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Vista do O processo de comunicação nas culturas participativas ou audiências criativas

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O processo de comunicação nas culturas participativas

ou audiências criativas: a participação em midiatização

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Tarcízio Macedo

Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com bolsa CAPES. Mestre em Comunicação, Cultura e Amazônia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com bolsa CAPES e período sanduíche no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Digitais da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Especialista em Comunicação Científica na Amazônia pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da UFPA. Membro da Rede Nacional de Pesquisa em Jogo e Comunicação (Metagame) e do Grupo de Pesquisa em Games da Intercom. Pesquisador do Laboratório de Artefatos Digitais (UFRGS), do Laboratório de Pesquisa Midiática na Amazônia (UFPA) e nos grupos de pesquisa Interações e Tecnologias na Amazônia (UFPA), Comunicação, Consumo e Identidade (UFPA/Unama) e Inovação e Convergência na Comunicação (UFPA). E-mail: tarcizio.macedo@bol.com.br

Resumo

Este artigo procura discutir o papel do fluxo comunicacional nas dinâmicas das culturas participativas ou audiências criativas, em que a midiatização se coloca como principal mediação dos mais variados processos sociais, inclusive da cultura da convergência. Objetiva-se compreender uma das consequências mais relevantes que a emergência e o aumento do processo de midiatização apresenta na sociedade contemporânea, bem como as alterações que provoca na dinâmica da circulação e do fluxo comunicacional, observando a possível interpretação dos receptores de produtos midiáticos no contexto da cultura de fãs. Seguindo as pistas deixadas por alguns autores, desenvolve-se um esquema representacional do processo comunicativo na participação em midiatização na tentativa de auxiliar pesquisadores a identificarem as formas das culturas participativas. O intento deste esquema proposto é pensar no processo de comunicação nas culturas participativas ou audiências criativas, cujo objetivo é atuar contra a dispersão nos estudos de fãs e na identificação da rede de negociações e significações que diferentes culturas participativas articulam.

Palavras-chave

Cultura Participativa; Midiatização; Experiência; Temporalidade; Circulação. Abstract

This paper seeks to discuss the role of the communication flow in the dynamics of participatory cultures or creative audiences, in which mediatization becomes the main mediation of the most varied social processes, including the culture of convergence. The objective is to understand one of the most relevant consequences that the emergence and increase of the process of mediatization presents in contemporary society, as well as the changes that it causes in the dynamics of the circulation and the communication flow, observing the possible interpretation of the receivers of media products in the context of the culture of fans. Following the clues left by some authors, a representational scheme of the communicative process is developed in the participation in mediatization in an attempt to help researchers to identify the forms of participatory cultures. The purpose of this proposed scheme is to think about the communication process in participatory cultures or creative audiences, whose objective is to act against dispersion in fan studies and in the identification of the network of negotiations and meanings that different participatory cultures articulate.

Key words

Participatory Culture; Mediatization; Experience; Temporality; Circulation.

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Introdução

O objetivo deste artigo é tensionar uma das consequências mais relevantes que a emergência e o aumento do processo de midiatização apresentam na sociedade contemporânea: as alterações que ele provoca na dinâmica da circulação e do fluxo comunicacional, criando situações que merecem igualmente serem estudadas. Este artigo, portanto, concentra-se na expressão “midiatização” e as relações que ela desencadeia na cultura da convergência. A partir das reflexões, propomos um esquema representacional do processo comunicativo na participação em midiatização.

Portanto, a presente pesquisa é uma elaboração reflexiva teórica com a finalidade de compreender a dinâmica nova da comunicação que se processa nas culturas participativas, ou seja, na relação receptor-produtor que enseja novas hipóteses para entender o que se passa nessas interações em midiatização. Diante dessa questão, refletimos sobre as operações do fluxo comunicacional no âmbito da cultura participativa e da convergência midiática, das dinâmicas do “trabalho de circulação” (FAUSTO NETO, 2010, p. 3) que recaem sobre protocolos e dispositivos, articulando novas conjunturas discursivas entre produtores/receptores. Seguindo o que Fausto Neto (2010, p. 15) indica, este artigo pretende, portanto, “investigar a complexidade da circulação para além de suas próprias bordas”.

Com uma visão atenta ao nível reflexivo para posterior trabalho empírico, antecipamos que as características referidas não correspondem ou propõem-se como “explicações” definitivas, estruturantes ou fechadas, mas observações que estão em ação na cultura da convergência e da participação em vias de midiatização. Fazê-lo significaria contrariar o próprio processo comunicativo humano: o dialogismo, as transformações advindas dos períodos históricos seguintes, a substituição das lógicas por outras ou suas atualizações, o “fluxo de seguir adiante” e a comunicação enquanto perspectiva “tentativa” que moldam a sociedade humana desde tempos longínquos (BRAGA, 2010).

Fazemos, assim, referência a algumas lógicas e processos que se mostram com constância, continuidade e presença – que podem, então, auxiliar-nos na compreensão de algumas formas pelas quais a midiatização instala-se nessa cultura. Portanto, um dos objetivos deste trabalho é entender os processos comunicativos desta dinâmica ocasionados a partir da midiatização ampliada dos processos sociais gerais (BRAGA, 2012).

Por meio das reflexões, apresentamos um esquema representacional do processo comunicativo como resultado das observações de uma tendência nas práticas presentes na cultura participativa no seu hic et nunc, sua rede de negociações e significações. Nesse artigo, examinamos como a participação e interpretação de produtos midiáticos sustentam-se por meio de códigos culturais2 que dão sentido à esfera da produção, viabilizando o fenômeno da

participação e suas práticas.

Assim, acrescentamos em nosso esquema um nível de complexidade para a compreensão do novo processo de comunicação, seguindo a perspectiva de Castells (2015) em que receptores-emissores interpretam os códigos das mensagens por meio das suas experiências, ou seja, a partir de seus próprios códigos e subcódigos. O objetivo destes receptores-emissores é dar significado para as mensagens recebidas, selecionando-as, e compartilhar o resultado dessa interação com membros de uma comunidade e/ou com o emissor-receptor provocador do processo. Essa dinâmica pode instaurar uma audiência criativa ou cultura participativa diversificada.

2 Tais códigos de significados dão coerências às práticas na experiência da vida cotidiana e proferem publicamente um discurso sobre a participação, permitindo-a.

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205 Por fim, propomos uma temporalidade nostálgica da experiência que potencialmente age como vetor de mediação do processo de interpretação de produtos midiáticos. Defendemos a perspectiva aqui da importância do processo de mediação da experiência e/ou experimentação na interpretação destes produtos contemporâneos.

A cultura da convergência e da participação

Da noção de convergência, Jenkins (2009) estabelece quatro dimensões: tecnológica, corporativa, alternativa e cultural. O autor compreende a convergência tecnológica como sendo a combinação de diferentes funções em um mesmo suporte tecnológico; a convergência corporativa diz respeito, ao fluxo comercial aplicado de conteúdos; a convergência alternativa é concebida como sendo o fluxo informacional e, algumas vezes, não autorizado de conteúdos dos meios de comunicação, a partir do momento em que passa a ser mais fácil comentar, arquivar, ressignificar e adaptar para colocá-los em circulação novamente, compartilhando; e, por fim, a convergência cultural trata sobre as mudanças pelas quais a lógica da cultura passa a funcionar, com destaque no fluxo pelos canais de mídia de conteúdos (JENKINS, 2009). A cultura da convergência, portanto, diz respeito ao fluxo nas quatro dimensões.

A convergência dos meios abarca complexas alterações culturais, sociais, tecnológicas e empresariais na forma como nos envolvemos com os meios de comunicação, as mídias. No ambiente da cultura participativa, o ator é considerado um segmento atuante na produção e na circulação de novos conteúdos. São variadas noções de culturas participativas3 que surgem a

partir de tentativas para criar canais alternativos para comunicação do público. Essa cultura remonta um período anterior ao nascimento de tecnologias específicas de propagação ou de plataformas comerciais. A expressão é contrastante com ideias mais antigas no que tangem a passividade dos espectadores das mídias. O autor sugere que devemos tratar agora do papel dos produtores e consumidores de mídia não mais como separados, mas participantes que interagem conforme novos conjuntos de regras que ninguém compreende completamente.

