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Open O conceito de metonímia na neurose obsessiva

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Academic year: 2018

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(1)

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Letras

RILMA DO NASCIMENTO MEDEIROS

O Conceito de Metonímia na Neurose Obsessiva

João Pessoa

(2)

RILMA DO NASCIMENTO MEDEIROS

O Conceito de Metonímia na Neurose Obsessiva

Dissertação de Conclusão de

Mestrado apresentado ao Programa

de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal da Paraíba para

obtenção do título de mestre.

ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª MARGARIDA ELIA ASSAD

João Pessoa

(3)

 

M488c Medeiros, Rilma do Nascimento.

O conceito de metonímia na neurose obsessiva / Rilma do Nascimento Medeiros.—João Pessoa, 2011.

72f. : il.

Orientadora: Margarida Elia Assad

Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA

1. Linguística e Psicanálise. 2. Neurose obsessiva. 3. Desejo inconsciente. 4. Sintoma. 5. Metonímia.

UFPB/BC CDU: 801+159.964.2(043)

(4)

RILMA DO NASCIMENTO MEDEIROS

Dissertação de Conclusão de

Mestrado apresentado ao Programa

de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal da Paraíba para

obtenção do título de mestre.

Dissertação aprovada em ______ / ______ / ______

Prof.ª Dr.ª Margarida Elia Assad

Orientadora – UFPB

Prof.ª Drª. Socorro de Fátima Pacífico Barbosa

Banca Examinadora - UFPB

Prof. ª Dr.ª Maria de Fátima Vilar de Melo

(5)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à memória

de Ricardo José de Medeiros

(1949-2011), meu pai, que me ajudou a

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força espiritual nos momentos de desânimo e cansaço.

A Maria da Paz, minha mãe, pelo amor e apoio infindáveis. Pela paz transmitida no

colo acolhedor e nas palavras sábias.

A Ricardo II e Raquel, meus irmãos, pela amizade que ultrapassa os laços de

sangue e pelo carinho, apoio e suporte sempre que foi necessário e possível.

A Alberto, meu namorado, pelo desvelo, amor, dedicação e companheirismo de

sempre.

A Leonardo, meu cunhado, pelo carinho e apoio, por esse laço de irmandade que foi

construído ao longo dos anos.

As minhas amigas, Riso, Carolina, Roberta e Cris, pelos ouvidos atentos e pelo

carinho; pelas risadas descontraídas, pelos conselhos e palavras proferidas algum

dia que me fizeram refletir e descobrir novas perspectivas.

A minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Margarida Elia Assad, pela orientação e condução

deste trabalho, pela paciência e disponibilidade.

(7)

“É a verdade do que esse desejo foi em sua história

que o sujeito grita através do seu sintoma.”

(8)

RESUMO

A neurose obsessiva é uma estrutura psíquica que estabelece, a seu modo, o uso muito peculiar do significante. É então pela via do sintoma, que o sujeito obsessivo busca se subjetivar enquanto desejante. O sintoma, para Lacan, assim como o inconsciente, é estruturado como uma linguagem, e procura apreender em si o desejo inconsciente, isto é, o sintoma fala da relação do sujeito com seu desejo. A linguagem do inconsciente se manisfeta por dois processos, a saber, metáfora e metonímia, através da cadeia significante do falante. Considerando a metonímia como um dos processos que fundamentam a linguagem do inconsciente, e o sintoma como uma das suas formações, estudamos de que maneira o processo metonímico se dá na neurose obsessiva. Inicialmente partimos da articulação entre psicanálise e linguística, por ser a partir deste campo do saber, que Lacan, juntamente com os pressupostos freudianos, construiu sua teoria a respeito da constituição do sujeito e da hipótese do inconsciente estruturado como uma linguagem. Nos fundamentamos teoricamente também na linguística estrutural do linguista Ferdinand de Saussure, principalmente no que diz respeito aos conceitos de sistema linguístico e das relações sintagmáticas e associativas. Para ilustrar esse trabalho, utilizamos fragmentos de casos clínicos publicados na literatura psicanalítica, como exemplos para demonstrar os conceitos teóricos a respeito da metonímia na neurose obsessiva.

(9)

ABSTRACT

Obsessional neurosis is a psychic structure which establishes, in its way, the very peculiar use of the signifier. It is then through the symptom, the obsessive subject search subjectivating while desiring. The symptom, for Lacan, as well as the unconscious is structured like a language and tries to hold in itself the unconscious desire, that is, the symptom speach of the subject's relation to his desire. The unconscious language declare by two processes, namely metaphor and metonymy, through signifying chain of the speaker. Considering the metonymy as one of the processes that underlies the language of the unconscious, and the symptom as one of their formations, we study how the metonymic process takes place in obsessional neurosis. Initially we begin of the relationship between psychoanalysis and linguistics, to be from this field of knowledge that Lacan, along with the Freudian assumptions, built his theory regarding the constitution of the subject and the hypothesis of the unconscious structured like a language. We also established theoretically in the structural linguistics of the linguist Ferdinand de Saussure, especially with regard to the concepts of linguistic system and the associative and syntagmatic relations. To illustrate this work, we use fragments of clinical cases published in the psychoanalytic literature as examples to demonstrate the theoretical concepts about metonymy in obsessional neurosis.

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 INCONSCIENTE E LINGUAGEM ... 13

2.1 O SUJEITO EM FREUD ... 13

2.2 FREUD – SAUSSURE – LACAN ... 15

2.3 OS LINGUISTAS ENTRE FREUD E LACAN ... 23

2.4 INCONSCIENTE E SEXUALIDADE ... 28

3 O SENTIDO DOS SINTOMAS: UMA LEITURA LACANIANA ... 31

3.1 A QUESTÃO DO SENTIDO E O EFEITO DA SIGNIFICAÇÃO ... 31

3.2 OUTRO ENTRE A DEMANDA E O DESEJO ... 35

3.3 O OBJETO NA METONÍMIA DO DESEJO ... 41

4 A METONÍMIA NA NEUROSE OBSESSIVA ... 51

4.1 O DESEJO NA NEUROSE OBSESSIVA ... 61

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 68

(11)

1 INTRODUÇÃO

O tema desta pesquisa surgiu de uma inquietação teórica diante de questões

sobre a dinâmica da neurose obsessiva, a partir do atendimento de um caso clínico

de neurose obsessiva. Os aspectos que surgem na clínica com sujeitos obsessivos

e as dificuldades no manejo da análise decorrentes das várias peculiaridades dessa

estrutura foram o ponto de partida para a ideia do presente trabalho.

A elaboração desta dissertação sobre o desenvolvimento da neurose

obsessiva e os desdobramentos dos sintomas no sujeito se dá à luz da teoria

psicanalítica, mais especificamente as elucidações feitas por Jacques Lacan.

Psicanalista francês, Lacan fez uma releitura dos conceitos psicanalíticos de

Sigmund Freud e a isso introduziu seus próprios princípios teóricos, influenciado

também pela linguística estrutural, principalmente pelos conceitos construídos pelo

linguista genebrino Ferdinand de Saussure. Partimos dessa teoria por acreditar que

esta traz contribuições importantes acerca da estrutura psíquica abordada.

A riqueza de elementos que o paciente com neurose obsessiva traz à clínica

demanda a reflexão, e permite a consequente discussão sobre essa estrutura.

Em razão da diversidade de seus elementos, a neurose obsessiva é um tema

cujos aspectos são fonte inesgotável de estudos e pesquisa. Jacques Lacan (1958)

em seu Seminário 5 – As formações do inconsciente, apontava a necessidade de se

produzir mais estudos teóricos a respeito dessa estrutura. Muito já foi feito dentro do

referencial psicanalítico sobre a neurose desde Freud (1894). Muitos psicanalistas

veem trabalhando sobre essa questão. Podemos citar os estudos de Luiz Gazzola

(2005), Romildo do Rêgo Barros (1999) e Margarida Elia Assad (1999), os quais

também versaram sobre o tema. Entretanto, é um assunto de diversos

desdobramentos, o que torna a necessidade de pesquisá-lo permanentemente.

