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UM ESBOÇO DO PERFIL FEMININO EM CANTIGAS DE ROMARIA

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UM ESBOÇO DO PERFIL FEMININO EM CANTIGAS DE ROMARIA

Célia Santos da Rosa – Universidade Estadual de Maringá RESUMO: As cantigas de amigo são subdivididas em subgêneros, um destes subgêneros é a

cantiga de romaria. O eu-lírico das cantigas de amigo é feminino, é a jovem solteira, submissa

à autoridade materna, uma vez que o homem, geralmente, se encontrava ausente, pois estava

combatendo. Nenhuma só vez a sombra do pai perturba este universo estritamente feminino.

As cantigas testemunham as condições familiares da época medieval, em que a mãe possui

autoridade e exerce vigilância sobre a filha, exercendo também o papel de confidente da filha,

juntamente com as amigas e as irmãs. Desta maneira, pretende-se analisar nas cantigas de

romaria o perfil feminino apresentado nestas composições.

PALAVRAS-CHAVE:

Idade Média; cantigas de romaria; perfil feminino.

INTRODUÇÃO

A importância atribuída à mulher é muito grande nas cantigas de amigo. Segundo Ferreira (s/d), a mulher possuía um importante papel de cantora nas festividades de Santiago de Compostela, embora com o decorrer do tempo a posição de jogralesca decaísse para a de soldadeira, companheira de jograis. As condições sociais também favoreciam a importância adquirida pela mulher, quando o homem partia para combater os mouros ou acompanhar o rei, era a mulher que assumia responsabilidade da família e do governo da casa, além do trabalho da terra nas regiões rurais, de acordo com a autora.

Macedo (1999) afirma que a mulher participou de praticamente todos os setores da atividade econômica. O trabalho feminino teve incontestável significação na vida econômica das cidades. Havia uma superioridade demográfica das mulheres, devido a isso o excedente feminino era, na aristocracia, relegado aos conventos, e entre o povo, ao mundo do trabalho.

As mulheres pertencentes à aristocracia rurais muitas vezes precisavam cumprir tarefas reservadas aos homens. De acordo com Macedo (1999), esta situação ocorria devido à constante ausência dos companheiros, afastados em viagens, peregrinações, cruzadas ou guerras privadas. Isto fazia com que as mulheres se vissem obrigadas a substituí-los na administração das posses da família.

As cantigas de amigo refletem o ambiente doméstico e familiar, marcado pela presença feminina, segundo Ferreira (s/d). A jovem vive sob a tutela da mãe, já que na ausência do chefe da família, a mulher assume este papel. As cantigas, portanto, testemunham as condições familiares da época, em que a mãe possuía autoridade e exercia vigilância sobre a filha.

Correia (1978) destaca o fato de nenhuma só vez o pai aparecer nestas composições, "Nem uma só vez a sombra do pai vem perturbar este universo estritamente feminino que apenas se excita com as proibições e concessões da mãe, único juiz das acções da filha enamorada" (CORREIA, 1978, p. 44). Maleval (1995) justifica esta ausência do pai, devido à divisão desigual do trabalho entre os sexos, ao homem eram destinados os serviços bélicos, enquanto os afazeres domésticos ou domésticos-agrícolas eram de incumbência feminina. A mãe, nas cantigas, encarna o principio do dever, constata Maleval (1995). A mãe pode aparecer nestas composições como cúmplice, ou como adversárias dos desejos da filha.

MULHER NA IDADE MÉDIA

A mulher na Idade Média teve, sem dúvida, seu papel restrito e o seu destino traçado desde criança, quando aprendia sobre a obrigatoriedade de se casar e viver para sua família, dedicando-se aos afazeres domésticos. De acordo com Macedo (1999), o casamento era um pacto entre duas famílias. Nesse ato, a mulher era ao mesmo tempo doada e recebida, como um ser passivo. A obediência e a submissão eram as principais virtudes da mulher dentro e fora do casamento. Se o valor dos dotes colocava em perigo a estabilidade do patrimônio familiar, a jovem era enviada pelo pai ou o chefe da casa, para os mosteiros a fim de se tornarem "esposas do Senhor”. A diminuição de jovens aptas ao

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matrimônio possuía o proposito de proteger os bens da família, uma vez que não haveria dotes, e valorizar as arras, o valor dos bens que as moças deveriam receber do marido quando se casavam.

