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A RESILIÊNCIA DO CÉREBRO

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Academic year: 2021

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A RESILIÊNCIA DO CÉREBRO

O cérebro é mais vasto do que o céu (…) mais profundo do que o mar.

Emily Dickinson

Ao contrário da maioria dos meus colegas, não cresci com o desejo enraizado de me tornar médico, e muito menos neurocirurgião. A aspiração inicial era a de ser escritor, provavelmente despertada por uma paixoneta infantil por uma professora de inglês durante a escola primária. Quando escolhi medicina, tinha treze anos e o meu avô acabara de sofrer uma trombose. Éramos muito chegados, e foi chocante assistir a uma mudança tão rápida do funcionamento do seu cérebro. De súbito, ele não falava nem escrevia, mas parecia com‑ preender o que lhe diziam e lia sem dificuldade. Dito de maneira simples, recebia facilmente a comunicação verbal e escrita, mas não conseguia responder de igual forma. Foi a primeira vez que me senti fascinado pelo complexo e misterioso funcionamento do cérebro. Pas‑ sava muito tempo no hospital e tornei ‑me naquele tipo de miúdo aborrecido que faz muitas perguntas aos médicos. Sentia ‑me crescido quando eles, pacientemente, me explicavam o que acontecera. Vi como devolveram ao meu avô uma saúde normal depois de uma incisão na carótida para restabelecer o afluxo de sangue ao cérebro e prevenir futuras tromboses. Como nunca passara muito tempo com cirurgiões, fiquei fascinado.

Comecei a ler tudo o que conseguia sobre medicina e o corpo humano. Não demorei a concentrar ‑me no cérebro, especificamente na memória. Ainda hoje me surpreende que as nossas memórias – o tecido

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de que somos feitos – possam ser reduzidas a sinais neuroquímicos invisíveis que se transmitem entre áreas minúsculas do cérebro. Para mim, essas incursões iniciais no mundo da biologia cerebral foram ao mesmo tempo desmistificadoras e mágicas.

Anos mais tarde, já na Faculdade de Medicina, no início da década de 1990, a sabedoria convencional era a de que as células cerebrais, como os neurónios, não se regeneravam. Nascíamos com um con‑ junto fixo, e ficávamos por aí; ao longo da vida, esvaziávamos len‑ tamente esse reservatório (e acelerávamos a morte das células com maus hábitos como a bebida em excesso ou o consumo de mari‑ juana) – a verdade chegaria mais tarde. Talvez se devesse ao eterno otimista que existe em mim, mas nunca acreditei que as nossas célu‑ las cerebrais simplesmente deixassem de crescer e de se regenerar. Afinal, ao longo da vida, continuamos a ter pensamentos originais, experiências profundas, recordações vivas e novas aprendizagens. Parecia ‑me que o cérebro não se limitaria a definhar, a menos que não fosse utilizado. Em 2000, quando completei a formação em neu‑ rocirurgia, havia já muitas provas de que podíamos estimular o nas‑ cimento de novas células (processo designado neurogénese) e até aumentar o tamanho do cérebro. Tratava ‑se de uma mudança assom‑ brosamente otimista no modo como encarávamos o principal sis‑ tema de controlo do corpo. De facto, todos os dias podemos melhorar o cérebro, torná ‑lo mais rápido, mais apto e, sim, mais lúcido. Estou convicto disso. (Falarei mais tarde dos maus hábitos, que não pro‑ vocam necessariamente a morte das células cerebrais, mas que, quando se abusa deles, podem alterar o cérebro, em especial na capa‑ cidade de memória.)

