vida humana, a água.

Um dos estudos em voga com crescente valoração, auxiliando no entendimento sobre o uso da água em diferentes setores das atividades socioeconômicas, é o conceito “Água Virtual”, criação do professor Tony Allan em 1993, foco de análise deste artigo à luz do contexto socioeconômico brasileiro. O termo inovador é fruto das indagações de seu criador sobre a água, principal objeto de estudo ao longo de sua carreira científica. A “Água Virtual”

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é nada mais que a medição da quantidade de fluxos hídricos que é utilizado para produzir certo bem, produto ou serviço. Em outras palavras, trata-se de uma medida indireta sobre o valor de água que é gasto pelos processos produtivos. O objetivo dessa tecnologia inovadora é trazer uma conscientização sobre a quantidade de água gasta na produção de certos produtos, que muitas vezes passa despercebido. Dessa forma, tendo essa função, a utilização do conceito de “Água Virtual” ganhou espaço perante a atual crise de abastecimento hídrico mundial, além de sua crescente valoração na política socioeconômica brasileira.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. 2.1. Concepção do termo “Água Virtual”

Nos tempos atuais, a grave ameaça de esgotamento dos recursos naturais, inclusive em especial das fontes hídricas, vem desencadeando sérias preocupações para sociedade moderna. A situação da escassez desses recursos está cada vez mais crítica, fazendo com que a busca por novas alternativas seja o foco principal para o auxilio de uma convivência harmônica entre o homem e a natureza. No caso do Brasil, alarmado pela sua atual crise hídrica, houve investimentos, dentre de outras ações, de políticas públicas que promovem a conscientização do uso sustentável da água pela população.

No cotidiano brasileiro, hoje em dia é comum ver pesquisas que visam à conscientização da população em diminuir a quantidade gasta de água em seu consumo diário. Cabe salientar, que a maioria desses estudos foca em motivar o uso sustentável hidrológico por meio de estatísticas que mostram o gasto de forma direita da água por cada cidadão, como por exemplo, as divulgações feitas com base em cálculos sobre a quantidade de água consumida por cada pessoa em atividades como ingestão, higienização pessoal, preparação de alimentos e no processo de limpeza doméstica. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cada indivíduo consome em torno de 39,6 m³ de água anualmente (aproximadamente 110 litros/diário), essa quantidade pode variar de acordo com a condição econômica dos países. Em países desenvolvidos costuma-se ter um consumo de água maior do que em países em desenvolvimento. Todavia, essas pesquisas, na maioria das vezes, ainda não levam em consideração a porção indireta de fluxos hídricos que é usada para se produzir tudo àquilo que é consumido pelos seres humanos, como na produção de vestuário, alimentos, livros, automóveis, entre outros. O cálculo do consumo indireto é designado “Água virtual” e vem

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tornando-se um instrumento fundamental, segundo estudiosos, para demostrar que a demanda por recursos hídricos é ainda maior do que se costuma imaginar.

O conceito de “Água Virtual” foi construído pelo cientista e professor britânico Tony Allan em 1993. Trata- se de um cálculo sobre a quantidade de líquidos hídricos consumidos na produção de bens, produtos ou serviços. Esse termo inovador é fruto da dedicação dos estudos do cientista inglês sobre hidrologia. Suas curiosidades sobre o funcionamento e o uso da água principalmente pelo comércio internacional impulsionaram a criação de seu conceito “Água Virtual” (“Virtual Water”), acarretando sua premiação em Estocolmo no Water Prize 2008. O prêmio foi atribuído pelo Instituto Internacional da Água de Estocolmo, cujo objetivo é estimular o desenvolvimento de soluções sustentáveis para a gestão futura das fontes hídricas.

O fundamento essencial da “Água Virtual” diz respeito ao mercado indireto de fluxos hídricos embutidos em certos produtos, ou seja, toda água usada na produção de certo produto ou serviço seja do ramo industrial ou agrícola é denominada “Água Virtual”. Os cálculos provenientes desse mecanismo de estatística a respeito do volume de mercantilização da água virtual leva em consideração todo o recurso hídrico utilizado ao longo do processo de produção, assim como, as peculiaridades de cada região produtora, além de suas características ambientais e tecnológicas. Nesse ponto, o termo “Água Virtual” é semelhante a “Pegada Ecológica”, uma vez que, consideram-se todos os caminhos e passos dos modos de produção investigando cada componente, consequência, bem como, a utilização dos bens naturais.

