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A apropriação subjetiva da ontologia do ser social por parte de alguns estudantes do Curso de Serviço Social da UFF-PURO: uma análise dos limites e impactos para o projeto profissional crítico

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RIO DAS OSTRAS

Dez / 2011

A apropriação subjetiva da ontologia do ser social por parte de alguns estudantes do Curso de Serviço Social da UFF-PURO: uma análise dos limites e impactos para o projeto profissional crítico

FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS

GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

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FACULDADE FEDERAL DE RIO DAS OSTRAS

DEPARTAMENTO INTEDISCIPLINAR DE RIO DAS OSTRAS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

GÊNESIS DE OLIVEIRA PEREIRA

A APROPRIAÇÃO SUBJETIVA DA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL POR PARTE DE ALGUNS ESTUDANTES DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DA

UFF-PURO:

uma análise dos limites e impactos para o projeto profissional crítico

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Rio das Ostras, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profª. Dr. Cristina Maria Brites 2011

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uma análise dos limites e impactos para o projeto profissional crítico

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, Polo Universitário de Rio das Ostras, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Serviço Social.

Aprovado em de 14 dezembro de 2011

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Profª. Cristina Maria Brites (Orientadora)

UFF - Polo Universitário de Rio das Ostras

____________________________________________________________ Prof. Wanderson Fabio de Melo

UFF - Polo Universitário de Rio das Ostras

____________________________________________________________ Profª. Katia Íris Marro

UFF – Polo Universitário de Rio das Ostras

RIO DAS OSTRAS 2011

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de alunos do Curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, Polo de Rio das Ostras - acerca da perspectiva ontológica (e suas categorias centrais) de apreensão dos fundamentos da realidade social e profissional. A nosso ver, esse objetivo assume relevância uma vez que tal perspectiva funda o referencial teórico-metodológico e ético político do projeto profissional hegemônico dos assistentes sociais brasileiros, orientando, assim, a formação e o trabalho profissional. Procuramos articular um debate teórico-crítico acerca de duas matrizes presentes na formulação histórica de diferentes projetos profissionais no âmbito do Serviço Social brasileiro – o positivismo e a ontologia do ser social de inspiração marxiana - e as formas subjetivas de apropriação da ontologia por parte dos sujeitos que integraram nossa pesquisa. Assim, realizamos uma pesquisa teórica e uma pesquisa qualitativa através da técnica de grupo focal. A partir das formulações realizadas, com base num roteiro de discussão no grupo focal, por onze estudantes, realizamos uma análise que sinaliza alguns limites que devem ser enfrentados na formação profissional para a consolidação de um perfil profissional crítico, capaz de intervir com embasamento teórico e com clareza acerca dos valores emancipatórios e, por isso, capaz de materializar o projeto profissional crítico do Serviço Social. Neste sentido, este trabalho pretende contribuir para a qualificação da formação profissional dos assistentes sociais da UFF-PURO através de uma reflexão teórica acerca dos modos de incorporação da perspectiva ontológica, que, a nosso ver, representam formas de compreensão da realidade social e profissional.

Palavras-Chave: Ontologia; Projeto Profissional Crítico; Apropriação Subjetiva; Fundamentos Históricos, Teóricos, Éticos-Políticos e Práticos.

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This study aims to analyze the subjective appropriation by a group of students from the Social Service of Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras. The study is about the ontological perspective and its core categories of the grounds of apprehension of social and professional reality. In our view, this goal is relevant because this perspective is founded on the theoretical-methodological and ethical professional hegemonic political project of training and providing orientation to Brazilian social workers for professional work

after graduation. We seek to articulate a theoretical

and critical debate about the two main models in the formulation of different historical projects in the Social Service sector in Brazil - positivism and Marxist-inspired social ontology - and subjective forms of appropriation of the ontology of the subjects that joined our research. For this reason, we conducted a theoretical and qualitative research through focus group technique. From the experiments that were based on a discussion guide in a focus group of eleven students, our analysis indicate that some limits must be addressed in the consolidation of a professional critical profile that is able to intervene with the theoretical foundation and clarify the emancipatory values, becoming capable of materializing the professional critical design of Social Service. Therefore, this paper aims to contribute to the improvement of vocational training of social workers UFF-PURO through a theoretical reflection about the ways of incorporate ontological perspective, which, in our view, represent ways of understanding social and professional reality.

Keywords: Ontology, Critical Professional Project; subjective appropriation, the fundamentals of history, theory, ethics, policy and practice.

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Aos meus avôs, Talita Friederich e Arlindo Alves, união harmônica e equilibrada entre o sagrado e o profano. Lamento que o fim da vida tenha sido mais breve que minha longa formação. Saudades eternas, lembranças inapagáveis, admiração inexpressível, gratidão mil.

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Aos meus pais, por toda dedicação e colaboração para minha formação. Obrigado pela paciência e aceitação de minhas escolhas e, infelizmente, ao contrário do que idealizavam para o final de minha graduação, eu não criei juízo.

Aos meus avós Ivone Santiago, Talita Friederich, Carlos Oliveira e Arlindo Alves, vocês estão em minha subjetividade através de valores apropriados em minha formação de identidade. Obrigado pelas orações, pode não parecer, mas elas devem ter servido para alguma cosia.

Ao meu sonso, mas amado irmão João, que, por sinal, deveria seguir meus exemplos apenas na área acadêmica.

Ao meu tio Haroldo e Jane, obrigado por me presentear com a inscrição no vestibular da UFF. Às minhas queridas supervisoras Sandra Campelo e Margareth Machado Duque que, além de me aceitarem como estagiário me quiseram como amigo, talvez por isso estejam atuando na Saúde Mental. Obrigado por todas as portas abertas e trocas que marcaram minha vida acadêmica.

Aos amigos: Tatiana Schlobach, por sua garra política que muito me inspirou, sem você não teria a maturidade que tenho hoje, mas, também, não teria, por exemplo, tantos esquecimentos. Bruno Mattos, pela parceria de anos, ainda teremos muitas lutas juntos, mas, por favor, me sufoque menos. Barbara Hilda pela cumplicidade, um brinde a nossa trama mexicana de amores, traições, brigas, dramas, facadas, tiroteios e canaviais. Natália Pessoa e Jerusa Gomes amigas da turma para a vida, amigas ajuizadas, uma das poucas que decidiram ser minhas amigas sem ser na mesa do bar (talvez sejam menos ajuizadas do que pareçam), não posso perder jamais essas amizades.

À Cristina Brites pela orientação e pelos dois anos de trabalho, até hoje tento entender como conseguiu essa proeza sem beber um copo de cerveja comigo, parabéns e obrigado de coração. Aos professores: Valéria Rosa Bicudo, obrigado por tudo, devo muito a você, uma amiga mais do que querida; Wanderson Fábio de Melo, marcante a experiência da monitoria, obrigado pelos convites e portas acadêmicas abertas, não se esqueça de mim; Ramiro Dulcich e Leile Teixeira pelas contribuições para minha formação para além da sala de aula.

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da batucada feminista da Nicarágua; Roser Romagosa por cuidar de mim na Argentina como uma mãe. Agradecimentos mais que especiais a Majo Herrera, Gato Wahnish, Petra Marzooca e Humberto que abriram as portas de sua casa sem me conhecer, talvez se me conhecessem não abririam.

Àquelas pessoas que não contribuíram para nada em meu Trabalho de Conclusão de Curso, que, pelo contrário, só atrapalharam com uma vida etílica descomedida (sendo sintético), mas contribuíram para algo na vida, principalmente para chocar a sociedade: Luiza Valle Souza, Fernanda Castello, Juliana Marcato, Isabelle Rocha, Fernando Cruz, Érica Castello, Joene Portela, Jokasta Peixoto, Julia Ornellas, Renier Molina, Ana Luiza, Antonella Abreu, Laís Lara, Lívia Ribeiro. A vida ficou mais divertida, trágica e arriscada com vocês, embora isso tenha custado à perda de dignidade.