Segundo Macedo (1999), a aliança dos dois cônjuges estabelecia um pacto entre duas famílias. Os interesses da estirpe sobrepunham-se aos pessoais. O objetivo mais importante do casamento era a continuidade da linhagem. Se o objetivo da união não fosse atingido, a relação perdia a sua razão de ser. O divórcio ou o repúdio de esposas indesejáveis foram comuns no período, malgrado o inconveniente dos conflitos com os familiares das mulheres abandonadas.

A Igreja possuía três diferentes perspectivas sobre o matrimônio. Uma vertente ascética e monástica, pregando a recusa do mundo, desprezava-o, condenando-o, como se representasse ao mesmo tempo mácula e um obstáculo à contemplação e à pureza da alma. A segunda vertente, do clero secular, não somente aceitava o casamento, como defendia a ideia de matrimônio de religiosos. Já a terceira vertente, defendia o matrimônio quando se tratava de ligação entre leigos, e o condenava quando se tratava da união envolvendo religiosos.

Macedo (1999) explica que por meio do casamento esperava-se controlar a sexualidade e lutar contra a fornicação. Transformada num sacramento, a união conjugal tornar-se-ia veículo de controle do comportamento da sociedade.

A mulher poderia ser castigada por seu marido tal como uma criança, não reivindicando nenhum direito, considerando que o casamento não lhe dava segurança. Mesmo casada não tinha direito nenhum sobre a herança e se ficasse viúva, o seu destino era o convento. Poderia ser mãe, mas para obter alguma coisa teria que ser de filhos homens. A identidade da mulher medieval, portanto, no que tange à materialidade se resume em não ter direito. Segundo Macedo (1999), três imagens retratam essa mulher: a burguesa, a dama e a virgem.

O marido deveria ser indulgente para com um ser frágil, amando-o como a si mesmo. Em contrapartida, a esposa deveria reverencia-lo, obedece-lo. Salvo em decorrência do adultério, ela não deveria ser abandonada. Deveria ser “suportada”. A mulher não era dona de seu corpo, já que este, por intermediário do casamento, era posse do esposo. No entanto, a alma deveria permanecer na posse exclusiva de Deus.

O desprezo dos homens pelas mulheres era justificado por todos os meios, até pela etimologia da palavra que as designava. Para os pensadores da época, a palavra latina que designava o sexo masculino, Vir, lembrava-lhes Virtus, isto é, força, retidão. Enquanto Mulier, o termo que designava o sexo feminino lembrava Mollitia, relacionada à fraqueza, à flexibilidade, à simulação.

Um provérbio da época mostra o habito brutal dos homens em relação às mulheres: “Quem bate na mulher com uma almofada, pensa aleijá-la e não lhe faz nada". Os homens, pais ou maridos, reservavam o direito de castigá-las como a uma criança, a um doméstico, a um escravo. Era um direito de justiça inquestionável, a "surra conjugal" era um direito do marido.

As mulheres não deveriam saber ler e escrever, a única exceção se aplicava as mulheres que entravam para a vida religiosa. Se ela fosse instruída estaria à mercê dos galanteios dos homens. Caso fosse assediada, a dama não resistiria ao desejo de se corresponder com seus admiradores. A moça deveria saber fiar e bordar.

Para Macedo (1999) é necessário enforcar a situação da mulher sob dois aspectos. Primeiramente, em relação aos homens, tomando por base os papeis que tinham enquanto participantes da família. Todas foram indistintamente filhas, esposas, mães. E por outro lado, considerar o grupo social a qual pertenciam. É preciso considerar as atividades desempenhadas fora do lar, que eram diferentes, segundo o grupo, e responsáveis por uma participação mais intensa das mulheres na sociedade.

Além de exercerem o papel de esposa, as mulheres foram forçadas, pelas dificuldades do tempo, a desempenhar, ao lado do esposo ou sem ele, inúmeras atividades fora do lar. Elas tiveram, querendo ou não, de lutar para sobreviver. Participaram em praticamente todos os setores da atividade econômica.

A mulher camponesa deveria trabalhar ao lado esposo em todas as atividades desempenhadas por este. Na viuvez, trabalhava sozinha ou com os filhos. A dama aristocrata tinha sob sua responsabilidade, o suprimento de alimentos e vestimentas da família, a administração do trabalho doméstico, o acompanhamento da fabricação de tecidos. Certas esposas de nobres e viúvas precisaram assumir responsabilidades aparentemente masculinas. As aristocratas rurais, da alta nobreza ou apenas castelãs, foram chamadas inúmeras vezes para o cumprimento de atividades reservadas aos homens.