O cientista inglês Tony Allan, em uma entrevista para a ONG brasileira sem fins lucrativos “((O)) Eco”, discorreu que o nascimento de sua análise hidrológica é elaborado por meio de seus questionamentos para descobrir quanto há de água, como ela é usada e para quê na construção dos processos produtivos. Ao caminhar de seus estudos, Allan elucida que a problemática está no pouco conhecimento dos indivíduos sobre o entendimento de quanto de água é usado para produzir produtos, serviços ou bens, seja de natureza animal, mineral ou vegetal. Dessa forma, surge a concepção “Água Virtual” como um caminho para a conscientização da população sobre a realidade dos gastos hídricos inerentes da produção de tudo aquilo que se consome.

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Tony Allan, em seu livro “Virtual Water: Tackling the Threat to Our Planet´s Most Precious Resource”, publicado em 2011, traz uma reflexão sobre as principais áreas produtivas comerciais que demandam um elevado índice de “Água Virtual” em sua produção. Atualmente essa análise está sendo reconhecida como uma das ferramentas estratégicas fundamentais na política da água, pois, com o conhecimento da porção de água oculta nas produções, os países podem optar por produzir produtos que promovam vantagens econômicas e menos danos à disponibilidade de seus fluxos hídricos. Em outras palavras, regiões do mundo que sofrem com a escassez de água em seu território passam, com o conceito “Água Virtual”, a investir em processos produtivos que detêm valores menores da utilização de água em sua produção, tornando-os menos custosos. Em contrapartida, os produtos que detêm de uma demanda maior de quantidade de fluxos hídricos, essas regiões começam a exportá-los de países cuja reservas de água sejam maiores, sendo produzidos, portanto, de forma mais barata.

Analisando o comércio internacional, o autor evidenciou que a utilização de água em necessidades básicas dos seres humanos (práticas como higienização pessoal, preparo de alimentos e limpezas domesticas), não chega nem perto dos gastos hídricos demandados pelos setores comercias de produtos agrícolas, animais e indústrias. De acordo com Allan, a quantidade necessária de água para saciar as atividades básicas dos seres humanos é em torno de 150 litros por dia. Comparando-a, para se produzir 1 kg de carne bovina são gastos 15 mil litros de água. 1

Segundo informações recentes da UNESCO, tendo como fonte o 3º Fórum Mundial da água realizado em 2003 nas cidades de Kyoto, Shiga e Osaka, o volume anual de água virtual demandado pelo comércio mundial é da ordem de 1000 a 1340 km³, sendo: 67% relacionados com o comércio agrícola, 23% relacionados com o comércio de produtos de origem animal e, 10% relacionados com a produção industrial. Podemos observar que a partir dos dados, o maior gasto de água é sobre o processo de produção agrícola. Dada essa estimativa, países como o Brasil e o Estados Unidos, considerados potências agrícolas, voltaram suas atenções para o estudo fornecido pelo autor Tony Allan, procurando cada vez mais modos sustentáveis de exercer suas produções.

1 Dados retirados da entrevista de Tony Allan postada pelo site do “((O)) Eco” ,em março de 2011, na categoria Semana da Água 2011. Acesso em: 02/04/2016. Disponível em: http://www.oeco.org.br/especiais/semana-da-agua-2011/24899-agua-virtual-o-impacto-do-comercio/

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2.3. “Água Virtual” e a Agricultura à luz da atual conjuntura comercial brasileira No universo do mercado internacional contemporâneo, as atividades relacionadas ao agronegócio são as que mais empregam recursos hídricos em suas produções. Os quatros grandes commodities inerentes da agricultura que demandam um índice elevado de água para serem produzidos são o cultivo de trigo, milho, soja e açúcar. Além desses produtos, temos no setor agropecuário a produção de carne bovina, sendo também um dos setores que gastam porções elevadas de fluxos hídricos em sua produção. Essa condição torna o Brasil um dos maiores exportadores de Água Virtual do mundo, pois, é considerado o grande ator no setor de exportação dessas commodities.