Escolhemos trabalhar sobre um dos mecanismos dessa estrutura. O objetivo

deste trabalho é refletir sobre a metonímia na neurose obsessiva. Metonímia é um

conceito retirado da linguística e diz respeito a uma figura de linguagem. Na

psicanálise lacaniana se refere a um dos processos que caracterizam – junto com a

metáfora – a linguagem do inconsciente. A metonímia foi utilizada por Lacan por

analogia aos termos freudianos de deslocamento e condensação, mecanismos

próprios do inconsciente. Na neurose obsessiva, percebe-se a metonímia como um

(12)

Pretende-se nesta pesquisa analisar como se dá a metonímia – no sentido do

deslizamento significante - na neurose obsessiva, ao observar a relação do sintoma

obsessivo com o desejo, levando em consideração que o inconsciente depende da

linguagem para existir; e é o deslizamento significante que possibilita uma possível

significação do desejo para o sujeito. Esse deslizamento é decorrente da leitura feita

por Lacan dos conceitos saussurianos de signo e sistema linguístico. Para Lacan

(1953), é a cadeia significante produzida no ato da fala que permite que o sujeito

surja, ou seja, é a partir de um efeito de linguagem que o sujeito do inconsciente

pode advir.

A teoria do linguista Ferdinand de Saussure (1916) também orienta este

trabalho devido à influência de seus conceitos linguísticos para a construção

posteiror de Lacan de sua teoria sobre o sujeito, aproximando o funcionamento

inconsciente ao funcionamento da linguagem, a partir da noção de sistema

linguístico.

A figura linguística da metonímia permite pensar seu uso pelo sujeito

obsessivo, partindo da premissa de que é através do uso da metonímia, a partir da

combinação de significantes, que o sujeito obsessivo se organiza em termos

sintomáticos, por isso ela se faz tão importante para o estudo do desencadeamento

e da forma como a neurose obsessiva se organiza. O sujeito faz um uso muito

peculiar do significante, através do deslocamento metonímico, uma das principais

características da linguagem na neurose obsessiva.

O recorte teórico utilizado para melhor delimitar os conceitos psicanalíticos diz

respeito à teoria lacaniana, principalmente no que tange a alguns elementos que

ilustram bem como o sujeito obsessivo se utiliza da metonímia.

Para tanto, pretendemos neste trabalho: analisar na linguística, a ideia

saussuriana de sistema linguístico, como também as relações constituintes do

movimento deste sistema, a saber, as relações sintagmáticas e associativas; traçar

um estudo sobre a relação do sujeito com a linguagem para a psicanálise, no que

diz respeito à importância da metonímia na neurose obsessiva; e reportar casos

clínicos publicados na literatura psicanalítica de neurose obsessiva, a fim de

demonstrar como ocorre esse deslizamento metonímico.

Por ser o sujeito na psicanálise lacaniana resultado do movimento

(13)

linguísticos saussurianos e os conceitos freudianos no que diz respeito à linguagem

do inconsciente, é de grande relevância para esse estudo.

A linguística interessa ao estudo da neurose obsessiva através de seus

pressupostos teóricos para compreender como se dá esse movimento significante, e

de que forma a metonímia está inserida nesta dinâmica. Além disso, a linguística

permite observar melhor o percurso lacaniano no que concerne à sua construção da

teoria sobre o sujeito e a importância da linguagem e do movimento significante para

o estudo dos processos inconscientes.

A presente dissertação se constitui em quatro capítulos: o presente introduz o

tema e apresenta o trabalho como um todo; o segundo mostra os conceitos-chaves

no que se refere ao sujeito em Freud e à relação entre inconsciente e linguagem; o

terceiro traz a discussão a respeito da questão do sentido dos sintomas à luz da

teoria lacaniana, objetivando discutir aspectos importantes para o tema sobre a

neurose obsessiva, como o desejo, a demanda, o Outro, a fantasia e o objeto na

metonímia do desejo; o quarto discute esta estrutura psiquíca, suas caraterísticas,

enfatizando a questão do desejo obsessivo e a fantasia, e analisa como o conceito

de metonímia perpassa por esses elementos. Um último tópico faz algumas

considerações a respeito do estudo realizado.

Alguns casos clínicos são utilizados como exemplo para demonstrar essa

relação particular do obsessivo com a linguagem. Tais casos foram retirados da

literatura psicanalítica.

A importância de abordar inicialmente a constituição do sujeito antes de

dissertar sobre a neurose obsessiva se deve ao fato de que, para compreender a

sintomatologia do sujeito obsessivo e de que forma ela se desenvolve, é preciso, de

antemão, o entendimento de como se constitui o sujeito para a psicanálise. Será a

partir dos desdobramentos desses elementos constitutivos, que surgirá a

compreensão sobre a estrutura neurótica obsessiva e as consequências dela no

sujeito.

Além disso, compreender a relação existente entre inconsciente e linguagem

permite entender a importância da metonímia nos processos inconscientes e na

(14)

2 INCONSCIENTE E LINGUAGEM

2.1 O SUJEITO EM FREUD

A descoberta do inconsciente1 por Sigmund Freud (1900) provocou grandes

mudanças na concepção de sujeito. Diferente da noção estabelecida pelo filósofo

francês René Descartes (1596-1650), que acreditava num sujeito definido pela

razão, e conferia ao pensamento racional a possibilidade deste sujeito existir

enquanto tal, para a psicanálise a noção de sujeito perpassa pela ideia de que o

pensamento é em grande parte inconsciente, e por isso ausente, isto é, o sujeito

para a psicanálise é o sujeito do inconsciente, logo, não tem controle pleno de seus

pensamentos.

As duas descobertas da psicanálise – a de que o indivíduo não consegue ter

domínio absoluto de suas pulsões sexuais e a de que os processos mentais são

essencialmente inconscientes e só conseguem atingir à consciência através de

percepções incompletas, incertas (FREUD, 1917/1996) – resultam na asserção

freudiana de que o sujeito “não é o senhor da sua própria casa”, e por isso o fato de

a ciência se recusar a acreditar na psicanálise. Para Quinet (2008, p.13): “O cogito

freudiano é antes de tudo ‘desidero ergo sum’, uma vez que lá onde se encontra o

desejo está o sujeito como efeito da associação das representações. Desejo, logo

existo. Desejo é o nome do sujeito de nossa era: a era freudiana”.

Apesar de não ter usado o termo sujeito, Freud (1923/1996, p. 37) fez uso do

termo alemão ich, que significa eu. Em O ego e o id ele percebe “o indivíduo como

um id psíquico, desconhecido e inconsciente, sobre cuja superfície respousa o ego”.

O eu adquire, então, uma instância psíquica e, em sua maioria, inconsciente.

Freud iniciou seus estudos interessado sobre a questão da histeria, e em

colaboração com Joseph Breuer publicou, em 1895, Estudos sobre a histeria. No

artigo, além da descrição dos sintomas histéricos e o relato de vários casos,

questiona-se a respeito da formação desses sintomas, partindo do método hipnótico

como técnica psicoterápica usada. Para ele, através da hipnose - também chamado        

1 O termo inconsciente foi usado pela primeira vez pelo jurista escocês Henry Home Kames (1971). Entretanto, é

(15)

de método catártico - o paciente recordaria a época na qual os sintomas surigiram

pela primeira vez, pois: “essas experiências estão inteiramente ausentes da

lembrança dos pacientes quando em estado psíquico normal, ou só se fazem

presentes de forma bastante sumária.” (FREUD, 1996, p. 45).

O processo hipnótico consistia em induzir o paciente a retornar ao estado

psíquico onde havia aparecido o sintoma pela primeira vez. A partir dessas

lembranças, o paciente, ao recordar e falar, traria também certa carga afetiva, que

estaria atrelada ao trauma psíquico. Ao falar a respeito dessas lembranças para o

psicoterapeuta e revivê-las, o sintoma do paciente sumiria, pois tanto para Freud

como para Breuer, os sintomas seriam um substituto desses fatores psíquicos que

não chegaram à consciência. Sobre esse efeito curativo, Freud (1996, p.52) explica:

Ele põe termo à força atuante da representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu afeto estrangulado encontre uma saída através da fala; e submete essa representação à correção associativa, ao introduzi-la na consciência normal (sob hipnose leve) ou eliminá-la por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo acompanhado de amnésia.

