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GAETS GRUPO DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS E DISTRITAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

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gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN RELATOR DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 772/DF DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ADPF 772/DF

O GAETS – GRUPO DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS E DISTRITAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES1 – por

intermédio dos/as respectivos/as Defensores/as Públicos/as que subscrevem a presente peça processual, vem, com fundamento no artigo 138 do Código de Processo Civil, requerer habilitação na qualidade de AMICUS CURIAE na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 772/DF, pelos fundamentos a seguir expostos:

1Integram o GAETS nesse pedido:, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, A DEFENSORIA PÚBLICA DO

ESTADO DO AMAZONAS, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ, A DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARÁ, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, E A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE TOCANTINS.

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Preliminarmente, em vista do peticionamento em conjunto, as Requerentes solicitam que futuras intimações sejam dirigidas à sede do Núcleo de Atuação junto aos Tribunais Superiores da Representação da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, situada no SCS, Quadra 8, Edifício Venâncio 2000, Terceiro Piso, sala 311, Asa Sul, 70.333-900, Brasília/DF - (E-mail: núcleo.brasilia@defensoria.sp.def.br) – que atua no presente caso através do seus Núcleos Especializados de Direitos Humanos e de Defesa das Mulheres – conforme previsão contida na cláusula quarta, inciso I, do Acordo de Cooperação para Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais perante o STJ e STF, assinado pelas ora Peticionárias.

1. DA TEMPESTIVIDADE

Frisa-se, desde já, que a inclusão da ADPF 772 na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal, publicada no Diário de Justiça Eletrônico no dia 05/02/2021, conforme decisão proferida em 16/12/2020, não obsta a admissibilidade enquanto amicus curiae na presente ação constitucional.

Conforme minuta extraída da movimentação que determina a inclusão em pauta da ADPF 772, apenas a medida cautelar, e não o mérito, é que está em pauta para julgamento virtual pelo Tribunal Pleno, em sessão virtual.

Como se sabe, a Lei n° 9.882/1999 (Lei da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) previu no seu artigo 5°, parágrafo 2°, a possibilidade de concessão de medida liminar pelo relator do caso, ad referendum do Tribunal Pleno, nas hipóteses de extrema urgência, perigo de lesão grave ou em período de recesso.

Assim, há possibilidade de concessão de tutela antecipada de urgência nos autos de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, em sede liminar, desde que cumpridos os requisitos de tal espécie de tutela – disciplinada pelo Código de Processo Civil nos seus artigos 300 e seguintes.

Segundo se depreende do texto processual e da Lei n° 9.882/1999, a tutela antecipada de urgência será permitida nos casos de extrema urgência ou perigo de lesão grave, após a verificação dos elementos do fumus boni iuris (a fumaça do bom direito, isto é, a probabilidade do direito)

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e o periculum in mora (o perigo da demora, ou seja, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo).

Trata-se de tutela provisória conferida em função de uma urgência que não permite que se aguarde até o final do trâmite processual para a concessão da tutela jurisdicional, de modo que não se exige um juízo de certeza, pois proferida ainda em um momento inicial de cognição sumária, no qual ainda não se desenvolveu a plena discussão do mérito da ação. Desta forma, a inclusão em pauta do pedido de concessão de liminar não tem o condão de afastar a admissibilidade de ingresso de amicus

curiae nas ações constitucionais, uma vez que há tempo processual hábil para que a entidade postulante

possa contribuir para o julgamento do mérito da questão constitucional.

Há, portanto, espaço processual, entre o julgamento da tutela provisória e do mérito processual, para que o amicus curiae que ingresse após a inclusão em pauta da medida cautelar possa contribuir com o conhecimento da Corte constitucional por meio do fornecimento de fundamentos técnicos e fáticos da matéria, em especial pela característica elementar do amicus curiae de possuir conhecimento técnico e profundo sobre o objeto da lide.

Assim, a restrição de admissibilidade de amicus curiae pela Corte após a inclusão da ação constitucional em pauta deve ser interpretada restritivamente de maneira a se respeitar o postulado democrático, permitindo a participação de entidades e órgãos que possam contribuir de maneira relevante na elaboração da decisão.

Neste ponto, cumpre observar que a interpretação restritiva deste obstáculo à admissibilidade do amicus curiae também deve se dar em função da relevância do objeto da ação constitucional, ainda que o processo já tenha sido incluído em pauta para o julgamento da sua tutela definitiva.

Nos casos em que o objeto da ação constitucional configurar um tema sensível a toda a sociedade, de especial relevância, sendo que a participação do amicus curiae seja especializada e contribua com a formação do conhecimento para o julgamento do tema, trazendo importante perspectiva, deve ser admitida a sua participação.

Trata-se de casos nos quais prevalece os postulados democráticos da paridade de armas, da ampliação de conhecimento e de perspectiva do tema, tudo a propiciar que a Corte constitucional tenha à sua disposição todos as informações e elementos necessários para que tome a decisão mais adequada ao caso concreto.

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Isso se dá em função da natureza objetiva das ações constitucionais, que não configuram lide entre partes subjetivas, que detêm exclusivamente o interesse processual, mas configuram sim controvérsias sobre questões constitucionais que afetam a toda sociedade, de maneira que é de interesse público que haja um julgamento plural, fundado em todos os elementos informativos e argumentos que sejam possíveis, necessários e úteis ao debate e ao deslinde da controvérsia.

É o que ocorre no presente caso, já que a matéria enfrentada por esta ação constitucional versa sobre a gravidade dos efeitos potencialmente produzidos pela norma, notadamente o risco de aumento dramático da circulação de arma de fogo.

Assim, a título exemplificativo, colaciona-se um precedente desta Corte no qual houve a admissibilidade de amicus curiae após inclusão na pauta, já para julgamento definitivo, do mérito da ação:

RE 841526 / RS - RIO GRANDE DO SUL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. LUIZ FUX. Julgamento: 28/03/2016. Publicação. DJe-058 DIVULG 30/03/2016 PUBLIC 31/03/2016.

Decisão. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADMISSÃO DE INGRESSO NO FEITO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE.

Despacho:

Juntem-se as Petições nº 14.070/2016 e nº 13.784/2016.

Trata-se de pedido formulado pela Defensoria Pública da União no qual pleiteia sua admissão no feito, na qualidade de amicus curiae.

Dispõe o inciso XVIII do art. 21 do RISTF ser atribuição do Relator “decidir, de forma irrecorrível, sobre a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, em audiências públicas ou nos processos de sua relatoria”. É o relatório necessário.

Ab initio, cumpre registrar que, na sessão do dia 22 de abril de 2009, no julgamento da ADI-AgR nº 4.071 (Rel. Min. Menezes Direito, DJ de 15.10.2009), o Plenário deste Supremo Tribunal Federal decidiu que os pedidos de ingresso dos amicus curiae poderão ser formulados até a inclusão do processo em pauta para julgamento.

O pedido que ora se analisa, no entanto, foi deduzido pela Defensoria Pública da União em data posterior à inclusão em pauta do processo para julgamento, o que, a rigor, obstaria a intervenção da requerente neste feito.

Assinalo, contudo, que dada à sensibilidade da matéria que será submetida a julgamento e a ausência de sustentação oral pelo procurador do autor (Pet.

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13.784/2016), recomenda-se a admissão da requerente como amicus curiae, apenas para proferir sustentação oral, de modo a contribuir para o debate, trazendo a perspectiva de quem atua na defesa dos desassistidos, que compõem a grande massa carcerária brasileira.