Deixem ‑me dizer: sou sem dúvida adepto de uma excelente edu‑ cação, mas não é disso que trato aqui. Foco ‑me menos no melhora‑ mento da inteligência ou do QI e mais na propagação de novas células cerebrais e na forma como podemos pôr a trabalhar com mais eficácia aquelas de que dispomos. Não se pretende que recordemos uma lista de artigos, sejamos bem ‑sucedidos nos exames ou executemos bem determinadas tarefas (ainda que todos estes objetivos sejam mais fáceis de alcançar com um cérebro melhor). Neste livro, o leitor apren‑ derá a construir um cérebro que relacione padrões que outros possam

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não apreender e que o ajude a caminhar melhor pela vida. Desenvol‑ verá um cérebro capaz de alternar entre visões a curto prazo e a longo prazo do mundo e, talvez mais importante, um cérebro resiliente perante experiências que possam ser incapacitantes para outros seres humanos. Definirei com precisão o termo resiliência e ensinarei a estimulá ‑la. A resiliência tem sido um ingrediente essencial ao meu crescimento pessoal.

O contexto é relevante quando falamos de uma matéria tão impor‑ tante como a função ou disfunção do cérebro, e a perspetiva sobre o declínio cognitivo alterou ‑se substancialmente com o decorrer do tempo. A  história da documentação da demência remonta pelo menos a 1550 a. C., quando médicos egípcios descreveram este dis‑ túrbio no Papiro Ebers, um manuscrito de 110 páginas que contém um registo da medicina no Antigo Egito. Mas só em 1797 é que este fenómeno recebeu uma designação, dementia, que em latim significa «fora da mente». O termo foi criado pelo psiquiatra francês Philippe Pinel, considerado o pai da psiquiatria moderna pelos seus esforços a favor de uma abordagem mais humana no tratamento dos doentes psiquiátricos. Quando a palavra dementia foi utilizada pela primeira vez, referia ‑se a pessoas de qualquer idade com défice intelectual («abolição do pensamento»). Só em finais do século xix o conceito foi limitado às pessoas com perda específica de capacidade cogni‑ tiva. Durante este século, o médico britânico Dr.  James Cowles Prichard introduziu também o termo demência senil no seu livro A Treatise on Insanity. Senil, que significa velho, aludia a qualquer tipo de insanidade que ocorresse em idosos. Dado que a perda de memória é um dos sintomas mais proeminentes da demência, o termo passou a ser associado principalmente à velhice.

Durante muito tempo, acreditou ‑se que os idosos com demência estavam amaldiçoados ou tinham alguma infeção, como a sífilis (cujos sintomas podem ser semelhantes). Por isso, a palavra demência era considerada pejorativa, um insulto. Quando contei às minhas filhas que estava a escrever este livro, elas perguntaram ‑me se abordava os dementors, as criaturas do Harry Potter que sugavam as almas. A ideia de que a demência, que não é uma doença específica, mas sim um conjunto de sintomas associados à perda de memória e à fraca

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capacidade de discernimento, é por vezes encarada de formas tão negativas merece ser aqui brevemente abordada.

É verdade que os médicos e cientistas usam a palavra no seu sen‑ tido clínico, e que os pacientes e os familiares nem sempre sabem o que fazer com ela, especialmente quando tomam conhecimento do diagnóstico. Para começar, é demasiado impreciso. A demência pode ser um espetro, que vai do ligeiro ao grave, e algumas das suas causas são reversíveis. A  doença de Alzheimer, responsável por mais de metade dos casos de demência, concentra quase todas as atenções e, como consequência, os termos demência e Alzheimer são usados indis‑ tintamente. Não deviam ser. A palavra demência, porém, impregna o nosso vernáculo, bem como a associação com a doença de Alzheimer. Neste livro, utilizo ambos os termos com a esperança de que a con‑ versa, e as palavras que utilizamos para descrever a situação em geral do declínio cognitivo, se modifique no futuro.

Acredito que tem havido uma ênfase excessiva na doença de Alzheimer para falar desta situação em geral, e que isso alimentou um sentimento generalizado de medo de que a perda de memória seja inevitável à medida que envelhecemos. Pessoas saudáveis na faixa dos trinta e quarenta anos sentem ‑se alarmadas com as implicações de lapsos de memória comuns, como o guardar as chaves no lugar errado ou esquecer o nome de alguém. Trata ‑se de um medo despro‑ positado, e, como constatará, a perda de memória não é uma parte predeterminada do envelhecimento.