Nesta linha de pensamento, encontramos os estudos de Melissa Brough e Sangita Shresthova (2012, on-line), de como a colaboração horizontal é capaz de promover engajamento crítico com a cultura popular, uma vez que transforma consumidores, anteriormente “passivos”, em participantes ativos na tentativa de serem ouvidos por outros fãs e pelos produtores de conteúdo. Jenkins (2009) e Jenkins et al. (2009) entendem cultura participativa como sendo um fenômeno no qual há compartilhamento e criação de conteúdos entre os consumidores de mídia, fomentados pela convicção de que as suas colaborações são reconhecidas e importam para os outros. Os participantes, neste processo de compartilhamento, sentem algum grau de conexão social com os outros, estimulando, inclusive, engajamentos cívicos em torno de causas da comunidade.

“A comunicação de massa tradicional”4, como nos lembra Castells (2015, p. 101), “é

unidirecional”, mas com a difusão da internet, nasce uma nova forma de comunicação marcada pela interação, pela possibilidade de enviar mensagens de muitos para muitos, o que o autor chamará de “autocomunicação de massa”. Considera como comunicação de massa porque pode alcançar um público global, e mantém-se como autocomunicação porque o desenvolvimento da

3 Enquanto Jenkins (2009) e Jenkins et al. (2009) referem-se a uma “cultura participativa”, Castells (2015) chama

este processo de “audiência criativa” que remixa multiplicidades de mensagens, interpreta códigos e subcódigos ao envolvê-las em seus próprios códigos, ou seja, sua experiência, modificando e filtrando os produtos culturais contemporâneos. Portanto, utilizamos ambas as expressões como sinônimas de um mesmo fenômeno.

4 Castells (2015) refere-se à “comunicação de massa” como sendo uma forma de comunicação cujo conteúdo é

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206 mensagem5 é autogerada, a decisão do virtual (no sentido de possibilidade e não de ambiente

digital, como comumente é empregado o termo), é autodirecionada e a recuperação destas mensagens específicas é autosselecionada (CASTELLS, 2015).

Quando trabalhamos a expressão “cultura participativa” em ambientes digitais associa-se, principalmente, às relações praticadas em um fandom6. Jenkins (1992) destaca que muitos costumes dos fandoms se encontram fundados no intuito de se sentir ou estar junto a outros que admiram e compartilham algumas ideias em comum, estando disponível a se relacionar com ou em um mesmo universo lúdico. Ou seja, o que se encontra no cerne não é somente a conduta restrita de um fã isolado, mas uma experiência coletiva de consumo de mídia ao redor de um específico produto/objeto, motivo pelo qual o compartilhamento é fundamental para a compreensão. Para Jenkins (1992), o fandom é, logo, um dos manifestos mais ilustrativos da cultura participativa.

Os fãs na cultura da convergência: questões conceituais

O fandom é uma coletividade formada por um conjunto de atores sociais chamados de fãs. Ao longo dos anos, as práticas de fãs frente à diferentes produtos midiáticos contemporâneos ganharam largo debate, mas, por vezes, ignora-se as particularidades que compõem o que é ser fã, um conceito que caiu em popularidade nos últimos anos, sobretudo a partir da profusão da cultura pop na vida contemporânea.

Ao mencionarmos o conceito de “fã” referimo-nos a todo ator que está emotivamente comprometido e expressa um engajamento constante e periódico com um determinado objeto, seja ele sujeito (celebridades, etc.), narrativas (livros ou games, por exemplo), textos, dentre outros (SANDVOSS, 2013). O fã é aquele ator que investe tempo e força para se relacionar com um objeto efetivo de mídia que lhe cativa e seduz (BOOTH, 2010). Tratam-se de membros da audiência que sentem uma conexão emocional intensa com um determinado produto midiático (BOOTH; KELLY, 2003).

O grau dessa relação de envolvimento desencadeia dinâmicas particulares de práticas, por meio das quais pesquisadores buscam elencar algumas diferenciações. Cornel Sandvoss (2013) reconhece que as atividades de fãs se delimitam conforme duas extremidades compostas de alguns graus de ação: do simples consumo até a fabricação particular de conteúdo. Entre estas duas polaridades, demarcam-se três grupos que receberam denominações diferentes para alguns estudiosos7, ainda que suas descrições sejam bastante semelhantes, a saber: fãs,

adoradores e entusiastas.

Sandvoss (2013) refere-se aos “fãs” como um grupo que acompanha de modo intenso um determinado ícone cultural, de modo quase exclusivo por meio da mídia de massa. Os “adoradores”, por sua vez, utilizam das mídias de modo mais especializado e tendem a formar laços, até mesmo desorganizados, com seus pares que partilham um mesmo fandom. Por fim, para os “entusiastas” o objeto de fandom mediado pelos meios de comunicação de massa não é tão relevante, e sim a sua própria atividade e produtividade textual – na prática, esse conjunto de ações seria o que constitui o âmago do fandom, cuja representação se encontra no consumo de textos demasiado especializados que são produzidos pelos seus iguais (desde fanzines e

fanfictions, por exemplo), os quais são compartilhados por meio de estruturais organizacionais,

5 Quando nos referimos a “mensagem”, implicitamente, também estamos mencionando o produto midiático. 6 É um termo que se refere à subcultura geral dos fãs, “caracterizada por um sentimento de camaradagem e solidariedade com outros que compartilham os mesmos interesses” (JENKINS, 2009, p. 39).

7 Jenkins (2009), analisando a relação de telespectadores com a televisão, define a existência desses três grupos de consumidores de conteúdos como zapeadores, casuais e fiéis.

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207 como convenções de fãs, comunidades on-line ou fã-clubes. Apesar de ressalvas, esta perspectiva enquadra-se ao escopo deste trabalho.

Sandvoss (2013) compreende que o primeiro grupo, intitulado de “fãs”, forma a grande pluralidade do contingente de consumidores das mídias contemporâneas e é um público pulverizado que não se encontra vinculado em uma estrutura organizacional. Não obstante existe, segundo o autor, “um número significativamente menor de adoradores e ainda menor de entusiastas” (SANDVOSS, 2013, p. 27). Serão as relações praticadas por cada agente que define o que se tornou conhecido como uma “cultura de fãs”. Indiferente das nomenclaturas utilizadas para se referir a esse público, o relevante é que o conceito de fã, para esses estudiosos, está geralmente agregado a algum tipo de “consumo ativo” de conteúdo (JENKINS, 1992), em outras palavras, que presume determinado tipo de agenciamento sobre produções midiáticas.

Contribuindo para esse debate, acreditamos que os fãs, no entretenimento popular, movem-se ora como consumidores ávidos de um produto, ora assumem o papel de fiscais de princípios morais e éticos das empresas (SANDVOSS, 2013) prontos para se engajarem em prol de uma causa comum a seus membros, preparados a todo instante para se tornarem ativistas e cidadãos (AUTORES 1, 2; AUTOR 3; AUTORES 4). Há, portanto, uma linha tênue que separa as diferentes práticas de fãs na cultura do entretenimento e da participação na era da convergência midiática, momento caracterizado pela quebra da solidez das fronteiras nas mais variadas práticas sociais, econômicas e políticas, hoje diluídas.

O processo de comunicação nas culturas participativas ou

audiências criativas em midiatização

As formas de participação são fruto de um processo de expansão das práticas comunicativas a partir do desenvolvimento da cultura da autonomia e do surgimento da autocomunicação de massa. Castells (2015) chama essas formas de participação de audiência ativa ou criativa, a qual passa a utilizar seus códigos, frutos de experiências, com os fluxos verticais de informação que comumente recebe. Este tipo de audiência realiza uma produção interativa de significado, ela é a “fonte da cultura da remixagem que caracteriza o mundo de autocomunicação de massa” (CASTELLS, 2015, p. 186).