A intervenção da requerente no julgamento é justificada, ainda, na busca de garantir a paridade de armas e um equilíbrio ao debate em Plenário, na medida em que a União já se encontra habilitada neste processo como amicus curiae. De tal modo, com a admissão da requerente, ampliar-se-á a discussão para além da ótica do Estado, trazendo-se para o Plenário também a perspectiva dos encarcerados.

Essa possibilidade de admissibilidade da intervenção do amicus curiae depois de pautado o processo para julgamento, de forma excepcional e para garantir a paridade de armas, já foi enfrentada pela Corte, conforme se verifica do RE nº 635.659/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 19 e 20.8.2015. Com efeito, o telos precípuo da intervenção do amicus curiae consiste na pluralização do debate constitucional, com vistas a municiar a Suprema Corte dos elementos informativos possíveis, necessários e úteis para trazer novos argumentos ao debate e ao deslinde da controvérsia, de modo a conferir maior qualificação e legitimação democrática de suas decisões. Assim, como se faz presente, ainda, a pertinência do tema a ser julgado por este Tribunal com as atribuições institucionais da requerente, legitima-se a sua atuação no feito.

Ex positis, ADMITO o ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae, da

Defensoria Pública da União, apenas para permitir a sustentação oral em Plenário de julgamento.

Portanto, diante dos precedentes existentes e da importância do tema aqui em discussão, presentes os requisitos que permitem o ingresso no feito das peticionárias que aqui se manifestam, na qualidade de amicus curiae, com a possibilidade de sustentação oral já na sessão do Plenário em que será apreciada a medida cautelar concedida pelo Ministro Relator.

2. DOS FATOS

Em 09 de dezembro de 2020, foi publicada a Resolução do Comitê Executivo de Gestão da Câmara do Comércio Exterior nº 126/2020, que altera o Anexo II da Resolução da Câmara do Comércio Exterior nº 125/2016, zerando a alíquota do Imposto de Importação de revólveres e pistolas.

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gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria Assim dispôs a Resolução:

“RESOLUÇÃO GECEX Nº 126, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2020

Altera o Anexo II da Resolução nº 125, de 15 de dezembro de 2016. O COMITÊ-EXECUTIVO DE GESTÃO DA CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR, no uso da atribuição que lhe confere o art. 7º, inciso IV, do Decreto nº 10.044, de 4 de outubro de 2019, considerando o disposto nas Decisões nº 58, de 16 de dezembro de 2010, e nº 26, de 16 de julho de 2015 do Conselho do Mercado Comum no MERCOSUL, nas Resoluções nº 92, de 24 de setembro de 2015, e nº 125, de 15 de dezembro de 2016, da Câmara de Comércio Exterior, e tendo em vista a deliberação de sua 11ª Reunião Extraordinária, ocorrida no dia 8 de dezembro de 2020, resolve:

Art. 1º Fica incluído no Anexo II da Resolução da Câmara de Comércio Exterior nº 125, de 15 de dezembro de 2016, o código 9302.00.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), conforme descrição e alíquota a seguir discriminada.

Art. 2º No Anexo I da Resolução da Câmara de Comércio Exterior nº 125, de 2016, a alíquota correspondente ao código 9302.00.00 na Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM fica assinalada como sinal gráfico “#”.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2021”.

Em 10 de dezembro de 2020, o PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB NACIONAL ingressou com a presente ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL com pedido de medida cautelar (ADPF 772), objetivando a procedência da presente ADPF, para, liminarmente, suspender os efeitos da Resolução GECEX nº 126/2020 e, no mérito, declarar sua inconstitucionalidade.

Conforme os argumentos expostos na inicial, a Resolução GECEX nº 126/2020, ao reduzir a alíquota do imposto de importação de 20% (vinte por cento) para 0% (zero por cento) relativamente a revólveres e pistolas, (i) facilita imensamente o acesso da população a armas de fogo, contradizendo as demandas sociais e as políticas públicas nacionais decorrentes do Estatuto do Desarmamento; (ii) viola os preceitos fundamentais da garantia de segurança pública (art. 144) e, consequentemente, do direito à vida (arts. 5º, caput, 227 e 230) e da dignidade da pessoa humana (art.

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1º, III); e (iii) afronta o princípio da reserva legal e o art. 150, §6º da CF/88, que confere competência ao Poder Executivo de alterar — e não zerar — as alíquotas sobre a importação de produtos estrangeiros.

Em 14 de dezembro de 2020, foi deferida, ad referedum do plenário, a cautelar requerida para suspender os efeitos da Resolução GECEX nº 126/2020. Conforme a decisão de V.Exa., a iminente vigência temporal do dispositivo (que se daria em 1º de janeiro de 2021), aliada a gravidade dos efeitos potencialmente produzidos pela norma, notadamente o risco de aumento dramático da circulação de arma de fogo, justificaria o deferimento da medida liminar requerida.

Conforme se demonstrará a seguir, a Resolução GECEX nº 126/2020 realmente viola a Constituição da República por causar irrazoável mitigação dos direitos à segurança pública, à vida e à dignidade da pessoa humana. Por outro lado, a consequente diminuição de arrecadação do Imposto de Importação implica injustificável renúncia de receita tributária em momento de aguda crise causada pela pandemia do Covid-19. A norma em questão não pode, portanto, permanecer no ordenamento jurídico.

3 – DO INGRESSO DAS DEFENSORIAS PÚBLICAS ESTADUAIS E DISTRITAL, VIA GAETS, COMO AMICUS CURIAE

A habilitação de amicus curiae ou “amigo da Corte”, conforme dispõe o artigo138 do Código de ProcessoCivil, -se dá mediante a combinação de dois elementos: (i) a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia e (ii) a representatividade adequada da requerente.

Em relação ao primeiro aspecto, importante salientar que a Resolução GEDEX nº 126/2020, ao reduzir a alíquota do imposto de importação de revólveres e pistolas de 20% (vinte por cento) para 0% (zero por cento), atinge profundamente toda a sociedade. De fato, tal medida facilita imensamente o acesso da população a armas de fogo, contradizendo as tendências mundiais de mitigação de conflito de natureza armada e também as próprias políticas nacionais decorrentes do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003). Ademais, viola preceitos fundamentais de proteção à vida, da garantia de segurança pública e da dignidade da pessoa humana. Não bastasse, representa renúncia a arrecadação de parcela significativa do Erário Público em momento crucial de enfrentamento da pandemia da Covid-19.

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Especificamente em relação à parcela mais vulnerável da população, é certo que a maior circulação de armas de fogo aumenta os riscos de acidentes domésticos com crianças e adolescentes, amplia a potencialidade lesiva das violências contra as mulheres e contra a população LGBTQIA+. Reflete, ainda, na circulação geral de armas ilegais, o que expõe a risco toda a população e, mais diretamente, os jovens, negros e periféricos, não restando dúvida quanto a relevância e repercussão social da matéria aqui tratada.

Em relação à representatividade das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital, destaca-se inicialmente a sua incumbência de promoção dos direitos humanos, na forma do fixado pelo artigo 134 da Constituição da República.

A Defensoria Pública atua principalmente na defesa dos vulneráveis, tanto no viés econômico, quanto o social que, como dito acima e será demonstrando ao longo desta peça, são os principais atingidos pelo aumento da circulação de armas de fogo.