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As mulheres parentas de pequenos ou grandes mercadores substituíam ou auxiliavam os homens. Atuaram nas atividades comerciais desde as menores transações até as maiores. As esposas colaboravam com o companheiro, as filhas ajudavam o pai, as viúvas davam continuidade aos negócios dos falecidos.

A mulher era vista pelos religiosos como "naturalmente" inferior ao "sexo viril". Deus havia criado primeiro o homem. Ele foi criado à imagem e semelhança do Todo-Poderoso. A mulher era apenas um reflexo da imagem masculina, uma imagem secundária. Sexos diferentes uniam-se pelo casamento. Contudo, não se tornavam iguais. A dominação do esposo sobre ela e as dores do parto eram vistos como castigo, uma vez que ela era considerada a responsável pela queda da humanidade no pecado.

Na literatura medieval (Idade Média Central) floresceram outros conceitos sobre a mulher. A Igreja recriou sua imagem sob dois pontos de vista, a mulher perfeita identificada com Maria e a mulher má e sedutora, imagem de Eva. A mulher começou a ser vista como a “Virgem” e isso trouxe uma nova Eva com o rótulo da castidade e da pureza, ou seja, de santidade. Entre os séculos XII e XIII ela começou a ser vista como dama inspiradora, contribuindo com o desenvolvimento de uma cultura fina e brilhante.

O tema central da discussão teológica sobre a mulher foi o do pecado original. A maioria dos pensadores, desde São Paulo, baseara a argumentação em defesa da "superioridade natural" do homem na fraqueza de Eva ante a sedução de Satã. Santo Agostinho, o maior representante do pensamento cristão, considerava que a sujeição feminina estava na ordem natural das coisas. O homem deveria ser governado apenas pela sabedoria divina. Já a mulher necessitava ser governada pelo homem tal qual o corpo deve ser governado pela alma; a razão viril deveria dominar a parte animal do ser.

A mulher perfeita esteve relacionada com o culto da Virgem Maria. De acordo com Macedo (1999), a projeção da imagem de Maria sobre a cristandade foi lenta. No Concílio de Éfeso, em 431, sob a inspiração de São Cirilo, ela foi proclamada "Mãe de Deus", em vez da consideração anterior de "Mãe de Cristo". Ao longo da Alta Idade Média, a popularidade de Maria se firmou entre os cristãos. Depois do século XI, houve um desenvolvimento assombroso do culto a Santa Maria. Se por um lado Eva foi responsável pelo pecado original, a Virgem Maria, a “nova Eva” foi fonte de redenção.

A lírica trovadoresca criou uma nova visão do amor cujo centro era a dama incessível e possuidora de encanto e pureza. No final do século XIV, ela se torna a heroína dos romances de cavalaria. No decorrer da história ocorreram muitas alterações promovidas pelas ideias do campo literário, principalmente a visão da mulher como dama. A burguesia repudiava as mulheres e suas qualidades começaram a ficar em segundo plano. Um dos gêneros mais comuns nesta época, o fabliaux, transmitiu grande antipatia à figura feminina. Valores negativos como a ingratidão, a traição e a vaidade passaram a fazer parte de muitos contos nesse período. Segundo Macedo (1999), pelo seu conhecimento das ervas medicinais e simpatias para a cura emergencial das doenças passou a ser considerada bruxa ou feiticeira, prejudicando, ainda mais, sua imagem e reputação, chegando a ser condenada pela Igreja como servidora do demônio.

CANTIGAS DE ROMARIA

A nomenclatura poesia trovadoresca abrange as composições em verso, líricas e satíricas, a lírica refere-se às cantigas de amigo e as cantigas de amor, e a satírica designa as cantigas de escárnio e maldizer. Ferreira (s/d) afirma que as primeiras manifestações literárias da poesia lírica trovadoresca galego-portuguesa, na Península Ibérica, datam, provavelmente, dos fins do século XII.

A denominação “cantigas”, atribuída aos textos poéticos trovadorescos, justifica-se pelo fato de serem destinadas ao canto. A poesia trovadoresca era cantada com acompanhamento musical e possuía uma estreita aliança com a música, o canto e a dança. Segundo Moisés (1986), as composições eram acompanhadas de instrumentos de sopro, corda e percussão.