Quando comecei a viajar e a conversar com pessoas acerca deste livro, compreendi mais uma coisa extraordinária. Segundo uma son‑ dagem da AARP* realizada entre americanos dos trinta e quatro aos setenta e cinco anos, quase todas as pessoas (noventa e três por cento) compreendem a importância vital da saúde mental, mas curiosamente não têm ideia sobre como tornar o cérebro mais saudável, nem sequer que isso é possível. A  maioria acredita que este órgão misterioso envolvido num osso é uma espécie de caixa ‑negra, intocável e incapaz de ser melhorado. Não é verdade. O cérebro pode ser contínua e con‑ sistentemente enriquecido ao longo da vida, independentemente da

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idade e do acesso a recursos. Abri essa caixa ‑negra e toquei no cérebro humano e, neste livro, vou falar sobre essas experiências extraordiná‑ rias. Como consequência desta formação e de décadas de aprendiza‑ gem, estou cada vez mais convencido de que o cérebro pode ser mudado de maneira construtiva – valorizado e afinado. O leitor talvez pense isso sobre os músculos – até o coração, que é um músculo. Se decidiu ler este livro, provavelmente é proativo em relação à saúde física. Chegou o momento de compreender que o mesmo é possível com o cérebro. Pode intervir no pensamento e na memória do seu cérebro mais do que imagina ou gostaria, e a maioria das pessoas não começou sequer a tentar fazê ‑lo. Este livro vai ajudá ‑lo a traçar o seu programa para uma «mente em forma», que poderá facilmente incor‑ porar no quotidiano. Eu já o fiz, e estou entusiasmado com a ideia de ensinar também os meus leitores.

Na qualidade de neurocirurgião, académico e jornalista, grande parte do meu trabalho consiste em ensinar e explicar. Aprendi que, para que as mensagens sejam apreendidas, o porquê das coisas é tão importante como o quê ou o como. Por isso, ao longo do livro, explico o porquê de o cérebro funcionar da maneira como o faz e o porquê de algumas vezes não corresponder ao que esperamos. Compreendidos estes funcionamentos internos, os hábitos específicos cuja adoção encorajo farão sentido e, provavelmente, passarão a fazer parte da rotina diária sem esforço.

Quando se trata da saúde física em geral, há no discurso público poucas explicações sobre a maneira como o nosso corpo funciona e o que o faz agir melhor. Pior, existe entre os médicos uma falta de con‑ senso acerca dos alimentos mais aconselháveis, do tipo de atividades que devemos ter ou das horas de sono de que necessitamos. Esta é uma das razões pelas quais circulam tantas mensagens contraditórias. Num dia, o café é um superalimento e, no seguinte, é um potencial carcinógeno. O glúten é tema de debate acalorado. A curcumina, que se encontra no açafrão ‑da ‑índia, é classificada como um alimento milagroso para o cérebro, mas o que significa isso efetivamente? As estatinas parecem ter dupla personalidade, pelo menos nos meios ligados à investigação: alguns estudos sugerem que diminuem o risco de demência e melhoram a função cognitiva, enquanto outros defendem

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o oposto. Os suplementos de vitamina D são também um alvo: algu‑ mas pessoas põem a mão no fogo por eles, mas estudos sucessivos demonstram não haver qualquer benefício.

Como é que o cidadão comum tira alguma conclusão destas men‑ sagens contraditórias? Quase todos concordam em que as toxinas e os patógenos, do mercúrio ao bolor, são maus, mas e então certos ingredientes artificiais e até a água da torneira? Um estudo canadiano recente demonstrou que o flúor na água da torneira consumido por grávidas pode conduzir a uma pequena descida do QI dos filhos.1 Mas

a água fluoretada contém benefícios claros para a saúde oral e conti‑ nua a ser recomendada pela maioria das principais associações médi‑ cas. Pode ser confuso. Além disso, quase todas as idas ao médico terminam com a recomendação abrangente e genérica de que deve «descansar muito, alimentar ‑se bem e fazer exercício». Parece conhe‑ cido? Claro, é um bom conselho, mas o problema é que dificilmente existe consenso quanto ao que significa, do ponto de vista do dia a dia. Qual é a alimentação ideal e como muda de pessoa para pessoa? E quanto ao exercício físico? Intenso, ou lento e regular? Será que todos necessitam de oito horas de sono? Porquê? Que medicamentos e suplementos se deve tomar, atendendo aos fatores de risco indivi‑ duais? Com a saúde do cérebro em particular, existe ainda uma maior falta de entendimento básico, tanto por parte dos pacientes como da comunidade médica. Já algum médico lhe disse para ter cuidado com o cérebro, além de usar capacete quando anda de moto? Talvez não.