Ademais, desde logo tomando a liberdade de juntar as razões anexa, as Defensorias Públicas buscam fornecer a esta Elevada Corte subsídios para o enfrentamento de tão complexa e crucial questão, em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal:

O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do interessado. A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser deferida segundo juízo do relator (STF, ADI 3.460 ED, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, jul. 12.02.2015, DJE 12.03.2015) (Grifo nosso) Observe-se, por fim, que as Defensorias Públicas Estaduais e Distrital, através do GAETS, já foram admitidas como amicus curiae em diversos recursos e ações perante esse Egrégio

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Supremo Tribunal Federal. Como exemplo citamos as admissões no: RE 593.818, RE 600.851, RE 601.182, RE 611.874, RE 630.853, RE 776.823, RE 959.620, RE 1.008.166, RE 1.093.553, RE 1.140.005, RE 1.235.340, ARE 1.225.185, ARE 1.267.879, HC 143.641, HC 143.988, ADI 4.398, ADI 5.874, ADI 6.137, ADPF 496 e ADPF 607.

4 – DO DIREITO

4.1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE OS IMPACTOS SOCIAIS DA RESOLUÇÃO

Ao zerar a alíquota do imposto de importação das armas de fogo, a Resolução GECEX nº 126/2020 contraria os objetivos da principal legislação sobre o tema no Brasil, o Estatuto do Desarmamento (Lei 10;826/2003), que representa um indiscutível avanço na promoção da segurança pública e na proteção do direito à vida ao impedir que os elevados índices de letalidade e criminalidade no Brasil se agravem ainda mais.

A amplitude na circulação de armas que ele pode gerar demonstra evidente desprestígio e afronta à política pública instituída pela Lei nº 10.826/2003 e terá impactos sociais gravíssimos, conforme se demonstrará a seguir.

a) Evidências científicas sobre a correlação entre circulação de armas e homicídios

Espera-se e é desejável que decisões políticas de grande repercussão na vida dos cidadãos e cidadãs sejam tomadas tendo por base análises e estudos que fundamentem e justifiquem essa decisão.

A Resolução aqui combatida – que zera a alíquota de importação e, consequentemente facilita a entrada e circulação de armas de fogo no país – é de magnitude inconteste. Não obstante, chama atenção a ausência de estudos sobre impacto social produzido por essa alteração que, caso fossem considerados, provavelmente acarretariam na impossibilidade de edição de norma com esse teor.

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De fato, no Brasil, diversos estudos e pesquisas corroboram a tese de que quanto mais armas de fogo em circulação, maior a taxa de criminalidade violenta e homicídios, conforme estudos a seguir mencionados.

Inegavelmente, o apelo à aprovação do decreto em questão ganha força no rastro da sensação de insegurança que vivemos no Brasil. No entanto, a violência é um fenômeno complexo. Há outros fatores estruturais e conjunturais relacionados ao nível de violência, como educação, desigualdade de renda, arranjo institucional e orçamento para segurança pública.

Assim, ao se avaliar o efeito da quantidade de armas em circulação sobre a violência, deve-se levar em conta todos esses fatores. Estudos científicos que lograram abordar esse problema de forma estatisticamente adequada geraram evidências empíricas robustas sobre a relação entre armas de fogo e violência. Esses estudos, conduzidos em inúmeras instituições de pesquisa domésticas e internacionais, levam à conclusão inequívoca de que uma maior quantidade de armas em circulação está associada a uma maior incidência de homicídios cometidos com armas de fogo.2 (Grifamos.)

Pesquisas demonstram que as restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento foram decisivas para diminuição das taxas de homicídios.3 De 1995 a 2003, esta

taxa cresceu 21,4%. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, as taxas verificadas entre 2003 e 2012 foram de 0,3%. Nas unidades da federação em que o controle e a fiscalização foram mais efetivos, houve diminuição de homicídios. E nas regiões em que havia mais armas em circulação, a taxa média de homicídio era de 53,3, enquanto nas regiões com menos armas em circulação essa taxa era de 7,2:

Há um consenso na academia internacional que mais armas causam mais crimes. • No Brasil: 1% a mais de armas causa aumento de até 2% na taxa de homicídio; • O uso defensivo da arma de fogo para conter crimes contra a propriedade é uma lenda: não há qualquer relação estatística;

2 “Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento”. Disponível em: <https://igarape.org.br/manifesto-contra-a-revogacao-do-estatuto-do-desarmamento/> Acesso em 9mai2019.

3 “Menos armas, menos crimes”. Daniel Cerqueira e João Manoel Pinho de Mello. Disponível em <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2927/1/TD_1721.pdf> Acesso em 9mai2019.

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• O Estatuto do Desarmamento produziu efeitos significativos para fazer diminuir a difusão de armas de fogo no Brasil e, pode ter poupado a vida de 121 mil pessoas entre 2004 e 2012;

• O efeito do ED não se deu de forma homogênea no país. Alguns estados lograram maior êxito em reprimir o uso da arma de fogo do que outros estados. Em termos gerais, onde se controlou mais as armas, se diminuiu homicídio5.

De igual modo, levantamento feito a partir de base de dados oficiais do Ministério da Saúde - Datasus, demonstra que o número de homicídios diminuiu após a vigência do Estatuto do Desarmamento, apontando que cerca de 70% dos assassinatos no país são cometidos com armas de fogo: Os dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2003, 51.043 pessoas foram assassinadas no Brasil. Em 2004, o número caiu para 48.374, interrompendo um ciclo de crescimento que vinha desde 1996.

Só em 2009 o Brasil voltou a ter um número de homicídios maior que em 2003, ano da publicação do estatuto. Foram 51.434 naquele ano. E, daí em diante, não baixou mais. Em 2016, 61.143 pessoas foram mortas no país, segundo o Datasus. A taxa de mortes por agressão em 2016, dado mais recente disponibilizado pelo Ministério da Saúde, foi de 29,66 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

Se o ritmo de crescimento tivesse se mantido ao mesmo período pré-2004, de 2,22% ao ano, a taxa de homicídios neste ano estaria em 40,71 assassinatos a cada 100 mil habitantes, o que representaria 83.905 assassinatos no total, segundo simulação feita pela Folha.6

Dessa forma, constata-se que a decisão política de flexibilizar o acesso a armas de fogo, além de não contar com apoio de ampla maioria da sociedade,7desconsidera evidências

5 “Armas de Fogo, Crimes e o Impacto do Estatuto do Desarmamento”. Daniel Cerqueira. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150825_cerqueira_armas_e_crimes.pdf> Acesso em 9mai2019.

6 “Ritmo de crescimento de assassinatos desacelerou após desarmamento”. Disponível em

<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/01/ritmo-de-crescimento-de-assassinatos-desacelerou-apos-desarmamento.shtml> Acesso em 9mai2019.

7 Segundo pesquisa Datafolha publicada em 11 de abril de 2019, 64% dos brasileiros adultos avalia que a posse de armas deve ser proibida e 34% consideram que a posse deve ser um direito.

“Cresce a parcela de brasileiros contrários à posse de armas”. Disponível em < http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/04/1987712-cresce-a-parcela-de-brasileiros-contrarios-a-posse-de-armas.shtml> Acesso em 9mai2019.

