• Nenhum resultado encontrado

O LOTEAMENTO FECHADO E O RATEIO DAS DESPESAS COMUNS MESTRADO EM DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "O LOTEAMENTO FECHADO E O RATEIO DAS DESPESAS COMUNS MESTRADO EM DIREITO"

Copied!
213
0
0

Texto

(1)

O LOTEAMENTO FECHADO E O RATEIO DAS DESPESAS COMUNS

MESTRADO EM DIREITO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

(2)

O LOTEAMENTO FECHADO E O RATEIO DAS DESPESAS COMUNS

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito Civil), sob orientação do Professor Rui Geraldo Camargo Viana.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

(3)

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

____________________________________________

(4)

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocópias ou eletrônicos.

(5)

Dedicatória

Aos meus pais, Genésio e Helenita, com todo meu amor, pela incansável dedicação e apoio na minha formação pessoal e profissional, pela preciosa lição de que sem dignidade de caráter e sem luta é impossível vencer.

Ao meu marido, André, homem de

caráter, de convicções, que apóia nos acertos e desacertos, pela demonstração de amor e pela presença constante na minha vida.

Às minhas irmãs Andréa e Débora

(6)

Agradecimentos

Ao estimado professor e orientador Rui Geraldo Camargo Viana, pelo apoio nunca negado, pelos preciosos ensinamentos obtidos em suas aulas mostrando que o Direito se transforma constantemente, pela preservação de um espírito jovem, atuante, destemido, e, pela confiança depositada, a minha sincera homenagem.

Agradeço a todos os professores da

Pós-Graduação da PUC, em especial, aos professores José Manoel de Arruda Alvim Neto, Thereza Alvim, Maria Helena Diniz, Rogério Ferraz Donnini, que tanto me enriqueceram com seus ensinamentos mostrando que o Direito se aprende estudando, mas exercer-se pensando.

Às amigas Ana Paula, Cinthia,

(7)

acabam criando novas formas de melhor usufruir do solo.

Uma dessas formas é encontrada nos chamados loteamentos

fechados, um fato social originado pela insegurança que atinge as cidades e que não possuem legislação específica muito embora são inspirados nos princípios da propriedade horizontal.

Dessa forma, por nascer dentre desses loteamentos um atípico condomínio, são criadas associações de moradores, através de uma assembléia geral, que prestam serviços àquele agrupamento social a fim de suprir as necessidades básicas de um bairro, quais sejam, coleta de lixo, controle de portaria, captação e distribuição de água, saneamento básico, conservação e manutenção das vias públicas, serviços de vigilância, dentre outros.

Diante dessa situação peculiar que surge dentro desses loteamentos fechados nos quais há necessidade de serem prestados esses serviços posto que o Poder Público não os faz, muitos proprietários e compromissários compradores, mesmo recebendo essa prestação de serviço direta ou indiretamente, se negam a participarem do rateio mensal dessas despesas comuns com o argumento central de não serem filiados a associação, encontrando apoio no inciso XX do artigo 5º da Constituição Federal.

Nesse trabalho, então, além de tentarmos definir o que seja o

loteamento fechado, também tentaremos mostrar como se forma o vínculo jurídico entre associação e proprietário de lotes.

Apesar de juridicamente o loteamento fechado ou a

(8)

People’s need for a better quality of life has led them to create new ways the land.

One of those ways is found in the so-called gated developments, a social phenomenon generated by the insecurity that afflicts cities. Although these common interest developments are based on the principles of horizontal property, there is no specific legislation governing them.

Thus, because an atypical condominium is born within these developments, owners form homeowners associations for the delivery of basic services (trash collection, gate control, water abstraction and distribution, sanitation, road maintenance, surveillance, among others) to that social group.

In the face of such a unique situation inside gated developments, which require the delivery of such services, since they are not provided by the city government, a number of owners and committed purchasers, even though they directly or indirectly enjoy the benefit of such services, refuse to participate in the monthly expenses of those services with the excuse that they are not members of the homeowners association, finding

support in subparagraph XX of article 5th of the Brazilian Constitution.

In this essay, besides trying to define what actually is a gated development, we will also seek to demonstrate how a legal bond between a homeowners association and a property owner is formed.