Pois bem, vou dizer aos leitores o que precisam de saber e demons‑ trar como fazê ‑lo. Se pensarem que só isto já parece complicado, não se preocupem. Vou conduzi ‑los passo a passo. Ficarão a saber mais coisas sobre o cérebro do que alguma vez souberam, e os métodos para o manter saudável farão todo o sentido quando chegarem ao fim do livro. Pensem nele como uma aula magistral sobre a maneira de desenvolver um cérebro melhor, que abre o caminho para o que qui‑ sermos da vida – incluindo ser melhor pai, mãe, filha ou filho. Pode‑ mos ser mais produtivos e alegres, bem como estarmos mais presentes para com quem interagimos. Além disso, desenvolveremos mais desse ingrediente essencial, a resiliência, pelo que a otimização do nosso cérebro não será afetada pelas provações diárias. Estes objetivos

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estão mais interligados do que se imagina. Acreditar que podemos ser melhores no amanhã é uma maneira audaciosa de encarar o mundo, mas que me ajudou a moldar a própria vida. Desde a adolescência, trabalhei sempre na minha saúde física – para tornar o corpo mais forte, mais rápido e mais resiliente à doença e às lesões. Penso que toda a gente tem motivações diferentes para cuidar da saúde. Para muitos, tem que ver com o sentir ‑se melhor e ser mais produtivo e estar presente para cuidar dos filhos. Para outros, a motivação reside em alcançar determinada aparência física. À medida que vamos enve‑ lhecendo, a inspiração advém muitas vezes de um certo roçar com a mortalidade e da tomada de consciência da fragilidade da vida. Foi o que aconteceu comigo. Quando o meu pai tinha apenas quarenta e sete anos, sentiu dores dilacerantes no peito durante uma caminhada. Lembro ‑me do telefonema de pânico que recebi da minha mãe e da voz da operadora do serviço de emergência com a qual falei segundos depois. Passadas poucas horas, o meu pai era submetido a uma ope‑ ração de urgência para colocação de quatro bypasses no coração. Foi uma provação assustadora para a família e receávamos que não sobre‑ vivesse. Na altura, era um jovem estudante de medicina e estava con‑ vencido de que falhara em relação ao meu pai. Afinal, devia ter percebido os sinais de alerta, tê ‑lo aconselhado e ajudado a evitar o problema cardíaco. Felizmente, ele sobreviveu e o incidente mudou‑ ‑lhe a vida por completo. Perdeu quinze quilos, passou a prestar mais atenção aos alimentos que ingeria e fez da atividade física regular uma prioridade.

Agora que passei a idade do meu pai e tenho as minhas filhas, imponho ‑me aprender, não apenas a prevenir a doença, mas também a avaliar ‑me continuamente para ter a certeza de que o desempenho corresponde ao melhor das minhas capacidades. Nas últimas décadas, explorei também a profunda conexão entre o coração e o cérebro. É verdade que aquilo que é bom para um é também bom para o outro, mas acredito agora que o segredo reside em que tudo começa com o cérebro. Tal como os leitores estão prestes a aprender, quando o cére‑ bro funciona com precisão e suavidade, o resto vem por acréscimo. Tomamos boas decisões, temos uma melhor resiliência e uma atitude mais otimista, e a parte física também recupera. Alguns estudos

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demonstram que a tolerância à dor aumenta e que a capacidade de cura se acelera. Quase todos os médicos com quem conversei acerca deste livro disseram o seguinte, com pequenas variantes: para cuidar melhor do corpo, é preciso cuidar primeiro da mente. É verdade, e é fácil fazê ‑lo. Pense nisso como pequenas modificações e ajustamentos periódicos, em vez de mudanças radicais.