No cenário econômico, as produções agrícolas, pela sua elevada valoração, tornam-se uma ferramenta essencial para a balança comercial brasileira. O potencial hídrico brasileiro correlacionado com a disponibilidade de terras cultiváveis, além do custeio da produção ser baixo, faz com que o país se destaque no comercio internacional. Todavia, levando em consideração a atual crise hídrica vivenciada pelo país, a alta demanda de água que as produções agrícolas possuem causam impactos sobre os atuais sinais de escassez da disponibilidade dos recursos hídricos presentes no território brasileiro. Um dos desafios do país é encontrar formas sustentáveis menos danosas para desenvolver sua agricultura.

Segundo a visão de Tony Allan, para entender toda dinâmica de gastos hídricos utilizados para desenvolver produtos do agronegócio, devemos buscar compreender que nesse processo há dois tipos de fontes hídricas de captação, as denominadas “Água azul” e “Água Verde” e como efeito da produção a “Água Cinza”. Noções desconhecidas para a maioria da população e de extrema relevância para entender os impactos da “Água Virtual” no ciclo hidrológico. (ALLAN, 2011).

O termo “Água Azul”, no campo da “Água Virtual” destina-se ao volume de recursos hídricos retirados dos rios e do solo para a produção de bens, mercadorias e serviços para próprio consumo da sociedade. O cientista inglês elucida que ao alocar “Água Azul” para irrigação nos cultivos da agricultura, acaba-se sempre com o suprimento, mesmo nos casos que as terras cultiváveis sejam muito pequenas, como acontece em algumas regiões do Reino Unido. Essa água, de acordo com o autor, produz aproximadamente 30% dos produtos alimentícios. Dada sua elevada utilização e contaminação nos tempos atuais, essa fonte de

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A “Água Verde” refere-se à porção de água armazenada no perfil do solo, na área das raízes, proveniente das chuvas. Esse recurso é de extrema importância para os processos de produção da agricultura, pois, a evaporação da água da chuva no campo auxilia no período de crescimento dos cultivos agrícolas. Tanto o Brasil quanto o Estados Unidos usam muito em sua agricultura, pois, esta trás uma maior segurança hídrica e alimentar para seus países. Além desses dois tipos de água, há também a “Água Cinza” que consiste no volume de água poluída produzida durante todo o processo de desenvolvimento de um bem. Seu surgimento pode ser calculado pelo volume de líquidos hídricos necessários para a diluição de poluentes emitidos para o abastecimento de água natural ao longo do processo de produção.

Em suma, é fundamental o conhecimento desses diferentes tipos de águas utilizados e produzido, como é o caso da “Água Cinza”, pelos processos produtivos, para compreender os impactos calculados pela água virtual neste contexto. Tanto o componente hídrico azul como o verde no teor da produção de “Água Virtual” de um produto, refere-se à evaporação. Já o componente hídrico cinza, traz referência ao volume de água poluída. As fontes hídricas evaporadas podem voltar como precipitações em outras regiões. A “Água cinza”, conhecida como água poluída, pode ser tratada e voltar a ser limpa em um longo período de tempo. Porém, essa situação de renovação dessas águas não anula seus efeitos primários, pois, a princípio a utilização desses recursos hídricos é perdida, acarretando na indisponibilidade de seu uso para outros fins durante longo prazo.

2.4. Impactos do uso do termo “Água Virtual”: no comércio mundial

A “Água Virtual” causou grande impacto para política da água contemporânea. Além de trazer a tona uma conscientização sobre o real volume de água utilizado efetivamente nos processos produtivos, esse cálculo inovou a dinâmica do atual comércio global, principalmente no ramo da agricultura, o setor que mais utiliza recursos hídricos em suas produções. As relações comerciais começam a explorar a noção de abundância ou escassez que possuem determinadas regiões como ferramenta decisiva sobre “o que” e “onde” desenvolver seus processos produtivos.