Na estrutura horizontalizada presente nas redes atuais de comunicação baseadas na internet, os atores comunicativos ativam tanto o conteúdo, como são responsáveis pelo destino, na maioria das vezes, da mensagem. Nesse fluxo multidirecional de mensagens, eles são simultaneamente emissores e receptores (CASTELLS, 2015).

Na figura 1, propomos um esquema representacional para compreender a comunicação na convergência midiática e as etapas do processo na cultura participativa, sua rede complexa de negociações e significações, que seguem a lógica apresentada por Castells (2015), mas que busca organizar e atualizar a sua perspectiva sobre o processo da comunicação na audiência criativa por meio de uma representação esquemática para que possa ser analiticamente útil.

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208 Figura 1: O processo de comunicação pelas culturas participativas ou audiências criativas

Fonte: Elaborado pelos autores

O esquema apresentado pode ou não ser estendido e adaptado para outros contextos comunicativos de produção de conteúdos simbólicos. Ou seja, tomando as devidas

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209 modificações no que tange aos canais, formatos, plataformas etc. de circulação e produção, pode ser válido para interpretação do processo inverso da comunicação: aquela dirigida pelos fãs às empresas. Contudo, faz-se necessário melhor apresentar a dinâmica comunicacional da audiência criativa, sobretudo o processo de interpretação dos produtos, porque acreditamos que o modelo inferido por Castells (2015), apesar de incluir o fã, não é suficientemente representativo das práticas de negociações dos receptores com as instituições produtoras para que possa ser na prática aplicável.

Nossa representação esquemática apresenta o processo comunicativo, os aspectos de circulação e do fluxo comunicacional da audiência criativa no contexto da autocomunicação de massa específica da cultura de fãs. Trata-se, portanto de entender o papel do fã no fluxo comunicacional em uma sociedade contemporânea em que a midiatização se coloca como principal mediação dos mais variados processos sociais (BRAGA, 2012).

A grande diferença entre as propostas, de Castells (2015) e a nossa, é que o autor apresenta um modelo que explora e favorece uma análise de grandes corporações pertencentes a redes globais de negócio multimídia, no qual o processo é apresentado de modo complexo e de difícil compreensão quando aplicado em outros contextos, tal como a cultura dos fãs. Nossa perspectiva é compreender o processo comunicacional destas novas ambiências em que os atores sociais, tanto a empresa midiática quanto o receptor, compartilham informações e se relacionam nesses espaços.

É, portanto, um ponto-chave deste estudo perceber as dinâmicas que ocorrem na cultura da convergência e da participação como parte desse sistema midiatizado que rege o social contemporaneamente. Essa dinâmica é enraizada em um tipo de temporalidade sociotécnica em que a midiatização se estabelece como forma de temporalidade. Entenda-se essa noção do tempo, portanto, como condição, um tempo apropriado, a relação do sujeito com uma ação sobre o tempo, como apropriação do sujeito sobre o tempo, as formas como os atores lidam com o tempo a partir de suas práticas (KEHL, 2009). Antes de prosseguir, este último argumento demanda imediatamente que se enderece uma aproximação para com o contexto deste artigo.

Pensar neste processo é, sem dúvida, tocar em uma dinâmica de midiatização. Tal perspectiva, portanto, “enfatiza expressamente processos segundo os quais ‘as mídias funcionam’, mas também pelos quais a sociedade contemporânea historicamente aciona suas interações” (BRAGA, 2011, p. 68). Por midiatização, segundo Muniz Sodré (2007), compreenda-se não a veiculação de acontecimentos a partir dos meios de comunicação, mas o funcionamento das instituições sociais tradicionais com a mídia. Ela sustenta “a hipótese de uma mutação sócio-cultural centrada no funcionamento atual das tecnologias da comunicação” (SODRÉ, 2007, p. 17).

A passagem de uma “sociedade dos meios” para uma “sociedade em vias de midiatização” provoca o nascimento de novas estruturas e dinâmicas relacionais entre produtores e receptores. Fausto Neto (2010, p. 6) observa que, em determinado momento que ele chama de “sociedade dos meios”, “os estudos sobre a recepção mostram que o receptor faz tantas coisas outras, distintas daquelas que são estimadas pelos produtores”. Já na “sociedade em vias de midiatização”, “o receptor é re-situado [sic] em outros papeis na própria arquitetura comunicacional emergente”. Contudo, conforme nos lembra Braga (2012), não podemos limitar o termo a um processo de penetração tecnológica, devemos compreender os processos comunicativos associados como para além da simples invenção tecnológica, mas, sobretudo, de uma composição social.

Conforme nos lembra Braga (2012), contudo, não podemos limitar o termo a um processo de penetração tecnológica. É preciso compreender os processos comunicativos associados para além da simples invenção tecnológica, mas, sobretudo, como parte de uma

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210 composição social. Basta percebermos, como nos lembra o autor, o quão necessário é o desenvolvimento de invenções sociais que direcionam as interações, estas que são, provavelmente, mais importantes do que a invenção tecnológica em si. Isto, pois, é a sociedade que decide o acionamento dado para as tecnologias, dando-lhe sentidos interacionais a partir dos quais esses aparatos passam a ser desenvolvidos e apropriados, como é o caso do YouTube e do Twitter (BRAGA, 2012). Não é raro casos em que as ações interacionais são utilizadas de modos diferentes do que propunham inicialmente as invenções sociais.

A “arquitetura comunicacional midiática” contemporânea, argumenta Fausto Neto (2010, p. 3), é marcada por novas relações entre produtores e receptores de mensagens. Esse processo deve contemplar igualmente as modificações no contexto da circulação, reforça o autor. O processo de circulação e o fluxo comunicacional nas dinâmicas da sociedade em midiatização, e, sobretudo seus produtos midiáticos, sofrem alterações a partir dos processos emergentes de midiatização que passam a mediar múltiplos desdobramentos do social. Com isto, as funções dadas na circulação e no fluxo comunicativo tornam-se mais complexas, ao serem estruturadas conforme novas dinâmicas de interface (FAUSTO NETO, 2010).

A recepção nasce com a proliferação das tecnologias e a transformação delas em meios de comunicação, alterando a organização social e seus processos interacionais, argumenta Fausto Neto (2010). Para o autor, a instauração das relações entre produção e recepção pairava em hipóteses que não permitiam a complexidade, a indeterminação, na instância da recepção, tampouco contradizer a natureza do fluxo transmissional. “A ação tecno-simbólica organizada pelo lugar da produção de mensagens se efetivaria na instância da recepção de modo causal”, inexistindo qualquer outra possibilidade de ocorrência de mudança, desconsiderando a dinâmica da circulação e da potência à divergência, à mudança (FAUSTO NETO, 2010, p. 3-4).

A recepção era delegada às “massas amorfas”, “sem espírito” pré-estabelecidas como “coletivos homogeneizados”, sobre a definição de “públicos” e “audiências” que apenas lhe eram destinadas o consumo dos meios e a submissão a seus efeitos. Em oposição, a produção detinha uma função formalizada de “ação técnico-discursiva” gerada pela instância da produção, evidenciando um caráter relacional na produção discursiva (FAUSTO NETO, 2010). O debate atual sinaliza que a “recepção existe e age” (FAUSTO NETO, 2010, p. 5, grifo do autor). A ação das mídias passa a ser percebida, a partir de novas percepções sobre a questão, como dependendo de uma multiplicidade de fatores tornando relativo as convicções do modelo tecnofuncionalista, para o qual os receptores atuavam em total desprovimento ao receberem as mensagens midiáticas. As mídias ganham, então, a problemática da complexidade e menos da homogeneidade.

Podemos entender a midiatização, na perspectiva defendida por Braga (2011, p. 68), para além da mera “ação das mídias” sobre o social, como um processo comunicacional da própria sociedade que articula o complexo conjunto de ações da sociedade, amplamente assumindo um modo “interacional de referência” (BRAGA, 2011, p. 70), passando a abarcar processos gerais anteriores que vão desde a oralidade até a escrita. Esses processos anteriores não desaparecem, mas são reorganizados no processo de midiatização, de tal modo que há uma continuidade entre os processos de comunicação da midiatização e de comunicação considerados mais distantes do “midiatizado”.