Entretanto, Freud (1895/1996) percebeu alguns aspectos que dificultavam a

eficácia do método catártico, como a descoberta de que a hipnose afetava o

sintoma, mas não conseguia atingir a causa subjacente da neurose, permitindo

assim que novos sintomas surgissem como substituos daquele que fora eliminado.

Como também o fato de o paciente não lembrar, após o procedimento hipnótico, o

que ocorrera.

Em 1896, Freud abandonou a hipnose e começou a cuidar de seus pacientes

com o método denominado de associação livre – chamado de regra fundamental –

que consiste em o paciente falar tudo o que lhe vier à mente, sem se preocupar se

aquilo que ele fala tem ou não relevância.

No artigo entitulado O método psicanalítico, Freud (1903/1996) traz reflexões

sobre as técnicas usadas na psicanálise e suas conclusões a respeito da mudança

do método catártico para o método da associação livre. Uma dessas conclusões diz

respeito ao que se tornaria um dos fundamentos de sua teoria, a resistência do

(16)

método de associação livre poderia ser percebida pelo terpeuta. Por ser a

resistência uma espécie de força psíquica que impede o paciente de recordar as

lembranças e pensamentos que foram esquecidos, na psicoterapia, essas

resistências precisam ser vencidas para que o material inconsciente possa ser

acessível à consciência.

Freud começou a ouvir os relatos dos sonhos de seus pacientes durante o

processo de escuta do que o paciente lhe trazia em suas associações livres. Essa

escuta desencadeou no artigo que ele publicaria em 1900, A interpretação dos

sonhos. Texto este que até hoje é um marco na teoria psicanalítica por suas

contribuições a respeito do funcionamento do inconsciente.

Os pressupostos teóricos freudianos sobre o inconsciente e a importância da

fala do paciente nesse acesso ao inconsciente são imprescindíveis para a posterior

teorização feita por Jacques Lacan a respeito do sujeito.

2.2 FREUD – SAUSSURE – LACAN

As descobertas freudianas sobre o inconsciente fizeram importante relação

entre o inconsciente e a linguagem desde os estudos sobre a histeria, que

identificaram a relevância da linguagem na psicoterapia como uma via de acesso às

questões inconscientes. No artigo sobre a interpretação dos sonhos, Freud

(1900/1996) afirma que os sonhos são uma das principais formas de manifestação

do inconsciente, observando que no funcionamento inconsciente há leis,

mecanismos que o regem.

Ao elaborar essas leis, ele afirma a relevância crucial da linguagem para a

psicanálise, uma vez que seus estudos, principalmente suas experiências clínicas,

observam a importância da linguagem, falada ou escrita, para o surgimento do

inconsciente, havendo relação estreita entre esses dois aspectos. Mesmo Freud não

atribuindo à linguagem como causa para o inconsciente, sua obra toda é permeada

(17)

É preciso entender como essa relação entre inconsciente e linguagem

acontece para pensar sobre os sintomas do ponto de vista psicanalítico, uma vez

que o sintoma é uma das formas de expressão do inconsciente. Assim como os

chistes, os atos falhos e os sonhos, todas essas formações do inconsciente estão

submetidas à linguagem. Para compreender então o conceito de metonímia na

neurose obsessiva, como propõe este trabalho, é preciso compreender como

funciona esse inconsciente intrinsecamente ligado à linguagem.

Em A Interpretação dos Sonhos (Traumdeutung), Freud (1900/1996) formulou

sua teoria a respeito das leis que regem o inconsciente a partir de seu estudo sobre

os sonhos. Para ele, os sonhos são produtos de nossas atividades mentais, mas

algum conteúdo desse sonho não é por nós reconhecido como decorrente de

alguma experiência ou conhecimento. A proposta de Freud era justamente a de que

esses sonhos eram passíveis de interpretação, assim como os sintomas, pois

trazem um sentido.

O sonho pode ser inserido na cadeia psíquica a ser retrospectivamente rastreada na memória a partir de uma ideia patológica. Faltava então apenas um pequeno passo para se tratar o próprio sonho como um sintoma e aplicar aos sonhos o método de interpretação que fora elaborado para os sintomas. (FREUD, 1996, p. 135)

Freud considerou a linguagem onírica como a via régia do inconsciente, e o

sonho como a representação da realização de um desejo. Através de

representações simbólicas, geralmente imagens visuais – mas também auditivas e

representações verbais – a linguagem onírica se faria presente no inconsciente.

O estudo dos sonhos foi avaliado por Freud (1920/1996) como um método

confiável de investigação dos processos mentais mais profundos. E, uma vez

acreditando nessas assertivas, constata: “todo sonho tem um sentido e um valor

psíquico” (FREUD, 1996, p. 158).

Os estudos freudianos partiram do pressuposto de que o sonho seria

resultado das próprias atividades mentais do sujeito em vigília, e que poderia ser

interpretado, tanto que propôs um método para isso. Freud analisou vários sonhos e

(18)

conteúdo que era manifestado pelo sujeito, mas seu conteúdo latente, ou seja,

interpretar os pensamentos oníricos dos sonhos, os quais diziam respeito ao

material psíquico, material este que era obtido através do método de interpretação

proposto por ele. O que corresponde à comparação do material manifesto do sonho

e os pensamentos latentes descobertos pelo metódo de interpretação, Freud

(1900/1996) denominou de elaboração onírica, sendo desse conteúdo latente que é

apreendido o sentido dos sonhos.

Para Freud, esse trabalho onírico se dá por dois mecanismos fundamentais:

condensação e deslocamento. No processo de condensação, o conteúdo latente do

sonho está de certa forma fragmentado, ou seja, os pensamentos estão de certa

maneira comprimidos, sendo apresentados nos sonhos apenas alguns elementos

desses pensamentos, há uma espécie de substituição das ideias na formação dos

sonhos.

A condensação é a peça da elaboração onírica mais facilmente reconhecível; basta comparar o texto de um sonho, quando é anotado, com o registro dos pensamentos oníricos a que se chega pela análise para que nos impressionemos com a extensividade da condensação onírica. (FREUD, 1996, p. 155)

Na formação dos sonhos, o conteúdo manifesto é curto se comparado à

grandeza dos pensamentos oníricos, existe uma lacuna nos sonhos por não traduzir

fielmente o material latente. Dito de outro modo, o sonho que é lembrado ao acordar

seria apenas fragmento de uma totalidade muito maior dos pensamentos oníricos.

No mecanismo de deslocamento há uma diferença entre os pensamentos do

sonho e seu conteúdo manifesto, uma ideia acaba por se deslocar para outra e os

elementos considerados centrais no conteúdo manifesto não representam,

necessariamente, o mesmo papel no pensamento latente do sonho. Ocorre uma

transferência, e por isso a diferença entre o texto do conteúdo do sonho e os

pensamentos dos sonhos. O deslocamento é uma das principais formas de distorção

dos sonhos. Como Freud (1996, p.155) afirma: “Isto dá ao sonho a aparência de

estar deslocado em relação aos pensamentos oníricos, sendo tal deslocamento

precisamente o revelador de que o sonho confronta a vida mental desperta com algo

(19)

As considerações freudianas sobre o estudo dos sonhos nos permitem

perceber que há uma relação entre inconsciente e linguagem e a importância desta

para a psicanálise.

Tanto o mecanismo de condensação como o de deslocamento são processos

inconscientes e simultâneos, constituintes da formação dos sonhos. A estreita

relação entre os sonhos e a linguagem se deve ao fato de que o sonho, enquanto

realização de um desejo, para a psicanálise, só existe no momento em que é

relatado, ou seja, precisa da linguagem falada para que possa ser analisado

enquanto formação inconsciente, e é através da fala que esse material inconsciente

pode se tornar consciente.

