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OUTRO ENTRE A DEMANDA E O DESEJO

3. Desejo inconsciente 4 Sintoma 5 Metonímia.

3.2 OUTRO ENTRE A DEMANDA E O DESEJO

Um dos elementos essenciais na teoria lacaniana para a interpretação dos sintomas é o grande Outro, termo criado por Lacan e representado pela letra A, que

diz respeito ao lugar que determina o sujeito numa dimensão subjetiva, ou seja, o lugar do simbólico. Isto é: o Outro seria o lugar onde o sujeito se constitui, através de uma cadeia significante que o determina, é o lugar do tesouro dos significantes (LACAN, 1955/2002). Partindo do par constituído pela mãe e o bebê, considera-se “que o sujeito apreende do desejo do Outro não no que a mãe diz, mas nos intervalos de seu dizer, entre os significantes, situando-o aí, como enigmático, como algo apenas suposto.” (QUINET, 2008, pp. 100-101).

Partindo da sua concepção do Outro como lugar do significante, Lacan (1960/1998) assinala que é como desejo do Outro que o desejo do homem toma forma, apesar de guardar certa opacidade subjetiva, que constitui a substância do desejo para representar nele a necessidade. “O inconsciente como o Outro da linguagem significa que não há barreira entre o que é do sujeito (enquanto ‘seu’ inconsciente) e o que é do mundo simbólico em que ele está inserido.” (QUINET, 2008, p. 45).

No Seminário 20 - Mais, ainda, Lacan (1973/1985) traz o Outro como saber, por ser ele o lugar onde o significante se coloca. O saber então é aquilo que se articula a respeito da sexualidade na história do sujeito, através da linguagem. Uma vez articulado pela linguagem, é a partir do que escapa ao ser falante no deslizamento significante que se enuncia esse saber inconsciente, isto é, o sujeito resulta desse saber inconsciente. Por isso, a afirmação: “é com o aparecimento da linguagem que emerge a dimensão da verdade” (LACAN, 1998, p. 529), pois se falamos sobre a verdade do sujeito, isto só é possível através da linguagem, apesar de na linguagem a verdade não ser toda, pois o que se refere à verdade do sujeito está além da fala, numa dimensão real, que não pode ser simbolizada.

Apesar de ser considerado o tesouro dos significantes, há uma falta no Outro, que é estrutural, que pode ser escrita pelo matema [S( )], designando que não há significante que complete o Outro, ou seja, por faltar o significante que defina esse Outro como uma totalidade, nem tudo pode ser dito, por isso ele é barrado, S( ). Essa falta do Outro é marcada a partir do complexo de castração, que veremos mais adiante.

Lacan considera o inconsciente como discurso do Outro, o qual se constitui através da cadeia significante, ou seja, o Outro como lugar da fala, na qual circula o

desejo inconsciente. O desejo do sujeito se presentifica então a partir do intermédio do Outro, através da questão que o sujeito se pergunta endereçando a esse Outro:

Che vuoi?3. “O desejo, ao se apresentar como pergunta, faz surgir para o sujeito algo que o faz questionar-se, pois o desejo é um enigma” (QUINET, 2008, p. 101).

Essa dimensão questionadora do desejo permite que se constitua o próprio desejo do sujeito, o qual depende sempre de um outro (semelhante), para além do Outro, pois é nessa relação – como a relação mãe/criança – que a intervenção da mãe introduz a criança nesse universo simbólico. Por isso, a relação com o Outro é tão fundamental, é ela que permite que o sujeito possa advir nessa dimensão do desejo através da linguagem: “O Outro como lugar da fala, como aquele a quem se dirige a demanda, passa a ser também o lugar onde deve ser descoberto o desejo, onde deve ser descoberta uma formulação possível.” (LACAN, 1999, p. 419).

O desejo se inscreve no registro de uma relação simbólica com o Outro, através do desejo desse Outro, numa relação de submissão, a qual se dá pela condição da demanda. Esta que é expressão do desejo, quando este se desdobra numa demanda ao se fazer palavra sempre dirigida a outrem. A demanda, por carregar algo do desejo, se faz estruturada em termos de significante. Ela é a própria cadeia significante dirigida ao Outro, como um pedido de amor, de reconhecimento deste Outro como lugar do código (A), ou seja, a dimensão da demanda é o próprio enunciado, e se caracteriza pela relação entre os sujeitos, essencialmente por existir a linguagem mediando essa relação, através do sistema de significantes.

Em consequência dessa afirmação lacaniana, conclui-se que toda fala é uma demanda, e o desejo se presentifica através dela, manifestando-se pela fala. O desejo se refere ao efeito metonímico da demanda, por passar de um significante para outro, através da linguagem. Sobre a metonímia do desejo, Quinet (2008, p. 33) afirma:

O desejo é a metonímia da falta: o envio da significação sempre a outro significante da metonímia corresponde à característica do desejo sempre faltoso. Assim como o ser da coisa nunca é atingido pelo signifcante, o desejo está no próprio deslizamento do significante que busca se realizar de        

significante em significante. É isso que confere ao desejo seu aspecto enigmático.