“Na sociedade contemporânea, seria difícil fazer um corte nítido entre fenômenos comunicacionais da processualidade midiatizada e fenômenos comunicacionais outros, diversamente inscritos no fluxo comunicacional” (BRAGA, 2011, p. 70). Nosso esquema torna evidente essa questão e procura tornar possível a convivência de uma perspectiva ampla sobre o comunicacional, que não limite ao que ocorre na mídia, com a relevância percebida nos processos midiáticos nos estudos do campo da Comunicação.

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211 Nessa sociedade em midiatização a interação é manifestada, antes, por um movimento que ela própria cria para fazer “seguir adiante” e manter o fluxo contínuo da comunicação com múltiplas interpretações, significados e atualizações (BRAGA, 2011; 2012). A midiatização trata-se de um processo comunicacional ou interacional de referência que une a interação e a mídia, continuando os processos comunicacionais de midiatização e de comunicação não mediatizados (BRAGA, 2011) que criam novos circuitos midiáticos de descentralização de ações e diversidade das práticas, o que por si só merece um estudo atento posterior de aplicação. Possivelmente, o maior legado da capacidade comunicativa da sociedade contemporânea seja a descentralização de ações e a diversidade das práticas (BRAGA, 2012). Para Braga (2011, 2012), o que caracterizaria a variedade comunicacional na sociedade em que vivemos seria o processo de criação de circuitos. Ao pensarmos nesse processo comunicacional, não pretendemos interpretar um processo comunicativo generalizante do modo de comunicação dentro desta dinâmica como fruto de um estímulo inicial recebido da mídia que causará um retorno tal como manda um script pré-determinado. Não se trata, deste esquema, de um “modelo” estruturante que indica uma forma que será apresentada do mesmo modo por todos e a partir do qual podemos inferir uma gama de movimentos dentro da dinâmica convergente e participativa (apesar da possibilidade, a depender do objeto), isto por si só invalidaria a nossa reafirmação de uma teoria em que a prática comunicacional é por si só tentativa (BRAGA, 2010, 2011).

Tal esquema não se trata da sociedade de um modo geral que receberá o estímulo inicial da mídia e responderá tal qual uma maneira de perguntas e respostas, mas sim o que a própria sociedade faz “seguir adiante” em um fluxo contínuo, um “fluxo adiante” com diferentes sentidos, interpretações e transformações (BRAGA, 2012). As mídias, na sociedade em midiatização, tornam-se “superfícieis multimediáticas” que são controladas pelas ações do receptor, o que gera uma alteração no fluxo comunicacional (FAUSTO NETO, 2010). Muda-se o status do receptor e suas relações com a produção a partir do momento em que o receptor deixa de ser apenas uma figuração de ativo e assume a função de um operador/programador que dita seu próprio consumo multimediático (VERÓN, 2007). Feita esta breve digressão, retornemos à linha de raciocínio que iniciou este tópico.

O processo de produção de significado da mensagem

Cabe considerar, de antemão, que o processo representado na figura 1 coloca emissores e receptores como coletivamente o mesmo sujeito, ou seja, a instância de produção torna-se receptora e o inverso (FAUSTO NETO, 2010), obviamente. Atores ou empresas específicas não são, necessariamente, correspondentes, o que significa que nem sempre uma mensagem encaminhada a um receptor/emissor pode ser recebida por outro. A rede é considerada multidirecional compartilhada. Constatamos assim, uma complexidade no modelo apresentado por Castells, mesmo o autor deixando pistas da existência do processo comunicativo interativo, mas sem aprofundamento da compreensão da cultura participativa, conforme destacamos no esquema proposto neste artigo.

Não se trata, porém, de reivindicar um determinismo, uma espécie de estrutura estruturante da dominação insolúvel e invariável da prática interativa na audiência criativa, ou a aplicação de um princípio geral dessa forma de interação. Evidenciamos, agora, as relações divergentes entre produtores e receptores de mensagens na tentativa de contrariar e superar as chamadas “disposições funcionalistas” (FAUSTO NETO, 2010), reconhecendo a complexidade da existência e da ação do receptor no fluxo comunicativo.

Adotando uma visada processual para a compreensão das culturas da participação, possuindo cuidado para manter a importância da diversidade exigida ao fenômeno, mas com o

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212 objetivo de atuar contra a dispersão. Isto porque o acolhimento da diversidade estimula a postura de que “tudo é cultura participativa”, dissipando um fenômeno complexo que pode não se caracterizar como tal. Deste modo, reduzir a dispersão não é equivalente a diminuir a sua multiplicidade de manifestações, trata-se antes de colocar em contraste, por meio de reflexões e pesquisa, de ângulos de estudo ainda não contemplados e conectados. É, tal como define Braga (2011), que encaminhamos uma proposta tentativa tendencial para interpretar as dinâmicas das culturas participativas.

A partir deste esquema, é viável conceber as organizações dos processos comunicativos interacionais que não sejam abrangentes demais, como fizeram muitas teorias no passado, nem reducionistas e excludentes. Nesta perspectiva, não ser exclusivista significa não tornar este esquema de fronteiras inacabadas, sem alterações, nem tão dispersos que tais divisões se tornem indefinidas ou “gasosas”, e que se tudo classifiquei como “cultura participativa”. Trata-se, portanto, de dar ao fenômeno a importância que lhe é merecida a partir da centralidade da comunicação como o constituinte interesse dos processos interacionais. É neste sentido que a articulação das mais diversas dinâmicas são construídas conforme as tentativas do processo comunicacional que dá sentido de modo diferente em cada interação (BRAGA, 2011).

Seguimos a tese sobre os fenômenos comunicacionais enquanto caracterizados como tentativos, proposto por Braga (2010, p. 66, grifo do autor): “o tentativo corresponde, também, ao reconhecimento de algum grau de imprecisão (incerteza, multivocidade, ausência de controle) em todos os passos do processo”. Seu caráter, portanto, manifesta-se no fator probabilístico variante de ocorrência e obtenção de certos objetivos comunicacionais, como a compreensão da mensagem/produto, e da inexatidão do processo em si. À nossa leitura, os distintos fenômenos comunicacionais das culturas participativas deslocam algum aspecto de uma pretensa “processualidade interacional tentativa” (BRAGA, 2010, p. 70).

Comecemos explicando acerca da primeira etapa do processo de comunicação nas culturas participativas (figura 2), um que diz respeito a dinâmica de produção de significado de uma mensagem para, em seguida, refletirmos sobre o seu processo de interpretação.

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213 Figura 2: O processo de comunicação pelas culturas participativas ou audiências criativas: primeira etapa

(processo de produção de significado da mensagem)

Fonte: Elaborado pelos autores

Como se pode observar, esse esquema está baseado em uma perspectiva que defende um enquadramento dos fenômenos das culturas participativas como plurais, multilaterais e frutos de inúmeras manifestações, baseadas na internet ou não. Essa nossa representação esquemática evidencia a rede de significado e negociações, por meio de interações entre os atores da comunicação em que as setas tracejadas indicam possiblidades de ocorrência e as setas contínuas prováveis ocorrências.

A comunicação na nova dinâmica tecnológica é, como propõe Castells (2015), multimodal e multicanal, contudo, acrescentamos as características multiforme e multimídia ao processo. Desta forma, seguindo nossa adaptação do modelo de comunicação proposto por Castells (2015) para o novo contexto da comunicação, acompanhamos o caminho do autor em que, geralmente, o objetivo do emissor-receptor é enviar uma mensagem mais clara possível e que, apesar disto, permanece carregada de significados plurais que sequer o emissor havia imaginado ao ser decodificada pelo receptor-emissor, dando espaço para uma ampla variedade de significações para além da proposta inicial.

Para chegar a esse objetivo, porém, o emissor deverá passar por um amplo processo de codificação da mensagem, ou seja, de inserção de códigos, carregado de significados. Nesse pensamento, ratificamos a noção de que diferentes meios de comunicação podem ser definidos como “Código F”, canais diferentes de comunicação como “Código Ch”, múltiplos modos de circulação como “Código Ci” e “n” como as inúmeras formas pelas quais F e Ch são realizadas

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214 que compõem um conjunto que chamamos de “Código Ci”, nos quais a mensagem é significada e circulada.