Outro importante texto freudiano que faz relação entre inconsciente e

linguagem é Os chistes e sua relação com o inconsciente. Freud (1905/1996) traz os

chistes (witz) como uma das formações do inconsciente, como produções de prazer.

Assim como na elaboração onírica, os chistes também passam pelos mesmos

mecanismos de deslocamento e condensação, e se caracterizam pelo exercício da

função lúdica da linguagem (ROUDINESCO, 1998).

Outra característica que aproxima o chiste dos sonhos é sua ocorrência

involuntária. Como conceitua Freud (1996, p.158): “uma alusão chistosa, por outro

lado, emerge sem que eu possa seguir esses estágios preparatórios em meus

pensamentos”. Não há uma intenção do sujeito em produzir um chiste. Este é, para

Freud, a mais social de todas as formações do inconsciente, pois, diferente dos

sonhos, o chiste é socialmente partilhado. Como Freud afirma: “pode utilizar apenas

a possível distorção no inconsciente, através da condensação e do deslocamento,

até o ponto em que possa ser reconstruído pela compreensão da terceira pessoa”

(FREUD, 1996, p. 168).

Freud traz como exemplo de chiste uma história narrada pelo poeta alemão

Heinrich Heine (1797-1856). Um de seus personagens2 - um agente pobre de loteria

chamado Hirsch-Hyacinth - ao se envaidecer pelo fato de o Barão Rothschild o tratar

como a um igual, afirma que foi tratado bastante familionariamente. Inicialmente, é

apenas uma palavra mal construída, e por isso aparentemente sem sentido.

Entretando, a partir da compreensão da palavra dita, o que antes era ininteligível        

2 Personagem retirado do livro

(20)

produz um efeito cômico pelas características da palavra formada pelo personagem.

Ou seja, a formação de uma palavra substituta, pelo processo de condensação, diz

respeito à produção de uma palavra composta: familiarmente e milionário.

Em relação ao mecanismo de deslocamento, geralmente faz parte do

processo de criação do chiste, mas não de sua compreensão, pois o duplo sentido

da palavra proporciona um deslocamento do pensamento de um sentido para outro.

(FREUD, 1905/1996). Esse jogo de palavras que acontece na produção de um

chiste traz o registro inconsciente, algo de enigmático que é interpretado por aquele

que ouve o chiste ao compreender a palavra dita, o nonsense, por isso o seu caráter

social.

Assim como os sonhos, os chistes se valem desses mesmos mecanismos da

linguagem em seu processo de formação. Isso nos permite perceber que nas

formações inconscientes há certa forma semelhante à linguagem, mesmo que não

falada.

A relação entre inconsciente e linguagem tornou-se ainda mais clara a partir

dos conceitos construídos por Jacques Lacan (1957), que sustentam a hipótese do

“inconsciente estruturado como uma linguagem”, e foram baseados a partir da

analogia feita por ele entre dois funcionamentos: o funcionamento dos processos

inconscientes, trazidos por Freud, e o funcionamento de certos aspectos da

linguagem, trazidos a partir de concepções da linguística estrutural, principalmente

da obra de Ferdinand de Saussure (1916).

Lacan busca, nos conceitos linguísticos saussurianos, melhor compreender o

sujeito e sua relação com a linguagem, utilizando-se da noção saussuriana de

sistema de signos, primordialmente, desse signo linguístico como elemento principal,

constituído da relação significante/significado. Esta noção de signo linguístico serviu

a Lacan para construir sua teoria do significante.

A linguística estrutural de Ferdinand de Saussure (1916/1995) introduziu para

o estudo da língua a ideia de que esta fosse observada no tocante ao seu

funcionamento no sistema, ou seja, a tese principal saussuriana é de que a língua

(21)

Com o objetivo de criar uma linguística da língua, o linguista faz uma

separação entre língua e fala, considerando a primeira como produto social, e a

segunda como produto individual. Apesar de priorizar a língua em sua teoria, ele

também reconhece a importância da fala e afirma que “a língua é necessária para

que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária

para que a língua se estabeleça; historicamente, o fato da fala vem sempre antes.”

(SAUSSURE, 1995, p. 27).

O sistema linguístico é composto por signos (significante e significado). “O

signo é pois finalmente definido como a ‘totalidade’ constituída pela associação do

significado e do significante” (ARRIVÉ, 1999, p. 40). Para Saussure (1916/1995), o

signo linguístico seria uma entidade psíquica - por ser algo abstrato - e é composto

por duas partes intimamente ligadas, que unem um conceito a uma imagem

acústica, como representado na figura abaixo:

Figura 01: Signo linguístico

Fonte: Ferdinand de Saussure (1995, p. 80)

Os termos acima são depois substituídos pelos termos significado e

significante, respectivamente. O signo então corresponde ao resultado da

associação entre um significante e um significado. Entretanto, o termo, como afirma

Saussure, não deve ser considerado apenas como a união de um conceito e uma

imagem acústica, os signos só existem dentro do sistema linguístico, a língua passa

então a ser vista nessa concepção de estrutura. Apesar de serem partes

diferenciadas, é a combinação, associação existente entre o significante e o

signifcado que permite que a entidade linguística exista. Lacan compreendeu o

(22)

S/s

Para Lacan, esse algoritmo é lido como o significante sobre o significado, na

qual o traço seria a barra que separa um do outro, ao contrário de Saussure, que

não faz essa hierarquia entre significante e significado. Essa barra representa “uma

barreira resistente à significação”. Para Lacan (1998, p. 500), o significante não está

articulado necessariamente ao significado, pelo contrário, está articulado a um outro

significante. Assim, atesta uma primazia do significante sobre o significado.

O inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem. E não somente o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas ele desempenha ali o papel fundamental. O que com efeito caracteriza a linguagem é o sistema do significante como tal. (LACAN, 2002, p. 139).

A importância que Lacan confere ao significante se deve justamente por ser a

presença do siginficante que sobressai na fala. A ligação de um significante com

outro ocorre no deslizamento significante, como ele o chama.

A respeito do signo linguístico, Saussure ressalta dois princípios

fundamentais, a saber, a arbitrariedade e a linearidade. A característica arbitrária se

refere ao fato de os signos possuírem uma ligação arbitrária, ou seja, não há um

motivo a priori para a ligação de um determinado significante e seu significado. E é

por existir essa arbitrariedade que há movimento no sistema, isto é, a mobilidade na

língua: “queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação

ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.” (SAUSSURE,

1995, p. 83). E é essa característica arbitrária do signo que permite se pensar o

conceito de valor linguístico, por não ser o signo algo estabelecido de antemão, pelo

contrário, os signos são valores linguísticos e dependem do sistema para existir.

O valor linguístico é resultante das relações existentes entre os elementos no

sistema, relações que se baseiam nas diferenças e semelhanças dos mesmos, que

possibilitam gerar esse caráter de valor, isto é, a noção de valor depende do

funcionamento do sistema. Como afirma Saussure (1995, p. 139): “Quer se

(23)

sons preexistentes ao sistema linguístico, mas somente diferenças conceituais e

diferenças fônicas resultantes desse sistema”.

São essas relações que, segundo Saussure (1995), caracterizam e

distinguem um signo do outro, e é a partir dessa constituição que um sistema de

valores se constrói, a partir do que Saussure denominou de mecanismo da língua,

permitindo um vínculo entre determinado significante a dado significado.

A noção de valor é um aspecto de fundamental relevância para psicanálise,

ao pensarmos na fala do paciente e nos diversos desdobramentos que os

significantes podem adquirir dentro do discurso, enquanto produtores de sentido.

Isso nos permite pensar a partir dessa ideia de valor atrelado ao funcionamento da

língua, como se desenvolveu a ideia lacaniana da primazia do significante e como

depende do movimento deste para que determinado significado, sentido surja.

O princípio da linearidade do significante está relacionado à característica de

os significantes se apresentarem na língua sempre um depois do outro, numa linha

espacial: “O significante é linear porque é material. É a sua materialidade que impõe

aos ‘elementos’ (os ‘significantes acústicos’) que se manifestem sucessivamente no

tempo da fala, isto é, da atualização concreta da língua.” (ARRIVÉ, 1999, p. 49).