A poesia trovadoresca por ser transmitida oralmente, passou a ser transcrita em pequenos cadernos, com a finalidade de impedir a perda. Um pouco mais tarde, com o objetivo de guardar esta poesia definitivamente contra qualquer perda, as letras das cantigas foram transcritas em coletâneas de canções denominadas cancioneiros. Isto era realizado por ordem do mecenas, especialmente os reis. Desses cancioneiros, três merecem destaque Cancioneiro da Ajuda, fim do século XIII, contendo 1310 cantigas, quase todas de amor; Cancioneiro da Biblioteca Nacional que contém 1647 cantigas de todos

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os tipos, englobando trovadores dos reinados de Afonso III e de D. Dinis; e o Cancioneiro da Vaticana com 1205 cantigas de todos os gêneros.

As cantigas de amigos são autóctones (própria da terra), existindo na Península Ibérica muito antes do lirismo importado da Provença. O lirismo importado precedeu ao lirismo tradicional na Península Ibérica, que, embora já existente, só eclodiu mais tarde, devido ao gosto pela poesia despertado pelos provençais. A poesia de inspiração provençal e a poesia autóctone são cultivadas simultaneamente, e também se influenciam mutuamente.

Quanto ao tema, essas composições são cantigas de mulher – o eu-lírico é feminino. O nome pelo qual são conhecidas designa o seu objeto, o amigo ou namorado, geralmente, referido logo no primeiro verso. A composição é realista, veiculando um sentimento espontâneo, natural e primitivo por parte da mulher.

De acordo com Moisés (1986), as cantigas de amigo são classificadas conforme o lugar geográfico e as circunstâncias em que decorrem os encontros amorosos em: pastorelas, barcarola, bailada, romaria, alba ou alva.

As cantigas de romaria são originárias do Ocidente da Península, apresentam uma estreita ligação com a realidade peninsular, refletindo as tendências naturais e o modo de vida do povo dessa região. Ferreira (s/d) afirma que a religiosidade das populações se traduz nas romarias às numerosas capelas das pequenas localidades e também às cidades maiores como Santiago de Compostela, Lisboa, Faro entre outras. Os santuários, peregrinações e feiras eram lugares em que o povo se encontrava.

São em países de pequenos agricultores, dispersos em casais, como a Galicia e o norte de Portugal, o centro principal e quase único de grandes reuniões festivas de gente de todas as classes, com predomínio da arraia miúda. Aí em plena natureza é que a alma ingênua e rude do povo manifesta as suas tendências e aspirações. Tanto as ideias e cristãs como as materias e pagãs. (…). Abstraindo das festas de Maio, do Natal e do Entrudo – Santo Entrudo, no dizer popular – é aí que a mocidade de ambos os sexos conversa e namora com maior liberdade, consagrada pela tradição (VASCONCELOS, 1904-1990, p.861-862 apud MALEVAL, 1999, p. 34).

As cantigas de romaria referem-se às peregrinações aos santuários, ou ao costume de ir à igreja, com a intenção de lá encontrar o namorado. As entrevistas amorosas geralmente ocorrem nas romarias junto ao santuário. As moças nessas ocasiões podem exibir suas habilidades coreográficas, seus vestidos novos, para o amigo. Enquanto a mãe se entrega às devoções, as moças aproveitam para encontrar o namorado, ou avistar-se com ele. Os encontros amorosos em festas e locais de culto cristão pertencem a uma longa tradição popular. Segundo Correia (1978), nas cantigas de romaria, as preces da jovem ao santo para que este lhe traga o namorado, estão relacionadas com os rituais antigos, talvez célticos e, quem sabe, romanos ou até mesmo africanos, implorando aos antepassados ou forças da natureza, proteção e ajuda.

Os lugares de romaria e peregrinação, espaços sagrados, eram procurados com a intenção de fazer ou de cumprir promessas. Entretanto, como demostram as cantigas de romaria, essa busca não era movida apenas pela fé religiosa, já que havia também as causas sentimentais. De acordo com Maleval (1999), as romarias se apresentam como resquícios do sincretismo religioso, pois se tornam lugares privilegiados de encontros amorosos, sem o estigma da culpa e do pecado. Nas cantigas de romaria, motivo religioso e tema sentimental são unidos.