Para Castells (2015), a multimodalidade reporta-se às muitas tecnologias de comunicação existentes, portanto, à diversificação das plataformas. Sendo a mensagem multicanal, ela é transportada por distintas plataformas como a televisão, o rádio, a imprensa, os livros, os celulares, dentre outras8. O multicanal indica os ajustes de modo organizacional das fontes de

comunicação, aos diversos canais disponíveis, podendo ser multimídia, ou seja, pertencer a uma cadeia de produtos multimidiáticos. Dessa dinâmica podem surgir desde produtos multimídias, que utilizam de muitos suportes para produção de conteúdos, até narrativas multimídias que não se bastam na produção de conteúdo, mas na utilização de distintas mídias para criar um discurso unificado que utiliza vários recursos para contar uma história. Multimídia é o único critério que dependerá de cada caso específico. Obviamente, nem sempre os códigos apresentarão esta última característica, por isto, tudo dependerá de cada tipo de código e de como ele se manifesta, cabendo ao pesquisador compreender e perceber quais características são manifestadas em cada código pertencente a fenômenos da cultura participativa.

A multiformidade, entretanto, refere-se aos múltiplos formatos para determinado produto. Sendo o produto multiforme, ele é criado de distintas maneiras para posterior circulação, por exemplo, há múltiplas formas de produção de conteúdo para a internet, como vídeos, blogs, comunidades, fotos, etc., assim como para a criação de vídeo há muitos outros formatos específicos. Desta forma, o Código F (como a internet) opera por meio de um número específico (n) de subcódigos que são os formatos específicos de um processo de comunicação determinado (como fóruns, redes sociais digitais, sites de fãs de um produto, etc.), isto porque a multiformidade pode facilmente se combinar nesses processos distintos comunicacionais. O Código F, portanto, refere-se à tecnologia que transportará a mensagem ao receptor, a muitas plataformas disponíveis para propagação de conteúdo.

Logo, o Código Ch atua por meio de uma variedade (n) de subcódigos, no qual cada forma representa um tipo específico de subcódigo que constitui o código. Este, por sua vez, reporta-se a uma multiplicidade de canais, como a internet, e nas redes nela bareporta-seadas, por exemplo. O produto desenvolvido é modelado/ajustado aos diversos canais específicos nos quais será circulado, por exemplo, a ambiência da internet (multimodal) possui plataformas específicas (redes sociais digitais, games, comunidades, etc.) que por sua vez são dotados de canais diversos (Facebook, Twitter, Instagram, jogos on-line, fóruns, etc.). Cada canal, portanto, representa um código específico. Por fim, o Código F atua por meio de um número 1...n de subcódigos F e o Código Ch opera por meio de um número 1...n de subcódigos Ch.

Eles agem, como nos lembra Castells (2015, p. 185), produzindo e encaminhando mensagens carregadas de significados plurais que formam, portanto, aquilo que chamamos de “dispositivos de circulação ou circulatório” (Ci). O código Ci opera por meio de um número 1... n de subcódigos Ci, compostos pela multiplicidade de códigos e subcódigos F e Ch, intrinsecamente multiformes. O conceito de “dispositivos de circulação” tomamos das contribuições de Fausto Neto (2010), o qual propõe repensar e desenvolver um conceito de circulação9 particular e complexo, tornando-se basal para refletir sobre a midiatização da

sociedade, como nos lembra Braga (2012). Neste estudo, realizamos uma apropriação desses autores seguindo suas argumentações. Para eles, a percepção dos receptores é ativa no processo de consumo midiático, na lógica da produção e recepção para além da mera transmissão de algo

8 A internet, contudo, não seria uma plataforma, mas uma ambiência que abriga um conjunto de plataformas como a televisão, o cinema, a fotografia, os games, a imprensa, o rádio, os livros, dentre tantas outras.

9 A questão que subjaz a circulação é obviamente muito complexa. O consumidor possui muitos canais

alternativos, muitas formas para disseminar seus produtos que interferem nos fluxos de mídia tradicionais. A discussão a respeito deste processo é imensa, e não vamos contemplá-la aqui, porque não há espaço e tal reflexão necessita de um amplo desdobramento teórico, mas cujo potencial prescritivo será discutido futuramente em artigo sobre o quadro e dispositivo da cultura da convergência e da participação.

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215 do emissor para o receptor, entre a consistência no ponto de partida e no de entrada.

A circulação não é percebida como um ambiente automatizado de transmissão e mera passagem de mensagens (FAUSTO NETO, 2010). Não é possível falar em produção e recepção como instâncias separadas: “a circulação passa a ser vista como o espaço do reconhecimento e dos desvios produzidos pela apropriação” (BRAGA, 2012, p. 38). A circulação contemporânea enseja uma dinâmica em que os atores reivindicam por um espaço de maiores possibilidades de ocorrência interacional, de prática social. A circulação passa a ser um conceito associado com “pontos de articulação” entre produção e recepção. Ela é, portanto, “transformada em lugar no qual produtores e receptores se encontram em ‘jogos complexos’ de oferta e reconhecimento” (FAUSTO NETO, 2010, p. 11). A associação do conceito de circulação com o de dispositivo é realizada a partir das transformações tecnológicas desencadeadas pelo avanço da técnica na sociedade, recaindo na forma de discursos e meios que organizam a “arquitetura comunicacional” contemporânea (FAUSTO NETO, 2010).

A partir do avanço no processo de concentração dos meios nas convergências tecnológicas e da dinamização dos complexos dispositivos em ambiente e dinâmicas, “os receptores perambulam por várias mídias, migrando em seus contatos com os mesmos, e quebrando zonas clássicas de fidelização” (FAUSTO NETO, 2010, p. 13). Com as injunções ocasionadas pelo processo de midiatização, o receptor é colocado diante de novos questionamentos dos dispositivos circulatórios. Convida-se o consumidor a integrar o sistema produtivo, dando-lhe poder de decisão e participação em diferentes níveis do processo, tornam-se fiscais, cogestores, ainda que o controle dos processos decisórios esteja nas mãos das empresas. Autor 2 propõe algumas perspectivas sobre esse enfoque. “Não mais mantidos a distância, os receptores se tornam em co-operadores destes processos passando a integrar a própria cena produtiva midiática, nos seus mais variados formatos e gêneros” (FAUSTO NETO, 2010, p. 13).

O processo de interpretação dos produtos midiáticos: as

mediações da experiência e/ou experimentação

O objetivo, neste tópico, não é o de prever como a interpretação levará a um resultado e tentar indicar ou mesmo esgotar as suas possibilidades interpretativas, variáveis para cada ator e em uma escala de milhões inquantificáveis, mas como a experiência e a experimentação são acionadas para construir significados que são influenciados por estes processos acumulados pelas pessoas durante sua existência e que, por conseguinte, podem influenciar na criação de culturas participativas. Antes de prosseguir, é necessário que empreendamos um breve debate acerca de conceitos-chave para compreensão da interpretação e significação das mensagens midiáticas.

Defendemos a perspectiva aqui da importância do processo de mediação da experiência e/ou experimentação na interpretação de produtos midiáticos. Como nos lembra Braga (2012, p. 32), há uma perspectiva genérica que compreende uma mediação como correspondente de “um processo em que um elemento é intercalado entre sujeitos e/ou ações diversas, organizando as relações entre estes”, cujos sentidos particulares diversificam conforme o componente mediador, de acordo com os sujeitos cuja relação é intermediada, segundo sua maneira de agir. Tal perspectiva conceitual parece ser reverberada em diferentes contextos nos quais ela é evocada para classificar um processo.

Trilhando outro caminho, de uma guinada epistemológica como propõe Braga (2012, p. 32), “trata-se do relacionamento do ser humano com a realidade que o circunda, que inclui o mundo natural e a sociedade”. A mediação, nessa abordagem, mostra-nos que nossa percepção

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216 não é direta dessa realidade, nosso conhecimento e relacionamento com o que definimos como sendo o “real” é sempre intermediado por um “estar na realidade” por meio de um modo contextual situacional, de um ponto de vista que é cultural10, social, psicológico.

