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A existência das famílias não monogâmicas, sua invisibilidade e o (des)acesso a direitos

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FACULDADE DE DIREITO

TATIANA MORENO GOULART FARINA LOPES

A EXISTÊNCIA DAS FAMÍLIAS NÃO MONOGÂMICAS, SUA INVISIBILIDADE JURÍDICA E O (DES)ACESSO A DIREITOS

NITERÓI 2017

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TATIANA MORENO GOULART FARINA LOPES

A EXISTÊNCIA DAS FAMÍLIAS NÃO MONOGÂMICAS, SUA INVISIBILIDADE JURÍDICA E O (DES)ACESSO A DIREITOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Bárbara Lupetti

NITERÓI 2017

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direto

L864 Lopes, Tatiana Moreno Goulart Farina.

A existência das famílias não monogâmicas, sua invisibilidade e o (des)acesso a direitos / Tatiana Moreno Goulart Farina Lopes. – Niterói, 2017.

83 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal Fluminense, 2017.

1. União estável. 2. Relações conjugais. 3. Relações familiares. 4. Comportamento afetivo. 5. Poligamia. 6. Família. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável. II. Título.

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TATIANA MORENO GOULART FARINA LOPES

A EXISTÊNCIA DAS FAMÍLIAS NÃO MONOGÂMICAS, SUA INVISIBILIDADE JURÍDICA E O (DES)ACESSO A DIREITOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Data de aprovação: / /

BANCA EXAMINADORA

Profa. Bárbara Lupetti – Orientadora UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Profa. Giselle Picorelli

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Prof. Daniel Puerari

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

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Me faltam palavras para descrever esse momento. A Tatiana que ingressou na UFF não é a mesma que agora conclui a formação na Faculdade de Direito de Niterói, e por tudo que dessa experiência absorvi, serei eternamente grata.

À Universidade Federal Fluminense, por tudo que me ensinou e me fez crescer, por ter me acolhido como sua cria e por ter me permitido lhe usar como escola.

Aos meus pais, Vânia e Cláudio, por serem provedores das melhores oportunidades e por me permitirem sonhar e realizar tudo que mais almejo.

Ao meu irmão, Rodrigo, por ser a definição de amigo no corpo do irmão e por ser calmaria em tempestade e doçura diária.

À minha família, avô e avós, por serem olhar atento e confortante.

Às minhas amigas, que moram longe, por preencherem todos os clichês possíveis e fazerem a distância ser só um detalhe, e se fazerem presentes em todo e qualquer momento.

Aos meus amigos cariocas por serem quem são, e isso basta. Ao meu amor, por me lembrar que existe amor.

À minha eterna chefe, Dra. Rita, por ter me permitido experimentar a vocação para o Direito em sua mais pura forma e, por ser exemplo de profissional e mulher tão presente em minha formação.

À minha orientadora, Bárbara, pela paciência, pela dedicação, pelo comprometimento, sem dúvidas, não haveria conseguido sem essa presença.

A todos, que de alguma forma, depositaram confiança em meu trabalho e me fizeram chegar até aqui.

(6)

“Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos

sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância” -

(7)

RESUMO

O presente trabalho busca reconhecer a existência das famílias não monogâmicas ou poliafetivas perante a sociedade e analisar os desdobramentos dessa existência a partir dos atuais conceitos de família propostos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pela doutrina do Direito de Família. Para isto, será estudado, em um primeiro momento, a construção histórica do conceito de família, para a melhor compreensão do instituto, de forma que as constantes mudanças no Direito de Família sirvam como base para o entendimento do que é família nos dias de hoje. Após, será realizado um enfoque ao conceito de poliamorismo e uma diferenciação dos institutos que são com ele confundidos como a bigamia, a simultaneidade familiar, as uniões estáveis paralelas e as uniões estáveis putativas. Em seguida, o estudo se propõe a adentrar a realidade fática do tema, e para isso, realiza um panorama dos registros de união estável não monogâmicos, do posicionamento dos Tribunais (STF, STJ, TRF2 e TJRJ), do posicionamento do Conselho Nacional de Justiça e finalmente, da postura dos Ofícios de Notas, responsáveis pela lavratura das escrituras de união estável. Por fim, partindo da perspectiva de existência de relações poliamoristas, é realizado um enfrentamento com a lei brasileira, CRFB e Código Civil e uma posterior conclusão sobre os direitos inacessíveis aos formadores das famílias não monogâmicas.

Palavras-chave: Famílias não monogâmicas. Poliafetividade. Reconhecimento. União Estável.

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ABSTRACT

This paper analyzes families composed by three or more people, the so-called “poly affective” or “poly amorous” unions in society, and examines, from the point of view of the Brazilian family doctrine, the repercussions brought by it. In order to fulfill this objective, this paper will, firstly, examine the historical evolution of the concept of family, so that a better understanding of such concept may be provided. This way, the various modifications regarding family law will allow for a better understanding of what is family is considered to be in our contemporary society. After that, this paper will focus on investigating the concept of poly amorous unions and differentiate it from other similar institutes, such as bigamy, family concurrence, parallel poly affective unions and putative stable unions. Then, this paper will provide an overview of the registered poly effective’s stable unions, of the positions taken by the courts and of the behavior learned from the Civil Registry, which is responsible for the registering the different type of families. Finally, this paper will analyze the existence of the families from the perspective of the Brazilian Constitutional and Civil law, and present a final conclusion about the rights and legal aspects involved.

(9)

INTRODUÇÃO ... 10

1. O CONCEITO DE FAMÍLIA NO TEMPO ... 14

2. UNIÃO POLIAFETIVA ... 19

2.1. Conceito... ... 19

2.2. Breves considerações sobre a monogamia ... 22

2.3. Simultaneidade Familiar... 25

2.4. Poliamorismo consentido e o crime de bigamia ... ... 28

2.4.1. Bigamia para fins de pensão ...29

2.5. A União estável, o Concubinato e a União Estável Putativa ... 34

3. UM PANORAMA DOS REGISTROS DAS FAMÍLIAS POLIGÂMICAS E DAS TENTATIVAS FRUSTRADAS ... 46

3.1. Jurisprudência (STF, STJ, TRF2 e TJRJ)... ... 51

3.2. O CNJ ... 53

3.3. Pesquisa sobre o funcionamento dos Ofícios de Notas ... 62

4. A EXISTÊNCIA DAS FAMÍLIAS POLIGÂMICAS E O CONFRONTO COM A LEI BRASILEIRA ... 65

4.1. Constituição Federal ... 65

4.2. Código Civil ... 69

5. FAMÍLIAS MONOGÂMICAS X FAMÍLIAS NÃO MONOGÂMICAS E O (DES) ACESSO A DIREITOS...72

6. CONCLUSÃO ... 78

(10)

INTRODUÇÃO

Inicialmente, antes de adentrar ao estudo aqui apresentado, é necessário que sejam feitas algumas considerações iniciais.

Desde que ingressei na faculdade de Direito, sem ao menos ter tido qualquer contato com a disciplina, já possuía especial interesse em Direito de Família. Ao passar a ter contato, e ao trabalhar com a matéria, senti necessidade de fazer meu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o tema.

Para escolher o tema, resolvi destinar minha pesquisa àqueles pouco abordados pela doutrina e jurisprudência do Direito de Família. Durante a pesquisa, me deparei com o nascimento das famílias não monogâmicas. Essas pessoas vinham, pouco a poupo, querendo demonstrar sua existência e sentindo necessidade de reconhecimento.