PERFIL FEMININO PRESENTE NAS CANTIGAS DE ROMARIA

Nas cantigas de romaria analisadas a presença da mãe é de grande importância. A moça se encontra sob tutela da mãe, por isso precisa da sua permissão para sair.

A recusa da mãe em não permitir o encontro do namorado provoca na moça grande sofrimento. Maleval (1999) explica que a mãe exerce o papel de opositora da filha na maioria das cantigas de romaria. A mãe ao não permitir o encontro amoroso causa sofrimento na filha.

Donas uan a San Seruando muytas oi’ en romaria, mays non quis oie mha madre que foss’ eu hy este dia,

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por que uen hy meu amigo. (NUNES, 1970, p.217-218).

Neste fragmento da cantiga de Joam Servando, pode-se verificar o sofrimento da moça provocado pela recusa da mãe em não permitir o encontro amoroso “mays non quis oie mha madre / que foss’ eu hy este dia,” (NUNES, 1970, p.217-218). A mãe era responsável pela moral da filha, segundo Maleval (1995), a encarnação do principio do dever. Na cantiga a mãe não permite que a filha se dirija a San Servando porque o namorado se encontrava neste lugar. Logo, o papel de mãe como guardadora da moral da filha é testemunhado nesta cantiga.

Em outra cantiga de Lopo, a moça se revolta contra a constante vigilância da mãe, que não permiti que a jovem falasse com o namorado. “Por Deus uos rogo, madre, que mi digades / que uos mereci, que mi tanto guardades / d’ir a San Leuter falar com me[u] amigo” (NUNES, 1970, p.193). A moça questiona o motivo de tanta proteção à mãe, pois julga que nada fez a mãe para merecer tamanha vigilância, “Nunca uos fiz ren que non deuess’ a fazer,” (NUNES, 1970, p.193). Ela considera que é melhor a mãe lhe fazer qualquer mal do que a proibir de falar com o namorado em San Leuter, “Fazede-mh ora quanto mal poderdes,” (NUNES, 1970, p.193). Por meio desta composição contata-se que a moça muitas vezes se rebela contra as imposições da mãe.

Na cantiga de Martin de Pedrozes a jovem se alegra com a possibilidade da mãe não ir a San Salvador.

Pero sõ [o] guardada, todauia quer’ hir, com uosc’, ay amigo, se mh-a guarda non uyr, mui leda hirey, amigo,

e uós ledo comigo. (NUNES, 1970, p.213).

A jovem chama a mãe de “guarda”, por estar sob constante vigilância. A menina alegra-se com a possibilidade de ir sem a companhia da mãe, provavelmente, sem a vigilância da mãe, a moça poderia ter maior liberdade em falar com o amigo.

Na cantiga de Airas Corpancho, a moça tem a intenção de ir muito bonita para a romaria de Santiago de Compostela “querrei andar mui leda e parecer melhor” (NUNES, 1970, p.192). Ressalta-se que a moça pretende ir mais bela, caso a mãe não a acompanhar, “E Ressalta-se fezer [bon] tempo e mia madre non for, / querrei andar mui leda e parecer melhor” (NUNES, 1970, p.192). A donzela parece ainda não ter revelado sua intenção à mãe "Quer'eu ora mui cedo provar se poderei / ir queimar mias candeias con gran coita que ei," (NUNES, 1970, p.192). Ela se prepara para o pedido de permissão, e está ansiosa para saber a resposta. Portanto, esta cantiga mostra a moça se preparando para pedir permissão à mãe para ir à romaria de Santiago de Compostela, e fazendo planos caso possa ir à romaria.

Em diversas cantigas de romaria a moça está pedindo o consentimento da mãe para ir à romaria, com o propósito de encontrar o namorado, como se nota neste fragmento da cantiga de Mantins de Guinzo:

Se uos prouguer, madr’, oi’ este dia hirey oi’ eu fazer oraçon,

e chorar muit’ em Sancta Ceçilia destes meus olhos e de coraçon ca moyr’ eu, madre, por meu amigo, e el morre por falar comigo. (NUNES, 1970, p.214).

A moça pede permissão à mãe para ir a Santa Cecilia, lugar onde encontrará o namorado. A menina utiliza-se argumentos para convencer a mãe de lhe conceder a permissão, “hirey oi’ eu fazer oraçon, / e chorar muit’ em Sancta Ceçilia”, “hirey alá mhas candeas queimar” (NUNES, 1970, p.214). A jovem até utiliza-se do argumento da morte que será provada se a mãe não lhe der permissão para ir a Santa Cecilia “ca moyr’ eu, madre, por meu amigo” (NUNES, 1970, p.214).