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científicas reconhecidas nacional e internacionalmente, alijando a população de debate público fundamental para o acesso qualificado de informações decisivas para a tomada informada de tão delicada decisão política, o que não pode prevalecer.

b) Flexibilização do acesso a armas de fogo e incremento da vulnerabilidade social

É possível presumir que decisões políticas que incrementam e potencializam riscos sociais de vitimização violenta ou acidentes domésticos recaiam de maneira mais acentuada na parcela da população que historicamente sofre com agressões e violações de direitos que ocorrem na esfera privada, especialmente no âmbito doméstico.

Dessa maneira, é possível intuir que os grupos sociais vulneráveis como crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, idosos e mulheres sofrerão de maneira mais gravosa os efeitos colaterais da circulação indiscriminada de armas de fogo.

Estudos comprovam que armas de fogo incrementam o risco de acidentes para crianças e adolescentes. Pesquisa da Universidade de Stanford8 confirma que mortes decorrentes de

lesões causadas por armas de fogo são a segunda principal causa da mortalidade de crianças nos Estados Unidos, e ocorrem com o dobro de frequência em estados com leis mais brandas sobre o controle da circulação de armas de fogo, afetando sobretudo crianças do sexo masculino, de famílias negras ou hispânicas, cujo rendimento médio familiar os inclui como sendo de baixa renda. As similitudes com a população jovem, preta e periférica no Brasil, maiores vítimas de homicídio em nossa sociedade, não é mera coincidência.

No Brasil, estudo9 patrocinado pela Fundação Abrinq explicita que a morte de

crianças e adolescentes aumentou 113,7% entre 1997 e 2016, passando de 4.200 no início da série histórica em 1997 para 9.100 no ano de 2016. Mesmo com o aumento em termos absolutos, o estudo aponta que a variação do crescimento começou a diminuir a partir da vigência do Estatuto do Desarmamento, passando de uma média de crescimento de 3% entre 1996 e 2003 para uma média anual

8 “Lax state gun laws linked more child, teen gun deaths”. Disponível em

< https://med.stanford.edu/news/all-news/2018/11/lax-state-gun-laws-linked-to-more-child-teen-gun-deaths.html > Acesso em 10mai2019.

9 “Homicídios de crianças e adolescentes por armas de fogo.” Disponível em

<https://observatoriocrianca.org.br/cenario-infancia/temas/violencia/624-homicidios-de-criancas-e-adolescentes-por-armas-de-fogo?filters=1,244> Acesso em 10mai2019.

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de 1% entre 2003 e 2017. Ou seja, o estudo conclui que, mesmo com o crescimento em termos absolutos verificado ao longo dos anos, proporcionalmente, a restrição da circulação de armas promovida pelo Estatuto do Desarmamento foi decisiva para evitar milhares de mortes de crianças e adolescentes.

Também no mesmo sentido o Altas da Violência de 2020, na linha de suas edições anteriores, aponta o papel central do Estatuto do Desarmamento para frear a escalada de homicídios no Brasil que vinha ocorrendo desde 1980. Conforme o documento:

Considerando-se a taxa de homicídios por arma de fogo, por 100 mil habitantes, esse índice cresceu a uma velocidade de 5,8%, 5,9% e 6,0% em média a cada ano, em um período de quatro anos (1999 a 2003), catorze anos (1989 a 2003), ou 23 anos (1980 a 2003), antes do Estatuto do Desarmamento. Por seu turno, nos quinze anos após o Estatuto (entre 2003 e 2018), a velocidade de crescimento anual dessas mortes diminuiu para 0,9%. Ou seja, antes de 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, a velocidade de crescimento das mortes era cerca de 6,5 vezes maior do que a que passou a vigorar no período subsequente. No entanto, no que se refere aos homicídios por outros meios, que não a arma de fogo, a velocidade de crescimento, antes ou após o Estatuto, não se alterou tanto. Portanto, conforme pode ser visualizado no gráfico 35, em 2003 aconteceu algo que mudou substancialmente a trajetória de homicídios por arma de fogo, mas não dos homicídios por outros meios. Caso a trajetória do número de homicídios por arma de fogo fosse balizada pelos índices de crescimento antes do Estatuto do Desarmamento, apontado no parágrafo anterior, a evolução do indicador seguiria outro padrão, podendo ultrapassar 80 mil mortes em 201810.

A maior circulação de armas de fogo atinge não apenas as crianças e jovens, como acima mencionado, mas tem especial importância para o incremento da violência contra as mulheres. Tratando das diversas vulnerabilidades a que estão suscetíveis as mulheres, seria possível colacionar diversas pesquisas, estudos que apontam a desigualdade de renda, trabalho, escolarização, oportunidades, enfim, direitos, de modo abrangente, que separam, de fato, homens e mulheres em nossa

10 Atlas da Violência 2020, p.75/76. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020

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sociedade, mas para atermo-nos ao objeto do presente requerimento, frisa-se: as mulheres são destacadamente as principais vítimas de todas as modalidades de violência doméstica.

Não por acaso, no Comentário Geral nº 19 do CEDAW há o reconhecimento expresso, por parte do Comitê, de que a violência baseada no gênero prejudica e invalida o gozo pelas mulheres de direitos e liberdades fundamentais e que cabe ao Estado a responsabilização pela prática da violência contra mulheres, ainda quando esta for decorrente de atos privados, desde que o Estado falhe em agir com a devida diligência para prevenir as violações dos direitos ou investigar e punir os atos de violência, além de não compensar as vítimas.

Apenas muito recentemente, por intermédio da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), foram estruturadas estratégias e políticas públicas capazes de enfrentar, em toda sua abrangência e complexidade, e de maneira institucional, o fenômeno da violência doméstica.11

Ante esse cenário, pode-se supor que o livre acesso à circulação de armas de fogo fatidicamente terá o condão de retroceder políticas públicas e estratégias institucionais que apenas começaram a produzir efeitos para proteger e reduzir a vulnerabilidade social de parcela tão expressiva da sociedade.

Estudos comprovam que as estratégias de atendimento e atuação da Lei Maria da Penha contribuíram para redução dos índices de feminicídios íntimos.12

Nada obstante os avanços ocorridos desde a promulgação da Lei Federal 11.340/2006, o caminho a ser percorrido pelo Brasil, no que se refere ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda é árduo e pode ser prejudicado pelos decretos impugnados, que permitem a flexibilização da posse de arma de fogo no país.

O “Mapa da Violência de 2020” destaca que entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres, sendo que, entre 2013 e 2018, a taxa de homicídios na

11 E mesmo sob esse prisma o Estado brasileiro ainda não foi capaz de estabelecer em todos os lugares em que se faz necessário a rede de proteção social para assistência, acolhimento e proteção emergencial à vítima ou ao menos as varas judiciais especializadas para efetiva tutela jurisdicional, como dispõe a Lei 11.340/2006.

12 “AVALIANDO A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA”. Disponível em

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residência aumentou 8,3% havendo estabilidade entre 2017 e 2018. Segundo a pesquisa, isso significa dizer que a cada duas horas uma mulher é morta no Brasil e a cada seis horas e vinte e três minutos, uma mulher é morta dentro de casa13.

Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo de 83 países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito os encontrados na maior parte dos países do mundo.