A galera que representou às 4:20 que, na verdade, são os grandes culpados, por aquelas pessoas que deveriam está aqui e esqueci.

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Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que percorremos, mas se nos detivermos em nossa imagem, quando a iniciamos e ao término, certamente nos lembraremos o quanto nos custou

chegar até o ponto final, e hoje temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas sabemos mais uns dos outros. E é por esse motivo que dizer adeus se torna complicado! Digamos então que nada se perderá. Pelo menos dentro da gente.

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INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . .12

CAPÍTULO I – POSITIVISMO E ONTOLOGIA DO SER SOCIAL. . . . . . 16

1.1 – O Positivismo. . . .. . . . . . 16

1.2 – A ontologia de Marx . . . . . . . . . .19

1.3 - A crítica ontológica a racionalidade formal-abstrata positivista. . . . . . . . . 29

CAPÍTULO II - AS BASES SÓCIO-HISTÓRICAS E POLÍTICAS DE EMERSÃO DO PROJETO PROFISSIONAL CRÍTICO: RETROCESSO DO CONSERVADORISMO NA SOCIEDADE E NA PROFISSÃO, RUPTURA COM A RACIONALIDADE FORMAL-ABSTRATA E ASCENSÃO DA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL . . . 30

2.1 - A conjuntura político-social efervescente de 1961 a abril de 1964 e a implementação da autocracia burguesa . . . . . . . .32

2.2 - Serviço social e ditadura: a consolidação de um mercado nacional de trabalho para a profissão e sua modernização sob a perspectiva positivista-funcionalista . . . . 37

2.3 - A erosão da ditadura militar e das bases conservadoras da profissão: a possibilidade e histórica de emersão da ontologia do ser social. . . . . . . . . 49

2.4 - As categorias, fundamentos e princípios ontológicos apropriados pela categoria profissional dos assistentes sociais. . . . . . . . . 58

CAPÍTULO III - A APROPRIAÇÃO DA PERSPECTIVA ONTOLÓGICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS ESTUDANTES DE SERVIÇO SOCIAL DA UFF-PURO: LIMITES E POSSIBILIDADES DE AVANÇO . . . 75

3.1. Metodologia da pesquisa de campo: grupo focal e sua aplicabilidade na pesquisa qualitativa pautada na teoria social crítica. . . . . . . . . . . . . . 77

3.2. A apropriação da ontologia do ser social por parte de alguns estudantes do curso de serviço social da UFF-PURO: os desafios para o trabalho do assistente social referenciado no projeto profissional crítico . . . 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . 129

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INTRODUÇÃO

(...) por sua radicalidade histórico-crítica, a teoria social de Marx só interessa a quem concebe a história como um campo de possibilidades abertas – não apenas à barbárie, à desumanização, à reificação do presente –, mas, sobretudo, aos projetos coletivos que apostam na criação de uma nova sociedade, onde a liberdade possa ser vivida, em todas as suas potencialidades”1.

Iniciamos o trabalho com está afirmação pelo seu simbolismo em nossa formação profissional. Estas considerações realizadas por Barroco levantaram muitos questionamentos e inquietudes ao longo de nossa graduação, fomentando a construção do objeto de pesquisa deste trabalho que destina-se a analisar qualitativamente a apropriação subjetiva da ontologia do ser social por parte de um grupo de estudante do Curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense do Polo Universitário de Rio das Ostras. Certamente a construção deste objeto de pesquisa remete às inquietudes levantadas através de nossa apropriação subjetiva desta afirmação, assim, ao longo de nossa formação, com a participação nas aulas e as experiências de monitoria, s formulações, de grande parte dos estudantes, muito me instigavam por, mesmo tendo contato com uma teoria radicalmente crítica e revolucionária, reforçarem a naturalização da sociabilidade burguesa e o descrédito das possibilidades históricas de destruição do capitalismo.

Estas formulações, aliadas a um notável número de estudantes que chegam à Universidade com concepções e visões de mundo conservadoras e cristalizadas, fizeram-nos investir nesta pesquisa, que tem como objetivo analisar a compreensão dos futuros agentes profissionais acerca dos fundamentos ontológicos, teóricos, metodológicos, históricos e ético-político do trabalho profissional dos assistentes sociais a partir do uso da técnica de grupo focal, visando identificar as formas de apropriação da ontologia, por parte de um grupo de alunos, articulados à totalidade do projeto profissional crítico. A grande motivação para a construção deste objeto se deu a partir de nossa vivência acadêmica em diversos espaços, com diferentes tipos de inserção, estimulando a formulação da seguinte hipótese2: muitos alunos não se apropriavam da ontologia por não conceberem a história como um campo de

1

BARROCO (2001) p. 15-16.

2 O termo hipótese neste trabalho tem o propósito de expressar formulações gerais que motivaram a pesquisa. Portanto, seu sentido não deve ser confundido com a forma usual deste termo no âmbito das pesquisas que se situam no campo da tradição positivista, para a qual a pesquisa resulta na confirmação ou refutação de hipóteses. Aqui, nosso esforço foi sempre no sentido de apreender o movimento da realidade, cuja lógica pode ser reproduzida pela abstração teórica, mas não é dada por ela.

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possibilidades aberto a humanização, por partilharem subjetivamente de perspectivas contrárias ao materialismo dialético, que leva em conta o universal, singular e particular. Esta hipótese foi a verdadeira motivação de nos lançarmos a investigar uma temática complexa, que exige um alto grau de abstração, porém, temos a certeza que não poderíamos concluir a nossa graduação sem tentar responder a inquietação que nos assombrou por longos semestres.

Para realização da pesquisa, procuramos assegurar uma perspectiva teórico-metodológica capaz de articular a pesquisa bibliográfica à pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica destinou-se à apropriação e discussão de contribuições situadas no campo da teoria social crítica, dando base para a reflexão acerca da realidade e para a análise dos dados coletados na pesquisa de campo qualitativa.

A perspectiva teórico-metodológica levou-nos a escolha da técnica de grupo focal, por nossa consideração de que esta técnica seria a mais adequada para alcançar o objetivo proposto, pois, a nosso ver, permitiria, a partir do debate em grupo com roteiro preestabelecido, apreender a real compreensão dos futuros assistentes sociais acerca das categorias ontológicas da realidade social e profissional, trabalhadas ao longo da formação profissional e, por outro lado, compreender como pretendem recorrer à perspectiva ontológica para a realização de seu trabalho, para a materialização do projeto profissional crítico, dos valores e capacidades humano-genéricas. Assim, na perspectiva de desvendar com profundidade dados qualitativos (como os estudantes se apropriam subjetivamente da perspectiva ontológica e como pretendem utilizá-la em seu trabalho), entendíamos que o grupo focal, por favorecer o debate de temas centrais em grupo, possibilitando a interação entre os sujeitos pesquisados, permitiria apreender com maior profundidade os dados colhidos em nossa pesquisa.