Um exemplo dessa materialidade é o que acontece com a fala, onde cada

palavra é representada numa sucessão de signos dispostos numa linha do tempo.

Como afirma Saussure (1916/1995), a ideia de sistema também está atrelada à

linearidade, pois o funcionamento da língua enquanto sistema de signos depende

deste caráter linear, da extensão que é representada pelo encadeamento

significante, onde vários elementos se relacionam entre si, produzindo tal cadeia.

O encadeamento é característica do desenvolvimento da língua, por exemplo,

no tempo da fala. O caráter linear da língua criado por Saussure é deveras

importante quando pensamos na noção lacaniana de cadeia significante e no que

esta carrega de representação do sujeito do inconsciente, pois é a partir do

encadeamento significante produzido no momento da fala do paciente que algo

sobre esse sujeito pode advir. O inconsciente depende da linguagem para existir.

A ideia do sistema linguístico criada por Saussure a respeito da língua

(24)

inconsciente estruturado como linguagem, assim como a descoberta freudiana dos

mecanismos de linguagem que regem o inconsciente.

Os mecanismos semelhantes a uma linguagem que constituem a linguagem

do inconsciente são os processos de deslocamento e condensação. Processos que

se baseiam nos dois eixos de linguagem criados por Saussure (1995): o eixo

sintagmático e o eixo associativo.

2.3 OS LINGUISTAS ENTRE FREUD E LACAN

Para compreender o movimento da língua em Saussure, e com ele o

movimento que permeia o inconsciente, é preciso entender as relações nas quais se

baseia, as quais funcionam a partir de dois eixos: o eixo sintagmático e o eixo

associativo. Criados por Saussure (1916/1995), esses eixos correspondem às duas

formas de atividade mental e são duas faces do mesmo fato linguístico, onde uma

parte não existe sem a outra, ou seja, são distintos, mas inseparáveis.

Essas relações serão fundamentais no que concerne aos estudos lacanianos

a respeito do funcionamento do inconsciente e do conceito de sujeito, assim como

para entender como funciona a metonímia no sujeito obsessivo. São as relações

sintagmáticas e associativas que posteriormente Lacan relaciona com os

mecanismos freudianos de condensação e deslocamento, e constrói sua teoria com

base na assertiva de que o funcionamento inconsciente se dá através da metáfora e

da metonímia – as duas figuras de linguagem constituintes dessas formações

inconscientes.

No eixo sintagmático saussuriano, as palavras se ordenam entre si, de acordo

com seu encadeamento no discurso, por isso este eixo corresponde à fala. As

relações aqui estabelecidas são baseadas no caráter linear da língua, ou seja, o fato

de não se pronunciar, ao mesmo tempo, dois elementos. A combinação desses

elementos recebe o nome de sintagma. Sobre a combinação dos elementos no

sintagma, compreende Arrivé (1999, p.61) que: “o sintagma se compõe sempre de

(25)

adquire o seu valor porque ele se opõe ao que precede ou ao que segue, ou a

ambos”.

Nas relações sintagmáticas um signo só adquire seu valor justamente na

relação com os outros termos encadeados, ao se opor ao que o segue ou ao que o

precede, ou aos dois (SAUSSURE, 1995). Nessas relações há uma sequência linear

que produz o sintagma.

O eixo associativo (também chamado de paradigmático) diz respeito à

seleção de elementos por associação e pertence ao sistema da língua. Segundo

Saussure (1916/1995), por corresponder a um processo de associação mental, as

relações não se referem somente a algo que os elementos apresentem em comum,

as relações associativas permitem as mais diversas possibilidades, não têm limites.

No eixo associativo, as relações se estabelecem, como afirma Saussure

(1995, p. 143), “fora do discurso”. Acontecem na memória do falante e se formam a

partir de relações diversas, onde as palavras podem ter algo em comum entre elas.

Algo sempre escapa da cadeia sintagmática, mas de alguma forma se mantém

presente, mesmo que de maneira virtual. É, pois, a relação associativa que permite

que a relação sintagmática surja.

No gráfico a seguir, estão representados os dois eixos da linguagem.

Eixo sintagmático

Eixo Associativo

Figura 02: Eixos da linguagem.

(26)

Pode-se perceber que esses eixos seguem por caminhos distintos, mas se

cruzam em algum ponto do discurso, onde surge o signo linguístico, através desse

corte na língua. Ou seja, esse encontro entre os dois eixos cria o valor linguístico,

por ser nesse momento que se produz um sentido.

Sobre esses dois eixos, Saussure (1995, p. 146) atesta:

Enquanto um sintagma suscita em seguida a idéia de uma ordem de sucessão e de uma ordem de sucessão e de um número determinado de elementos, os termos de uma família associativa não se apresentam nem em número definido nem numa ordem determinada.

Roman Jakobson (1956/1995), linguista russo, que foi influenciado pela ideia

saussuriana de estrutura através da noção de sistema, como também pelos

conceitos saussurianos das relações sintagmáticas e associativas, em seu texto

Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia traz as noções de metáfora e

metonímia como processos semelhantes no funcionamento da linguagem. O

discurso dentro das afasias, e mesmo no funcionamento normal - segundo ele - se

desdobra segundo dois tipos de processos: a seleção e a combinação,

respectivamente, o processo metafórico e o processo metonímico. Os distúrbios

afásicos estudados por Jakobson foram o distúribio de similaridade e contiguidade.

Jakobson (1956/1995) reafirma a proposta de Saussure de que todo signo

linguístico é resultado das duas formas de arranjo, a seleção e a combinação, ou

seja, a linguagem utiliza ambas. A seleção está relacionada à possibilidade de

substituição de um termo por outro através da seleção entre elementos linguísticos

parecidos ou diferentes, mas que possuem alguma relação entre eles; a combinação

remete ao agrupamento desses elementos linguísticos, ao modo como estes

elementos estão interligados, o encadeamento dessa combinação, seu contexto.

A respeito dessas duas formas de arranjos, Jakobson procura explicar seu

funcionamento a partir dos distúrbios da fala e como estes podem afetar cada uma

das formas, ou seja, tanto a capacidade de selecionar como a capacidade de

combinar. Esses distúrbios são chamados, respectivamente, distúrbio de

(27)

No distúrbio de similaridade os pacientes afásicos não conseguem fazer

substituições de uma unidade linguística por outra, têm dificuldade em estabelecer

relações de semelhança ou contraste. Há uma perda da metalinguagem devido à

dificuldade em conseguir denominar as unidades linguísticas. Nesse caso, eles se

baseiam nas relações externas, ou seja, na contiguidade, por isso o contexto nesse

tipo de distúrbio se torna indispensável. São nessas relações externas que se baseia

a metonímia (JAKOBSON, 1956/1995).

No distúrbio da contiguidade ocorre o contrário, o afásico tem dificuldade de

estabelecer as relações contextuais, internas, perdendo a capacidade proposicional

e o que se refere aos elementos de ligação. Nesse caso, o que o afásico consegue

estabelecer são as relações de similaridade, nas quais se baseiam a metáfora.

A partir desses estudos, o autor aproxima o processo de seleção ao conceito

de metáfora; e o processo de combinação ao conceito de metonímia. O processo

metafórico corresponde ao eixo das seleções. Nesse processo, uma seleção entre

elementos disponíveis supõe a possibilidade de substituição de um termo pelo outro,

por similaridade, eixo equivalente às relações associativas em Saussure

(paradigma). O outro processo diz respeito ao metonímico, referente ao eixo das

combinações. “Todo signo é composto de signos constituintes e/ou aparece em

combinação com outros signos” (JAKOBSON, 1995, p. 39).

É a relação de contiguidade dos elementos que caracteriza esse processo, o

qual diz respeito, na teoria saussuriana, às relações sintagmáticas: “A linguagem em

seus diferentes aspectos, utiliza os dois modos de relação” (JAKOSBON, 1995,

p.41).