Efetivamente, só El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil. Mas as taxas do Brasil são muito superiores às de vários países:

• 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido;

• 24 vezes mais homicídios femininos que Irlanda ou Dinamarca;

• 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia. Esse é um claro indicador que os índices do País são excessivamente elevados.14 (grifo nosso)

Dados publicados no Atlas de Violência 2020 revelam, ainda, que as mulheres sofrem violência dentro de casa 2,7 a mais que homens. É de ressaltar, também, que dos 1.373 de feminicidios registrados no interior da residência 552 deles ocorreram com uso de arma de fogo15.

Não é por outra razão que a pesquisa “Visível e Invisível: A vitimização das mulheres

no Brasil” revela que a casa é o local mais inseguro para mulheres, já que é onde mais sofrem violência –

42% do total de agressões ocorreram em casa, segundo a pesquisa. Quando se observa o perfil do agressor, em sua grande maioria, trata-se de pessoas conhecidas das vítimas – 76,4% dos casos16.

13 IPEA. ATLAS DE VIOLÊNCIA 2020. Disponível em <

https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/27/atlas-da-violencia-2020-principais-resultados> acesso em 10nov2020.

14 “MAPA DA VIOLÊNCIA 2015 HOMICÍDIO DE MULHERES NO BRASIL. p. 27.” Disponível em < http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf> Acesso em 10mai2019.

15 IPEA. ATLAS DE VIOLÊNCIA 2020. Disponível em <

https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/27/atlas-da-violencia-2020-principais-resultados> acesso em 10nov2020.

16 “ VISÍVEL E INVISÍVEL: A VITIMIZAÇÃO DE MULHERES NO BRASIL. PAG. 15”. Disponível em < http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf > Acesso em 18jun2019.

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Justamente por isso o Conselho Nacional de Justiça, ao traçar um Panorama da Política Judiciária de Enfrentamento à Violência Doméstica contra a Mulher, revelou que tramitaram na Justiça estadual 1,2 milhão de processos referentes à violência doméstica e familiar, o que corresponde, em média, a 11 processos a cada mil mulheres brasileiras e que foram concedidas, no ano de 2016, 195.038 medidas protetivas de urgência17.

Apesar deste dado, a Pesquisa do Senado sobre o Poder Judiciário na Lei Maria da Penha concluiu que, em 2016, para cada 10 inquéritos policiais relacionados a violência doméstica e familiar, mais de 7 foram arquivados sem ensejar o início de processos de conhecimento criminais e que, no mesmo ano, em todo Brasil, para cada 100 sentenças proferidas em casos de violência doméstica, apenas 7 estipularam a condenação do agressor.

A mesma pesquisa demonstra que, para cada grupo de cem mil mulheres, foram concedidas 184 medidas protetivas de urgência e, para este mesmo grupo, foram iniciados somente 13 processos de execução penal18, demonstrando que o Sistema de Justiça falha e não proporciona às

mulheres em situação de violência efetivo acesso à justiça. Não bastasse isso, não há mecanismos que sejam capazes de garantir a efetividade das medidas protetivas concedidas e a Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica é insuficiente para as mulheres que a buscam.

Não se pode olvidar, ainda, que grande parte das mulheres em situação de violência sequer noticiam a violência sofrida e não recorrem a órgãos oficiais e não oficiais. Assim, 52% das mulheres que já sofreram algum tipo de violência não noticiaram este fato19.

Pesquisa divulgada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo denominada “Raio X do Feminicídio em São Paulo” revelou que o feminicídio é praticado por pessoas conhecidas da

17 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85640-cnj-publica-dados-sobre-violencia-contra-a-mulher-no-judiciario acesso em 18/06/2019.

18 Disponível em: http://www.senado.gov.br/institucional/datasenado/omv/indicadores/relatorios/BR-2018.pdf acesso em 06/06/2019

19 “ VISÍVEL E INVISÍVEL: A VITIMIZAÇÃO DE MULHERES NO BRASIL. PAG. 15”. Disponível em < http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/02/relatorio-pesquisa-2019-v6.pdf > Acesso em 18jun2019.

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vítima, que o principal motivo das mortes de mulheres é a separação ou pedido de rompimento não aceito por parte do agressor, ciúmes e posse.20

A análise dos dados acima revelam que: (a) as mulheres no Brasil morrem somente pelo fato de serem mulheres; (b) o Estado Brasileiro falha no dever geral de proteção; (c) as mulheres sofrem violência perpetrada, precipuamente, no contexto de relações íntimas de afetos; (d) a casa/ residência, ainda, é o principal local em que a mulher sofre violência; (e) houve um acréscimo no uso de arma de fogo para prática de feminicídios íntimos; (f) neste ambiente doméstico violento, a facilitação da disponibilização de meio/ instrumento de maior letalidade, como é o caso de armas de fogo, pode aumentar o número de mortes de mulheres.

Não se pode olvidar que a, a exemplo, do que aconteceu no mundo, a violência doméstica contra mulheres sofreu incremento como decorrência da necessidade de adoção do distanciamento social, necessárias para o enfrentamento da pandemia provocada pela COVID 19. Nesse sentido, o Brasil teve no primeiro semestre de 2020 uma alta de 2% do número de feminicídios se comprada ao mesmo período de 2019, representando um total de 1.890 mortes de mulheres21. A Nota

Técnica do Ministério Público de São Paulo denominada Raio X da violência destaca os fatores de risco de violência aplicáveis à situação de pandemia e que podem explicar este aumento no número de morte de mulheres: isolamento da vítima, consumo de álcool e drogas, comportamento controlador, desemprego22.

A despeito de terem sido constados fatores que incrementam o risco de morte de mulheres, não houve por parte do Estado brasileiro adoção de medidas tendentes a minorar os riscos descritos.

Fato é que o uso da arma de fogo, no cenário acima detalhado, contribuiria para o agravamento da exposição de perigo de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. No ponto, há que se destacar que o formulário adotado pelo Poder Judiciário e Ministério Público, por força da Resolução Conjunta nº 5, datada de 3 de março de 202023 e que é instrumento destinado à gestão do

risco de mulheres em situação de violência possui pergunta que objetiva verificar se o agressor já usou

20 “ RAIO X DO FEMINICÍDIO EM SP É POSSÍVEL EVITAR A MORTE. Pag. 25”, Disponível em <

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/2018%20-%20RAIOX%20do%20FEMINICIDIO%20pdf.pdf > acesso em 18jun2019.

21 G1. Disponível em < s-de-mulheres-sobem-no-1o-semestre-no-brasil-mas-agressoes-e-estupros-caem-especialistas-apontam-subnotificacao-durante-pandemia.ghtml> acesso em 10nov2020.

22 CONJUR. Disponivel em < https://www.conjur.com.br/dl/violencia-domestica-mp-sp.pdf> acesso em 10nov2020.

23 CNJ. Disponível em < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/ResolucaoConjunta-CNJCNMP-Frida-04032020.pdf> acesso em 10nov2020.

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armar de fogo ou possui fácil acesso a uma arma, justamente reconhecendo o aumento do risco nesta hipótese.

A situação das mulheres negras merece especial análise. Isso porque, as pesquisas já constatam que, embora o número de feminicídios em relação a mulheres brancas tenha reduzido, a morte de mulheres negras aumentou. Há considerável literatura destinada a analisar e explicar o fenômeno24 e que destacam a neutralidade da Lei Maria da Penha em relação ao racismo estrutural, a

invisibilização dos efeitos do racismo nas decisões judiciais e na formulação/adoção de políticas públicas de enfrentamento à violência, a ausência de garantia da autonomia das mulheres em processos judiciais e a cooptação da Lei Maria da Penha pelo Estado Penal como sendo os principais fatores que podem explicar este fenômeno.