A relevância desta pesquisa para categoria profissional, na nossa visão, situa-se no propósito de analisar as formas particulares de apropriação da abordagem ontológica e os rebatimentos das expressões do conservadorismo na atualidade (neoliberalismo, pensamento pós-moderno, crescimento de uma diversidade de religiões) sobre essa apropriação. Assim, pretendemos contribuir, a partir das análises sobre as formulações de um grupo de futuros agentes profissionais, para a reflexão crítica acerca da apropriação subjetiva da perspectiva ontológica e das possibilidades de sua materialização no trabalho profissional. Esta pesquisa, a nosso ver, é de extrema importância, por se propor a debater a dimensão subjetiva - tema tão pouco trabalhado na produção científica do Serviço Social – da formação acadêmica dos agentes profissionais, articulada, indissociavelmente, aos impactos futuros no trabalho

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profissional. Frente a isso, consideramos necessário investir em pesquisas que se proponham debater qualitativamente a apropriação e materialização da abordagem ontológica no trabalho profissional dos assistentes sociais, levando em conta a extrema necessidade de estabelecer um balanço acerca de como o refluxo das tendências críticas e o avanço do conservadorismo - presentes a partir de meados da década de 1990 no tecido social brasileiro - vêm rebatendo na apropriação subjetiva da ontologia e em sua objetivação como referência profissional. Identificado estes elementos, cumpre analisarmos, de forma articulada, seus rebatimentos concretos para a materialização do projeto profissional crítico.

No que se refere a organização e exposição do conteúdo - que tem por objetivo assegurar uma base teórica sólida que nos possibilite reconstruir as mediações necessárias para analisar os dados obtidos no grupo -, no primeiro capítulo será apresentado um debate acerca de algumas categorias no âmbito das perspectivas positivista e ontológica. Esta escolha remete a importância destas perspectivas na história profissional, o positivismo e suas derivações por sua presença no Serviço Social conservador e por sua forte presença, até os dias de hoje, no pensamento social e na subjetividade de muitos agentes profissionais e, por outro lado, a perspectiva ontológica por sua radicalidade crítica e por estabelecer um horizonte ético-político ao projeto profissional crítico hegemônico na formação profissional. Neste sentido, debateremos alguns, em especial os principais, conceitos positivistas e, posteriormente, apresentaremos o método ontológico presente em Marx, resgatando os principais fundamentos e categorias que nos possibilitam uma reflexão sobre o ser social e a sociedade. Por fim, realizaremos uma crítica ontológica ao pensamento positivista, explicitando os problemas decorrentes da compreensão de que natureza e sociedade podem ser igualadas. Assim, afirmamos que uma crítica ao positivismo deve partir dos aspectos ontológicos da realidade para que consiga romper com as mistificações e naturalizações próprias desta corrente.

No segundo capítulo apresentaremos os movimentos de fluxo e refluxo das forças democráticas presentes no tecido social brasileiro articulado aos movimentos vividos no interior da categoria profissional. Inicialmente apresentaremos os movimentos democráticos de 1961 a 1964 em prol das reformas de base, em seguida abordaremos o golpe militar como uma resposta a crescente organização dos trabalhadores. Posteriormente problematizaremos como este contexto nacional, em especial os dos governos militares, rebate para a categoria profissional. Analisado este período histórico dedicamo-nos a contextualizar a erosão da ditadura militar e a volta dos trabalhadores ao cenário nacional, procurando articular os

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impactos destes movimentos para a profissão. É nesse contexto que situaremos as três perspectivas, analisadas por Netto (1991), que disputavam a hegemonia profissional e aprofundaremos, em especial, as possibilidades históricas de rompimento com o Serviço Social conservador, de hegemonização da perspectiva de intenção de ruptura, que abrigava, em seu interior, profissionais vinculados as correntes mais radicais do campo teórico (incluindo a ontologia). Por último, procuramos trabalhar as categorias e fundamentos ontológicos apropriados pela categoria profissional, procurando articulá-los ao projeto profissional crítico do Serviço Social, tendo em vista debater a importância da abordagem ontológica para o rompimento com o conservadorismo e para o trabalho profissional pautado em referenciais críticos.

No terceiro e último capítulo será problematizado a apropriação subjetiva da ontologia por parte de alguns estudantes do curso de Serviço Social da UFF-PURO a partir de suas formulações no grupo focal. Nosso esforço consistiu em resgatar os debates travados ao longo do primeiro e segundo capítulos para que possamos analisar como os estudantes se apropriaram – ou não – dos fundamentos ontológicos articulados como unidade aos fundamentos históricos, teóricos, metodológicos e práticos do trabalho profissional.

Em nossas considerações finais procuramos, de forma breve, articular a totalidade das falas dos sujeitos a partir dos critérios estabelecidos para a composição do grupo, sistematizar os principais limites relativos à apropriação do conteúdo sobre os dados obtidos e sinalizar os impactos desses limites para o projeto profissional crítico.

Levando em conta essas considerações este trabalho de conclusão de curso se propõe a alimentar e fortalecer teoricamente o projeto ético-político radicalmente crítico de Serviço Social, neste sentido, todos os limites detectados sinalizam a necessidade de pensar respostas coletivas de enfrentamento a estas indicações, de forma a contribuir para a apropriação subjetiva da unidade teórico-prática, ético-política e técnico-operativa do trabalho profissional.

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CAPÍTULO I - POSITIVISMO E ONTOLOGIA DO SER SOCIAL

O mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, mas que elas vão sempre mudando.

(Guimarães Rosa)

Este capítulo tem por pretensão analisar a corrente positivista e a ontologia do ser social, por entendermos a importância destas correntes na base de fundamentação de projetos profissionais formulados pelo Serviço Social brasileiro em seu desenvolver histórico, tomamos os seguintes critérios para a escolha destas perspectivas: a) o positivismo por sua influência nos projetos profissionais gestados desde a origem profissional em nosso meio e ao longo do processo de consolidação do mercado nacional de trabalho dos assistentes sociais (iniciado em meados de 60) e por sua hegemonia na década de 70, sob a égide da perspectiva

modernizadora3, que pretendia afastar o traço tradicional de base empirista que marcou a emersão da profissão no Brasil; b) a Ontologia do ser social por sua influência no processo de ruptura com o conservadorismo profissional, iniciado em meados de 80 e gestado sob a

perspectiva de intenção de ruptura que, atualmente, norteia a direção teórico-metodológica e

ético-política do projeto profissional dos assistentes sociais.

Por fim, procuramos realizar uma crítica de caráter ontológico à racionalidade formal-abstrata, para no segundo capítulo discutirmos como estas correntes perpassam a formação profissional dos assistentes sociais brasileiros.

1.1 O POSITIVISMO

Este item visa debater as bases conservadoras do pensamento positivista, abordaremos algumas categorias centrais do positivismo e, posteriormente, faremos uma interlocução com aspectos da obra de Durkheim para, ao longo do primeiro capítulo, trazer ao debate elementos

3

Cabe sinalizar que esta caracterização acerca das perspectivas que disputavam hegemonia no Serviço Social brasileiro é realizada por José Paulo Netto.

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que nos permitam entender as diferenças entre a teoria social crítica e o positivismo e, principalmente, os avanços proporcionados pela teoria social crítica na interpretação da realidade social.

O positivismo, segundo Löwy (1994), se pauta por três premissas principais, são elas: a) sociedade regida por leis naturais; b) a sociedade pode ser entendida pelas leis físicas, pela natureza; c) as ciências da sociedade devem limitar-se a observação causal dos fenômenos de forma neutra.

Esta perspectiva teórica surge como uma corrente revolucionária, descendente da filosofia iluminista, em finais do século XVIII com a finalidade de opor-se ao absolutismo e as “divindades clericais”. No entanto, após os anos de 1830 a perspectiva revolucionária do positivismo entra em declínio, tornando-se extremamente conservadora e mantenedora da ordem estabelecida. Temos em Condorcet uma perspectiva crítico-utópica: “seu objetivo confesso é o de emancipar o conhecimento social dos „interesses e paixões‟ das classes dominantes” (LÖWY, 1994, p.19). Ou ainda em S. Simon que compreende o combate dos “„produtores‟ (tanto empresários quanto operários) contra os parasitas, os „sanguessugas‟ clericais-feudais da Restauração” (LÖWY, 1994, p. 22).