As famílias não monogâmicas ou poliamoristas, como veremos amplamente a seguir, são aquelas que não seguem o padrão tradicional e possuem mais de dois indivíduos em sua formação romântica.

Apesar da simplicidade do conceito, existe, no Direito brasileiro, um enorme tabu a respeito do modo de vida dessas pessoas.

São poucos os doutrinadores que se propõem a tratar do assunto; e, além disso, poucos são os que se posicionam de forma a se inserir na realidade dessas pessoas, a fim de trabalhar para um possível reconhecimento.

Por isso, me deparei com grande dificuldade em encontrar diferentes doutrinas de Direito Civil que tratassem do assunto, bem como jurisprudência que viesse a abordar o tema.

E não foi só; mas, a Faculdade de Direito, honrando seu título de conservadora, também se apresentou como obstáculo.

(11)

Já decidida acerca do tema que viria a tratar, procurei conversar com alguns professores para buscar opiniões e acertar minha orientação. Conversei com 03 professores antes de encontrar alguém que concordasse a me orientar sobre o tema do poliamor.

A primeira deles fez várias perguntas sobre a pertinência do assunto para o Direito brasileiro e questionou se havia alguma razão pessoal que me fizesse ter vontade de estudar o assunto

O segundo me disse, por e-mail, que poderia me orientar, mas, quando pessoalmente nos encontramos para debater o tema, ele me disse que já estava com muitos orientandos e que preferia não se comprometer comigo. Não recebi uma resposta explicitamente negativa, porém acredito que o imediato desinteresse em me orientar pode ter se originado ao saber de qual tema de Direito de Família se tratava.

O último foi uma tentativa desesperada de manter o tema. O referido professor é conhecido por orientar temas polêmicos, porém, não possuía mais horários para orientar outros alunos. Curioso foi que meu contato com ele apenas confirmou minha teoria. O professor me sugeriu que se quisesse mesmo fazer sobre um tema de Direito de Família, que procurasse algum menos controverso, ou que aguarda-se mais um período para poder ser sua orientanda.

Aliás, pode parecer que 03 professores não são muitas tentativas, mas é importante frisar que a Faculdade de Direito de Niterói não possui um corpo docente extenso, muito pelo contrário.

Tais obstáculos me serviram como impulso para seguir com a pesquisa. Constatar o preconceito e a falta de informação das pessoas e do Direito com o tema, me fez ter a certeza de que é necessário falar sobre as famílias poligâmicas, para desmistificá-las e tirá-las da invisibilidade.

Ultrapassadas as questões preliminares, adentrarei ao mérito da questão.

O presente estudo busca introduzir a controvertida temática dos relacionamentos não monogâmicos, ou relações poliafetivas.

(12)

Como se verá adiante, a evolução e as mutações da sociedade com o tempo fazem com que o conceito de família seja fluído, vindo a se adaptar conforme os parâmetros que são construídos.

Reiteradamente, a legislação tarda ao acompanhar as mudanças já existentes na sociedade, o que por muitas vezes, causa a exclusão de certos indivíduos da tutela do Estado e do acesso a direitos, que, aqueles que se enquadram no formato de “normalidade”, de “homem médio”, obtêm com mais facilidade.

Até a reforma legislativa de 2002, o texto do Código Civil baseava-se na sociedade patriarcal existente em 1916, época da promulgação da Lei.

A principal necessidade presente na reforma legislativa de 2002 era a adequação da legislação infraconstitucional civil aos princípios norteadores trazidos pela CRFB/88 com a retomada da democracia. Sabe-se que o Código Civil de 2002 deixou muito a desejar aos operadores do direito no que se refere à inovação, uma vez que o que houve não foi a introdução de novidades legislativas e sim uma adequação do Código Civil à Constituição Federal de 1988.

No tocante ao Direito de Família, exemplificadamente, apesar das mudanças ocorridas, como a equiparação dos cônjuges, a não-discriminação entre filhos e o regime da comunhão parcial de bens, não houve qualquer introdução legislativa inovadora, o que explica o status do “novo” Código Civil como obsoleto desde o nascimento.

Como demonstrado, existe grande morosidade por parte do legislativo em atender as demandas de diferentes grupos sociais e acompanhar a dinâmica evolutiva da sociedade.

As consequências, por certo, abalam fortemente aqueles que não se veem identificados no texto legal. E as famílias não monogâmicas são claro exemplo disso.

Não existem dúvidas quanto à existência dessas famílias. Por certo, o afastamento da monogamia não só é uma realidade, como uma realidade crescente. Estima-se que, no Brasil, existam em média 10 famílias com relacionamentos não monogâmicos registrados em

(13)

cartório1, através de escritura pública, e cada vez mais, famílias buscam o reconhecimento em cartório, o que nem sempre lhes é permitido.

Apesar de já existirem precedentes positivos, a realidade não corresponde. A doutrina, a jurisprudência, os Tribunais Superiores e o Legislativo, quando se posicionam, apresentam-se, em sua ampla maioria, contra a possibilidade de um reconhecimento por parte da lei.

A insegurança jurídica causada pela falta de regulamentação e a falta de uniformidade entre quem postula seus direitos é flagrante.

O presente estudo pretende, portanto, admitir a existência das famílias não monogâmicas para apresentar um panorama sobre o conceito de família e sua mutabilidade, avançando para enfrentar o posicionamento dessas famílias diante do atual ordenamento jurídico brasileiro e na prática, através de breve incursão em campo para entender como os cartórios e os Tribunais estão lidando com essa problemática.

No primeiro capítulo, tratarei de discutir o conceito de família no tempo. Após, cuido da união poliafetiva, seu conceito, e algumas considerações contrastivas sobre a monogamia, o poliamorismo consentido e o crime de bigamia, além da união estável, o concubinato e a união estável putativa. Após isso, trato do panorama dos registros das famílias poligâmicas e das tentativas frustradas, analisando a jurisprudência (STF, STJ, TRF2 E TJRJ), a postura do CNJ e uma breve incursão empírica, através de uma pesquisa sobre o funcionamento dos ofícios de notas no RJ. Por fim, faço um panorama legislativo e analiso o contraste entre famílias monogâmicas e famílias não monogâmicas no que se refere ao (des) acesso destas últimas a direitos já conferidos àquelas.

1 NEITSCH, Joana. “Trisal?’ Suspensão de Uniões com mais de dois parceiros depende de decisão do CNJ.

Gazeta do Povo, 09 out. 2016. Justiça e Direito. Disponível em < http://www.gazetadopovo.com.br/vida- publica/justica-e-direito/trisal-suspensao-de-unioes-com-mais-de-dois-parceiros-depende-de-decisao-do-cnj-bwyxlp7sgghcbenn7gga0mfb1. Acesso em 19.11.2017.

(14)

1. O CONCEITO DE FAMÍLIA NO TEMPO

O conceito de família é um instituto mutante, na medida em que sua formação está sujeita aos interesses sociais e aos arranjos de poder da sociedade. Cada um desses fatores influi diretamente na definição do que deverá ser considerado família, por isso, o conceito se torna um mutante do tempo, a se adequar aos parâmetros políticos e sociais da época em que se inserem.

O conceito de família no Brasil, não deverá ser analisado de forma diferente. Um país com uma democracia recente, que aos poucos solidifica seus patamares políticos, possui, por lógica, um conceito de família ainda mais mutante.

Inicialmente, cumpre dizer que o conceito de família no Brasil tem como grande divisor de águas a promulgação da Constituição Federal de 1988. A inauguração da democracia no Brasil, como se verá a seguir, passou a prezar pela interpretação dos institutos através de princípios democráticos como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a afetividade.