No mesmo texto citado, Jakobson traz a possibilidade de que os processos de

funcionamento da linguagem – metáfora e a metonímia – poderiam se aproximar às

noções trazidas por Freud em A interpretação dos sonhos, de condensação e

deslocamento. Nessa analogia, o conceito de metáfora corresponde ao processo de

condensação, enquanto o de metonímia corresponde ao deslocamento. A metáfora

e a metonímia são movimentos de linguagem que se articulam de forma parecida

(28)

Estudioso de Jakobson, Valdir Flores (2008, p.83), em sua publicação

Introdução aos estudos de Roman Jakobson sobre afasia, ressalta que a abordagem

de Jakobson não se limita aos distúrbios afásicos, e conclui:

O que deriva dessa questão é que, para a adequada compreensão do funcionamento da fala sintomática, é necessária a compreensão do funcionamento da linguagem inteira. Essa parece ser uma das contribuições mais evidentes da abordagem que Jakobson faz da fala sintomática. E isso, em nossa opinião, é generalizável para uma perspectiva não limitada ao quadro das afasias.

A partir da assertiva de que os sintomas para a psicanálise também são

formações inconscientes, os estudos linguísticos de Jakobson sobre as afasias e o

funcionamento da linguagem seriam também importantes, ao se estudar como todo

sujeito cria seu sintoma, a exemplo do neurótico obsessivo.

Seria uma subversão da linguagem feita pelo sujeito, através de um processo

metonímico e metafórico, já que o próprio sintoma é uma linguagem, como afirma

Lacan (1953) em seu texto Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise.

Pois, é a barra identificada por Lacan que serve de corte no discurso entre o

significante e o significado, e daí a possibilidade de surgimento do sujeito do

inconsciente, “ao fazer dos furos do sentido os determinantes de seu discurso”

(LACAN, 1998, p. 815).

Dito de outro modo, o que subverte a língua é a forma particular como cada

sujeito lida com seu desejo, através da fala, no deslizamento significante que

produz. A cadeia significante carrega o desejo sempre, mas há a impossibilidade de

ele ser satisfeito, por isso este desejo desliza infinitamente, interferindo

metonimicamente na cadeia. É nos cortes, nos furo da linguagem, que o sujeito

emerge através dos sintomas.

Em termos de neurose obsessiva, exemplo dessa subversão da linguagem –

e o consequente surgimento do sujeito – é o caso relatado por Freud (1996), O

Homem dos Ratos, no qual o paciente faz uso bem peculiar da metonímia, quando

desloca o significante ratten (ratos) para raten (florins, prestações). Ele insiste nesse

(29)

Lacan (1956/2002, p. 252), no Seminário 3 - As Psicoses, faz uma releitura

das noções freudianas deslocamento e condensação, e traça um paralelo com os

conceitos trazidos pela linguística, metonímia e metáfora, estes oriundos do linguista

russo Romam Jakobson (1956):

De uma forma geral, o que Freud chama a condensação, é o que se chama em retórica a metáfora, o que ele chama o deslocamento é a metonímia. A estruturação, a existência lexical do conjunto do aparelho significante, são determinantes para os fenômenos presentes na neurose, pois o significante é o instrumento com o qual se exprime o significado desaparecido. É por essa razão que de novo dirigindo a atenção para o significante, nada mais fazemos do que voltar ao ponto de partida da descoberta freudiana.

Ao entender como Lacan faz esse paralelo entre os dois processos, podemos

observar como os mecanismos da metáfora e da metonímia ocorrem nos processos

inconscientes, e de que maneira o movimento significante permite um efeito de

sentido sobre o sujeito. O signo linguístico de Saussure serve a Lacan para mostrar

que o significante representa a coisa, aquilo que foi recalcado (o significado). Por

isso, é o representante da falta no sujeito. Essa falta Lacan vai buscar em Freud

como falta no sentido da castração.

2.4 INCONSCIENTE E SEXUALIDADE

Lacan (1953/1998) faz um retorno a Freud através de sua releitura sobre as

formações inconscientes e, principalmente, sobre a importância dos mecanismos de

linguagem que constituem essas formações, como evidenciado anteriormente,

deslocamento e condensação. “O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de

significantes que em algum lugar (numa outra cena, escreve ele) se repete e insiste,

para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e na cogitação a que ele

dá forma.” (LACAN, 1998, p. 813).

A hipótese sustentada por Lacan – inconsciente estruturado como uma

linguagem – afirma que o inconsciente depende da linguagem para existir, e é

(30)

afirma Lacan (1964/1998) em seu texto A sexualidade nos desfiles do significante, é

uma realidade sexual. Assim, a linguagem que Lacan destaca é aquela onde a

palavra substitui essa falta decorrente da castração.

Desde os estudos freudianos a respeito da histeria, a qual recobriu o estudo

das neuroses em geral, Freud reconheceu os fatores sexuais como causa

determinante para a etiologia das neuroses, descobrindo que a formação dos

sintomas neuróticos possui uma origem sexual e inconsciente. Há uma relação

intrínseca entre o inconsciente e a sexualidade.

Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905/1996, p.155)

traz a importância das pulsões sexuais nos sintomas neuróticos, afirmando: “os

sintomas são a atividade sexual dos doentes”, e esses sintomas seriam um

substituto de desejos e aspirações investidas de uma carga afetiva, que foi

submetida ao processo chamado por ele de recalque. Dito de outro modo, a origem

das formações psíquicas inconscientes parte de uma causa sexual, de desejos que

foram recalcados. “O lugar do inconsciente como lugar de significantes organizados

a partir da trama do discurso, ou seja, uma organização análoga à de uma

linguagem cuja ordenação o sujeito teria perdido.” (DOR, 1989, p. 104).

O significante é justamente o que tenta representar aquilo que foi perdido,

pois carrega em si algo dessa realidade sexual. Como atesta Lacan (1998, p. 522):

“entre o significante enigmático do trauma sexual e o termo que ele vem substituir

numa cadeia significante atual passa a centelha que fixa num sintoma”. É através

das formações inconscientes, dentre elas o sintoma, que essa realidade sexual

surge, por meio dos significantes que veem representar o significado sexual

recalcado.

O aspecto que corresponde ao que o inconsciente traz de uma realidade

sexual é o que chamamos de desejo, é ele que sexualiza o sintoma de certa

maneira, pois, ao se introduzir um significante, sexualiza-se, justamente porque é

esse significante que procura representar aquilo que resta, ou seja, o desejo. “É a

verdade do que esse desejo foi em sua história que o sujeito grita através de seu

(31)

A psicanálise se serve da linguagem para ter efeito sobre o sintoma. Este é

uma formação inconsciente que gera satisfação, efeito da castração no sujeito, e

que aparece como um significante substituto dessa impossibilidade de realizar,

satisfazer os desejos. O sintoma carrega algo desse desejo que o sujeito não se dá

conta, que outrora foi recalcado e agora surge implicitamente. Sobre isso, nos

ateremos mais adiante.

(32)

3 O SENTIDO DOS SINTOMAS – UMA LEITURA LACANIANA

3.1 A QUESTÃO DO SENTIDO E O EFEITO DE SIGNIFICAÇÃO

Desde Freud (1917/1996) em seu artigo O sentido dos sintomas, há uma

preocupação em interpretar o sentido dos sintomas que, para ele, teriam um sentido

e uma intrínseca relação com a história do paciente. Lacan (1957/1998) assinala a

importância do significante na constituição do sujeito ao afirmar que só há

possibilidade de transferência de sentido dentro de uma estruturação significante.

É a partir de uma articulação metonímica – dentro da cadeia significante –

que pode surgir alguma transferência de sentido, o que denota também a primazia

do significante em relação ao significado. Essa estruturação significante se dá a

partir dos dois processos descritos anteriormente. Como afirma Lacan (1961/1992)

em seu texto O objeto do desejo e a dialética da castração, é a metonímia que surge

como suporte da cadeia significante, é a “possibilidade do deslizamento indefinido

dos significantes sob a continuidade da cadeia significante” (LACAN, 1992, p. 171).