Até este momento o positivismo travava uma luta revolucionária contra o regime absolutista, tendo em vista sua superação. Porém, a obra de Augusto Comte, considerado fundador do positivismo, marca o redirecionamento da ideologia positivista do campo revolucionário ao campo conservador, de legitimação da ordem estabelecida (burguesa).

O pensamento Comteano pauta-se pelo estudo dos fenômenos sociais a partir de métodos e leis pertencentes à física, perspectiva que procura igualar a ciência da sociedade à ciência da natureza e possibilita conceber a dominação da vida social por leis naturais, invariáveis. Se Comte cria o termo positivismo, é Durkheim que lhe atribui um trato metodológico sob a perspectiva de continuidade. Assim, fenômenos sociais são definidos em Durkheim como leis exteriores ao indivíduo, existentes independentemente de sua vontade, logo, consequentemente, “as revoluções no sentido próprio do termo são coisas tão impossíveis como os milagres” (DURKHEIM apud LÖWY, 1994, p.27).

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Durkheim ainda avança na construção de um objeto próprio da Sociologia4, para ele: “Comte não havia chegado a realizar a ciência positiva, ficando preso a considerações muito gerais sobre a sociedade, não clareando o próprio objeto da Sociologia, que são os fatos sociais” (QUIROGA, 1991, p. 52). Por fato social Durkheim entende:

(...) toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter (DURKHEIM, 2002, p. 11).

Ou seja, fatos sociais são vistos como naturais, anteriores e exteriores ao indivíduo, capazes de exercerem poder de coerção sobre os homens que tentam burlá-los, dominá-los. Esta compreensão acerca dos fenômenos e processos sociais caracterizam-se por uma dicotomia entre sujeito e objeto5, entre sujeito e pensamento, a partir da qual o homem não reconhece os fatos sociais como sua criação, através da práxis e, por isso, é possível atribuir vida própria aos fenômenos sociais. Esta dicotomia, operada abstratamente por esta perspectiva teórica, retira do homem seu potencial de transformação como atenta Guerra:

Forja, mistifica, nega os aspectos ontológicos da realidade e, conseqüentemente, a possibilidade do sujeito intervir sobre essa realidade que, segundo o pensamento conservador, é dada objetivamente por conexões causais, possui uma legalidade férrea e uma “positividade” que garante a manutenção, cristalização e permanência de determinadas formas de comportamento e pensamento sob e sobre a ordem social burguesa (GUERRA, 1997, p. 14).

Definido o que é fato social em Durkheim, cumpre destacar que o mesmo acredita ser necessário e possível uma abordagem neutra, livre de pré-noções dos fenômenos e processos sociais. No entanto, o seu próprio método prova que não é possível esta neutralidade, se livrar de pré-noções, pois ao definir seu método como conservador da ordem estabelecida está diretamente favorecendo a ideologia burguesa, através da busca por uma sociedade harmônica. Como atenta Löwy acerca da obra de Durkheim e Comte: “suas análises estão

4 A Sociologia para Durkheim “não seria nem individualista, nem comunista, nem socialista (...) ignoraria por princípio essas teorias, às quais não poderia reconhecer nenhum valor cientifico” (DURKHEIM apud QUIROGA, 1991, p. 55). Esta visão da Sociologia como uma disciplina independente e autônoma de ciência rompe com a relação de totalidade entre os processos sociais, políticos, econômicos, culturais e etc. Esta elevação da Sociologia como disciplina independente, fundada em bases naturais permite que os fenômenos e processos sociais ganhem vida independente do homem. Por estas considerações podemos afirmar que a dicotomia sujeito e objeto amplamente divulgada na racionalidade formal-abstrata tem por finalidade assegurar a produção e reprodução da sociedade capitalista.

5 A crítica ao positivismo será realizada de forma mais ampla ao aprofundarmos, ainda no primeiro capítulo, a crítica ontológica ao positivismo. Por hora cumpre destacarmos os pilares centrais desta perspectiva teórica que favoreçam a compreensão de sua forma de apreender a realidade social.

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fundadas sobre premissas político-sociais tendenciosas e ligadas ao ponto de vista e à visão social de mundo de grupos sociais determinados. Sua pretensão a neutralidade é as vezes uma ilusão, às vezes um ocultamento deliberado” (LÖWY, 1994, p. 32).

A partir desta compreensão teórica cumpre avançarmos nosso estudo acerca da Ontologia do ser social de Marx para posteriormente estabelecermos uma crítica ontológica à racionalidade formal-abstrata.

1.2 A ONTOLOGIA DE MARX

Antes de aprofundarmos a incorporação da Ontologia do Ser Social pela categoria profissional dos assistentes sociais cumpre entendermos primeiramente abordagem ontológica em Marx que conduz ao desenvolvimento de sua mais célebre obra, O capital.

Para iniciarmos nosso estudo acerca do método em Marx devemos ter claro que ele não estabelece um contato imediato entre concreto e pensamento, concreto e essência, mas procura reconstruir as determinações e multideterminações teoricamente cuja fonte primária é a aparência fenomênica do real e, através do pensamento chega a essência, ao concreto pensado. Assim, o concreto é um processo de síntese, de multideterminação entre as esferas que compõem a totalidade social, que só pode ter seu momento predominante apreendido através do pensamento dialético. Segundo Marx:

O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação (MARX, 1999, p. 39-40).

Podemos dizer, portanto, que o concreto para Marx não é resultado do pensamento, mas sim do trabalho e a única forma de apreendê-lo é pelo pensamento. O método que parte do concreto, do real, sem estabelecer as mediações objetivas que incidem sobre as formas aparentes do real, não consegue apreender a essência dos fenômenos, do ser, pois parte do mundo das aparências, na qual as categorias de alienação, fetichismo, reificação provocam, nos termos de Lukács (1979) uma “deformação ontológica” da realidade. Com base nesta compreensão Lukács atribui à abstração sua devida importância:

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(...) tão-somente os experimentos ideais da abstração permitem aqui a investigação teórica de como determinadas relações, forças, etc. de caráter econômico atuariam se todas as circunstâncias que habitualmente obstaculizam, paralisam, modificam, etc., a presença delas na realidade econômica fossem mentalmente eliminadas (LUKÁCS, 1979, p. 42).

Antes de trabalharmos a economia como motor primário da ontologia marxista, devemos deixar claro que para Lukács a totalidade social é a totalidade do ser social:

(...) as categorias – embora apresentem entre si, mesmo singularmente, inter-relações frequentemente muito intricadas – são todas formas de ser, determinações da existência; e, enquanto tais, formam por sua vez uma totalidade, só podendo ser compreendidas cientificamente enquanto elementos reais dessa totalidade, enquanto momentos do ser (LUKÁCS, 1979, p. 67).

Portanto, podemos dizer que para Marx e Lukács não há diferença entre totalidade social e totalidade do ser social e a ontologia é a forma de se reproduzir pela teoria o “autodesenvolvimento do ser social” (FREDERICO, 2009, p. 179). É necessário ter clarificada esta compreensão para entendermos que o ponto de partida abstrativo de Marx não é feito a partir de uma escolha aleatória, mas sim do que há de mais importante na estrutura do ser social.

Ao falarmos, parágrafos acima, de acordo com a obra de Lukács, que a economia é o motor primário da ontologia do ser social, não significa dizer que exista, na obra de Marx, hierarquia de valor entre as esferas que compõe a totalidade do ser, mas sim dizer que a economia tem prioridade ontológica sobre as demais esferas.

Quando atribuímos uma prioridade ontológica a determinada categoria com relação a outra, entendemos simplesmente o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda, enquanto o inverso é ontologicamente impossível (LUKÁCS, 1979, P. 40).