Os primeiros indícios de conceito de núcleo familiar no Brasil remontam à época do Brasil colônia. Um país quase exclusivamente rural e patriarcal fez como que a família funcionasse como uma unidade de produção, ou seja, havia a necessidade de mão de obra disponível para funcionar como mão de obra laboral, por isso, quanto maior o número de filhos em uma família, mais chance havia dessa família ter uma boa sobrevivência.

Esse modelo familiar perdurou até a urbanização das funções de trabalho e da migração da atividade econômica para as cidades. O desenvolvimento do mercado de trabalho e da competitividade, fez com que o custo de vida para a manutenção de uma família extremamente numerosa aumentasse substancialmente, o que por consequência diminuiu o número da prole. Somado a isso, aos poucos foi se introduzindo a mulher no mercado de trabalho, para atuar como força contributiva da renda familiar.

Pode-se dizer que, a introdução da mulher ao mercado de trabalho atenuou, mesmo que pouco, a organização familiar patriarcal e patrimonial da época. Na vida prática, a mulher já colaborava com empenho contributivo. As organizações sociais, entretanto, não

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acompanharam. A cultura patriarcal e machista reinava e a mulher desempenhava papel de extrema inferioridade social perante o marido.

Dessa forma, ainda não existia no âmbito familiar, de maneira geral, sensação de respeito mútuo, igualdade ou ainda de afetividade entre os cônjuges.

Prova disso é a literalidade da legislação civil à época. O Código Civil de 1916 é espelho do patriarcalismo, no qual o homem ainda ocupa a posição de patrão da família, sem desempenhar qualquer função como pai. A mulher, por sua vez, está elencada no rol dos indivíduos relativamente incapazes, sendo totalmente independente do marido para gozar de sua completa capacidade civil.

Ainda em relação à Lei civil de 1916, pode se citar como decisão legislativa conservadora a consagração do casamento como o único instituto jurídico formador da família, dificultando, outrossim, a adoção e permitindo o reconhecimento de filhos apenas quando não adulterinos ou incestuosos2.

Ademais, o diploma civil de 1916 consagra de tal forma a instituição do casamento que não admitia a dissolução do vínculo conjugal, permitindo apenas o chamado “desquite”, substituída pela separação judicial pela polêmica Lei nº 6.515/77, a qual também criou a instituição do divórcio.

Na restrita visão do Código Civil de 1916, a finalidade essencial da família era a continuidade. Emprestava-se juridicidade apenas ao relacionamento matrimonial, afastadas quaisquer outras formas de relações afetivas. Expungia-se a filiação espúria e proibiam-se doações extraconjugais3. Verifica-se que durante décadas a legislação brasileira protegeu a todo custo a instituição da família e os laços sanguíneos entre os parentes, vedando ou criando empecilhos para a dissolução da relação conjugal e para a adoção, ignorando a importância do afeto em tais relações.

2

WALD, Arnoldo. O novo Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 712 p. p. 22.

3 FUGIE, E. H. A união homossexual e a Constituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto

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Ademais, importante frisar que foram completamente ignoradas pelo legislador de 1916 as uniões de caráter convivencial, de companheirismo, reservando todo e qualquer direito às uniões que não sejam exclusivamente formadas por intermédio do casamento.

Na legislação civil à época procurou a qualquer custo sacramentar o casamento, para assegurar a manutenção do viés patriarcal da família brasileira. Nesse sentido, ilustra-se o que disse Maria Berenice Dias:

A negativa de reconhecer os filhos fora do casamento possuía nítida finalidade sancionatória, visando a impedir a procriação fora dos “sagrados laços do matrimônio”. Igualmente afirmar a lei que o casamento era indissolúvel servia como verdadeira advertência aos cônjuges de que não se separassem. Também negar a existência de vínculos afetivos extramatrimoniais não almeja outro propósito senão o de inibir o surgimento de novas uniões. O desquite – estranha figura que rompia, mas não dissolvia o casamento – tentava manter a todos no seio das famílias originalmente constituídas. Desatendida a recomendação legal, mesmo assim era proibida a formação de outra família4.

Como demonstrado, portanto, até o advento da Constituição Federal de 1988, era indiferente ao legislador e possuía quase nula importância jurídica a consideração do afeto como formador das relações familiares merecedoras de proteção.

Um relacionamento, mesmo que duradouro, não era legitimo senão envolvesse casamento; não existia legislação para regulamentar propriamente a adoção, não eram considerados laços de afetos para fins de parentalidade, dentre outras realidades.

Como já mencionado, as mudanças começarem a ser introduzidas com a democratização de 1988. A Constituição reservou especial tratamento ao Direito de Família, separando um capítulo de seu texto para o tema (Capítulo VII do Título VIII). Tendo como objetivos democráticos a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a solidariedade, foram transpassados ao Direito de Família os mesmos.

A Constituição de 1988 realizou enorme progresso na conceituação e tutela da família. Não aboliu o casamento como forma ideal de regulamentação, mas também não marginalizou a família natural como realidade social digna de tutela jurídica. Assim, a família

(17)

que realiza a função de célula provém do casamento, como a que resulta da “união estável

entre o homem e a mulher” (art. 226, §3º), assim como a que se estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os

genitores (art. 226, §4º) 5.

A partir da promulgação da Constituição, aos poucos, foram sendo introduzidos os princípios constitucionais ao Direito Civil e também a sociedade. A elevação da importância do afeto ampliou a possibilidade de arranjos familiares distintos e mais fluidos.

Nessa toada, foram promulgadas a Lei nº 8.971/94 - que dispõe sobre o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão - e a Lei nº 9.278/96 – que regula o artigo 226, §3º da Constituição Federal, que trata da união estável, sendo garantidos às relações formadas sem o ato solene do casamento os direitos garantidos pelo texto constitucional, comprovando a recepção do afeto como instituição no Direito.

Entretanto, as normas constitucionais que dispõem sobre a família só foram regulamentadas pela legislação infraconstitucional com a promulgação da Lei nº 10.406, de 10.01.2002, o atual Código Civil.

No que tange ao Código Civil de 2002, importante pontuar os avanços por ele introduzidos. Por exemplo, pode-se mencionar a expressa igualdade dos cônjuges no seio familiar, extinguindo-se, por fim – pelo menos na teoria - a influência do poder patriarcal, bem como a atualização da dissolução do vínculo conjugal, por meio da separação e do divórcio; a atualização da adoção, sem qualquer distinção entre os filhos de sangue e os adotados; a regulamentação da união estável entre o homem e a mulher, bem como o reconhecimento de direitos decorrentes das relações concubinas.

O afeto, enquanto formador da família, está diretamente presente na adoção e nas relações de convivência, como a união estável, vez que enquanto essas não dependem de consanguinidade ou solenidade, a formalidade que pressupõe a adoção é resultado exclusivo do afeto demonstrado pelos pais.

(18)

Todavia, não obstante as evoluções legislativas trazidas pelo Código Civil de 2002, é importante frisar que o projeto de seu texto remonta a década de 70 e mesmo que tenha sofrido inúmeras modificações, inclusive em adaptação à Constituição de 1988, que exigiu uma reforma quase integral do diploma civil, não foi conseguiu abranger todas as mudanças que se mostraram necessárias nos quase noventa anos de vigência do Código anterior ou mesmo dos quase quinze anos de promulgação da Constituição de 1988. Nas palavras de Maria Berenice Dias: “o novo Código, embora bem-vindo, chegou velho.6

Após a transcendência do afeto das relações sociais para o âmbito jurídico, passando a ser considerado na legislação, na jurisprudência e na doutrina como o elemento formador das instituições familiares, observou-se uma mitigação do conceito fixo de família. Nesse sentido, por exemplo, pode – se citar a equiparação da união estável homoafetiva à união estável heteroafetiva, segundo o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal Federal.