Para Joost Van Loon (1996, p. 62), pensar no conceito de mediação é levar em consideração que nenhum evento ocorre sem mediação, porque há uma estreita relação de distância entre o evento vivenciado, e por vezes experimentado, e a sua representação, havendo sempre um delay entre todo acontecimento realizado e sua representação. “Mediação”, portanto, “é o que está ‘entre’ o evento e a nossa interpretação e que coloca os lugares do evento em si além da sua própria presença temporal e espacial” (VAN LOON, 1996, p. 62).

Braga (2012) assinala que existem diferentes elementos caracterizados como mediadores, a depender da área de estudos e do tipo de objeto, desde a linguagem, a história de vida, a inserção de classe, a educação formal, os campos sociais de inserção, o trabalho, as experiências práticas e o “mundo local”. De todos estes elencados por Braga (2012), além de uma infinidade de outros possíveis, concentramo-nos nas experiências e/ou experimentações práticas. A experiência, portanto, é significativa para a interpretação, atuando como vetor de mediação. Os atores sociais veem o mundo por meio da sua inclusão histórico-cultural (BRAGA, 2012) pelo seu “estar no mundo”, suas experiências. Por experiência compreendemos, conforme Rodrigues (1999, p. 3), um abrangente ajuntamento de saberes compostos por crenças sólidas, apoiadas no hábito.

Assim, compreendemos a experiência enquanto formada por um conjunto igualmente fundamentado em relações de vivências em uma determinada temporalidade que aciona experiências passadas, isto porque todo presente pode ter uma temporalidade do passado ou futuro. Significa pensarmos, seguindo a trilha indicada por Maria Rita Kehl11 (2009, p.

161-162), que a experiência “tem o sentido daquilo que, ao ser vivido, produz um saber passível de transmissão”. Logo, experiência deve sua existência à experiência pessoal ou individual (KEHL; 2009; RODRIGUES, 1997, 1999). Assim, o conhecimento pode ser levado adiante e abastece o vivido tanto para aquele que transmite a experiência, quanto para aquele a quem a experiência é transmitida. Uma experiência, assim, é fruto de vivências que adquiriram o estatuto de experiência quando quem as viveu compartilha com outros (KEHL, 2009).

Embora a noção de experiência e vivência discutida por Kehl (2009) não esteja no mesmo plano da discussão dessa temporalidade centrada no encontro a um coletivo de sujeitos (a capacidade do sentir-junto) de Fábio Fonseca de Castro (2015), pensamos que a conexão entre os conceitos de experiência e vivência trilham um caminho similar e visam a discussão de uma questão próxima: a passagem de uma vivência individual rumo a um elo coletivo. Assim, os autores ajudam-nos a pensar na relação entre um ator e qualquer código presente seja guiado não pela interação que ele possua com isso, e sim pela relação que esse ele possui com outro que esteja ao seu “lado”, um dado coletivo.

Para Rodrigues (1999), a experiência, enquanto conjunto de saberes baseados em hábitos, depende de estruturas da memória, da habilidade de recordar, no presente, o passado e antecipar o futuro por meio dessa anamnese ou reminiscência do passado no presente. O rito da comunicação re-temporaliza, portanto, o arcaico. Segundo o autor, a experiência é formada por

10 Sem procurar entrar em um debate estéril sobre a própria noção ou realizar grandes construções sobre o conceito de cultura, o termo será visto aqui em seu sentido antropológico como modo e hábitos de vida, ou ainda como um conjunto de símbolos, crenças e valores compartilhados por um grupo de indivíduos e que condicionam a visão de mundo destes, por meio da propagação dos modos de agir culturalmente (LARAIA, 1986).

11 Embora a noção de temporalidade e experiência discutida por Kehl (2009) seja apoiada no pensamento benjaminiano, marcado por uma discussão acerca da perda da experiência na modernidade, não compreendemos a experiência vivida como algo menor, conhecimento periférico, difuso, distraído ou passivo que obscurece a experiência. Não consideramos o termo como um tipo de experiência inautêntica ou isolada (BENJAMIN, 1987), ou quiçá “uma dimensão empobrecida da vida do espírito” (KEHL, 2009, p. 161). Apesar disso, Kehl ainda propõe uma aproximação entre as duas formas de experiências que nos parece muito adequado para este estudo.

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217 um processo de rememoração. Identificar no presente a ocorrência de fatos evocados do passado, provoca o processo de rememoração que reconhece, nos fatos atuais, as marcas do passado, as referências. De certa forma, encontra-se paz e satisfação dentro da temporalidade, dentro da repetição. Quando se faz isto dentro da vida cotidiana acaba-se encontrando um caminho para temporalidade. É acalmar por meio do cotidiana da vida banal.

As temporalidades são atualizadas no tempo arcaico, o passado, portanto, não é somente o que ele foi, é o que ele foi agora. Não significa, assim, repeti-lo, mas reelaborá-lo, re-temporalizá-lo (CASTRO, 2015). Como já o dissemos, temporalidade, portanto, trata-se de uma ação do sujeito sobre o tempo, uma atualização do passado no presente (KEHL, 2009). A temporalidade que circunscrevemos aqui se reporta a uma dinâmica sociotécnica (FAUSTO NETO, 2010) que enseja uma realidade compartilhada, um jogo de temporalidades. A noção da experiência social desse tempo arcaico não é hoje a mesma, até porque as transformações tecnológicas criam outros objetos técnicos.

Temos uma aceleração da experiência temporal. Seria justo, portanto, falarmos em uma temporalidade e sensibilidade nostálgicas da experiência, derivada dos artifícios e traços dessa dada temporalidade constituída pelas vivências individuais e o semiotical blues – os quais potencialmente tanto agem como dispositivos mediadores da realidade (CASTRO, 2015), quanto pelo processo de interpretação de produtos midiáticos. Trata-se de compreender como o tempo articula o social, em como lidamos com o tempo a partir das atividades práticas, como ele auxilia na formação dos contextos que demarcam as experiências individuais e coletivas.

Ademais, como ele engendra a constituição das experiências diversas, das modificações e interferências temporais na experiência, na mediação social e nos contextos midiáticos, na confluência entre produção, recepção e circulação. O tempo é conteúdo das produções midiáticas que acionam distintos tempos, instaurando um jogo de temporalidades em uma realidade que enseja esta dinâmica, em uma realidade em que diversas temporalidades convivem a um só “tempo” – que, a seguir, é apropriado pelos sujeitos a partir de suas práticas. A experiência, para nós, deve sua existência à experiência pessoal ou individual, portanto, sendo uma aquisição pessoal e social. Rodrigues (1999, p. 3) estabelece, portanto, com base dessa perspectiva, que o domínio da experiência não se equivoca com o domínio da experimentação. Há diferenças específicas em cada esquema, ou seja, a experiência é compreendida por habilitar aquele que a possui para inferir novas situações, aquelas que ainda não foram de fato experimentadas, fornecendo conhecimentos adquiridos que subsidiam modelos e esquemas de comportamentos considerados plausíveis em diferentes situações do cotidiano.

Em contraponto, a experimentação manifesta-se em fenômenos novos ainda não entendidos ou parcamente compreendidos. Por meio da experimentação, pode-se adquirir uma nova experiência pela circulação ao outro, contudo, a experiência independe da experimentação que porventura está na sua origem de constituição. Rodrigues (1999) propõe uma teoria da experiência particular, da qual nos apropriamos para este estudo. Nesta perspectiva, a experiência possui três domínios fundamentais e originários, classificados como sendo “os domínios da experiência de si própria, dos outros e do mundo natural” (RODRIGUES, 1999, p. 3). A experiência é percebida na posse de um conjunto de saberes sem comprovação racional, mas são razoáveis enquanto característica porque são fundamentados em crenças firmes, arraigadas no hábito. A experiência, para Rodrigues (1999, p. 4), é um conjunto de coisas incontestáveis, como a certeza da existência pessoal, dos outros, dos objetos e dos fenômenos do mundo natural.