Hoje em dia, deixando de lado o uso direto da água, o que está em voga no mercado mundial é os fluxos hídricos comercializados de forma indireta entre as nações. Nessa realidade, as relações comerciais começam a tentar obter um equilíbrio entre os países produtores e os consumidores de determinada linha de produção. De acordo com as novas

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tendências, os mercados mundiais abrem seus caminhos debruçados em identificar e realizar uma divisão do que produzir, e em qual localidade, consoante a presença de disponibilidade das fontes naturais hídricas.

Desse modo, ampliam a possibilidade dos países com esgotamento hídricos de importar produtos com elevados índices de “Água Virtual” de nações com maiores reservas de fluxos hídricos (Nações exportadoras de “Agua Virtual”). Portanto, dependendo da quantidade de “Água Virtual” inerente nos produtos e da disponibilidade hídrica de determinada região, podemos identificar os maiores exportadores e importadores dentro do dinamismo do comércio internacional mundial.

No 3º Fórum Mundial de Água de 2003, realizado nas cidades Okasa, Shiga e Kyoto, o país brasileiro foi considerado a 10º potência mundial de exportação de água virtual, atrás apenas dos Estados Unidos, Canadá, Tailândia, Argentina, Índia, Austrália, Vietnã, França e Guatemala). Os maiores importadores são: Sri Lanka, Japão, Holanda, Coréia, China, Indonésia, Espanha, Egito, Alemanha e Itália.

O fluxo de “Água Virtual” entre as nações no universo do comércio mundial, em suma, está possibilitando que os países, de certa forma, economizem água globalmente, em vista que, a dinâmica da comercialização esta pautada a dar preferência à produção de bens de elevado índice de “Água Virtual” por países que detêm maior disponibilidade de recursos hídricos. Em contrapartida, as regiões mundiais que sofrem com escassez de água em seus territórios optam por importar os produtos com alta produtividade de água e, consequentemente acabam resguardando a pouca quantidade de fontes hídricas de seus países para suprir as necessidades de sua população.

Apesar desse lado positivo, um comércio orientado pelo grau de disponibilidade hídrica das regiões para designar a função de cada país no dinamismo dos processos produtivos, está sendo foco de discussões sobre a formação de nossos conflitos nesse contexto. Um das principais preocupações está no fato desse comércio ser prejudicial para a preservação dos recursos hídricos dos pais que produzem produtos com maior demanda de agua em suas produções, como é o caso do Brasil, um dos maiores exportadores mundial de “Água Virtual” por conta de suas exportações agrícolas.

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No cenário atual, podemos evidenciar a crescente valoração do comércio de “Água Virtual” dentro do mercado internacional mundial. Neste contexto, o Brasil encontra-se como um dos maiores exportadores de “Água Virtual” do mundo, consequência da elevada importância de suas exportações agrícolas. Na figura a seguir referente a uma tabela fornecida pelo grupo liderado por A.Y. Hoekstra da University of Twente, pertencente à Holanda, e a UNESCO-IHE (Institute for water Education), podemos observar que em 1999 o Brasil já demandava grandes quantidades de recursos hídricos para sua produção agrícola.

As grandes commodities da agricultura brasileira são a soja, o trigo, o milho e o açúcar. No setor agricultor, esses cultivos são os que mais demandam água em sua produção. Ao passar dos anos as exportações de “Água Virtual” proveniente dos cultivos agrícolas brasileiros aumentaram ainda mais, como pode ser observado na próxima figura que demostra a quantidade de exportação de “Água Virtual” feito pelo Brasil no período de 1997 a 2005.