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A mãe em algumas cantigas apresenta-se como confidente da moça, como na cantiga de Joan de Requeixo, em que a menina relata à mãe a imensidade de seu amor pelo amigo “e uenho d’el namorada”.

Fui eu, madr’, en romaria a Faro con meu amigo e uenho d’el namorada, por quanto falou comigo, ca mi iurou que morria por mi: tal ben mi queria! (NUNES, 1970, p.220).

A função da mãe nesta cantiga é de confidente e não de opositora. A jovem confessa a mãe a ida para Faro na companhia do namorado, “Fui eu, madr’, en romaria / a Faro con meu amigo” (NUNES, 1970, p.220). Ela também declara o quanto os seus sentimentos cresceram desde esta ocasião, “e uenho d’el namorada,” (NUNES, 1970, p.220). A mãe parece ouvir a filha sem recriminá-la, exercendo o papel de confidente da filha. Além da mãe, a jovem pode ter como confidente a irmã e as amigas nas composições.

A jovem na cantiga de Joan de Requeixo tem como confidente a amiga “Amiga, quen oi’ ouuesse / mandado do meu amigo” (NUNES, 1970, p.222). Por meio das analises das cantigas, podemos verificar que o papel de confidente da menina pode pertencer à mãe, a irmã ou as amigas.

Há um exemplo de cantiga de romaria, em que a mãe não é opositora dos encontros amorosos da filha, sendo até mais do que confidente. Na cantiga de Joan de Requeixo a mãe incentiva o encontro da filha com o namorado. Na composição, a mãe é quem fala, devido a isto, esta cantiga se difere das outras cantigas, em que a menina tem a palavra.

Poys uós filha, queredes mui gram ben uoss’ amigo, mando uo-l’hir uerr, pero fazede por mi hua ren que aia sempre que uos gradecer: non uos entendan, per ren que seia, que uos eu mand’ ir hu uos el veia (NUNES, 1970, p.221).

A mãe permite que a filha encontre o namorado em Faro. Esta mãe mostra-se diferente das outras mães das cantigas de romaria. Maleval (1999) constata que a mãe surgirá na maioria das cantigas de romaria como opositora, “a mãe, que em muitas cantigas aparece como confidente da jovem, na maioria das de romaria funcionará como opositora, proibindo-lhe a ida” (MALEVAL, p. 39, 1999).

A mãe na cantiga de Joan de Requeixo, não apenas permite que a filha encontre o amigo, como também dispõe-se a acompanhá-la, “irey convosqu’ e vee-lo-edes, / mays, por quanto uós comig’ andades / non uos entendan, per ren que seia,” (NUNES, 1970, p.221). Porém, a mãe coloca como condição que a filha não fale com o namorado quando ela estiver a acompanhando “mays, por quanto uós comig’ andades / non uos entendan [...]” (NUNES, 1970, p.221).

O sofrimento da moça não é apenas gerado pela recusa da mãe em permitir a ida até o santuário, há também outros motivos que causam sofrimento na moça. Um dos principais motivos de tristeza da jovem é a ausência do namorado.

O amigo se encontra ausente, em algumas cantigas analisadas. O homem estava ausente muitas vezes devido às guerras, que ocorriam com frequência. A ausência do namorado causa muito sofrimento na jovem, o que a leva a pedir ajuda aos santos, como mostra este fragmento da cantiga de Pais Gomes Charinho:

Ai, Sant' Iago, padron sabido, vós mi-adugades o meu amigo! sobre mar ven quen frores d'amor ten: mirarei, madre, as torres de Geen. (NUNES, 1970, p.275).

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volta “Ai, Sant' Iago, padron sabido, / vós mi-adugades o meu amigo!” (NUNES, 1970, p.275). Quando o pedido não é atendido, a moça se aborrece com o santo:

Non uou eu a San Clemenço orar e faço gram razon, ca el non mi tolh’ a coyta que trago’ no meu coraçon, nen mh-aduz o meu amigo, pero lho rogu’ e lho digo. (NUNES, 1970, p.226).