Antes de explicar em que consistem e os motivos pelos quais fun‑ cionam, quero referir a minha filosofia quanto ao tom deste livro. Ao longo dos anos, trabalhei em áreas muito diferentes da nossa socie‑ dade: professor de neurocirurgia nas universidades; administração pública na Casa Branca; jornalista em órgãos de informação; marido e pai de três garotas fortes, inteligentes e bonitas. Ao mesmo tempo, mantive ‑me fiel a um princípio que aprendi muito jovem: não tentes inspirar através do medo. Não resulta bem e não dura muito tempo. Quando assustamos alguém, ativamos a amígdala dessa pessoa, ou seja, o seu centro emocional no cérebro. A reação é rápida e impetuosa, como se estivesse perante uma ameaça. O problema é que uma ação que tem início nos centros emocionais do cérebro ultrapassa também as áreas do discernimento e da função executiva do cérebro. Resulta daí que a reação pode ser intensa e imediata, mas é muitas vezes des‑ coordenada e passageira. O dizer às pessoas que poderão ter um ata‑ que cardíaco se não perderem peso pode conduzir a uma única semana de dieta e exercício, seguida do regresso abrupto aos velhos maus hábitos. As mensagens baseadas no medo nunca conduzirão a uma estratégia eficaz a longo prazo, porque não é essa a maneira como somos construídos. Nunca isto é mais importante do que no momento de dizer a alguém que pode sofrer da doença de Alzheimer.

Variadas sondagens demonstram que as pessoas receiam acima de tudo a perda da mente, mais do que a morte. Para muitas, isso é o papão da velhice. Em determinado momento, também me preocupei bastante com o declínio cognitivo e a demência ao ver o meu outro avô avançar nas várias fases da doença de Alzheimer. Primeiro, pare‑ cia que participava nas conversas de maneira absurda. Como gostava de se divertir e era de riso fácil, pensávamos que estava a contar ane‑ dotas que ainda não compreendíamos inteiramente. O que por fim o denunciou foi o olhar vazio, que se transformou em perplexidade,

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e depois em pânico, quando percebeu que não conseguia lembrar ‑se de como realizar as tarefas mais básicas e executar planos. Jamais me esquecerei desse olhar – ou, pelo menos, espero nunca me esquecer.

Mas, volto a dizer, o medo da demência não deve ser a motivação para a leitura deste livro. Deve ser, isso sim, o conhecimento de que se pode desenvolver um cérebro melhor em qualquer idade. Vou ensi‑ nar a fazê ‑lo e explicar a razão pela qual estas estratégias funcionam. Não quero que estejam a fugir de alguma coisa, mas sim a correr em direção a alguma coisa – em direção a um cérebro no auge da forma e que possa aguentar o teste do tempo que permanecerem neste planeta.

Quando comecei a trabalhar como neurocirurgião, há mais de vinte e cinco anos, a ideia de «melhorar» o cérebro parecia ‑se com uma busca de certa maneira mal orientada. Afinal, formara ‑me para remo‑ ver tumores, grampear aneurismas, aliviar a pressão de coágulos de sangue e fluido, etc. Ainda hoje, não é possível o neurocirurgião entrar num cérebro humano e ajustar os dez mil milhões, mais ou menos, de neurónios para que este órgão seja mais inteligente e menos vulnerá‑ vel ao declínio. Enquanto os cirurgiões cardíacos podem remover placas do coração, eu não consigo retirar as tranças cerebrais muitas vezes associadas à doença de Alzheimer. Não há cirurgia nem medi‑ camento que cure a demência ou que torne alguém mais brilhante, criativo, equipado com uma memória extraordinária, ou apostado em inventar a próxima grande coisa de que o mundo necessita.