Although legally not confounded with the configuration of

(9)

INTRODUÇÃO 01

CAPÍTULO I – PROPRIEDADE: FUNÇÃO SOCIAL E O CÓDIGO

CIVIL 06

1- Aspectos históricos da propriedade e da função social da

Propriedade 06

2 - A função social e o direito à propriedade no Código Civil

Brasileiro 12

CAPÍTULO II – O CONDOMÍNIO E O PARCELAMENTO DO SOLO

URBANO BRASILEIRO 21

1 – Condomínio Tradicional 21

2 – Condomínio Edilício 23

2.1 – Notícia histórica 24

2.2 – Natureza jurídica 27

2.3 – Objeto do condomínio edilício 30

3 – Intróito acerca do parcelamento do solo urbano brasileiro 32

3.1 – Evolução histórica 34

3.2 – Parcelamento do solo urbano e o processo de

urbanificação 40

3.3 – Desmembramento e desdobro 43

3.4 – Loteamento urbano convencional 45

3.4.1 – Requisitos urbanísticos 48

3.4.2 – Restrições de loteamento 53

3.4.2.1 – Restrições convencionais e legais 54

3.5 – Das leis em vigor relativas ao parcelamento do solo

(10)

1 – Definição 58

2 – Competência legislativa 63

2.1 – Competência legislativa municipal para instituição de

loteamento fechado 66

3 – Uso de bens públicos por particulares 71

4 – Conflitos de normas aplicáveis ao loteamento fechado 78

CAPÍTULO IV – O LOTEAMENTO FECHADO E AS IMPLICAÇÕES

DE FATO 85

1 – O fato social e a tutela de direito 86

2 – O fato social como fenômeno jurídico 91

3 – Surgimento do condomínio de fato ou atípico nos loteamentos

fechados 95

4 – Implantação e instituição da associação de moradores nos

loteamentos fechados 99

CAPÍTULO V – DAS DESPESAS COMUNS NOS LOTEAMENTOS

FECHADOS 104

1 – Considerações iniciais para introdução à teoria geral das

obrigações 107

1.1 – Teoria geral das obrigações 111

2 – Do negócio jurídico e a autonomia da vontade 116

3 – Das obrigações reais ou propter rem 122

4 – Das obrigações vinculadas aos adquirentes de lotes em

(11)

loteamento fechado 129 4.3 – Aceitação tácita dos serviços prestados pela

associação 132

4.4 – Enriquecimento sem causa 137

5 – Aspectos de uma nova visão do direito obrigacional com

incidência das normas constitucionais no direito civil 141

CONCLUSÕES 149

APÊNDICE

Jurisprudência 175

Legislação 183

(12)
(13)

INTRODUÇÃO

Dos inúmeros fatores que englobam o processo de transformação da sociedade brasileira e que foram observados nessas últimas décadas, o principal deles está atrelado à saída de uma sociedade agrária para uma urbanizada.

Tendo em vista essa transformação, vários reflexos foram observados nos campos das atividades humanas, e um deles está vinculado aos sistemas de moradia, com novos conceitos, merecendo uma atenção especial os núcleos urbanos fechados, que surgiram com força a partir de meados da década de setenta.

Em essência, caracterizam os loteamentos fechados pela

separação da área loteada através da construção, ao seu redor, de muros, guaritas ou qualquer outro sistema de fechamento que os isole dos demais bairros ou loteamentos adjacentes.

Com base nesse fechamento, surge internamente nesse núcleo

urbano um condomínio de fato, em que haverá a necessidade de ser implantada uma associação de moradores para que preste serviços necessários para manutenção e conservação desse loteamento (fechado), ou seja, torna-se necessária a contraprestação dos proprietários de lotes, assumindo o rateio das despesas comuns.

(14)

imobiliário, surgem inúmeros conflitos, e nesse trabalho tentar-se-á resolvê-los com aplicação do ordenamento jurídico vigente.

A busca do homem por uma vida melhor faz com que o mesmo se disponha a procurar um lugar em que as condições de trabalho, de sobrevivência e de bem-estar sejam-lhe favoráveis e supram suas necessidades básicas.