A jovem manifesta sua revolta, pois o santo não atendeu ao pedido, trazer o namorado, “nen mh-aduz o meu amigo, / pero lho rogu’ e lho digo.” (NUNES, 1970, p.226). Segundo Lemos (1990), em muitas cantigas a religiosidade da menina é apresenta como ingênua e simplória. Esta cantiga é uma exemplificação da afirmação da teórica. Além do motivo amoroso, encontrar ou avistar o amigo, a moça muitas vezes procura o espaço sagrado para pedir proteção aos santos para o namorado, como foi comprovado pela análise das cantigas de romaria.

O retorno do namorado é motivo de grande alegria para a moça, como na cantiga de Martim de Guinzo, em que a jovem manifesta seu contentamento ao saber que o namorado havia retornado, “Disseron-mi ũas novas de que m'é mui gran ben, / ca chegou meu amigo, e, se el ali ven,” (NUNES, 1970, p.214).

A jovem nas cantigas de romaria revela-se na condição de dependente da mãe, pois esta exerce tutela sobre a filha, uma vez que o homem está ausente, devido às guerras que ocorriam com frequência na Idade Média. A mãe é a grande opositora da filha, na maioria das cantigas de romaria, visto que não permite o encontro amoroso. Isto se deve ao fato da mãe ser responsável pela moral da filha perante a sociedade. Porém, em algumas cantigas de romaria a mãe assume o papel de confidente da filha. Há um curioso exemplar de cantiga de romaria, em que a mãe permite o encontro com o namorado, e indica certas procedências que a moça precisa cumprir caso a mãe for lhe acompanhar. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mulher no trovadorismo exerceu um papel de suma importância. Nas cantigas de amor, a mulher é cultuada, considerada modelo de beleza e virtude. A mulher é uma dama pertencente à nobreza, ela é casada, sendo chamada pelo trovador nas composições de “senhor”. O nome da dama nunca é citado nas cantigas, já que quebraria a lei da “mesura”. Segundo esta lei, o trovador não deveria em hipótese nenhuma comprometer a dignidade de sua ”senhor”. Os poetas não aspiram a realização do amor, deve-se amar desinteressadamente, uma vez que o amor é sua própria finalidade. A realização do amor é impossível nestas composições, já que trata-se de uma mulher casada. O eu-lírico manifesta nas cantigas de amor a chamada coita amorosa, um sentimento tão intenso que leva o trovador a desejar a morte, já que seu amor é tão profundo e ao mesmo tempo tão doloroso, pois não pode ter um final feliz, é um amor trágico, infeliz.

A mulher também exercia a função de cantora, porém teve sua posição degradada com o passar do tempo se transformando na soldadeira, que acompanhava os jograis, dançando, cantando e tocando pandeiros e castanholas em troca do soldo. Vem daí o nome soldadeira. Elas não eram muito bem vista pela sociedade, mais conhecidas pelo seu comportamento licencioso do que pelas suas qualidades artísticas.

Nas cantigas de amigo, a mulher se apresenta como o eu-lírico. Trata-se de uma jovem solteira, que está sob os cuidados da mãe. A jovem relata nas cantigas geralmente seu sentimento em relação ao namorado, seu estado, suas alegrias e tristezas. Nas cantigas de romaria, subgênero das cantigas de amigo, a jovem normalmente expressa seu desejo de encontrar-se com o namorado, por isso utiliza-se do subterfugio da romaria para realizar o encontro amoroso. Nas romarias, a moça pode ser livre, estar longe dos olhares repressores da mãe, encontrar-se com o namorado sem ser condenada. As cantigas de romaria apresentam uma jovem que intenta realizar seus desejos, unindo sentimento religioso e sentimento amoroso. Uma jovem que busca concretizar seus desejos.

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REFERÊNCIAS

CORREIA, Natália. Cantares dos trovadores galego-portugueses. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1978.

FERREIRA, Maria Ema Tarracha. Poesia e Prosa Medievais. Lisboa: Ulisseia, s.d.

LEMOS, E. A literatura medieval. A poesia. In: História e antologia da literatura portuguesa séculos XIII e XIV. Lisboa: Gulbenkian, 1990. p. 39-50.

MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. São Paulo. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1999. MALEVAL, Maria do Amparo Tavares. Rastros de Eva no imaginário Ibérico. Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 1995.

_______. Peregrinação e Poesia. Rio de Janeiro: Editora Ágora da Ilha, 1999. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 1986.

NUNES, J. J. Crestomatia Arcaica – excertos da literatura portuguesa. Lisboa: Livraria Clássica Edtora, 1970.

Referências

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