A esfera econômica em Marx é tida como central, como prioridade ontológica6 perante as outras esferas, isto é, Marx reconhece a prioridade ontológica da base material da vida em sociedade no processo de reprodução social. Esta compreensão em Marx resulta de sua apreensão do trabalho como categoria central, “enquanto formador de valor-de-uso, enquanto trabalho útil, é uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade; é uma necessidade natural eterna” (MARX apud LUKÁKS, 1979, p. 16).

Marx, com estas considerações, chama nossa atenção para o fato de que o trabalho como categoria/atividade ontológica do ser social coloca as bases para sua reprodução,

6 Segundo Engels “os homens devem primeiro de tudo, comer, beber, ter um teto e vestir-se, antes de ocupar-se de política, de ciência, de arte, de religião etc.” (ENGELS apud Lukács, 1979, p. 41: Grifos do autor).

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distanciando-o cada vez mais da natureza, do seu ser biológico (embora jamais o elimine), complexifica-o, tornando-o um ser social. É a partir do trabalho que o homem coloca em movimento todas as suas capacidades e satisfaz suas necessidades. Em outras palavras, a partir do trabalho o homem se humaniza, desenvolve-se em sua complexidade e, por isso, esta categoria tem prioridade ontológica perante as demais, de acordo com Marx, “o trabalho (...) tem a função de mediatizar o intercâmbio orgânico entre o homem e a natureza, ou seja, a vida dos homens” (MARX apud LUKÁCS, 1979, p. 16).

Nesse sentido, o trabalho é uma condição ineliminável para reprodução do homem, é a primeira e mais importante objetivação do Ser Social. Segundo Lukács (1979) o ato de transformação da natureza – a práxis – contém em si o ato de julgar, de fazer escolhas, pois a práxis produtiva sempre necessita, antes de sua realização, do ato teleológico de pré-idealização, momento no qual o homem antevê idealmente a finalidade que deseja alcançar com seu trabalho.

Toda práxis, mesmo a mais imediata e a mais cotidiana, contém em si essa referência ao ato de julgar à consciência, etc., visto que é sempre um ato teleológico na qual a posição da finalidade precede, objetiva e cronologicamente, a realização (LUCÁKS, 1979, p.52).

Portanto, ao afirmamos que o trabalho tem prioridade ontológica entre as outras objetivações do ser social, como já dissemos, não há nesta afirmação condição de hierarquia entre as categorias, mas o entendimento de que a partir da dupla determinação do trabalho o homem coloca em movimento todas as suas capacidades.

Por um lado, o próprio homem que trabalha é transformado pelo seu trabalho; ele atua sobre a natureza exterior e modifica, ao mesmo tempo, a sua própria natureza; „desenvolve as potências nelas ocultas‟ (...) Por outro lado, os objetos e as forças da natureza são transformados em meio, em objetos de trabalho, em matérias-primas, etc. (LUCÁKS, 1979, p. 16).

Esta dupla determinação do trabalho proporciona o desenvolvimento do ser, pois ao transformar a natureza também se transforma, complexifica cada vez mais suas objetivações, suas finalidades e suas necessidades.Como atentam Netto e Braz (2007), a partir do trabalho o homem tem a necessidade de socializar os saberes acumulados e as capacidades desenvolvidas através da práxis. Ou seja, a partir do trabalho, da necessidade de realização de escolhas e valoração, o ser social acumula saberes (o que é útil, inútil; quais os meios de trabalho e matérias-primas necessárias para determinadas finalidades) e desenvolve outras formas de objetivação, tais como: consciência, linguagem, sociabilidade e universalidade.

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Para Lukács (1979) a peculiaridade do trabalho humano reside no fato de que ele cria alternativas sociais (superando as alternativas biológicas), isto é, cria a possibilidade de transformar o sujeito que escolhe, de retroagir sobre o seu sujeito e transformá-lo. A capacidade de escolha sobre as alternativas sociais representa, para a perspectiva ontológica, a capacidade de liberdade do ser social. Segundo Barroco: "a liberdade é – simultaneamente

capacidade de escolha consciente dirigida a uma finalidade e capacidade prática de criar condições para a realização objetiva das escolhas e para que novas escolhas sejam criadas”

(BARROCO, 2008, p. 27-28). De acordo com Lukács:

Nas decisões alternativas do trabalho se esconde o fenômeno “originário” da liberdade, mas esse “fenômeno” não consiste na simples escolha entre duas possibilidades – algo parecido também ocorre na vida dos animais superiores -, mas na escolha entre o que possui e o que não possui valor, eventualmente (em estágios superiores) entre duas espécies diferentes de valores, entre complexo de valores, precisamente porque não se escolhe entre objetos de maneira biologicamente determinada, numa definição estática, mas, ao contrário, resolve-se em termos práticos, ativos, se e como determinadas objetivações podem vir a ser realizadas (LUKÁCS apud BARROCO, 2008, p. 28).

Ou seja, a práxis produtiva, a transformação da natureza, exige que o homem realize escolha entre o que é útil ou inútil para a realização da finalidade teleológica estabelecida por ele. Em outras palavras, para a realização da projeção teleologicamente orientada, através da práxis, o homem precisa realizar escolhas conscientes para alcançar a finalidade desejada. Portanto, queremos chamar a atenção para o fato que o valor não é algo abstrato, mas sim uma mediação teleológica no interior da práxis e teleologia, por isso, o caráter ontológico do valor situa-se nas relações materiais e não subjetivistas.

Com a complexificação do ser social e a ampliação de sua capacidade humano-genérica de universalização, o valor desenvolve determinações puramente sociais, como unidade entre valor de uso e valor de troca, entre trabalho concreto e abstrato, o desenvolvimento e produção de valor aumenta e diminui-se o tempo de trabalho socialmente necessário. Quermos pontuar que este movimento significa o desevolvimento objetivo do ser social, ou seja, o desenvolvimento de suas capacidade humano-genéricas. Para Lukács:

Ora, o estudo do desenvolvimento econômico da humanidade nos mostra, com toda evidência, que – paralelamente à explicitação da socialidade, ao recuo das barreiras naturais – aumenta incessantemente, por um lado, a um ritmo cada vez mais rápido, a quantidade de valores produzidos, e, por outro, de modo igualmente incessante, diminui o trabalho socialmente necessário para sua produção. (...) Não há dúvida que temos aqui o desenvolvimento objetivo e necessário no interior do ser social (LUKÁCS, 1979, p.82).

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Neste sentido, o desenvolvimento objetivo do ser social é o desenvolvimento do gênero humano, das capacidades humano-genéricas (postas em movimento pela capacidade criativa do trabalho) que podem ser acessadas pelos indivíduos singulares como portadores e recriadores do gênero:

(...) portadores porque, por intermédio dos mecanismos de socialização (interação social, educação e autoeducação), incorporam as objetivações já realizadas; (re) criadores porque, através de suas próprias objetivações, atualizam e renovam o ser social. Quanto mais os homens, em sua singularidade, incorporam as objetivações do ser social, mais se humanizam, mais desenvolvem em si o peso da socialidade em detrimento das barreira naturais (NETTO e BRAZ, 2007, p. 46).

O avanço da socialidade acarreta o recuo das barreiras naturais através do enriquecimento das objetivações humanas, complexifica “a relação entre os homens singularmente e a generecidade humana” (NETTO e BRAZ, 2007, p. 46). De acordo com Marx, com o desenvolvimento das forças produtivas o trabalho deixa de ser a única objetivação do ser social, é neste momento que “todas as demais formas de atividade do homem, ligadas aos diversos valores, só se podem apresentar como autônomas depois que o trabalho atinge um nível relativamente elevado” (LUKÁCS, 1979, p. 87).