Na medida em que alguém é experiente, menos precisa proceder experimentações para poder agir de forma adequada. Experimentar ou vivenciar alguma atividade é vivê-la pela primeira vez ou de maneira distinta diferentes fenômenos e acontecimentos (RODRIGUES,

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218 1997), a partir de um processo de acumulação, cristalização e posterior circulação para outros (KEHL, 2009; CASTRO, 2015). Possuir experiência em algo é ser capaz de reconhecer acontecimentos e fenômenos, sabendo intervir com eficácia em novas circunstâncias não previstas e estipuladas pelas regras aprendidas e experimentadas até então (RODRIGUES, 1997).

Atualmente, defende Braga (2012), os processos de midiatização são os alicerces das mediações comunicativas, das quais a experiência e a experimentação são partes em nossa hipótese. A visão do conceito de mediação, de certo modo, sugere a suplantação de uma perspectiva objetivista dos meios enquanto indústria cultural, seus produtos, suas tecnologias para redirecionar o debate para uma questão relacional na sociedade. Essa percepção coloca em contraste o receptor incorporado em ambientes nos quais se percebe os processos midiatizados. Na dinâmica dos meios para as mediações é preciso vislumbrar que o comunicativo passa a assumir um papel de protagonista de maneira fortificada e complexa, diferente da prioridade dos meios. Esta proposição última é, para Braga (2012), muito próxima do sentido atribuído pelo autor e outros pesquisadores no que tange ao termo “midiatização”. Dois processos são necessários para compreender esta questão, o primeiro é o tecnológico que “corresponde à disponibilização de ações comunicativas midiatizadas para largas parcelas da população, dosando e redirecionando a comunicação massiva” (BRAGA, 2012, p. 34). Já o segundo, o social, trata sobre a iniciação experimental de participantes sociais nas atividades e processos que antes eram limitados à indústria cultural, com as capacidades de crítica social, solicitações de regulamentação pública da indústria, práticas sociais que fomentam a produção e difusão e, como não poderia deixar de ser, pelo acionamento crítico e intencional das mediações da experiência e/ou experimentação, portanto, igualmente culturais.

O processo de interpretação da mensagem

Feito esse debate acerca de conceitos-chave para compreendermos a interpretação e significação das mensagens midiáticas, sugerimos como essa dinâmica de interpretação, realizada por meio de códigos e subcódigos do receptor-emissor, está passível de ocorrer ao explicarmos a segunda etapa do processo de comunicação nas culturas participativas (figura 3).

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219 Figura 3: O processo de comunicação pelas culturas participativas ou audiências criativas: segunda etapa

(processo de interpretação da mensagem)

Fonte: Elaborado pelos autores

Para nós, a experiência e/ou experimentação, no âmbito do processo comunicativo das audiências coletivas ou culturas participativas, é compreendida como um conjunto formado por códigos multiformes e suas variadas formas de manifestação que se definem em códigos individuais (I) e coletivos (C), nos quais os significados são selecionados deliberadamente e utilizados pelos atores para interpretar as mensagens. Tomamos essa classificação inspirada no trabalho de Rodrigues (1999), de que a experiência é coletiva e individual ou pessoal.

Esses dois eixos bipolares principais, pessoal ou individual e coletivo, são para Castells (2015) responsáveis pelo desenvolvimento do processo de transformação cultural em nosso mundo ao longo do tempo. Para o autor, o individualismo é compreendido como sendo um “conjunto de valores e crenças que dá prioridade à satisfação das necessidades, desejos e projetos de cada sujeito individual na orientação de seu comportamento” (CASTELLS, 2015, p. 171).

Já o comunalismo ou coletivismo “é o conjunto de valores e crenças que coloca o bem coletivo de uma comunidade acima da satisfação individual de seus membros” (CASTELLS, 2015, p. 171). Seguimos, portanto, um processo em que Castells (2015, p. 103) argumenta sobre a “dimensão cultural do processo de transformação de várias camadas da comunicação” como sendo atravessado pela interseção de dois paralelos que emergem simultaneamente: de um lado o individualismo e de outro o comunalismo ou coletivismo como padrões culturais opostos, contudo, poderosos, que marcam o nosso mundo. Portanto, o desafio está em como cada ator operacionalizará a partir dessas dimensões, da simultaneidade do coletivo e do individual.

Não há códigos culturais sem os dois códigos da experiência, isto porque não existe essa unicidade utópica. São eles parte de um sistema simbólico que torna os atores capazes de enquadrarem e decodificarem produtos na experiência humanizadora que retém e atribui

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220 sentido à produção, ligando cada produto a outro em conjunto com as experiências de cada um (ROCHA, 2000). Isto porque “a produção se traduz pelo sentido que lhe dá possibilidade de humanização” (ROCHA, 2000, p. 25), tal esfera só impulsiona a participação ao realizar sua natureza e chegar ao seu destino de ser consumo, “através da posse de um significado fundador, coletivamente distribuído” (ROCHA, 2000, p. 25). Assim, a participação começa pela constituição de um sistema simbólico que permita a circulação de significados e possibilite a participação, ao dar sentido à esfera da produção. Parafraseando a perspectiva de Rocha (2000), a participação é resultante da atribuição cultural, portanto simbólica, na esfera da produção.

A questão é que códigos culturais podem ser mais individuais, mais coletivos ou equilibrados, a depender das escolhas que o receptor terá no processo de interpretação de produtos midiáticos12, mas ambos convivem, um não exclui o outro. Na interpretação desses

produtos, haverá significados mais individuais, outros mais coletivos ou até mesmo uma relação harmônica entre ambos que desencadeará significados plurais mesclados.

Partimos do pressuposto de que praticamente todos os seres possuem ambos os códigos coletivos e individuais, porém, subcódigos específicos para cada ator conforme suas vivências e experiências no mundo. As maneiras que os códigos e subcódigos são utilizados e negociados (quando um sobressai o outro) dependem de cada interação específica e nunca será uma regra. Há atores que utilizarão o Código C, outros optaram pelo Código I e, um terceiro, poderá optar por ambos os códigos, C e I (neste último processo, podem haver picos de instabilidade nos quais um ou outro código pode se sobressair).

Negociações são travadas entre interesses pessoais ou coletivos, que geralmente podem gerar divergências conflituosas ou unidades no cerne das comunidades de fãs ou audiências criativas. Códigos pessoais podem coexistir, interagir e até se complementar ao invés de se substituírem, mas geralmente e facilmente os fatores individuais se sobressaem nessas relações, sobretudo quando benefícios estiverem em jogo. Os atores acionam, no processo de interpretação de produtos midiáticos, tanto suas experiências individuais – no sentido de vivências pessoais – e/ou de experiências coletivas – vividas em coletividade e compartilhadas como argumenta Kehl (2009) e Castro (2015). A partir desta dinâmica, eles dão significados às mensagens/produtos.

Tal processo ocorre por meio de uma sensação, sensibilidade nostálgica, marca, sintoma e sintagma da cultural contemporânea para Castro (2015). Manifesta-se, assim, de um lado a partir de uma experiência enquanto aquisição formada por acontecimentos vividos pessoalmente, como fatos de experimentação; de um outro, por meio do que Castro (2015) batiza de semiotical blues, elemento que compõe essa “sensibilidade geracional”, “uma sensibilidade possível a certas pessoas que, mesmo sem se conhecerem, partilharam, num tempo-espaço dado, de um mesmo processo cognoscente [...] de uma teia intersubjetiva de sentidos e de estruturas, formas, de sentir”.

Trata-se dessa experiência de um ator em uma dada comunidade de convivência que constitui uma rede ou cadeira de memórias transmitidas coletivamente de geração para geração (KEHL, 2009). Essa experiência a que nos referimos evoca o sentido que uma dada coletividade

12 Exemplos de códigos individuais que são compartilhados e tornam-se códigos coletivos podem ser percebidos

aos montes nas diversas produções de fãs, nas dicas e compartilhamento de experiências via canais diversos (como o YouTube e demais redes sociais digitais) sobre determinado produto midiático para auxiliar outros. Esse processo de transmissão de experiência é constante na cultura da participação, em que receptores produzem conteúdos e fazem circular suas experiências e experimentações a demais sujeitos no intuito de auxiliá-los a resolverem uma infinidade de problemas e a superarem obstáculos. Outro exemplo é facilmente percebido nas relações presentes na prática de spoilers em rede, nas quais a dinâmica da inteligência coletiva passa a ser a potencialidade que as comunidades de conhecimento virtuais possuem de aprimorar, impulsionar e incrementar o intelecto individual. Mas não se pode descartar que há códigos individuais que causam significados individuais, tanto no sentido de vivências pessoais, quanto de vontades de obter exclusividade e benefícios exclusivos e garantir o monopólio da experiência.