É natural que com a normalização da presença do afeto nas relações familiares e com a aceitação dessa presença no âmbito jurídico, que aos poucos o conceito de família seja cada vez menos engessado, ao ponto de poder englobar todas as relações que queiram por ele ser protegidas.

O presente estudo, inclusive, parte de uma pretensão de ver estendidos os efeitos do Direito de Família para uma instituição que recentemente passou a ser debatida, a família não monogâmica, que tem tido dificuldade de acesso a direitos, por não se enquadrarem no conceito tradicional, clássico, de família.

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2. UNIÃO POLIAFETIVA

2.1. Conceito

Em decorrência da novidade do tema, se torna tarefa difícil, se não impossível, encontrar uma definição única para as novas uniões apresentadas. A união poliafetiva ainda é um conceito fluido, que varia de acordo com o interlocutor que a define. Analisada sob uma perspectiva literal é plausível se chegar a uma tradução próxima: “uniões decorrentes de

muitos, vários afetos” 7 .

“O poliamor em si é algo bem genérico, pois a multiplicidade de afetos pode ocorrer

tanto em uma só união, que é o caso da união poliafetiva, quanto em diversas uniões, que é o caso das uniões concomitantes” 8. Em suma, o poliamorismo indica possibilidades que vão além do padrão monogâmico.

Em outras palavras, conceituar as uniões poliafetivas é admitir a existência de família sem a obrigatoriedade de monogamia. Sob outra perspectiva, pode se dizer que as uniões poliafetivas são espécies do gênero “famílias simultâneas”, o que significa dizer que a união estável afetiva de alguém em um mesmo período de tempo com duas ou mais pessoas de forma pública, contínua e duradoura.

Para uma análise mais a fundo, é necessário tratar a conceituação junto aos princípios do direito. As famílias não monogâmicas são formadas sob a égide do princípio da liberdade e da afetividade, diferentemente das famílias monogâmicas, que são formadas pela exclusividade e monogamia.

O princípio da liberdade está positivado na Constituição Federal e é reflexo do processo de constitucionalização que passou – e ainda passa - o Brasil. Liberdade stritu sensu significa: “1. Condição do ser que pode agir consoante as leis de sua natureza; 2. Direito que

7

BERTOLINI, Priscila Caroline Gomes; TIZZO, Luis Gustavo Liberato; Das uniões poliafetivas hoje: uma

análise à luz da publicização do privado e do acesso à justiça. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b8b6674d4052e35e>. Acesso em: 29 out. 2017.

8

CHATER, Luciana; União poliafetiva: a possibilidade ou não de reconhecimento jurídico como entidade

familiar dentro do contexto atual em que se insere a família brasileira. Disponível em:

(20)

qualquer cidadão tem de agir sem coerção ou impedimento, segundo sua vontade, desde que dentro dos limites da lei”9.

No texto constitucional, o princípio da liberdade é considerado direito fundamental e integra o rol das garantias apresentadas no Caput do artigo 5º, que se resume na garantia da isonomia entre os indivíduos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Sob a perspectiva do Direito de Família, por sua vez, o princípio da liberdade atua no sentido da permissão e da autonomia. A liberdade designada aos núcleos familiares os permite se constituir segundo seu próprio querer, sem interferências externas reguladoras.

A maior evolução do Direito de Família é a integração da liberdade à sua existência. Efetivamente, a associação da liberdade ao Direito de Família o tornou apto a se adaptar às necessidades que o tempo traz.

Como já visto, inclusive, não obstante o conceito de família ser um mutante temporal, o mesmo não ocorre com o Direito de Família. Sendo o Direito de Família um direito extremamente rígido, a integração do princípio da liberdade a ele se mostra uma conquista importante. Exemplos disso são as evoluções já ocorridas: não havia liberdade para que um casal pudesse desfazer seu matrimônio, mesmo que isso fosse de suas próprias vontades, e também não havia liberdade para constituir entidade familiar fora do matrimônio ou até para constituir filiação fora do matrimônio, entre outras situações.

Desta forma, recentemente, define-se o princípio da liberdade no direito de família como a força do livre de poder de escolha e autonomia entre os indivíduos unidos através do afeto. Segundo Paulo Lôbo:

9 Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-

(21)

O Princípio da Liberdade nas relações de família tem como base o livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, mais especificamente ao planejamento familiar, de livre planejamento10.

O reconhecimento do princípio da afetividade, por sua vez, surgiu com o nascimento da “família constitucional”. A constitucionalização do Direito Civil passou a prezar com primazia, a identificação afetiva. O Código Civil de 2002, por isso, faz diversas referências ao afeto, positivando um entendimento que há muito, já se discutia nos tribunais e na jurisprudência.

O princípio possui densidade legislativa, doutrinária e jurisprudencial. Como verdadeiro mandamento de otimização, o princípio da afetividade não possui um sentido rígido ou definitivo, pois será sempre apurado em uma situação concreta específica, embora seja possível pormenorizar seus contornos e aspectos centrais.

Nas palavras de Flávio Tartuce, “afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas,

podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares” 11.

Ademais, importante frisar que o princípio jurídico da afetividade, reúne em seu seio, os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, além de entrelaçar-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre os cônjuges:

O princípio da afetividade especializa, no âmbito familiar, os princípios constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade (art. 3º, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família12.

Isso porque, o conceito de família contemporânea reflete a pluralidade dos lares atuais que possuem como vínculo principal, o ímpeto de estar unido, independente de haver ligação patrimonial e sanguínea, ou identificação de gênero, cor, raça ou orientação sexual. Ainda as palavras do Professor Paulo Lôbo:

10 LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4.ed. 2ª tiragem: Saraiva, 2012, p. 69.

11 TARTUCE, Flávio. O princípio da afetividade no Direito de Família. Jusbrasil. Artigos. Disponível em:

<https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia>. .Acesso em: 29.10.2017

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A família contemporânea não se justifica sem que o afeto exista, pois este é elemento formador e estruturador da entidade familiar, fazendo com que a família seja uma relação que tem como pressuposto o afeto, devendo tudo o que for vinculado neste ter a proteção do Estado13.

Como resultado, o princípio da afetividade se torna responsável por assegurar a união das famílias independentemente de ligação sanguínea, identificação de gênero, cor, raça ou orientação social.

Em suma, atualmente, a função social da família e sua razão de existir são representadas pelo afeto. Isto é, sob a perspectiva do afeto, para determinar uma família, basta haver o simples ímpeto da união, que pode ser traduzido através dos laços criados de responsabilidade, liberdade e comunhão de vida. Dessa forma, torna irrelevante se irrelevante definir se a união familiar é entre homem e mulher ou entre pessoas do mesmo gênero, se é monoparental ou poliamorismo, o que importa realmente é a existência de identificação socioafetiva.

Em contraste a isso, apresentam-se os conceitos de exclusividade e monogamia, pilares estruturadores da família tradicional e monogâmica.

2.2. Breves considerações sobre a monogamia

Um contraste necessário com a ideia tradicional de família se faz necessário..

A palavra monogamia é assim definida pelo dicionário Michaelis14: “sf 1. Estado

conjugal em que um homem desposa com uma única mulher, ou uma mulher, um só marido. 2. União exclusiva de um macho com uma só fêmea.”