É baseado no desenvolvimento objetivo do ser social, na sua crescente socialidade e complexificação de suas objetivações que alguma esferas podem aparecer, em sua expressão fenomênica, com relativa autonomia em face do ser social, colocando, desta forma, o problema ontológico do desenvolvimento desigual, uma vez que, não devemos esquecer, não há identidade entre indivíduo singular e o gênero e, portanto, sempre persistirá um nível de desenvolvimento desigual. Segundo Lukács o próprio desenvolvimento objetivo da economia pode gerar deformações das faculdades humanas ainda que temporariamente, neste sentido, “temos aqui a desigualdade do desenvolvimento de algumas faculdades humanas, devido ao fato, economicamente determinado, de as categorias do ser social tornarem-se cada vez mais sociais. (...) todo progresso singular numa direção será certamente acompanhado por regressões simultâneas em outra direções” (LUKÁCS, 1979, p. 124). Portanto, o progresso objetivo do ser não pode ser generalizado no desenvolvimento da economia, das forças produtivas, da riqueza socialmente produzida. Em outras palavras, para Lukács, as deformidades significam que o desenvolvimento quantitativo de algumas esferas e capacidades humanas não significa o seu desenvolvimento qualitativo, logo, não podem ser consideradas como progresso, por exemplo, se pegarmos a sociedade capitalista, nunca antes na história da humanidade vimos em tão poucos séculos o desenvolvimento das forças produtivas que a sociedade burguesa conseguiu conduzir, porém, se pararmos nesta

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constatação, não conseguiremos visualizar que com o desenvolvimento das forças produtivas, aumentou, também, a pobreza, a desigualdade. Portanto, o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo, acirra o desenvolvimento desigual e não significa, necessariamente, avanços e conquistas no processo de humanização do homem.

Esta compreensão é imprescindível para uma correta análise da sociedade capitalista, que segundo Lukács, “a primeira produção realmente social, a capitalista, constitui também o primeiro terreno adequado à plena explicitação do desenvolvimento desigual” (LUKÁCS, 1979, p. 128). Nesta organização societária o desenvolvimento desigual é condição de desenvolvimento da riqueza de uma classe, sendo possível através da divisão social do trabalho:

(...) enquanto os homens são capazes de regular por si mesmos seus carecimentos, espontâneos e facilemente indentificáveis, sem necessidade de um aparelho particular (família e escravos domésticos, a jurisdição nas democracias diretas); enquanto isso ocorre, não existe o problema da autonomia da esfera jurídica em face da econômica. Tão-somente num grau superior da construção social, quando intervém as diferenciações de classe e o antagonismo entre as classes, é que surge a necessidade de criar órgãos e instituições específicos, a fim de cumprir determinadas regulamentações do relacionamento econômico, social, etc., dos homens entre si (LUKÁCS, 1979, p. 129).

O desenvolvimento do capitalismo, gestado sob a ruína das sociedades que o antecederam, acirra o histórico problema da dominação do homem sobre o homem, que deixa de ser feito por meio do mero mecanismo da coercitividade e passa a ser realizado por meio da “naturalização” do trabalho pago e não-pago. Essa organização societária, fundada no trabalho assalariado, na apropriação privada dos meios produtivos e da riqueza socialmente produzida subssume, aliena a atividade criadora do homem (o trabalho) aos interesses da classe detentora dos meios de produção. Nas palavras de Marx:

Na economia política burguesa, assim como na fase histórica de produção a que ela corresponde, essa completa explicitação da natureza interna do homem apresenta-se como um completo esvaziamento; essa objetivação universal, como alienação total; e a eliminação de todas as finalidades unilaterais determinadas, como sacrifício da finalidade autônoma a uma finalidade imposta do exterior (MARX apud LUKÁCS, 1979, p. 88).

Nesta arguição Marx chama nossa atenção para um problema ontológico da maior importância: a alienação do gênero humano. Lukács (1979) ao pesquisar o gênero humano nas obras de Marx identifica que somente a partir do trabalho o homem consegue reconhecer a relação dual entre espécie e gênero. Ou seja, a vida orgânica gera espécies, exemplares singulares, que contém e reproduzem o gênero. Esta relação independe da consciência, de objetivações, porém, somente os homems através da produção e reprodução real de suas

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vidas, teleologicamente posta, criam condições objetivas para apreender a unidade entre exemplar singular e o gênero.

A consciência de pertencer ao gênero é colocada em movimento pela capacidade de convivência e cooperação entre os homens, da mesma forma que a consciência puramente humana é fruto da ligação entre linguagem e trabalho. Portanto, a possibilidade de reconhecer o gênero humano num elevado grau de generalização relativo a espécie humana e não a uma tribo, gueto etc, deriva do desenvolvimento das forças produtivas que consequentemente levou a este progresso.

Temos que ter claro que a sociedade capitalista promove a alienação do gênero, da essência humana, através do trabalho assalariado que aliena, limita suas capacidades criativas, emancipadoras, porém, esta sociabilidade não impede a realização deste gênero, uma vez que ele só pode se realizar na existência do ser social. Ou seja, como atenta Vázquez (2007) não podemos falar da essência humana divorciada da existência humana, pois a essência só se realiza na existência. Portanto, fazendo das palavras de Netto as nossas “as objetivações humanas, alienadas, deixam de promover a humanização do homem e passam a estimular regressões do ser social” (NETTO e BRÁZ, 2007, p. 45). Para Marx:

A sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção. As categorias que exprimem suas relações, a compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, ela traz consigo, desenvolvendo tudo o que fora antes apenas indicado, e que toma assim toda a sua significação, etc (MARX, 1999, p. 43).

Portanto, para Marx a sociedade capitalista acirrou em níveis sem precedentes um problema histórico do ser social: seu desenvolvimento ocorreu até os dias de hoje em organizações societárias marcadas pela alienação da propriedade, dos meios de produção e do produto final do trabalho. Ou seja, as possibilidades de incorporação das objetivações e conquistas do ser social sempre foram colocadas de forma desigual em sua historicidade e este problema, não resolvido nas sociedades passadas, serve de base para a edificação da sociedade capitalista. Para Netto e Braz: “até nossos dias, o preço do desenvolvimento do ser social tem sido uma humanização extremamente desigual (...) até hoje, o processo de humanização tem custado o sacrifício da maioria dos homens” (NETTO E BRÁZ, 2007, p.46).

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É com base nesta perspectiva que Marx começava a esboçar nos Manuscritos

econômico-filosóficos de 1844 sua grande hipótese: “o homem faz sua história com sua práxis

e nela, e com ela, cria-se a si mesmo, produz-se a si mesmo” (VÁZQUEZ, 2007, p. 404). Esta compreensão levou Marx a romper com a ideia de que a essência humana estaria divorciada da existência do homem na sociedade capitalista e a apreender a categoria de negação. Segundo Frederico:

Para Marx, os direitos do homem (o direito à propriedade, a igualdade jurídica etc.), serviram para consagrar „a dissolução da sociedade burguesa em indivíduos independentes‟, em seres privados voltados exclusivamente para os seus negócios, em membros atomizados da sociedade civil. Assim, de um lado passou a existir o indivíduo egoísta que leva na sociedade burguesa uma vida contrária à sua natureza humana (já que vê o seu semelhante como meio para obter seus interesses privados e, com isso, degrada-se a si próprio).(FREDERICO, 2009, p.99).