Os problemas sociais relevantes, tais como a necessidade de

serviços públicos eficazes, a necessidade de habitação e moradia dignas, regras de convivência harmônica e segurança, fazem com que a sociedade reaja de modo a suprimir essa carência que não é oferecida pelo Poder Público. A sociedade desenvolve determinados mecanismos que, além de se originarem desprovidos de respaldo legal, acabam, por vezes, se opondo à legislação vigente, surgindo, dessa forma, situações de fato que precisam de alguma maneira ser reguladas dentro do ordenamento jurídico existente.

A nova realidade econômica que emerge do fato social, muitas vezes, se contrapõe ao direito objetivo, ou às vezes sequer existe regulamentação específica. Essas novas relações sociais e econômicas que surgem com a dinâmica social acabam trazendo consigo novos anseios e conflitos que devem ser resolvidos pelos poderes legislativo e judiciário.

Não há como ignorar essas novas realidades, e para isso deve-se reforçar situações de direito preexistentes e encontrar soluções na

própria dinâmica do Direito.1

(15)

Muitas vezes as regras que deveriam ser dinâmicas por serem criadas em função do interesse social, acabam se tornando estáticas originando conflito entre o fato e o Direito.

No loteamento fechado, o condomínio de fato que surge

dentro dele decorre das regras de convivência em comum criadas pelos proprietários de lotes nesse tipo de empreendimento imobiliário, e é um exemplo do conflito que se estabelece entre o fato e o Direito. Como os serviços públicos não são prestados pelo Poder Público, como dissemos antes, a sociedade cria mecanismos para absorver essa omissão a fim de obter bem-estar, mas que muitas vezes é incompatível com o ordenamento legal já existente, ou seja, não há norma específica para a espécie em questão e por vezes as existentes não se adaptam à situação de fato.

A norma a ser aplicada, incidida para solução do conflito das obrigações que surgem em loteamento fechado, deverá fazer referência a uma

norma interpretada, vivente, expressão do processo cultural de um povo.2

Sempre deve haver um processo contínuo de adequação da norma ao fato e do fato à norma. Quanto mais o dado normativo se adequar à realidade social, tanto mais a realidade se apresentará de forma homogênea e unitária. Desde as origens o Direito nasce como síntese e equilíbrio entre valores impostos e valores livremente escolhidos, estes podem ser individuados no momento em que os particulares prevêem a regulamentação das relações, em adesão às opções de fundo da sociedade. O equilíbrio entre os valores

2 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional, Rio de

(16)

espontaneamente criados na atividade de todos os dias e valores impostos é o

problema de base do ordenamento.3

Assim, na tentativa de solucionar tal questão, buscar-se-á definir o que seja o loteamento fechado, bem como se forma o vínculo jurídico entre associação e proprietários de lotes. Buscar-se-ão os mecanismos legais que correspondam e supram as necessidades desse grupo social, levando em consideração que, apesar de juridicamente o loteamento fechado ou a associação constituída entre os prorietários de lotes não se confundir com a figura do condomínio da Lei 4.591/64, no plano fático essas figuras se assemelham pois ambas exigem os serviços comunitários que beneficiam todos os componentes dessa coletividade, proporcionando melhores condições de conforto e segurança, valorizando seus imóveis e, portanto, a não participação do rateio das despesas comuns implicaria em verdadeiro enriquecimento sem causa, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Será, portanto, iniciado o trabalho com uma apresentação da propriedade em si mesma e sua função social, e de que forma hoje ela se realiza à luz do Código Civil e da Constituição Federal de 1988.

No Capítulo II, apresentaremos a propriedade em algumas de suas facetas, ou seja, de que forma ela se expressará no condomínio tradicional, no condomínio edilício e no parcelamento do solo urbano.

O loteamento fechado e o exercício da competência

legislativa da União, Estados e Municípios para as questões urbanísticas serão objeto de estudo no Capítulo III.

(17)

O Capítulo IV tratará do loteamento fechado e suas implicações de fato, ou seja, das questões pertinentes à tutela de fato e de direito, da relação do Direito com o fato social e do surgimento do condomínio de fato.

(18)

CAPÍTULO I – PROPRIEDADE: FUNÇÃO SOCIAL E O CÓDIGO CIVIL

1 – Aspectos históricos da propriedade e da função social da propriedade

Para entendermos a propriedade atual bem como as

alterações que passa para atingir uma propriedade mais social e equilibrada em conformidade com o propósito constitucional, é necessário verificarmos as mudanças pelas quais passou a propriedade ao longo da história, os regimes jurídicos e suas formas distintas.