Kimberlé Crenshaw, para descrever situações em que problemas específicos de determinados grupos, no caso mulheres negras, não são adequadamente contemplados em escolhas legislativas ou políticas, porque não se enxerga nestes problemas, questões relacionadas a gênero, faz uso do termo subinclusão. Aqui, no caso posto, nas escolhas políticas fundamentais, não se faz qualquer associação entre violência estatal praticada por agentes do estado em operações policiais, por exemplo, e o cotidiano de mulheres negras que sofrem violência de gênero. Neste caso específico, o uso de armas de fogo e o aumento da violência urbana afeta o cotidiano de mulheres negras. Em outras palavras: se ignora que parte destas mulheres vivem em áreas em que o Estado só se torna presente para criminalizar suas populações, privando estas mulheres, inclusive, do acesso a serviços públicos essenciais como registro de ocorrência, quando vítimas de violência ou mesmo impossibilitando o recebimento de intimações judiciais, em situações que conseguem requerer alguma medida judicial.

Não bastasse isso, as mulheres negras, ainda que não sejam as principais vítimas diretas da violência urbana provocada pelo uso de arma de fogo são vítimas indiretas do extermínio ou do genocídio da população negra em espaços periféricos, na medida em que perdem filhos, irmãos e

24 Em relação ao tema: BERNARDES, Marcia Nina. Racializando o Feminicidio e a Violência de Gênero Sobre a Experiencia Brasileira. Disponível em <

https://www.emerj.tjrj.jus.br/publicacoes/serie_anais_de_seminarios/volume2/anais_de_seminarios_da_emerj_volume2_163.pd f> acesso em 10nov2020. FLAUZINA, Ana Lucia Pinheiro. “Lei Maria da Penha: entre os anseios da resistência e as posturas da militância”. A. Flauzina, F. Freitas, H. Vieira, T. Pires(orgs). Discursos Negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasilia, Brado Negro. 2015. PEREIRA, Bruna Cristina Jaquetto. Brasília: Brado Negro, 2016.

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parentes de modo geral. Essa prática de separação de famílias negras é constantemente renovada pelo Estado brasileiro e remonta ao período colonial.

De outro lado, de acordo com a última pesquisa Datafolha sobre o amplo acesso a armas de fogo25, 74% das mulheres declaram rejeitar a posse de armas e 83% jamais pensou em adquirir

uma arma de fogo. Dessa forma, tendo em vista todo o cenário histórico de violência contra a mulher, somente uma imaginação muito especiosa26 pode acreditar que as vítimas de violência doméstica (muitas

delas humildes donas de casa), como num passe de mágica, superarão o pesado fardo da imemorial submissão ao patriarcado ainda incrustado em todas as esferas da vida social, e, de maneira racional e planejada, adquirirão armas de fogo para se protegerem de seus algozes.

E, para afastar todo e qualquer argumento de que as armas de fogo poderiam ser usadas como forma de defesa das mulheres, dados divulgados pelo IPEA em pesquisa intitulada Impactos do Estatuto do Desarmamento sobre a Demanda Pessoal por Armas de Fogo27 destacou que, conforme o

esperado, a maior demanda por armas de fogo está entre os homens, com chances 8 vezes maiores que as mulheres no ano da pesquisa ( 2009). Segundo a pesquisa:

“Os chefes de domicilio, também chamados de pessoas de referência, são os que

apresentam maior demanda relativa por armas no último ano com chances de 636% e 154,2% maiores que a dos cônjuges e filhos respectivamente. Os chefes na maioria das vezes são vistos como principais provedores dos domicílios e talvez se vejam como protetores do domicilio. ”

Como destacou Debora Diniz, “a política criminal de armas necessita ser sensível às

normas de gênero de nossos países” porque, para estes chefes de família, em um país marcadamente

patriarcal, “propriedade não é apenas o território da casa a ser protegido do malfeitor – propriedade é tudo

aquilo sob o domínio de homens que já matam as mulheres com armas, mesmo antes de a posse ser 25 “Cresce a parcela de brasileiros contrários à posse de armas”. Disponível em

<http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/04/1987712-cresce-a-parcela-de-brasileiros-contrarios-a-posse-de-armas.shtml> Acesso em 9mai2019.

26 “Para defender decreto, Onyx diz que mulheres preferem armas a Maria da Penha.” Disponível em

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/para-defender-decreto-onyx-diz-que-mulheres-preferem-armas-a-maria-da-penha.shtml Acesso em 10mai2019.

27 Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/presi/130401_estudocompraarmas.pdf acesso em 18jun2019.

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reconhecida como um direito. Se, hoje, há casos em que as mulheres sobrevivem à tentativa de feminicídio é, em larga medida, porque o instrumento de violência foi a força física ou outros instrumentos com mais baixa letalidade, como facas ou cordas”28.

As estruturas do patriarcado alimentam sentimentos de controle e posse sobre o corpo feminino. O feminicídio é expressão última deste controle, que pode ser traduzido pela célebre frase “ se ela não é minha, não será de mais ninguém”. A mulher, repise-se, é vista como “propriedade” e a defesa dessa “propriedade” poderá ser realizada pelo uso da arma de fogo, a exemplo do que ocorreria com qualquer outro bem. Nesse contexto, legislações que flexibilizam o uso de arma de fogo vão de encontro à função do Estado de proteger todos os membros da família das diversas formas de violência, prevista no art. 226, §8º da Constituição Federal29.

As mulheres vítimas de violência doméstica sofrem e, obviamente, sabem que a violência que sofrem é injusta, mas muitas se ressentem de condições mínimas, como acesso à informação, apoio logístico, assistência jurídica, etc., para sustentar suas demandas por proteção perante os órgãos competentes. Também deveria ser óbvio que qualquer alternativa para superar esse estado de flagrante violação de direitos humanos das mulheres depende de estratégias eminentemente públicas que possibilitem às vítimas reivindicar seus direitos, superando suas limitações concretas, isto é, aprofundando e aperfeiçoando as estratégias e mecanismos de proteção propostos pela Lei Maria da Penha. Todavia, tragicamente óbvio, na atual conjuntura social e política vivida pelo Brasil, é a total ausência de compromisso e respeito pelas reais necessidades dos segmentos sociais mais débeis e vulneráveis.

Assim, a toda evidência, os dados estatísticos, inclusive do próprio Atlas da Violência usado para fundamentar o decreto presidencial, demonstram que a facilitação do acesso de armas à população não garante a segurança das pessoas, mas sim as expõe a mais riscos.

Portanto, verifica-se, diante desta realidade social, a flagrante afronta dos decretos em questão ao direito à igualdade (artigo 5º, caput, CF), especialmente em seu aspecto material, que impõe ao Estado o dever de atuar para corrigir desigualdades e diferenças indevidas.

28 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/16/opinion/1547636987_572077.html. Acesso em 18/06/2019. 29 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

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gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria 4.2 – DA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, À SEGURANÇA E À VIDA

Para além dos impactos sociais descritos acima, a Resolução GECEX nº 126/2020 viola diretamente o conteúdo material da Constituição da República por resultar em um significativo aumento na circulação de armas de fogo na sociedade brasileira, revelando-se inconstitucional também pela mitigação irrazoável dos direitos fundamentais à segurança, à vida e à dignidade da pessoa humana que pretende.