O cérebro é diferente dos outros órgãos. Não se pode transplantar como o coração (ou fígado, ou rim, ou rosto, já agora), e o nosso conhe‑ cimento está ainda na fase inicial, continuando a desenvolver ‑se. Recentemente, compreendi uma coisa espantosa, quando moderei um debate da Academia Americana de Neurocirurgia [American Aca‑ demy of Neurological Surgery] em que participaram peritos mundiais em traumatismo craniano. Eram oriundos da área da medicina, do Departamento da Defesa e do mundo da tecnologia. Enquanto todos falaram nos grandes avanços alcançados na área da consciência, sur‑ preendentemente não houve um consenso claro acerca da melhor maneira de tratar um traumatismo craniano, diagnosticado milhões de vezes por ano nos Estados Unidos. Também quase não havia dados

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acerca de tratamentos eficazes que tivessem sido apresentados à Aca‑ demia. Muitas recomendações atuais baseiam ‑se apenas em evidên‑ cias episódicas.2 Foram debatidos temas como o descanso – quanto e

durante quanto tempo deve descansar um cérebro atingido por um traumatismo? Por exemplo, devem minimizar ‑se as atividades que exigem concentração e atenção durante a recuperação, ou intensificar‑ ‑se essas atividades? Quando é que o exercício físico ligeiro, como a caminhada rápida ou a passadeira, ajuda ou atrasa no processo? Ouvi todo o tipo de opiniões, mas poucas baseadas em evidências. E, repito, o painel era composto pelos peritos mundiais em lesões cerebrais.

Claro, avançámos muito desde Aristóteles, que pensava que o cora‑ ção era a sede da inteligência e o cérebro uma espécie de frigorífico que arrefecia o coração impetuoso e o sangue quente, mas existem mais perguntas do que respostas. Sabemos como são geradas as ações e formados os pensamentos, e podemos identificar os hipocampos, as duas estruturas minúsculas em forma de ferradura existentes no cére‑ bro essenciais para a função da memória. Mas ainda não alcançámos grandes progressos na contenção da maré de pessoas que apresentam declínio cognitivo e demência. Apesar de registarmos taxas mais bai‑ xas de doença cardiovascular e de certos tipos de cancro do que há uma geração, os números avançam na direção oposta quando se trata de disfunções relativas ao cérebro. De acordo com um estudo efetuado em 2017 pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, 47 milhões de americanos apresentam algum sinal de doença de Alzheimer pré‑ ‑clínica, o que significa que o seu cérebro dá sinais de mudanças adver‑ sas, mas os sintomas ainda não se desenvolveram. Com frequência, podem decorrer anos até a sua memória, o pensamento e o comporta‑ mento estarem afetados de maneira óbvia.3 O problema reside em não

sabermos quem são esses 47 milhões e quais vão evoluir para a doença em pleno. Sabemos, contudo, que até 2060 o número de pessoas com Alzheimer ou défice cognitivo deverá aumentar de seis milhões para quinze milhões.4 Em cada quatro segundos será diagnosticado um

novo caso de demência, e esta virá a ser o distúrbio neurodegenera‑ tivo mais frequente. A nível mundial, o número de pessoas que vivem com Alzheimer subirá para 152 milhões até 2050, o que reflete um aumento de duzentos por cento desde 2018. Se bem que a ciência esteja

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consistentemente a tentar fazer recuar estes números, desde 2002 que não surgiu um tratamento novo, apesar dos mais de quatrocentos ensaios clínicos.5 É por isso que o fosso entre a ciência do cérebro e a

boa terapêutica na descoberta de medicamentos para os distúrbios cerebrais é referido como o «vale da morte».6 Esta é a má notícia.

A  boa notícia é que, mesmo sem avanço médico considerável, podemos otimizar o cérebro de várias maneiras significativas e melho‑ rar a sua funcionalidade, reforçar as redes neuronais, estimular o cres‑ cimento de novos neurónios e ajudar a protelar as doenças cerebrais relacionadas com a idade.