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Podemos observar, a partir desses dados, que a comercialização agrícola brasileira transfere um elevado índice de água, de forma indireta, para outras nações que optam por importar esses produtos do país. Apesar de ser benéfico para as relações comerciais mundiais, segundo a visão de estudiosos sobre o assunto, essa grande participação em exportação de “Água Virtual’ do Brasil pode promover sérios danos à disponibilidade de seus recursos hídricos. Tony Allan, em uma entrevista enviada por e-mail a IHU ONLINE (Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.), elucidou que o uso intensivo de água no cultivo agrícola brasileiro negligenciam os danos ambientais que possam ser provocados. O alto teor de água utilizado nesses cultivos relacionado com outros fatores que fortalece a atual crise hídrica vivida pelo país, aprofunda ainda mais a deterioração e decaimento do nível água presente em seu território.

Além dos impactos hídricos, as plantações agrícolas demandam de áreas vastas para seu plantio, provocando prejuízos, muitas vezes, em outros bens naturais presente no meio ambiente. Um ótimo exemplo dessa situação é o que ocorre na região norte brasileira. Sendo a região mais abundante de água do pais, há uma elevada concentração de terras agricultáveis, entretanto, no norte existe a presença também de importantes remanescentes florestais e de uma rica biodiversidade que acabam entrando em conflito por espaço com as produções agrícolas.(TELLES, 1999).

Nesse momento, cabe elucidar que o país possui uma legislação extensa voltada a proteção e racionalização do uso das fontes hídricas, como por exemplo a lei 9.433/97 (refere-se a política da gestão dos recursos hídricos). Todavia, atualmente evidenciamos uma resistência do setor agrícola em se submeter a essa legislação, tornando cada vez mais difícil a preservação dos recursos hídricos brasileiros.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A água é um recurso vital para a própria existência humana. É difícil pensar em todos os aspectos da vida sem seu uso. Dada sua relevância, como podemos observar ao longo desse artigo, o uso da água, de forma deliberada e exaustiva, está sendo foco de preocupações. Nos tempos atuais, há cada vez mais a presença de sinais de escassez e elevada contaminação dos recursos hídricos do mundo. A busca por inovações tecnológicas que auxiliem o uso sustentável desses recursos é uma das principais procuras das economias mundiais.

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No Brasil, o contexto de preocupação é o mesmo. Apesar de ser conhecido pela grande abundância de água em suas terras, atualmente o país sofre uma grave crise hídrica. Os motivos dessa crise no caso brasileiro são diversos, entre eles está o uso hídrico exaustivo proveniente de seus processos produtivos destinados à exportação, principalmente os relacionados à agricultura, principais cultivos que demandam porções elevadas de água em suas produções. Esse dado foi evidenciado pelo estudo inovador do cientista britânico Tony Allan, mostrando que não há uma conscientização da população sobre os reais gastos de água dos produtos que consumimos ao longo de nosso cotidiano.

Denominado como “Água Virtual”, o conceito de Tony Allan consiste em medir o índice de água utilizada para se fabricar um bem, produto ou serviço. Essa concepção inovadora, foco desenvolvido por esse artigo, tornou-se uma ferramenta estratégica para a política da água. O comércio mundial, a partir desse instrumento, começa a estabelecer novos critérios para o desenvolvimento de suas relações comerciais. Hoje, o consumo indireto das fontes hídricas tornou-se comercializado. O mercado mundial escolhe “o que” e “onde” deve realizar as produções de acordo com o nível de escassez ou abundância de recursos hídricos de cada país. Esse critério divide os países em exportadores (aqueles que demandam de maior disponibilidade de fontes hídricas em seu território) e importadores (aqueles cuja região sofre com a escassez de água). O Brasil, por esse parâmetro, tornou-se um dos maiores exportadores de água virtual do mundo, dada a grande demanda de água comercializada em suas exportações agrícolas.

A transferência de água de forma indireta acarretou em um equilíbrio entre as nações, já que, regiões não detentoras de maiores potenciais hídricos podem usufruir de importações com custos barateados de produtos cuja produção demanda altos níveis de água, usando assim, suas poucas reservas hídricas para suprir as necessidades básicas de sua população. Na visão do comercio internacional, esse método provocou a economia de água global. Em suma, apesar desse lado positivo, a comercialização de “Água Virtual” não observa que, para os países exportadores essa prática auxilia para o decaimento e pra contaminação de suas águas.

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REFERÊNCIAS

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Referências

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