A Constituição da República determinou o dever estatal de proteção dos interesses essenciais à manutenção da vida digna, resguardando especificamente direitos fundamentais como a segurança pública, que, segundo o caput do art. 144, se trata de um dever do Estado — de preservar a ordem pública e garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio — e um direito e responsabilidade de todos.

Essa defesa da segurança disposta no texto constitucional abrange um conceito amplo que diz respeito à proteção de um conjunto de garantias fundamentais, tais como o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, servindo de instrumento para operacionalizar a garantia desses direitos. Tratando-se de um dever do Estado e um direito de todos, a segurança dos cidadãos brasileiros deve primeiramente ser garantida pelo Estado e não pelos indivíduos, sendo incumbido ao Poder Público, por meio de políticas de segurança pública, diminuir a necessidade de se ter armas de fogo — e não facilitar que mais pessoas tenham acesso a revólveres e pistolas, como propõe a Resolução impugnada.

O caráter prestacional do direito à vida exige do Estado políticas públicas eficientes que assegurem materialmente o direito à vida de cada indivíduo. Essa dimensão prestacional também está relacionada com o direito fundamental à segurança, que demanda do Estado uma estrutura de segurança pública que garanta a integridade física das pessoas e que impeça a prática de justiça privada que possa culminar em violação a esses direitos.

Sendo assim, assim como o Poder Público tem o dever de se abster de causar inseguranças às pessoas, tem também o dever de adotar medidas positivas para promover a segurança

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física e patrimonial de todos. Cabe ao Estado, portanto, modelar políticas públicas que resguardem a ordem pública e a aplicação da lei penal, atuando especialmente na seara preventiva.

Ocorre que esses relevantes deveres estatais foram desconsiderados com a desproporcional facilitação de acesso de armas de fogo ocasionada pela Resolução GECEX nº 126/2020, demonstrando evidente desprestígio e afronta aos direitos à vida, à dignidade da pessoa humana e à segurança, garantidos no artigo 5º, caput, no artigo 1º, III e no artigo 144, todos da Constituição da República.

Vale destacar, ainda, que a Resolução impugnada, ao perseguir os objetivos extrafiscais pretendidos, deve continuar observando, simultaneamente, os valores constitucionais e os interesses sociais — o que falha em fazer, havendo nítido conflito entre as finalidades da norma que concede isenção tributária a revólveres e pistolas frente a valores constitucionais, como o direito à vida e a segurança pública.

É dizer, ainda que a lei permita que a medida seja tomada, é fundamental que a Administração Pública analise a adequação, a conformidade e a validade do fim almejado. Deve ser ponderada a necessidade da medida, não sendo aceitável que direitos e deveres indispensáveis sejam desconsiderados, como, infelizmente, faz a Resolução GECEX nº 126/2020.

Não se trata, portanto, da capacidade da Administração Pública para efetivação de determinada política econômica. A Resolução que fomenta a aquisição de pistolas e revólveres por meio de incentivos fiscais de redução do Imposto de Importação encontra óbice na intromissão em outros direitos e garantias constitucionais protegidos.

A Resolução GECEX nº 126/2020, portanto, contraria a Constituição da República ao conferir isenção tributária sobre importações armamentistas e facilitar imensamente a circulação de armas de fogo no país, indo de encontro com a proteção da segurança pública e, consequentemente, ao direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Daí a evidência que seus objetivos não estão em conformidade com os preceitos fundamentais da Carta Magna.

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4.3 – DA RENÚNCIA DE RECEITA TRIBUTÁRIA EM MOMENTO DE AGUDA CRISE CAUSADA PELA PANDEMIA DO COVID-19

Além do exposto, há de se trazer à baila que a diminuição na arrecadação do Imposto de Importação implica renúncia significativa de receita tributária em momento de aguda crise causada pela pandemia da Covid-19.

A nova alíquota pretendida pela Resolução impugnada — de 0% (zero por cento) — reduz a arrecadação do imposto em importações armamentistas e afeta negativamente o repasse de recursos para outras áreas essenciais, como ao combate a pandemia da Covid-19.

Sobre essa renúncia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, informou em entrevista que a isenção tributária no Imposto de Importação em revólveres e pistolas gerada pela Resolução GECEX nº 126/2020 teria impacto de R$ 230 milhões ao ano, e considerou o efeito“ muito baixo”30.

Tudo isso diante de um grave cenário pandêmico que o Brasil enfrenta, em que os dados oficiais do Governo Federal apontam, até 18 de janeiro de 2021, para 8.511.770 casos confirmados e 210.299 óbitos ocorridos no país em decorrência da Covid-1931.

O Brasil é o país que chegou a representar 9,2% das mortes no mundo em 24 horas por Covid-19, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, que também indicaram que o Brasil era o maior foco da doença no Hemisfério Sul do planeta32.

E os dados mais recentes continuam demonstrando como a pandemia da Covid-19 não está encerrada: o Brasil registrou uma média móvel de mortes nos últimos 7 dias de 959, com uma variação de +33% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando sério crescimento no número de óbitos pela doença. E em relação aos casos confirmados, a média móvel nos últimos 7 dias foi de 54.058

30 “Guedes: 230 milhões por ano é o impacto da isenção da tarifa para armas”. Disponível em < https://istoe.com.br/guedes-r-230-milhoes-por-ano-e-o-impacto-da-isencao-de-tarifa-para-armas/> Acesso em 18jan2021.

31 Painel Coronavírus. Disponível em <https://covid.saude.gov.br> Acesso em 18jan2021.

32 “Brasil tem quase 10 das mortes por Covid-19 no mundo em 24 horas, diz OMS” Disponível em < https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/05/07/brasil-tem-quase-10-das-mortes-por-covid-no-mundo-em-24-horas-diz-oms.htm> Acesso em 18jan2021

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novos diagnósticos por dia, que representa uma variação de +53% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica uma tendência de crescimento também no número de diagnósticos33.

Sucede que, não obstante todos esses dados alarmantes, uma resolução do Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior34 revogou a isenção tributária de vários itens hospitalares que estavam na lista de produtos considerados prioritários no combate à Covid-19, cujas alíquotas do Imposto de Importação estavam reduzidas a zero desde março de 2020, para facilitar as medidas de combate à pandemia.

Quer dizer, o mesmo governo que decidiu não renovar a isenção tributária de produtos considerados essenciais para o enfrentamento da mais séria pandemia que o país já enfrentou nos últimos anos, achou pertinente zerar a importação sobre armas de fogo, renunciando completamente a arrecadação do Imposto sobre Importação de revólveres e pistolas35.

Vale destacar também que já nos quatro primeiros meses da pandemia o desemprego aumentou 27,6%, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)36. Só no Estado de São Paulo, ao menos 800 mil pessoas, em sua maioria trabalhadores

informais, perderam o emprego37.

Quer dizer, em momento altamente sensível para a retomada econômica, consideradas as sequelas da pandemia da Covid-19 sobre o conjunto de atividades produtivas do país, é

33 “Brasil soma 211,5 mil mortes por Covid, com média móvel de 969 óbitos por dia” Disponível em <

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/01/19/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-19-de-janeiro-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml> Acesso em 18jan2021.