Em primeira análise, antes de se falar em propriedade, não há

como deixar de informar acerca da anterioridade da posse, posto que essa sempre foi na Antiguidade a forma de aquisição de bens móveis e imóveis, ou seja, bastava apenas a apropriação pelo homem dos bens que a própria natureza lhe apresentava. Poderia ser essa apropriação para pura satisfação do homem, mas também para o clã, grupo social, tribo ou família, não havia caráter de juridicidade, o que havia era uma relação fática do homem para com a coisa que apropriava para sua exclusiva satisfação e felicidade.

Na antiga Grécia percebe-se que já ocorria a divisão de terras,

atribuindo-se quinhões entre os grupos familiares, parecendo dar idéia de

propriedade familiar que somente individualizou-se no início do século VI a.C.4

Algumas das mais conhecidas justificativas da origem da propriedade privada entre os gregos antigos encontram-se nas idéias de Fustel de Coulanges, posto que, para ele, as primitivas populações da Grécia e também da

4 LIMA, Getúlio Targino de. Apontamentos a respeito do direito de propriedade in Direito Civil Constitucional

(19)

Itália sempre conheceram e praticaram a propriedade privada à qual estava

ligada a religião doméstica e a família.5

Quando afirma Coulanges que a idéia da propriedade privada

está ligada à religião, o faz em razão de que o culto aos deuses pressupunha um lugar fixo. O dever e a religião fixaram à terra não apenas aquela família, mas todos os seus membros que deviam vir, uns após os outros, nascer e morrer ali.

De qualquer modo, por maiores divergências que existam

quanto à origem da propriedade na Grécia6, a forma familiar de que se revestia é

geralmente aceita.

Todavia, será no direito romano que veremos com certa

aproximação a idéia de propriedade à que temos hoje.

O direito romano era um direito de privilégios. Os pais de

família eram os sujeitos de direito, só eles eram sui iuris, e todos os negócios da

família (unidade de produção) giravam em torno deles. As terras da família subordinavam-se a um regime próprio chamado direito quiritário.

Essa propriedade (quiritária) só poderia ser detida por

cidadãos romanos livres, e, em cada família, apenas pelo pater familias, que

restringia a circulação da terra e assegurava a unidade patrimonial. A aquisição

das coisas suscetíveis de propriedade quiritária se fazia mediante a mancipatio e

a in cessio, e a proteção judicial dessa propriedade se obtinha com a rei vindicatio, ação real para reaver a coisa de quem injustamente a detinha.7

5 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Vol. 1, 9ª edição, Tradução e Glossário de Fernando de Aguiar.

Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1957, p. 82/83.

6 As teorias de Coulanges sob o fundamento religioso das origens da propriedade privada entre os povos antigos

não são aceitas integralmente. Ihering considerou-as “um pouco simplistas”.

(20)

Importante salientar que a tradição romano-canônica conserva dois termos vindos do latim: domínio (senhorio) e propriedade.

Proprietas era a qualidade do que era próprio e referia-se à coisa. Dominium era

uma palavra plurívoca: a) indicava o governo da casa (domus) e ,mais tarde, b) o

poder do pai de família sobre as coisas (casa, terra, móveis).8

Já na Idade Média predominou o regime socioeconômico do feudalismo, e nesse regime perdeu a propriedade algumas características que havia no direito romano.

Havia a bipartição do domínio em direto e útil, onde aquele

(domínio direto) era sustentado pelo domínio útil à medida que o vassalo cultivava o solo em cadeia sucessiva até o mais ínfimo servo e como forma de sobrevivência de todos. O senhor feudal (que muitas vezes poderia ser o próprio Rei) cedia parte da terra ao vassalo ou servo para que a terra fosse explorada em troca de dias de trabalho, homens, armas, proteção.

A propriedade na Idade Média era símbolo de poder político e de direção, não representava um direito natural de todos terem terra mas um direito de privilégio.

Caminhando um pouco mais na história, verificamos que o

desprestígio crescente da nobreza e sua descapitalização fomentou a deflagração da Revolução Francesa de 1789, para a qual a propriedade era um dos pilares da sociedade e direito inafastável do homem e do cidadão, ao lado da liberdade e da igualdade.