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221 consegue extrair a partir do que seus antepassados viveram, “da transmissão geracional de ideais e experiências que representam, para os sujeitos, a possibilidade de pertencimento a uma tradição – seja familiar, regional, nacional, política, ética, religiosa etc.” (KEHL, 2009, p. 293). Assim, o semiotical blues revela-se de uma mediação do tempo, de uma dada temporalidade, constitui-se como artifício que possibilita “tornar presente o que não precisa ter estado lá” (CASTRO, 2015, p. 111).

Por meio dessas mediações da realidade pelo artifício de uma temporalidade alegórica, nostálgica, central no processo sociocultural da comunicação contemporânea e “sempre presente no mundo contemporâneo” (CASTRO, 2015, p. 114), os atores dão significados às mensagens/produtos. A partir dessa dinâmica, dessa natureza, sujeitos operam o artifício de evocarem o passado novamente: de um lado, a consciência do individual e, de outro, a do artificial, “traço que rompe o presente como continuação do passado” (CASTRO, 2015, p. 111). O Código I opera por meio de um certo número de subcódigos que auxiliam no processo de interpretação de produtos midiáticos. Nesse sentido, o conjunto dos códigos C e I resulta em um sistema de referências organizador de práticas significantes baseadas em hábitos e acontecimentos vividos pessoal e coletivamente, dotados de sentidos que produzem o que estamos chamando de “códigos culturais de referência” considerados individuais, coletivos ou mesclados.

O termo aqui é inspirado em Castells (2015) e apropriado da obra Clotaire Rapaille (2012, p. 2), para quem se trata de “um sistema de referências [...] impresso quando somos bem pequenos, por meio de uma energia emocional associada a ele”. “O Código”, argumenta ele, “aciona este sistema de referências [...] e ativa todo o sistema associado a ele”. O autor ainda define a cultura como “um kit de sobrevivência herdado no nascimento, e em determinada época, determinado ambiente e geografia”. A transmissão desses códigos decorre de uma geração à outra, ao ponto que após determinado período de naturalização, praticamente deixa-se de questioná-lo, deixa-semelhante ao que argumento Rodrigues (1999) a respeito da experiência tradicional.

Nossa abordagem nitidamente extrapola a definição de Rapaille (2012) sobre os códigos culturais, uma vez que introduzimos a mediação da experiência no processo. Para o autor, toda cultura pré-organiza a maneira como os indivíduos devem compreender os elementos que ela possui, o que estimula, em nosso entendimento, a criação de quadros sociais defendidos por Rodrigues (1999) ou dispositivos interacionais de Braga (2011, 2012).

Os quadros e os contextos situacionais que delimitam a experiência tradicional são geograficamente delimitados e formam aquilo a que podemos dar o nome de fronteiras culturais concretamente enraizadas em territórios de pertença. Estas fronteiras concretas correspondem ao lugar em que os indivíduos nascem, crescem, são socializados (RODRIGUES, 1999, p. 12).

Sem essa dimensão simbólica, com significados atrelados a códigos culturais de referência que constroem sentido e viabilizam o fenômeno da participação, dificilmente atores concretizariam a interpretação e participação de produtos midiáticos, bem como suas práticas. Apropriando-nos de uma discussão fruto de um exemplo exposto por Rocha (2000) que deslocamos para a questão que se discute neste artigo, por mais que em um cenário estejam postos todos os elementos essenciais e necessários para a lógica da interpretação e participação, do jogo econômico da produção, a ausência da ordem simbólica (e todas as suas nuances como um código cultural que enseje significados a quem pretende interpretar) impossibilita o acontecimento concreto do ato de interpretar e participar.

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222 decodificação e seleção do significado da mensagem por meio dos subcódigos que os formam, confere-se um lugar simbólico ao universo da produção. A interpretação da mensagem auxiliada por eles desencadeará significados individualizantes e, também, significados de ordem coletiva, criando duas distintas audiências coletivas. Esses significados, se misturados, podem gerar ainda significados plurais mesclados, tanto individualizantes como coletivos, ocasionando a criação de uma terceira forma de audiência criativa baseada em significados plurais e compartilhados. É pelo fato desses códigos de experiências temporais não serem iguais que subsistem distintas formas de interpretação a partir da experiência, o que recai em diversas culturas participativas.

Pensar em códigos coletivos partilhados não significa desconsiderar a heteregoneidade humana enquanto formas de acionamentos desses códigos que variam ou encontram-se na acumulação temporal de cada ator. Este processo exemplifica a força dessa sensibilidade nostálgica que permite aos atores transcenderem o evento (produto/mensagem) e operarem uma reinvenção do passado, “transcender à mera referência temporal” (CASTRO, 2015, p. 111) e constituíram um dado específico daquele ao qual recorreram para compreender um produto midiático. Esta ação geralmente ocorre com muita frequência nas interações humanas, visto a dificuldade de se obter significados específicos e únicos, porém não impossíveis.

Desta maneira, os emissores/receptores precisam interpretar as mensagens midiáticas que recebem a todo momento de múltiplas maneiras de canais de comunicação ao envolvê-los a partir do seu próprio código na interação com o código da mensagem original. A mensagem é plural justamente porque será apropriada e significada por cada indivíduo de distintas maneiras, conforme os códigos e subcódigos específicos que possuem (podendo esses significados serem individuais, coletivos ou mesclado). É por este motivo que, muitas vezes, uma mensagem pode ser compreendida de uma maneira completamente diferente da intenção do emissor.

Os indivíduos possuem uma imensa capacidade de transformar o significado das mensagens que recebem conforme as observam a partir de seus repertórios culturais, ou códigos culturais para usar o jargão utilizado aqui, e realizando combinações com mensagens outras (CASTELLS, 2015). Os receptores constroem o significado das mensagens conforme suas ações13, ao definirem o que ela significa no processo de interpretação, unindo não apenas o que

a mensagem em si fornece, mas a atrelando também a “um campo semântico de interpretação diferente” (CASTELLS, 2015, p. 181), no qual a constituição do significado mostra-se como complexa e dependerá de diversos mecanismos de ativação que interligam distintos níveis de envolvimento e relação na recepção da mensagem.

Estabelecem, então, negociações de significado como receptores com base em experiências de emissores que possuem (CASTELLS, 2015). A elaboração de significados é complexa e possui dependência dos códigos da experiência que atuam como mecanismos de ativação que combinam níveis diferentes de envolvimento na recepção da mensagem. Porém, nem todos que consomem e significam a mensagem estabelecem ou fazem parte de uma cultura participativa. No nosso esquema, este processo de significação é a maneira pela qual observamos o emergir de uma audiência criativa, como propõe Castells (2015), ou uma cultura participativa, nos termos de Jenkins (2009) e Jenkins et al. (2009), que remixa multiplicidades de mensagens.

Castells (2015, p. 186) lembra que hoje os processos comunicacionais são deslocados da comunicação de massa, focada em uma audiência vista como “passiva”, para uma audiência ativa que “molda seu significado ao contrastar sua experiência com os fluxos unilaterais de informação que ela recebe”. Eis, neste estudo, um dos muitos exemplos pelos quais a sociedade

13 Incluindo a relação dos atores com o tempo, em que a sensibilidade nostálgica, pelo semiotical blues, pode tanto reencenar, representar ou mimetizar um dado passado quanto ir além: “ser traço quando se dispõe a não ser mais o passado, mas sim um presente eterno” (CASTRO, 2015, p. 111), transcendendo, reiventando e re-presentificando o próprio passado.

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