Sobre essa relação, Lacan (1999, p. 341) coloca: “o desejo articula-se necessariamente na demanda, porque só podemos aproximar-mos dele por intermédio de alguma demanda.” A demanda como “aquilo que, a partir de uma necessidade, passa por meio do significante dirigido ao Outro”. (LACAN, 1999, p. 91).

Lacan (1957/1998) constrói um grafo como representação topográfica para melhor explicar como se apresenta essa dimensão do desejo em relação ao sujeito que é definido por seu movimento significante. O grafo 1, de onde todos os outros grafos partem, e que Lacan o denominou como o referente ponto de basta:

Figura 03: Grafo 1 - O pondo de basta. Fonte: Lacan (1998, p.819)

Acima, Lacan apresenta o processo da cadeia significante que em algum momento para o deslizamento da significação que passa sob os significantes, permitindo a apreensão de um efeito de sentido. Nesse momento, Lacan afirma que é onde se articula esse ponto de basta. Um dos vetores, S . S’ diz respeito à cadeia significante, o outro vetor, Δ . $ , onde Δ diz respeito ao lugar do Outro, o tesouro do significantes, e $ como o sujeito efeito desse cruzamento dos dois vetores. O grafo diz respeito a essa dimensão do desejo numa primeira instância, onde em um dos

vetores perpassa o movimento significante, S . S’, e no outro vetor, Δ . $, o significado.

De acordo com Lacan (1958/1999), há uma simultaneidade, na qual todos os matemas presentes do lado direito estão na ordem do código, e os matemas do lado esquerdo se referem à ordem da mensagem, que podem ser considerados respostas do sujeito ao desejo do Outro.

A demanda tem como suporte a palavra, por ser através dela que algo sobre o sujeito pode advir. Lacan (1999) representou pelo seguinte grafo:

Figura 04: Grafo

Fonte: Lacan (1999, p. 404)

Nesse esquema Lacan coloca, no andar superior do grafo, a relação do sujeito com demanda representada por ($ ◊ D), onde $ o sujeito barrado; e a demanda representada pela letra D. Essa relação se constitui pela via do significante, e está num para-além do desejo, por ser nessa relação que o desejo se encontra. O S( ), isto é, o significante do Outro barrado, que é representado no grafo como o lugar da mensagem.

O significante tenta representar o objeto perdido, que não é reencontrado, e por isso a demanda será então sempre insatisfeita, pois carrega em si a marca do

desejo e traz, a partir do siginificante, essa busca incessante pelo objeto perdido. Ao se fazer demanda, o desejo vai se perdendo na cadeia significante. O desejo se refere ao resto metonímico dessa demanda que o sustenta, é a metonímia do ser no sujeito. Por essa razão, o desejo está implicado na via metonímica, uma vez que persiste em simbolizar o desejo do objeto perdido (todo) através da manifestação do desejo dos objetos substitutos (parte). Lacan então afirma que o desejo permanece sempre insatisfeito, justamente por conta da necessidade que encontrou de se fazer linguagem, ressurgindo continuamente (DOR, 1989, p. 94).

O grafo do desejo foi proposto por Lacan (1958/1998) a partir de sua experiência analítica, sendo representado da seguinte forma:

Figura 05: Grafo 3 – Grafo do desejo Fonte: Lacan (1998, p. 829)

Lacan afirma e demonstra que a questão endereçada ao Outro pela demanda (Che vuoi?) é a que melhor direciona para o caminho do próprio desejo do sujeito, pois, ao se fazer a pergunta, o desejo permite que o sujeito se questione de algo. Por isso que, diferente da demanda, o desejo não pode ser dito, apenas marcado pela questão.

Para Lacan, o sujeito surge a partir dessa relação entre inconsciente, linguagem e desejo, organizando-se estruturalmente em torno da ordem signifcante. Essa estrutura do sujeito se organiza a partir de um furo que se correlaciona ao conceito de objeto perdido. Consequentemente, o que poderia satisfazer o sujeito é perdido desde sempre como condição necessária ao desejo, que por definição é insatisfeito (QUINET, 2008). A função do desejo é, pois, o que resta do efeito significante no sujeito.

A cadeia significante referente à fala do sujeito é expressa pelo vetor S(A) → A, e a cadeia significante do inconsciente se representa no grafo pelo matema ($ ◊ D), que diz respeito à relação do sujeito com a demanda. O grafo também assinala que o desejo é regulado a partir da fantasia, a qual serve de janela do sujeito para o mundo (QUINET, 2008).

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