Apesar estar fortemente entranhada no ordenamento jurídico brasileiro e de ser calorosamente defendida nas doutrinas e tribunais brasileiros, a monogamia não está expressa na Constituição Federal e não poderia ser considerada princípio constitucional.

13

Ibidem.

14 MICHAELIS. Minidicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Companhia melhoramentos, 2000. p.

(23)

Com efeito, a monogamia se tornou regra social tão enraizada nas relações sociais que muitas vezes, se confunde com lei ou princípio. Em verdade, a lei brasileira possui como norma civil e penal a vedação à bigamia, o que, em oposição, leva a uma consequente defesa da monogamia.

No Código Civil:

Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.

Art. 1.521. Não podem casar: VI - as pessoas casadas; No Código Penal:

Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

Como se verá a seguir, bigamia significa a simultaneidade de dois casamentos, o que por sua vez não se confunde com as inúmeras formas existentes de relações não monogâmicas.

Ademais, considerar a monogamia um princípio representaria uma afronta a uma série de outros princípios, de fato tutelados pela Constituição Federal, como dignidade da pessoa humana, liberdade no Direito de Família e o da pluralidade de entidades familiares, que são violados ao não se reconhecer como entidade familiar as relações revestidas das características a estas inerentes.

Nesse sentido, Maria Berenice dias vai além:

Não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a constituição não o contempla, de forma que, elevar a monogamia ao status de princípio constitucional é obter resultados desastrosos, uma vez que, diante da simultaneidade simplesmente deixar de prestar tutela jurisdicional para uma das relações, sob o fundamento de que foi ferido o princípio da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito do

(24)

parceiro infiel e desrespeitando o princípio da dignidade da pessoa humana15.

Mesmo a monogamia não sendo um princípio, fato é que os interesses da sociedade e das famílias patriarcais, a tornaram o principal organizador das relações conjugais. Porém, essa presença jamais poderia ser razão para poder estatal repudiar a existência de formas de convivência resultantes de escolhas de coexistência livres. Além do mais, negar proteção estatal a estas relações familiares simultâneas poderá, conforme o caso concreto, afetar a dignidade da pessoa humana.

A extrema repudia a bigamia ou a utilização exagerada da monogamia como princípio tem como consequência, a exclusão de outras formas de formação de núcleos familiares e a afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana funciona como um macroprincípio ou superprincípio que dá base e sustentação dos ordenamentos jurídicos brasileiro, e, portanto, foi ele quem permitiu a inclusão das outras categorias de filhos e famílias16

. Ainda pelas palavras Rodrigo da Cunha Pereira:

Não há dúvida de que o concubinato (adulterino) fere o princípio da monogamia, bem como a lógica do ordenamento jurídico ocidental e em particular o brasileiro. O mais simples e elementar raciocínio nos faz concluir isto. Aliás, é somente por causa desse princípio que foi possível à doutrina e jurisprudência construírem um pensamento para o concubinato não-adulterino e traze-lo para o campo do Direito de Família. Até que isto ficasse definitivamente esclarecido (Lei 8.971/94), fomos obrigados a conviver com os ridículos pedidos de indenização por serviços prestados, que era uma fórmula camuflada de se conceder alimentos, já que a união estável/concubinato não estava no elenco das fontes da obrigação alimentar e uma base principiológica para o Direito de Família não estava suficientemente assentada e forte como está hoje e a cada dia mais. Mas, se o fato de ferir este princípio significar fazer injustiça, devemos recorrer a um valor maior que é o da prevalência da ética sobre a moral para que possamos aproximar do ideal de justiça [...]. Ademais, se considerarmos a interferência da subjetividade na objetividade dos atos e fatos jurídicos, concluiremos que o imperativo ético passa a ser a consideração do sujeito na relação e não mais o objeto da relação. Isto significa colocar em prática o que disse antes, ou seja, que o Direito deve proteger a essência e não a forma, ainda que isto custe "arranhar" o princípio jurídico da monogamia .

15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4ª ed. rev., atual. e ampl. 3ª tir. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007, p. 58-59.

16 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito, amor e sexualidade. In: Direito de família: a travessia do novo milênio. Congresso de direito de família. Anais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 848-849.

(25)

Não parece minimamente razoável que para blindar o inexistente “principio da monogamia,” o Direito se proponha a excluir uma infinidade de outros institutos familiares que nada possuem de ilegal, ferindo ainda os princípios constitucionais da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

2.3. Simultaneidade familiar

Quando se trata das relações não monogâmicas, comumente faz-se um paralelo ao instituto da simultaneidade familiar. Apesar dos institutos possuírem nuances em comum, não é possível confundi-los.

A simultaneidade familiar diz respeito à circunstância de alguém se colocar concomitantemente como componente de duas ou mais entidades familiares diversas entre si. Trata-se de uma pluralidade sincrônica de núcleos diversos que possuem, entretanto, um membro em comum17

.

A simultaneidade familiar acontece quando algum dos cônjuges - no casamento - ou companheiro - na união estável - mantém, paralelamente à sua família constituída nos parâmetros legais, outra família.

Por óbvio, o poliamorismo não reúne indivíduos paralelamente, e sim, concomitantemente. Inclusive, a polêmica ao redor do instituto se dá unicamente por haver uma família que possui ao mesmo tempo, mais de duas pessoas participando de relações amorosas.

Com efeito, mesmo que a exista pluralidade de pessoas reunidas em uma unidade de família poligâmica, a constância, a publicidade, a lealdade entre os participantes e o objetivo duradouro, afastam o enquadramento do poliamor como simultaneidade familiar.

17 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultaneas e a Monogomia. Instituto Brasileiro de Direito de

Família. Congressos. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/9.pdf>. Acesso em 02 nov. 2017.

(26)

Para Carlos Eduardo Pianovski, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, não existe um padrão para se enquadrar as famílias simultâneas. Pode-se considerar desde a bigamia típica até a pluralidade pública e estável de conjugalidades; desde a situação que envolva filhos de pais separados, que mantêm os vínculos de afeto e convivência com ambos os pais, até a situação de pessoas divorciadas ou separadas que constituem novas famílias nucleares por um novo casamento ou união estável, mantendo o vínculo com a prole resultante da primeira união; ou, ainda, netos que possuem relação de parentalidade entre o núcleo formado com seus pais e vínculos de convivência contínua com seus avós18

.

Acima, temos um rol exemplificativo. As famílias simultâneas não possuem estrutura fixa, muito pelo contrário, sempre que algum novo arranjo familiar se forme, é possível o identificar dessa forma.

O instituto da simultaneidade familiar raramente é visto com olhos compreensivos. Não é da natureza do Direito de Família se mostrar complacente aos indivíduos que se recusam a se adequar aos textos de seus artigos. Maria Berenice Dias não poderia ser mais assertiva:

Pelo jeito, infringir o dogma da monogamia assegura privilégios. A mantença de duplo relacionamento gera total irresponsabilidade. Uniões que persistem por toda uma existência, muitas vezes com extensa prole e reconhecimento social, são simplesmente expulsas da tutela jurídica. A essa “amante” somente se reconhecem direitos se ela alegar que não sabia da infidelidade do parceiro. Para ser amparada pelo direito precisa valer-se de uma inverdade, pois, se confessa desconfiar ou saber da traição, recebe um solene: bem feito! É condenada por cumplicidade, “punida” pelo adultério que não é dela, enquanto o responsável é “absolvido”. Quem mantém relacionamento concomitante com duas pessoas sai premiado. O infiel, aquele que foi desleal permanece com a titularidade patrimonal, além de ser desonerado da obrigação de sustento para com quem lhe dedicou a vida, mesmo sabendo da desonestidade do parceiro. Paradoxalmente, se o varão foi fiel e leal a uma única pessoa, é reconhecida união estável, e imposta tanto a divisão de bens como a obrigação alimentar. A conclusão é uma só: a justiça está favorecendo e incentivando a infidelidade e o adultério!19

Além do que, a simultaneidade familiar possui duas vertentes, sob a perspectiva de filiação e de conjugalidade.