Para Marx, podemos dizer que a estrutra e forma de desenvolvimento da sociedade capitalista (exploração do homem pelo homem) impõem ao mesmo tempo a realização e negação da essência, do gênero humano, isto é, ao alienar o trabalhador do fruto de sua práxis, de suas objetivações, o capitalismo coloca limites estruturais para a apropriação consciente entre indivíduo singular e gênero (embora essa relação continue se desenvolvendo), e, por isso, podemos falar em um indivíduo egoísta burguês que se desenvolve de forma contrária à potencialidade emancipadora da práxis. Nesta perspectiva, podemos dizer que para Marx a essência humana só pode ser apreendida na existência histórica e social dos indivíduos “tal e como realmente são; isto é, tal e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, premissas e condições materiais, independente de sua vontade” (MARX apud VAZQUEZ, 2007, p. 406). Portanto, “a essência humana não é algo abstrato e imanente a cada indivíduo. É, em sua realidade, o conjunto das relações sociais” (MARX apud VÁZQUEZ, 2007, p. 406). Marx a partir desta afirmação sinaliza para o fato de que é impossível encontrar a essência humana no indivíduo, pois o indivíduo isolado de suas objetivações e relações não existe.

Nesta direção teórica podemos afirmar que a essência humana é determinada pela unidade entre práxis, historicidade e socialidade, isto é, o homem é um ser que produz, transforma a natureza, ao realizar este ato se autoproduz, faz a si mesmo, produz suas próprias relações sociais o que faz dele um ser histórico e capaz de socialidade. Em suma, Marx deixa como contribuição o “conceito de essência do homem como práxis, isto é, como ser produtor, tranformador, criador. Concebe essa essência, por sua vez, como realizada efetivamente em sua vida real, isto é, em sua própria existência social e histórica” (VÁZQUEZ, 2007, p.410).

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Tendo incorporado todas as contribuições acerca da essência humana, a partir desse ponto, cumpre aprofundar um conceito de grande importância para nossa análise que desenvolvemos de forma breve anteriormente, o conceito de negaçao e negação da negação. Barroco, a abordagem ontológica presente nas formulações de Marx, atenta: “(...) a sociedade capitalista reproduz a essência humana e sua negação. “Esse movimento promove a possibilidade de um momento de negação da negação, tende a superar, qualitativamente, as condições anteriores” (BARROCO, 2001, p. 196). Aprofundando a análise sobre a compreensão de superação em Marx, Barroco trás importantes considerações para pensarmos a realização e negação da práxis na sociedade capitalista:

Para ele, superar é conservar e elevar, a um nível superior, os elementos constitutivos do ser social. Em sua investigação, tal desvelamento implicou a apreensão da categoria de negatividade presente na realidade sócio-histórica não como algo exterior a práxis e sim, como categoria ontológico-social, ou seja, constitutiva do processo de desenvolvimento histórico do ser social (BARROCO, 2001, 196).

Ou seja, a negatividade expressa na sociedade capitalista é a alienação, a negação das potencialidades do gênero humano. Reconhecer isto é afirmar que o trabalho, embora alienado, parcialmente substituído por trabalho morto (máquinas), como atenta Antunes (1995), continua sendo fundante. Partilhando e reconhecendo esta categoria TONET (1995) trás outra contribuição importante para fundamentarmos nossa compreensão acerca do tema proposto: “ora, se a práxis humana é a substância universal do ser social, esta mesma práxis, sob a forma da relação entre capital-trabalho, é agora a substância do ser social na sua configuração capitalista” (p. 40). Nesta perspectiva, estamos reconhecendo que, embora com limites, a alienação do trabalho na sociedade capitalista reproduz a essência humana e é possível de ser negada sendo o proletário o sujeito capaz de tal negação. Ou seja, negando a negação (o trabalho alienado) o homem se aproxima de seu gênero.

Portanto, eliminar a alienação da práxis em uma sociedade de classes, significa superar a histórica dominação do homem sobre o homem, superar a organização societária capitalista. É com este pressuposto que a obra de Marx tem por objetivo a construção de outra sociabilidade (a comunista), na qual a práxis humana possa se manifestar de forma livre, criadora e consciente para os indivíduos singulares, na qual a propriedade privada dos meios de produção seja abolida e as possibilidades de acesso às conquistas humano-genéricas não sejam determinadas por classe. De acordo com Lukács (1979) “a particularidade do capitalismo está em criar espontaneamente uma produção social propriamente dita. O socialismo transforma esse fato espontâneo em regulação consciente” (LUKÁCS, 1979, p.

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164). Nas palavras do próprio Marx, o comunismo seria a economia do reino das necessidades, assim:

A liberdade nesse domínio só pode consistir no seguinte: que o homem socializado, isto é, os produtores associados, regulam racionalmente esse intercâmbio orgânico com a natureza, colocam-no sob seu controle comum, ao invés de serem por eles dominados como se se tratasse de uma força cega; que eles executam suas tarefas com o menor emprego possível de energia e nas condições mais adequadas à sua natureza humana e mais dignas dela (MARX apud LUKÁCS, 1979, P. 164).

É com base neste projeto societário que Marx reivindica a emancipação humana como o fim da dominação do homem sobre o homem, a plena realização das capacidades e objetivações humanas, o fim da apropriação da riqueza socialmente produzida, reivindica, portanto, uma sociedade que permita:

(...) a absorção do cidadão abstrato pelo homem individual, que faz deste, em sua vida cotidiana, um ser genérico solidário com os seus semelhantes. Isso não se consegue com a emancipação política (...) e sim com a supressão do Estado enquanto momento de expressão da alienação do homem (FREDERICO, 2007, p. 99).

Neste sentido, a emancipação humana, a superação da autoalienação não é entendida como uma ação que ocorre na consciência, mas sim como revolução social, que destrua todos os aparelhos de dominação de uma classe sobre a outra. Para essa revolução social ocorrer, segundo Marx “é preciso uma classe particular capaz de fazer valer seus interesses como se fossem os interesses universais” (FREDERICO, 2007, p.107) e esta classe é a proletária “a cabeça dessa emancipação é a filosofia, seu coração o proletariado” (MARX apud FREDERICO, 2007, p. 108). Somente com a revolução social tipicamente comunista será possível a emersão do reino da liberdade: “Para além dele, começa o desenvolvimento das capacidades humanas como fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade, que porém só pode florescer sobre as bases do reino daquele necessidade” (MARX apud LUKÁCS, 1979, p.164).

Portanto, somente na sociedade comunista, com o fim da propriedade privada, das classes sociais, da alienação da práxis, o homem poderá viver de acordo com as potencialidades emancipadoras da práxis, desenvolver todas as suas capacidades e objetivações sem nenhuma força de domínio exterior, somente nesta sociedade o homem será um ser livre. Para Marx, estaríamos finalizando a pré-história da humanidade, esta é sem dúvida a grande contribuição da abordagem ontológica em Marx.

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1.3 A CRÍTICA ONTOLÓGICA A RACIONALIDADE FORMAL-ABSTRATA POSITIVISTA

Para iniciarmos a crítica ontológica ao positivismo devemos ter claro que a racionalidade formal-abstrata que apreende a realidade social como fatos sociais, exteriores, anteriores e superiores aos homens mistificando os aspectos ontológicos da realidade. Neste sentido, a realidade social é apreendida em dicotomia com o ser, dominando-o e subsumindo-o, retirando dele a capacidade de transformar suas próprias criações.

De acordo com Tonet (1995) uma crítica ontológica à ciência positiva deve levar em conta a categoria de substância. Do ponto de vista positivo a substância não passa de mera especulação metafísica e o trabalho científico consiste em sistematizar para apreender as regularidades dos dados empíricos que configuram as leis. Para a compreensão ontológica a categoria substância não é algo imutável, exterior ao homem, mas histórico.

A análise do processo de identificação do ser social, a partir do ato fundante do trabalho, mostra que a substância, a essência, a condição de possibilidade de todos os fenômenos que constituem o ser social é a práxis humana que, em última análise, resulta sempre da relação entre subjetividade e objetividade (TONET, 1995, p. 40).

Portanto, a substância universal do ser social para a Ontologia é a práxis humana que se realiza na sociedade capitalista sob a dinâmica capital-trabalho, fenomênica. A substância não é algo metafísico, que sempre existiu sob a forma alienada, não é imutável, é fruto da práxis humana e só com a libertação da capacidade criativa desta práxis poderá alterar qualitativamente a substância.