A metonímia surge e persiste por toda cadeia significante, possibilitando o

aparecimento da metáfora, pois é a partir desse deslizamento metonímico veiculado

através da fala do paciente que algo a respeito deste sujeito aparece. Como

exemplo podemos citar o sintoma, que é uma metáfora, um signo que surge no lugar

do sujeito na cadeia significante, e que traz consigo uma representação desse

sujeito. A forma como o sistema linguístico se movimenta e produz o signo, a partir

das relações sintagmáticas e associativas, propõe a relação entre a metonímia na

cadeia significante e o corte que faz surgir a metáfora.

“A resistência à significação da metonímia deve-se ao fato de que a

metonímia é sempre um não-sentido aparente.” (DOR, 1989, p. 59). Essa resistência

à significação é decorrente de a metonímia representar sempre uma parte do

sentido, por exemplo, aquilo que aparece num sonho possui um sentido em geral

completamente diferente do que foi relatado pelo paciente, e normalmente o que

(33)

Na formação sintomática da neurose obsessiva, o que prevalece é justamente

a metonímia, o obsessivo se utiliza desse mecanismo na medida em que ele

possibilita que a significação que lhe é difícil reconhecer permaneça recalcada.

Desta forma, o próprio desejo, que se sustenta pelo significado subjacente a essa

cadeia, permanece impossibilitado. Como exemplo dessa incessante metonímia na

neurose obsessiva se pode tomar o caso freudiano já comentado, onde o

significante rato permeia toda a cadeia significante do paciente. E é esse

deslizamento infinito do significante, essas infinitas associações que impedem que

se chegue a uma significação do que realmente é esse sintoma para o sujeito.

Encontramos também em Freud o termo entstellung, traduzido por

transposição, que corresponde à precondição geral da função dos sonhos, e que

Lacan, a partir também de Saussure, considerou como o deslizamento do

significante sob o significante.

A condensação (verdichtung em alemão) diz respeito à estrutura de

superposição de um significante sobre outro significante. É o que Lacan traz como

metáfora. O deslocamento (verschiebung) implica no transporte da significação que

a metonímia manifesta.

Donde se pode dizer que é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse momento. Impõe-se, portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o significante [...]. (LACAN, 1998, p. 506).

Lacan (1957/1998) afirma, partindo da metonímia - referente à parte tomada

pelo todo - que a estrutura metonímica parte da conexão entre os significantes: “O

processo metonímico impõe, assim, um novo significante em relação de

contiguidade com um significante anterior, que ele suplanta” (DOR, 1989, p. 47).

Esse processo representa bem a supremacia significante, pois é a estrutura

metonímica que permite a condição de uma investigação possível das perturbações

funcionais na neurose e na psicose, é através da articulação metonímica que

alguma transferência de significado pode se produzir, ou seja, que a metáfora pode

(34)

Podemos perceber a importância da fala para a psicanálise ao observarmos,

por exemplo, que a experiência do psicanalista perpassa toda pela fala do paciente,

pois “recebe dela seu instrumento, seu enquadre, seu material e até o ruído de suas

incertezas.” (LACAN, 1998, p. 497).

Da primazia do significante surge a definição de Lacan de que “o significante

é o que representa o sujeito para outro significante”. É a partir dessa afirmação que

Lacan constrói sua teoria a respeito da constituição do sujeito, uma vez que o sujeito

concebido na psicanálise é o sujeito do inconsciente. Para Lacan, esse sujeito do

inconsciente surge a partir de um efeito do significante, isto é, um efeito da

linguagem, por isso essa dependência do sujeito à linguagem. A fala que permite

que esse sujeito apareça. “Mas todo esse significante, dirão, só pode operar por

estar presente no sujeito. É justamente a isso que respondo ao supor que ele

passou ao patamar de significado.” (LACAN, 1998, p. 508).

Para a psicanálise o significado só é possível através do movimento

significante. Por isso a fala que Lacan refere não é uma fala qualquer. E é a partir

das formações do inconsciente – sonhos, atos falhos, chistes, sintomas – que essa

fala pode se fazer presente, carregando em si algo sobre o sujeito.

A estrutura metonímica é representada por Lacan (1998) da seguinte forma:

f (S...S’) S ≡ S (-) s

O S’ que designa o termo que produz efeito de significação está latente na

metonímia. É por ser sempre uma parte pelo todo que essa estrutura demonstra, na

conexão entre os significantes, que algo sempre falta, e essa metonímia é o

processo que sustenta essa falta. Essa representação indica que a estrutura

metonímica se faz pela conexão de significante com significante. O sinal de (-),

colocado entre parênteses, representa a manutenção da barra, a qual marca a

resistência à significação na relação do significante com o significado.

Na estrutura metafórica, substituir um significante por outro permite a

passagem do significante para o significado, um efeito de significação. Dor (1989, p.

(35)

Na medida em que a metáfora mostra que os significados extraem sua coerência unicamente da rede dos significantes, o caráter desta substituição significante demonstra a autonomia do significante em relação ao significado, e por conseguinte, a supremacia do significante.

A metáfora se origina entre dois significantes, onde um substitui o outro,

assumindo seu lugar na cadeia significante. Enquanto isso, o significante encoberto

continua presente em sua conexão com o resto da cadeia (LACAN, 1998). Dito de

outra forma, por ser um efeito de sentido e não comportar tudo a respeito do sujeito,

essa possibilidade de emergência da significação pela metáfora não encerra a

cadeia, e por isso a metonímia segue incessantemente presente.

A estrutura metafórica é por Lacan (1998) representada:

f (S’/S) S ≡ S (+) s

Na estrututa metafórica há uma substituição do significante pelo significante, e

é nessa substituição que se produz um efeito de sentido, como no exemplo do

sintoma obsessivo, que vem a substituir algo no nível do desejo do sujeito que, na

neurose obsessiva, é colocado como um desejo impossível. O sujeito obsessivo

encontra uma saída para sua questão em relação ao desejo justamente pela via do

significante, procurando evitar o desejo.

Nesse caso o S’ é produtor de significação está patente na metáfora, isto é, é

na metáfora que ocorre o advento da significação. O sinal (+) representa justamente

a transposição da barra, assim como o valor constitutivo da transposição para a

emergência da significação. “Essa transposição exprime a condição da passagem

do significante para o significado, cujo momento assinalei, mas acima,

confundindo-o prconfundindo-ovisconfundindo-oriamente cconfundindo-om confundindo-o lugar dconfundindo-o sujeitconfundindo-o”. (LACAN, 1998, p. 519).

Para a psicanálise o sujeito do inconsciente aparece justamente no equívoco,

no chiste, nos atos falhos, por isso Lacan afirmou que o sujeito está onde não se

pensa, ao contrário do pensamento cartesiano, que acreditava na existência do

sujeito atrelada a sua capacidade de pensar. É a partir da linguagem e da falha que

o sujeito pode advir. Como Lacan (1960/1998, p. 815) conclui em seu texto

Subversão do sujeito e dialética do desejo: “se a linguística nos promove o

significante, ao ver nele o determinante do significado, a análise revela a verdade

(36)

É Lacan que traz para a psicanálise uma teoria sobre o sujeito, sujeito este

visto como resultado do movimento do significante e dividido a partir desta ordem. O

termo spaltung, trazido em 1927 por Freud e que se refere à divisão, clivagem, é,

para Lacan, o que define a subjetividade, por ser através dessa clivagem que o

sujeito se estrutura de alguma forma psíquica. Do fato de o inconsciente depender

da linguagem para advir, deduz-se que, para a psicanálise, só há sujeito no ser

falante, o que Lacan denominou de le parlêtre.

O sujeito para psicanálise de orientação lacaniana então só pode ser criado a

partir do campo da linguagem. A ideia concebida por Lacan a respeito do

inconsciente e da relação do sujeito dividido com a linguagem o permite afirmar que

o inconsciente é o discurso do Outro (discurso do outro do sujeito, que lhe escapa

em razão da spaltung) (DOR, 1989). O surgimento do sujeito se dá através da fala,

ou seja, através do significante e dos efeitos de significados.