18

Ibidem.

19 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

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Por definição, a simultaneidade de filiação pode ser verificada quando os filhos de pais separados passam a conviver em uma nova família formada pelo genitor que adquiriu novas núpcias e o padrasto ou madrasta que passa a considerar como pai ou mãe. O filho acaba inserido muitas vezes em dois núcleos familiares, formados por cada um de seus pais, o que caracteriza uma simultaneidade familiar20.

A simultaneidade de filiação não mais causa espanto na sociedade. E não poderia ser diferente. Com a extensão dos vínculos de parentalidade para além do núcleo do casamento e com a plena aceitação do divórcio como instituto, os filhos de pais separados e também filhos provenientes de relações alheias (extraconjugais ou anteriores) ao casamento passaram a se inserir naturalmente nos novos núcleos familiares formados por seus pais.

Com efeito, apesar de o preconceito referente à perspectiva de simultaneidade familiar ser praticamente inexistente, devido à naturalidade com que a sociedade a enxerga, essa realidade não se aplica a simultaneidade familiar na perspectiva de conjugalidade. A simultaneidade conjugal causa espanto e por isso o tratamento dado pela sociedade é outro.

Existe enorme preconceito e polêmica sobre sua legitimidade e também da possibilidade de seu reconhecimento. Assim como nas famílias não monogâmicas, a primeira questão geralmente suscitada ao se discutir o assunto é quanto ao princípio da monogamia.

Chega a ser redundante abordar a temática. Parece que ao desenvolver qualquer tema que fuja dos padrões exigidos pelo Direito de Família, esbarra-se nos questionamentos sobre monogamia e sobre moralidade. Mas não poderia ser diferente, a sociedade e o Judiciário insistem nessas questões.

Como demonstrado, a simultaneidade familiar possui inúmeras facetas, e a maioria esmagadora delas é moralmente reprovada pela sociedade, que generaliza e trata todos os tipos como se relações bígamas ou adulterinas fossem. Erro também em reunir todas em um único contexto, sem prestar à devida atenção ao caso concreto e as particularidades.

20

OLIVEIRA, Suzana; Direito Sucessório e o reconhecimento das famílias simultâneas. Uma análise à luz do

princípio da dignidade da pessoa humana. Disponível em: <

(28)

Existem grandes diferenças entre relações adulterinas eventuais, o crime de bigamia e as famílias formadas simultaneamente, principalmente quando analisados numa perspectiva de continuidade, afetividade e até mesmo respeito.

Entretanto, a sociedade, o Direito e o Judiciário preferem fechar os olhos a essas diferenças e estigmatizar aquilo que não os convém, o que dificulta ainda mais a possibilidade de um reconhecimento como união formal.

2.4. Poliamorismo consentido e o crime de bigamia

Conforme já tratado em linhas pretéritas:

“o crime de bigamia apenas restara caracterizado na hipótese de o indivíduo casado segundo os ditames da legislação civil, com as devidas habilitações prévias, contrair um novo matrimônio nos mesmos moldes do anterior, mesmo ciente do impedimento que lhe acomete, diante da validade do casamento anterior sem que houvesse qualquer dissolução deste”21

.

Assim, torna-se claro que, para a consumação do crime de bigamia é necessário à junção de três fatores concomitantes: (i) existência de um matrimônio prévio e dotado de validade; (ii) consumação de um segundo matrimônio posterior entre um dos indivíduos já casados e uma terceira pessoa; (iii) má fé consciente do individuo contraente de outro matrimônio, ciente de seu estado civil e indiferente á obrigatoriedade de dissolução prévia.

Importante frisar ainda, que a vedação ao crime da bigamia tem como principal objetivo a proteção ao instituto do matrimônio, tratado como sagrado no ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, para a consumação do crime da bigamia é imprescindível que haja efetivo dano a um matrimônio já abalizado.

Por óbvio, os indivíduos envolvidos em relacionamentos não monogâmicos não apresentam qualquer ameaça ao instituto do casamento e tampouco ao matrimônio alheio.

21 MOTTER, Kassia Pinheiro. A Bigamia frente ao atual contexto social brasileiro. Disponível em:

http://repositorio.saolucas.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1930/Kassia%20Motter%20Pinheiro %20-%20A%20Bigamia%20frente%20ao%20atual%20contexto%20social%20brasilerio.pdf?sequence=1. Acesso em: 12.11.2017

(29)

Aqueles que buscam o reconhecimento de uma relação poliamorista são indivíduos maiores, capazes e solteiros e que estão voluntariamente envolvidos nessa situação.

Frisa-se, no caso das uniões aqui estudadas o que ocorre é uma única união entre três ou mais pessoas, em um único ato, único elo, entre essas pessoas, inexistindo impedimento prévio a qualquer uma delas.

O poliamor, não preenche qualquer dos fatores enumerados acima. Não havendo esta junção, não haveria, a rigor, como se configurar bigamia.

2.4.1. A bigamia para fins de pensão

Tratando-se de bigamia, importante frisar o posicionamento dos Tribunais no tocante ao Direito Previdenciário. O Superior Tribunal de Justiça, por muitas vezes, reconhece o pensionamento em casos de bigamia, mesmo que não haja comprovação expressa de dependência econômica entre os cônjuges.

Tal posicionamento reflete a importância da família e de seus desdobramentos perante os Tribunais, que estão, algumas – mesmo que raras - vezes, dispostos a ultrapassar algumas ilegalidades formais a fim de conceder às famílias proteção perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Para limitar de alguma forma o escopo do presente estudo, a seguir será apresentado primeiramente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por ser o estado onde me encontro; em seguida no TRF2, pela mesma razão; após, na jurisprudência unificada do site do Conselho da Justiça Federal, por motivos de abrangência e finalmente no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, porque são os Tribunais Superiores que cuidam da uniformização da interpretação da legislação federal/infraconstitucional e constitucional.

Importante ressaltar que esse pensionamento, de forma alguma poderá se confundir com união estável putativa, instituto que será a seguir estudado.

Ademais, é importante pontuar que todo e qualquer reconhecimento no âmbito das famílias simultâneas trabalha favoravelmente ao instituto das famílias não monogâmicas. Isso

(30)

porque, qualquer espécie de união estável putativa é uma organização familiar normalmente discriminada pela sociedade e principalmente pelo Judiciário, o que é de alguma forma, produz um encorajamento ao também discriminado, poliamorismo.

Ao buscar por “bigamia” no TJRJ, limitando-se o lapso temporal entre 2012 e 2017, encontram-se oito precedentes, porém, nenhum deles trata de pensionamento ou indenização. Entretanto, dois deles reconhecem a existência de união estável putativa, o que como veremos a seguir, é positivo a esse estudo22

.

Em seguida, ao buscar pelo mesmo termo na jurisprudência do Tribunal Regional da 2ª Região, no intervalo considerando os últimos cinco anos, encontra-se, sem fazer distinção de categoria de precedente, 35 julgados.