Enquanto estiver a ler este livro, deve ter presente uma coisa: o declínio cognitivo não é inevitável. Como analogia, pense num edifí‑ cio histórico que ainda se mantém de pé. Talvez tenha mais de um século. Se não tivesse sido alvo de cuidados ao longo das décadas, o desgaste causado pelas condições atmosféricas e pelo uso constante teria sem dúvida provocado a deterioração e a dilapidação do edifício. Mas, com a manutenção de rotina e remodelações ocasionais, não só aguentou o teste do tempo, como é provável que venha a ser elogiado pela sua beleza, significado e proeminência. O mesmo é verdade no caso do cérebro, que é apenas outra estrutura com componentes dife‑ rentes e necessidades de inputs para a sua manutenção e conservação gerais. Algumas das estratégias que ensinarei neste livro ajudarão a construir um andaime para o cérebro – criando uma estrutura de apoio mais forte e estável do que a atual – e a proceder a algumas «remodelações» iniciais, incluindo o reforço dos «alicerces». Outras estratégias contribuirão para fornecer as matérias ‑primas necessárias à manutenção corrente, bem como para construir aquilo a que se chama «reserva cognitiva» ou o que os cientistas designam «resiliência do cérebro». Dispondo de uma maior reserva cognitiva, podemos reduzir o risco de vir a sofrer de demência. Por último, há estratégias para os retoques finais diários, semelhantes à limpeza do pó e à arru‑ mação, que permitirão manter a mente em melhor forma. O pensa‑ mento da velha escola determinava que o cérebro ficava imutável e programado depois do seu desenvolvimento na infância. Hoje em dia, ao visualizarmos o cérebro com as novas tecnologias de imagem e estudarmos a sua função sempre em mutação, sabemos a verdade.

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Quando pensa no coração, o leitor tem provavelmente uma boa ideia quanto ao que pode danificá ‑lo: certos alimentos, falta de exer‑ cício físico, colesterol elevado. Mas, e quanto ao cérebro? Apesar de se lhe aplicar o mesmo, é também uma antena altamente sensível que recebe todos os dias milhões de estímulos, e a maneira como proces‑ samos estes inputs pode fazer a diferença quando se trata de ter um cérebro mais lúcido. Por exemplo, conheço muitas pessoas que se sentem esmagadas pelos acontecimentos que ouvem nos noticiários, enquanto outras se mostram impávidas. O cérebro pode ser fortale‑ cido por aquilo que vivemos, como um bom exercício físico, ou sentir‑ ‑se agredido e derrotado. O  que separa estes dois grupos? É  a resiliência. Um cérebro resiliente pode suportar um trauma conti‑ nuado, pensar de maneira diferente, protelar as doenças, incluindo a depressão, e conservar a memória cognitiva para um desempenho máximo.

Além disso, um cérebro resiliente separa os pensadores visionários estratégicos dos medianos. Não se trata necessariamente de QI, nem sequer de nível de instrução. É a capacidade de melhorar o cérebro a partir das experiências desafiadoras, em vez de o encolher. Ora, aque-las capacidades deveriam só por si ser suficientes para nos motivar a desenvolver um cérebro melhor. Se o leitor procura alcançar o seu potencial máximo, este é o livro certo para si. Se espera obter alguns conhecimentos acerca da prevenção do declínio cognitivo ou da demência que afetou alguma pessoa da sua família, este livro é para si. (Sabemos hoje que doenças como a de Alzheimer começam vinte a trinta anos antes de qualquer sintoma, pelo que os jovens necessitam de prestar atenção a estas lições.) E se está apenas à procura de estra‑ tégias para maximizar a saúde do cérebro de maneira a desfrutar o mais possível da vida e a ser «exorbitantemente produtivo» indepen‑ dentemente da sua idade, este livro é também para si. Quer enfrente uma doença crónica ou seja um atleta de elite, o amanhã pode ser melhor. A verdade é que a maioria de nós – eu incluído – quase não faz o suficiente para se melhorar. Enquanto escrevia este livro, experi‑ mentei tudo o que recomendo, e a minha mente nunca esteve tão lúcida. Quero o mesmo para cada um dos leitores, e vou convencê ‑los de que até as pequenas modificações podem ter enormes compensações.

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