Na racionalidade formal-abstrata não há diferença entre fenômenos sociais e naturais, não há diferença entre os seres inorgânicos e sociais, “visto que os fenômenos sociais são tratados tal como fenômenos da natureza, podem ser manipulados com a mesma destreza e instrumentalidade com que se trata as coisas da natureza” (GUERRA, 1997, p. 15). É neste sentido que a racionalidade formal-abstrata abstrai os fatos, fenômenos de sua realidade concreta e, por isso, adquirem formas que dominam o homem, coisifica-o.

O positivismo, devido a sua busca por legitimar cientificamente a sociedade burguesa apresenta uma reprodução deformada da realidade social. De acordo com Tonet (1995) o positivismo nunca teve a totalidade como categoria central, ao contrário, sempre dissolveu e

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reduziu a totalidade a partes autônomas sem nenhuma ligação entre elas, sendo por isso impossível pensar uma transformação radical da totalidade da realidade social.

A perspectiva positivista reproduz a dicotomia entre sujeito e objeto, ora como o sujeito subsumido ao objeto, ora como o sujeito predominante sem nenhuma relação com o objeto. Para a Ontologia, a mediação entre sujeito e objeto é realizada através da práxis, “o ato fundante da práxis social, que é o trabalho, permite ver que sujeito e objeto não são entidades externas uma à outra em que este espaço seria preenchido por teorias construídas por uma subjetividade autônoma” (TONET, 1995, p. 52). Portanto, para a Ontologia sujeito e objeto formam uma unidade dialética e não se apresentam como fraturados.

A superação desta racionalidade só pode se configurar com uma racionalidade dialética e ontológica, capaz de reconstruir as mediações entre o ser social e a totalidade social como unidade articulada, capaz de, através da análise, apreender e compreender as contradições dos processos e complexos sociais, visando, a partir desta análise, intervir na realidade social para transformá-la em sua dimensão material e valorativa na perspectiva de conciliação entre indivíduo singular e essência humana.

Tendo sistematizado as perspectivas positivista e a ontologia, e, realizado a crítica ontológica ao positivismo, cumpre compreender a possibilidade histórica de avanço da perspectiva ontológica em detrimento da positivista no interior da categoria profissional dos assistentes sociais. Estabelecemos para tal argumentação, uma articulação orgânica entre os movimentos vivenciados no interior da categoria profissional aos movimentos desenvolvidos na sociedade brasileira nos períodos relativos a década de 1950 à 1989. Nesta perspectiva pretendemos compreender a possibilidade histórica da hegemonia da ontologia do ser social no interior da formação profissional, levando em conta a forma e as categorias que os assistentes sociais consideram central para a instrumentalização de seu trabalho coletivo.

CAPÍTULO II - AS BASES SÓCIO-HISTÓRICAS E POLÍTICAS DE EMERSÃO DO PROJETO PROFISSIONAL CRÍTICO: RETROCESSO DO CONSERVADORISMO NA SOCIEDADE E NA PROFISSÃO, RUPTURA COM A RACIONALIDADE FORMAL-ABSTRATA E ASCENSÃO DA ONTOLOGIA DO SER SOCIAL

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Na luta de classes, todas as armas são boas: pedras, noite e poemas. (Leminski)

Este capítulo tem por pretensão realizar um resgate histórico das conformações de forças democráticas na sociedade brasileira no período pós-Juscelino – marcado pelo desenvolvimento da industrialização pesada e da abertura da economia nacional para os grandes capitais internacionais. Em outras palavras, pretendemos analisar o período de 1961 a abril de 1964, tendo em vista a possibilidade histórica de organização das classes trabalhadoras em torno dos questionamentos ao modelo de desenvolvimento atrelado a capitais transnacionais e imperialistas. Somente com a apreensão dos elementos presentes neste contexto, poderemos compreender a ditadura militar como uma resposta das classes dominantes a crescente organização das massas populares em torno de transformações societárias de base, voltadas ao atendimento de suas necessidades. O período dos governos militares brasileiros representa o refluxo das forças e pensamentos democráticos e o avanço das bases conservadoras de interpretação da realidade (que haviam retroagido no pós-Juscelino).

Neste contexto, para entendermos como o Serviço Social efetua um salto do conservadorismo à perspectiva crítica, procuramos indicar alguns elementos que permitem identificar a articulação existente entre a volta dos movimentos democráticos (abafados pelo golpe) que retomam a cena pública na sociedade brasileira a partir do final da década de 1970 - e se prolongam até o início da década de 1990 – e a possibilidade de construção do projeto profissional crítico, que visava aproximar sua base de legitimidade social dos amplos setores da classe trabalhadora que retomavam seu movimento em fortes sindicatos e partidos operários. Somente reconstruindo as mediações entre a construção do projeto profissional crítico e a crescente organização dos trabalhadores, poderemos compreender a emersão da ontologia do ser social, e de todo o arcabouço teórico da tradição marxista, como um processo perpassado pelas transformações da sociedade brasileira e, por isso, como expressão da busca por uma nova base de legitimidade social. Em outras palavras, apresentar-se-á, junto à agitação social vivida na sociedade brasileira, o movimento político no interior da categoria, situando, de forma breve, a disputa entre as perspectivas de renovação do conservadorismo,

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modernização conservadora e intenção de ruptura7. Cumpre destacarmos que iremos nos deter mais profundamente sobre a perspectiva de intenção de ruptura devido à peculiaridade de reunir os setores mais críticos da profissão, comprometidos com as tendências mais radicais no campo da filosofia, abrigando, em seu interior, a perspectiva ontológica. Elucidada que esta perspectiva abriga em seu interior a tendência ontológica, debateremos a forma com que o Serviço Social brasileiro se apropria das categorias, conceitos e valores da abordagem ontológica. Por fim, procuramos debater as limitações estruturais para a apropriação e materialização desta corrente no trabalho dos assistentes sociais.

2.1 A CONJUNTURA POLÍTICO-SOCIAL EFERVESCENTE DE 1961 A ABRIL DE 1964 E A IMPLEMENTAÇÃO DA AUTOCRACIA BURGUESA

A conjuntura de efervescência político-social vivida no Brasil, no período de 1961 a abril de 1964 é fruto de uma crise econômica que rondava o país após um período cunhado pela perspectiva desenvolvimentista da programática de governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Neste período, há um forte crescimento da indústria pesada e a consequente abertura ao capital estrangeiro para direcionar este desenvolvimento, e, como atenta Netto (1991), cabe ao Estado investir na indústria de base e na infra-estrutura sob sua responsabilidade, o que estimulava a geração de demanda e o investimento privado. Neste contexto, o papel do Estado é organizar o modelo de acumulação entre capital privado nacional e grande capital estrangeiro, representado por grandes empresas transnacionais.

O país adentra os anos de 1960 apresentando expressões cada vez mais violentas da Questão social8, pois o desenvolvimentismo acelera o processo de urbanização, industrialização e centralização da renda e da propriedade nas mãos de um grupo cada vez mais restrito. Paralelo a isso, há uma grande insatisfação da população devido à estagnação

7

Cumpre destacar que esta caracterização é de Netto e esta expressa no livro, Ditadura e Serviço Social (1991).

8 Partilhamos das elaborações de autores que se inserem no campo da teoria social crítica e reconhecem a potencialidade teórico-crítica desse termo para expressar as formas particulares da desigualdade gerada pelo modo de produção capitalista. Indicamos, especialmente, a revista Temporalis (Ano II, n. 3 – janeiro a junho de 2001) e BEHRING, Elaine e SANTOS, Silvana Mara Morais. “Questão social e direitos”. In Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

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