Como esperado, a maioria esmagadora – vinte e dois precedentes – são contra o pensionamento à concubina. Quase sempre, ao fundamentar o acórdão, é trazido aos autos o princípio da monogamia e a impossibilidade de reconhecimento de uniões simultâneas. A seguir, alguns exemplos:

22 DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. PROVA INEQUÍVOCA. PROCEDÊNCIA. Apelação da sentença

que reconheceu a união estável havida entre a autora e seu falecido companheiro, de 1997 até o falecimento deste em maio de 2010. Não há que se falar em crime de bigamia, vez que o falecido casou-se uma única vez e jamais contraiu novo casamento. O Código Civil, em seu art. 1723, § 1º, admite a possibilidade de existência de união estável constituída por pessoa casada, desde que esteja separada de fato ou judicialmente. O conjunto probatório é inequívoco no sentido de que o falecido companheiro, embora fosse casado com a 3ª ré, estava dela separado de fato há décadas e vivia maritalmente com a autora de forma pública e notória. Jurisprudência pacífica sobre o tema. Recurso desprovido, nos termos do voto do desembargador relator. (Apelação Cível de nº 0008051-73.2011.8.19.0207, 15ª Câmara Cível, Relator: Ricardo Rodrigues Cardoso, Data da Publicação: 02.09.2013); PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CASAMENTO. BIGAMIA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE PRESUME A BOA-FÉ DA 2ª ESPOSA. RECONHECIMENTO DO 2º CASAMENTO COMO PUTATIVO. Autora ajuizou ação anulatória de casamento em face da ré e dos filhos havidos com seu falecido marido com a ré. Autora casou em 1973, tendo seu marido casado novamente em 1981 e falecido em 1987, deixando bens. Sentença julgou procedente o pedido para declarar a nulidade do segundo casamento, reconhecendo, porém, seus efeitos em relação à ré e aos filhos havidos com a mesma. Apelação da autora alegando a existência de error in procedendo, eis que o MP não participou da audiência de instrução e julgamento, e error in iudicando, já que a testemunha que embasou o juízo para o reconhecimento da boa-fé da ré é irmã da mesma. Pretende a anulação da sentença com a intimação do MP para atuar no feito em todas as suas fases ou, caso assim não se entenda, que a mesma seja reformada parcialmente para não reconhecer a ocorrência de casamento putativo. Sentença que não merece reforma. Ausência do MP durante a realização de prova oral, por si só, não tem o condão de justificar a decretação de nulidade do feito. MP que não arguiu nulidade em ambas as instâncias, demonstrando a falta de prejuízo no caso concreto. Depoimento de irmã da ré sem prestar compromisso. Cabe ao juiz, na condição de destinatário natural das provas, avaliar, motivadamente, a necessidade de sua produção. Inteligência dos art. 131 e 405, § 4º, do CPC. Precedentes jurisprudenciais do STJ e desta Corte. APELAÇÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, COM BASE NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. (Apelação Cível de nº 0037350-02.2009.8.19.0002, Decisão Monocrática, Relator: Juarez Fernandez Folhes, Data da Publicação 06.08.2013)

(31)

ADMINISTRATIVO - MILITAR - PENSÃO - UNIÕES ESTÁVEIS CONCOMITANTES 1. O cerne da questão envolve o pedido da Autora em obter a percepção da pensão por morte de seu suposto companheiro, o militar falecido, Sr. Osmar Santos Lima, tendo em vista seu óbito à data de 01/11/2006. 2. Primeiramente, afasto as preliminares de inexistência de interesse de agir, de ocorrência de ausência de litisconsórcio passivo necessário e de sentença proferida de forma ilíquida. 3. Compulsando os autos, resta claro que o Sr. Osmar Santos Lima mantinha relação com duas mulheres, não sendo casado com nenhuma delas. O de cujos mantinha relação com a Autora, com a qual teve dois filhos, e, outra, com a Sra. Cacilda Pereira de Souza, com quem teve três filhos. 4. Porém, a Constituição prima pelo princípio da monogamia, estabelecendo a constituição de família e não de famílias, isto significando que a bigamia não é admitida, o que aconteceria em caso de reconhecimento de ambas as uniões estáveis. 5. O STJ consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato. 6. O fato é que a Sra. Cacilda já havia sido reconhecida como pensionista do de cujos administrativamente, não sendo viável a inclusão da Sr. Alair no rateio da pensão. 7. Verifica-se, assim, que, mesmo que a autora tenha mantido um relacionamento revestido de aspectos inerentes a uma união estável, a esta não pode ser equiparada, tendo em vista a impossibilidade da manutenção de uniões estáveis concomitantes, em face da busca pela preservação do princípio monogâmico na sociedade brasileira. 8. Conforme o exposto, com fundamento no art. 557 do CPC, DOU PROVIMENTO ao Recurso de Apelação e Remessa Necessária da União Federal, para julgar improcedente o pedido autoral. (Apelação Cível nº 0023317-48.2006.4.02.5101, 7ª Turma Especializada, Relator: Reis Freide, Data da Publicação: 03.09.2012)

No caso a seguir, além dos argumentos esperados, é importante destacar que no acórdão, foi feita referência aos valores morais da sociedade. Veja-se:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO

COMPROVADA. CONCUBINATO IMPURO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS. SENTENÇA MANTIDA INTEGRALMENTE. -In casu, restou indubitável que durante toda a relação amorosa com a ré, o de cujus permaneceu vivendo maritalmente com sua esposa para a qual retornava todas as noites, além de não possuir relação pública com a Apelante, visando constituir família e convivência marital. -A autora, por sua vez, comprovou sua condição de esposa por robusta prova documental, da qual destacam-se a Certidão de Casamento, a Certidão de Óbito, os cheques do Banco de Boavista, comprovando a existência de conta conjunta, conta de luz em nome do falecido, carnês de IPTU, todos com o endereço da autora e em nome do falecido. -Ademais, tais provas foram corroboradas por prova testemunhal que colaborou sobremaneira quanto à confirmação verossímil da existência da união familiar mantida entre a autora e o de cujus. -Neste diapasão, entendo que a Apelante NILZA MARAZZI DE OLIVEIRA não faz jus à pensão por morte objeto desta ação, restando caracterizado o concubinato adulterino, cuja reprovabilidade decorre não só da lei, mas da moralidade e ética que regem a sociedade. -

(32)

Não há nos autos qualquer prova que ateste a existência de constrangimento que deva ser reparado pelo INSS, em virtude de ter havido o rateio da pensão por morte entre a Autora e a segunda ré. - Sentença mantida por seus próprios fundamentos. - Apelação do INSS, Apelação da ré, remessa necessária e recurso adesivo da Autora desprovidos. (Apelação Cível de nº 0807164-96.2009.4.02.5101, 1ª Turma Especializada, Relator: Paulo Espírito Santo, Data da Publicação: 30.10.2012)

Por outro lado, existem sete precedentes favoráveis ao pensionamento. Inclusive, importante ressaltar que o julgamento desses precedentes positivos ao tema são mais recentes do que os que são contrários, o que poderia indicar uma mudança no comportamento do Tribunal em questão ou uma breve modernização da jurisprudência. Os outros seis precedentes restantes são irrelevantes e não tratam sobre o tema.