34 Resolução GECEX nº 133, de 24 de dezembro de 2020. Disponível em < http://www.camex.gov.br/resolucoes-camex-e-outros-normativos/58-resolucoes-da-camex/2863-resolucao-gecex-n-133-de-24-de-dezembro-de-2020> Acesso em 18jan2021.

35 Após o próprio governo ter elevado o imposto de importação sobre itens necessários para combater a Covid-19, a Câmara de Comércio Exterior decidiu reverter o aumento. Com a resolução, adotada em reunião extraordinária convocada às pressas, os produtos vindos do exterior ficam novamente isentos do pagamento do tributo a partir de 16/02/2021, valendo os benefícios até 30 de junho deste ano.

“Após críticas, governo recua e volta a zerar taxa para importar cilindros de oxigênio” Disponível em <

https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,apos-criticas-governo-recua-e-volta-a-zerar-taxa-para-importar-cilindros-de-oxigenio,70003583099> Acesso em 18jan2021.

36 Desemprego aumentou 27,6% em quatro meses de pandemia, diz IBGE. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/09/desemprego-aumentou-276-em-quatro-meses-de-pandemia-diz-ibge.shtml> Acesso em 23set2020.

37“ Pelo menos 800 mil pessoas perderam o emprego no estado de São Paulo durante a pandemia, segundo o IBGE”. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/08/20/pelo-menos-800-mil-pessoas-perderam-o-emprego-no-estado-de-sao-paulo-durante-a-pandemia-segundo-o-ibge.ghtml> Acesso em 20ago2020.

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indiscutível que a inviabilização de relevante setor industrial e a abdicação de parcela do Erário Público são medidas que devem ser vistas com especial atenção, para dizer o mínimo.

4.4 – DO PREJUÍZO AO MERCADO INTERNO CAUSADO PELA RESOLUÇÃO

E como se todas as violações geradas pela Resolução GECEX nº 126/2020 não fossem suficientes, o ato impugnado prejudica o mercado interno de forma irrazoável.

A Constituição da República, especificadamente em seu artigo 219, considera o mercado interno patrimônio nacional que deve ser fomentado com vistas a propiciar desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país.

A medida contestada fere o mercado nacional, já que a isenção tributária recai somente sobre as pistolas e os revólveres importados, de maneira que as indústrias armamentistas brasileiras perdem competitividade no mercado, impactando no desenvolvimento econômico e industrial nacional.

E especificamente sobre o Imposto de Importação, a Lei nº 3.244/1957, que regulamenta referido imposto, é bem clara nas possibilidades de concessão de isenções tributárias para importação de produtos:

Art. 4º. Quando não houver produção nacional de matéria-prima e de qualquer produto de base, ou a produção nacional desses bens for insuficiente para atender ao consumo interno, poderá ser concedida isenção ou redução do imposto para a importação total ou complementar, conforme o caso.

§1º - A isenção ou redução do imposto, conforme as características de produção e de comercialização, e a critério do Conselho de Política Aduaneira, será concedida:

a) mediante comprovação da inexistência de produção nacional, e, havendo produção, mediante prova, anterior ao desembaraço aduaneiro, de aquisição de quota determinada do produto nacional na respectiva

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fonte, ou comprovação de recusa, incapacidade ou impossibilidade de fornecimento em prazo e a preço normal;

b) por meio de estabelecimento de quotas tarifárias globais e/ou por período determinado, que não ultrapasse um ano, ou quotas percentuais em relação ao consumo nacional.

Sendo assim, a iniciativa de reduzir a zero a alíquota do Imposto de Importação de pistolas e revólveres impacta gravemente a indústria nacional, sem que se possa perceber fundamentos juridicamente relevantes da decisão político-administrativa que reduz a competitividade do produto similar produzido no território nacional.

Quer dizer, há incentivo ao mercado externo, criando significativo risco de ocorrer no Brasil a desindustrialização de um setor estratégico para o país no Comércio Internacional, sem que tenha sido apresentado qualquer estudo que demonstra a razão de ser de tal medida.

Ora, não é pedir muito que decisões que interfiram no mercado interno nessa magnitude sejam plasmadas em planos e estudos concretos, o que não foi observado seja em relação às consequências sociais de tal medida, seja em relação aos seus efeitos econômicos. Assim, de rigor a atuação desta Corte Constitucional

5 – DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer-se:

(i) a habilitação das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital subscritoras, por meio GAETS, como Amicus Curiae na presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental;

(ii) a efetivação de sustentação oral, inclusive, no julgamento em que o Plenário

apreciará a medida cautelar concedida pelo Ministro Relator no próximo dia 05.02.21 e intimação e participação em todos os demais atos processuais desta arguição.

(iii) sejam acolhidos os argumentos da parte autora para que seja julgado integralmente inconstitucional a Resolução nº 126/2020 do Comitê Executivo de Gestão da Câmara do Comércio Exterior.

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gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria Termos em que

Pede deferimento.

São Paulo, 29 de janeiro de 2021.

DAVIQUINTANILHAFAILDEDEAZEVEDO Defensor Público do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos FERNANDAPENTEADOBALERA

Defensora Pública do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos LETÍCIA MARQUEZ DE AVELAR

Defensora Pública do Estado de São Paulo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

PAULA SANT´ANNA MACHADO DE SOUZA Defensora Pública do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres

NALIDA COELHO MONTE

Defensora Pública do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres

Assinado digitalmente

RAFAELMUNERATI

DEFENSORPÚBLICODOESTADODESÃOPAULO FERNANDABUSSINGER

DEFENSORAPÚBLICADOESTADODESÃOPAULO FERNANDO FIGUEIREDO SEREJO MESTRINHO DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DE AMAZONAS

(28)

gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria HÉLIO SOARES JÚNIOR

DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA RAFAEL VINHEIRO MONTEIRO BARBOSA DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DE AMAZONAS

ANARAISAFARIASCAMBRAIAALEXANDRE DEFENSORAPÚBLICADOESTADODOCEARÁ

MÔNICA BARROSO

DEFENSORA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ FERNANDOANTÔNIOCALMONREIS

DEFENSORPÚBLICODODISTRITOFEDERAL THIAGOPILONI

DEFENSORPÚBLICODOESTADODOESPÍRITOSANTO MARCOT.PAIVASILVA

DEFENSORPÚBLICODOESTADODEGOIÁS ADRIANAPATRÍCIACAMPOSPEREIRA DEFENSORAPÚBLICADOESTADODEMINASGERAIS

FLÁVIOAURÉLIOWANDECKFILHO

DEFENSORPÚBLICODOESTADODEMINASGERAIS ANELYSEFREITAS

DEFENSORAPÚBLICADOPARÁ ANNAWALLERYARUFINOESILVA

DEFENSORAPÚBLICADOESTADODEPERNAMBUCO ISABELLASORAYALUNAGERÔNIMO

DEFENSORAPÚBLICADOESTADODEPERNAMBUCO PEDROPAULOLOURIVALCARRIELO

DEFENSORPÚBLICODOESTADODORIODEJANEIRO DOMINGOSBARROSODACOSTA

DEFENSORPÚBLICODOESTADODORIOGRANDEDOSUL RAFAELRAPHAELLI

(29)

gagaets.defensoria@gmail.com @gaets.defensoria DEFENSORPÚBLICODOESTADODORIOGRANDEDOSUL

LEILAMARDUARTE

DEFENSORAPÚBLICADOESTADODETOCANTINS MARIADOCARMOCOTA

Referências

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