Partindo dessa ideia, Lacan (1998, p.150) traz a seguinte definição de sujeito:

“um significante representa um sujeito para outro significante”, atestando com isso a

submissão desse sujeito ao significante. O inconsciente não existe sem a linguagem,

pois esse sujeito incompleto, sujeito de falta precisa do movimento significante para

surgir.

Para entender como o sujeito se constitui para a psicanálise de orientação

lacaniana, faz-se necessário abordar alguns elementos fundamentais na teoria,

elementos imprescindíveis nesse processo de constituição. Os aspectos aqui

enfatizados são elencados de acordo, também, com a sua relevância no presente

tema, por serem de grande importância na sintomatologia da neurose obsessiva, já

que será nos desdobramentos desses elementos constituintes que a estrutura

obsessiva se desenvolve.

3.2 OUTRO ENTRE A DEMANDA E O DESEJO

Um dos elementos essenciais na teoria lacaniana para a interpretação dos

(37)

diz respeito ao lugar que determina o sujeito numa dimensão subjetiva, ou seja, o

lugar do simbólico. Isto é: o Outro seria o lugar onde o sujeito se constitui, através de

uma cadeia significante que o determina, é o lugar do tesouro dos significantes

(LACAN, 1955/2002). Partindo do par constituído pela mãe e o bebê, considera-se

“que o sujeito apreende do desejo do Outro não no que a mãe diz, mas nos

intervalos de seu dizer, entre os significantes, situando-o aí, como enigmático, como

algo apenas suposto.” (QUINET, 2008, pp. 100-101).

Partindo da sua concepção do Outro como lugar do significante, Lacan

(1960/1998) assinala que é como desejo do Outro que o desejo do homem toma

forma, apesar de guardar certa opacidade subjetiva, que constitui a substância do

desejo para representar nele a necessidade. “O inconsciente como o Outro da

linguagem significa que não há barreira entre o que é do sujeito (enquanto ‘seu’

inconsciente) e o que é do mundo simbólico em que ele está inserido.” (QUINET,

2008, p. 45).

No Seminário 20 - Mais, ainda, Lacan (1973/1985) traz o Outro como saber,

por ser ele o lugar onde o significante se coloca. O saber então é aquilo que se

articula a respeito da sexualidade na história do sujeito, através da linguagem. Uma

vez articulado pela linguagem, é a partir do que escapa ao ser falante no

deslizamento significante que se enuncia esse saber inconsciente, isto é, o sujeito

resulta desse saber inconsciente. Por isso, a afirmação: “é com o aparecimento da

linguagem que emerge a dimensão da verdade” (LACAN, 1998, p. 529), pois se

falamos sobre a verdade do sujeito, isto só é possível através da linguagem, apesar

de na linguagem a verdade não ser toda, pois o que se refere à verdade do sujeito

está além da fala, numa dimensão real, que não pode ser simbolizada.

Apesar de ser considerado o tesouro dos significantes, há uma falta no Outro,

que é estrutural, que pode ser escrita pelo matema [S( )], designando que não há

significante que complete o Outro, ou seja, por faltar o significante que defina esse

Outro como uma totalidade, nem tudo pode ser dito, por isso ele é barrado, S( ).

Essa falta do Outro é marcada a partir do complexo de castração, que veremos mais

adiante.

Lacan considera o inconsciente como discurso do Outro, o qual se constitui

(38)

desejo inconsciente. O desejo do sujeito se presentifica então a partir do intermédio

do Outro, através da questão que o sujeito se pergunta endereçando a esse Outro:

Che vuoi?3. “O desejo, ao se apresentar como pergunta, faz surgir para o sujeito

algo que o faz questionar-se, pois o desejo é um enigma” (QUINET, 2008, p. 101).

Essa dimensão questionadora do desejo permite que se constitua o próprio

desejo do sujeito, o qual depende sempre de um outro (semelhante), para além do

Outro, pois é nessa relação – como a relação mãe/criança – que a intervenção da

mãe introduz a criança nesse universo simbólico. Por isso, a relação com o Outro é

tão fundamental, é ela que permite que o sujeito possa advir nessa dimensão do

desejo através da linguagem: “O Outro como lugar da fala, como aquele a quem se

dirige a demanda, passa a ser também o lugar onde deve ser descoberto o desejo,

onde deve ser descoberta uma formulação possível.” (LACAN, 1999, p. 419).

O desejo se inscreve no registro de uma relação simbólica com o Outro,

através do desejo desse Outro, numa relação de submissão, a qual se dá pela

condição da demanda. Esta que é expressão do desejo, quando este se desdobra

numa demanda ao se fazer palavra sempre dirigida a outrem. A demanda, por

carregar algo do desejo, se faz estruturada em termos de significante. Ela é a

própria cadeia significante dirigida ao Outro, como um pedido de amor, de

reconhecimento deste Outro como lugar do código (A), ou seja, a dimensão da

demanda é o próprio enunciado, e se caracteriza pela relação entre os sujeitos,

essencialmente por existir a linguagem mediando essa relação, através do sistema

de significantes.

Em consequência dessa afirmação lacaniana, conclui-se que toda fala é uma

demanda, e o desejo se presentifica através dela, manifestando-se pela fala. O

desejo se refere ao efeito metonímico da demanda, por passar de um significante

para outro, através da linguagem. Sobre a metonímia do desejo, Quinet (2008, p. 33)

afirma:

O desejo é a metonímia da falta: o envio da significação sempre a outro significante da metonímia corresponde à característica do desejo sempre faltoso. Assim como o ser da coisa nunca é atingido pelo signifcante, o desejo está no próprio deslizamento do significante que busca se realizar de        

(39)

significante em significante. É isso que confere ao desejo seu aspecto enigmático.

Sobre essa relação, Lacan (1999, p. 341) coloca: “o desejo articula-se

necessariamente na demanda, porque só podemos aproximar-mos dele por

intermédio de alguma demanda.” A demanda como “aquilo que, a partir de uma

necessidade, passa por meio do significante dirigido ao Outro”. (LACAN, 1999, p.

91).

Lacan (1957/1998) constrói um grafo como representação topográfica para

melhor explicar como se apresenta essa dimensão do desejo em relação ao sujeito

que é definido por seu movimento significante. O grafo 1, de onde todos os outros

grafos partem, e que Lacan o denominou como o referente ponto de basta:

Figura 03: Grafo 1 - O pondo de basta. Fonte: Lacan (1998, p.819)

Acima, Lacan apresenta o processo da cadeia significante que em algum

momento para o deslizamento da significação que passa sob os significantes,

permitindo a apreensão de um efeito de sentido. Nesse momento, Lacan afirma que

é onde se articula esse ponto de basta. Um dos vetores, S . S’ diz respeito à cadeia

significante, o outro vetor, Δ . $ , onde Δ diz respeito ao lugar do Outro, o tesouro do

significantes, e $ como o sujeito efeito desse cruzamento dos dois vetores. O grafo

(40)

vetores perpassa o movimento significante, S . S’, e no outro vetor, Δ . $, o

significado.

De acordo com Lacan (1958/1999), há uma simultaneidade, na qual todos os

matemas presentes do lado direito estão na ordem do código, e os matemas do lado

esquerdo se referem à ordem da mensagem, que podem ser considerados

respostas do sujeito ao desejo do Outro.

A demanda tem como suporte a palavra, por ser através dela que algo sobre

o sujeito pode advir. Lacan (1999) representou pelo seguinte grafo:

Figura 04: Grafo

Fonte: Lacan (1999, p. 404)

Nesse esquema Lacan coloca, no andar superior do grafo, a relação do

sujeito com demanda representada por ($ ◊ D), onde $ o sujeito barrado; e a

demanda representada pela letra D. Essa relação se constitui pela via do

significante, e está num para-além do desejo, por ser nessa relação que o desejo se

encontra. O S( ), isto é, o significante do Outro barrado, que é representado no

grafo como o lugar da mensagem.

O significante tenta representar o objeto perdido, que não é reencontrado, e

Imagem

Figura 01: Signo linguístico
Figura 02: Eixos da linguagem.
Figura 03: Grafo 1 - O pondo de basta.
Figura 04: Grafo
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Referências

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