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO À CONCUBINA. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS DE UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA 1. O benefício de pensão por morte é devido aos dependentes daquele que falece na condição de segurado da Previdência Social e encontra-se disciplinado no artigo 74 da Lei nº 8.213/91. 2. De acordo com a Lei nº 8.213/91, verifica-se que, para fazer jus ao benefício de pensão por morte, o requerente deve comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) O falecimento do instituidor e sua qualidade de segurado na data do óbito e; (ii) qualidade de dependente do pensionista em relação ao instituidor do benefício. 3. A autonomia do direito previdenciário permite a criação de conceitos próprios para fins previdenciários, sem necessária submissão plena aos preceitos civilistas. Não cabe, em matéria previdenciária, analisar a moralidade ou mesmo legalidade (por exemplo, na hipótese de bigamia) da relação havida entre o segurado e o dependente, mas sim a melhor forma de assegurar a proteção do Estado àqueles que, de fato, dependiam do segurado. 4. Não há provas da separação de fato do autor, o que, como visto, é irrelevante para a concessão do benefício à autora, mas pode levar ao recebimento de apenas 50% até a data do falecimento da esposa. Quanto à prova do relacionamento entre a autora e o de cujus, esse não restou cabalmente comprovado, mas há fortes indícios, os quais podem ou não vir a ser infirmados por prova testemunhal. Faz-se necessário, portanto, o retorno dos autos à vara de origem para a oitiva das testemunhas arroladas pela autora na petição inicial. 5. O requisito da verossimilhança do direito invocado, diante das provas apresentadas pela autora, apontando indícios de relacionamento com o segurado falecido. Quanto ao periculum in mora, também de verifica esse requisito uma vez que se trata de senhora de idade avançada e, em consulta ao CNIS, verifica-se que ela não recebe nenhum outro benefício previdenciário, já tendo inclusive pleiteado a concessão de benefício assistencial, o qual lhe foi negado. 6. Dado provimento à apelação, nos termos do voto. (Apelação Cível de nº 0017980-60.2015.4.02.5102, 2ª Turma Especializada, Relatora: Simone Schreiber, Data de Publicação: 04.07.2017)

(33)

Analisa-se, neste momento, a jurisprudência unificada do sítio eletrônico do Conselho da Justiça Federal. Sem fazer qualquer distinção entre tipos de precedentes ou até de lapso temporal, ao buscar pela expressão “bigamia”, não há nenhum precedente encontrado.

Finalmente, passa-se a analisar os Tribunais Superiores. No Superior Tribunal de Justiça, ao realizar a busca pela expressão “bigamia”, sem restrição de lapso temporal, encontra-se dez acórdãos. Desses dez acórdãos, oito deles tratam de ações penais envolvendo o crime de bigamia ou ações de anulação de casamento duplo, o que não acrescente para a discussão que aqui se pretende expor. Dos dois acórdãos restantes, um deles é desfavorável e o outro é favorável. Ambos serão reproduzidos a seguir:

CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. AUTORA JÁ CASADA. SEGUNDO CASAMENTO DECLARADO NULO. IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. CC ANTERIOR, ART. 232, I. I. Se a autora já era casada, não poderia ter contraído novas núpcias, pelo que, nulificado o segundo matrimônio, verifica-se também inviável o reconhecimento da existência de sociedade de fato geradora de direitos patrimoniais justamente em favor da ex-cônjuge virago, que cometeu patente ilegalidade. II. Recurso especial conhecido e provido. Ação improcedente. (REsp 513.895/RN, Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, Data da Publicação: 29.03.2010)

CIVIL E PROCESSUAL. SEGURO DE VIDA REALIZADO EM FAVOR DE CONCUBINA. HOMEM CASADO. SITUAÇÃO PECULIAR, DE COEXISTÊNCIA DURADOURA DO DE CUJUS COM DUAS FAMÍLIAS E PROLE CONCOMITANTE ADVINDA DE AMBAS AS RELAÇÕES. INDICAÇÃO DA CONCUBINA COMO BENEFICIÁRIA DO BENEFÍCIO. FRACIONAMENTO. CC, ARTS. 1.474, 1.177 E 248, IV. PROCURAÇÃO. RECONHECIMENTO DE FIRMA. FALTA SUPRÍVEL PELA RATIFICAÇÃO ULTERIOR DOS PODERES.

I. Não acarreta a nulidade dos atos processuais a falta de reconhecimento de firma na procuração outorgada ao advogado, se a sucessão dos atos praticados ao longo do processo confirmam a existência do mandato. II. Inobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos arts. 1.474, 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família legítima e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do Direito. III. Recurso conhecido e provido em parte, para determinar o fracionamento, por igual, da indenização securitária. (REsp 100.888/BA, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, Data da Publicação: 12.03.2001)

Por derradeiro, no Supremo Tribunal Federal, ao buscar pelo termo “bigamia”, mesmo sem limitação temporal, surgem trinta e três precedentes. De todos os precedentes

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existentes, 31 deles são indiferentes à discussão do tema e os dois outros precedentes são negativos ao pensionamento nos casos de bigamia. A seguir:

Instituição de seguro a favor da mulher com quem o segurado, que já era casado, contrairia matrimônio. Discussão sobre a aplicação dos arts. 1.4747 e 1.777 do Código Civil. Não conhecimento do Recurso Extraordinário. (Recurso Extraordinário nº 58.495, Segunda Turma, Ministro Eloy da Rocha, Data da Publicação: 18.09.1970)

Está em tramitação no STF o Recurso Extraordinário 669.465/ES, que decidirá sobre a existência ou não de direitos previdenciários no concubinato. Por enquanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal somente reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada, em 09.03.2012.

2.5. A União estável, o Concubinato e a União Estável Putativa

Com a evolução dos conceitos existentes no Direito de Família, é necessário estar atento à diferenciação de casa um dos institutos, já que diante das novas possibilidades de arranjos familiares é possível que haja conflitos quanto à delimitação e a definição da natureza jurídica de cada caso concreto.

Isto posto, se faz necessário diferenciar os institutos do concubinato e a da união estável, que apesar de serem institutos distintos, podem se reunir para denominar uma única situação fática, a exemplo da chamada união estável putativa.

O Código Civil define o que é concubinato em seu artigo 1.727:

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Concubinato é, portanto, a uma união duradoura entre um casal impedido de se casar; em outras palavras é união estável daqueles que não podem se casar, visto que alguma das partes envolvidas já possui um matrimônio prévio constituído.

Demonstrado então, que existe uma única diferença entre a união estável e o concubinato: a existência de um impedimento legal para reconhecimento.

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O artigo 1.521 do Código Civil apresenta o rol taxativo dos impedidos à contrair matrimônio:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Apesar da clareza do texto legal, existe no imaginário popular uma crença de que uma relação concubina é uma relação, necessariamente, sigilosa, ou “às escuras”, porém, nada mais equivocado.

Demonstrados os artigos, nota-se que a única diferença existente entre a união estável e o concubinato reside exclusivamente quanto à existência ou não de impedimento para contrair matrimônio, por parte de quaisquer um dos indivíduos envolvidas na relação. Ou seja, se a união é continua e pública, não existindo impedimentos sua denominação é de união estável, e o instituto possui reconhecimento e proteção no ordenamento jurídico brasileiro. Caso haja um dos impedimentos do artigo supracitado, a união, em regra, será caracterizada como concubinato um tipo de família simultânea e estará fora da proteção do Direito de família.

Assim, é união estável se não há impedimento matrimonial. Se houver impedimento, mesmo havendo o caráter de ser estável, notória, contínua e pública a união será considerada concubinato.

Em análise ao artigo 1.521, foi elaborado pela doutrina brasileira uma distinção em três espécies de concubinato: (i) o concubinato incestuoso, (ii) o concubinato adulterino e (iii) o concubinato sancionador.

A primeira modalidade é trazida nos incisos I a V do art. 1.521 do CC, onde as relações se formam com pessoas com vínculos sanguíneos ou de afinidade com caráter familiar. A segunda modalidade vem com a disposição do inciso

Referências

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