(21)

Nesse cenário, nasce o Código Civil francês (1.804) que coloca a propriedade privada como núcleo do ordenamento jurídico e dos direitos de primeira geração. O Código de Napoleão surge como fruto da doutrina individualista, tratando o direito privado de regular a atuação dos sujeitos de direito, principalmente o contratante e o proprietário que aniquilaram os privilégios feudais para poder circular riquezas sem entraves legais. Marca esse período a pouca interferência do Estado, assumindo o Código Civil (marcando também as codificações do século XIX) o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas, almejando a completude.

Muito embora perdure tal situação por longo tempo, começa-se a constatar que a liberdade que compreendeu o direito francês, de qualquer cidadão contratar e estabelecer com o outro regras de suas próprias vontades sem qualquer dirigismo estatal, deparou-se com a transferência da propriedade novamente para os privilegiados (burguesia) posto que na liberdade de contratação nem sempre a igualdade era exercida, não havia o equilíbrio entre a parte mais fraca e a mais forte, daí refletir no direito de propriedade, ficando novamente esta nas mãos de poucos.

Gustavo Tepedino9 ensina que nesse momento (século XIX)

o jusnaturalismo inspirado nos critérios de equidade e justiça acaba trazendo à baila a idéia de função social da propriedade como necessidade de utilização dos bens enquanto instrumento de realização de justiça divina.

Na sociedade liberal do século XIX, a função social da propriedade passa a ser encarada como instrumento de afirmação da inteligência e da liberdade humana. Conforme afirmado acima, o sujeito de direito do Estado

9Aspectos da Propriedade Privada na Ordem Constitucional, in Estudos Jurídicos, obra editada pelo Instituto de

(22)

Liberal é caracterizado pelo seu poder de contratar e dispor, havia o então binômio contrato-propriedade que representava a marca principal do individualismo nesses direitos de primeira geração.

Nesse mesmo período vieram as maiores críticas de cunho

ideológico pela influência marxista à propriedade burguesa, que concebeu a propriedade como elemento mobilizador da riqueza. A propriedade se

apresentava “como direito sobre o trabalho alheio e como impossibilidade para

o trabalho de apropriar-se do próprio produto”.10

Assim sendo, aquela antes estabilidade e segurança retratada

pelo Código Civil entra em declínio, inclusive no Brasil, na segunda metade do século XIX, fazendo-se necessária a intervenção estatal na economia, iniciando-se o movimento do Estado legislador com a perda do caráter exclusivista do Código Civil na regulamentação das relações patrimoniais privadas e, ao seu lado, situava-se as legislações extravagantes, direito especial paralelo ao direito comum.

A partir da 1ª Guerra Mundial, o Estado passa a regular

também as relações privadas e intervir na economia como forma de diminuir as

crescentes desigualdades sociais.11

Na primeira metade do século XX, o processo de

industrialização e movimentos sociais que foram instigados pelas dificuldades econômicas acabam por aumentar a intervenção do Estado, verificando-se,

10 TEPEDINO, Gustavo. Aspectos, op.cit., p. 315.

11 WEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, tradução A. M. Botelho Hespanha, 2ª edição,

(23)

assim, a introdução nas Constituições do pós-guerra de princípios e normas que estabeleçam deveres sociais no desenvolvimento da atividade econômica privada, perdendo de vez o Código Civil seu papel de Constituição do direito privado, ficando com um novo papel, o de ser valorado e interpretado juntamente com inúmeros diplomas legais, cada um deles com idéia de universalizar o ordenamento jurídico, iniciando-se aqui a fase dos direitos de

terceira geração, a era dos estatutos.12

Nesse diapasão, a moradia e o uso adequado do solo passam

a ter maior reflexão, sendo que o bem não utilizado ou mal utilizado acaba conferindo motivo de muita inquietação social.

Por tais razões, o princípio da função social da propriedade vislumbra uma garantia de maior solidariedade na utilização da coisa, podendo

afirmar que a “função social da propriedade representa uma reação do

ordenamento contra os desperdícios da potencialidade da coisa para satisfazer as necessidades humanas, sejam materiais, sejam pessoais”.13

A função social da propriedade não significa uma negação do direito subjetivo da propriedade privada, pois, como afirmado acima e nos

dizeres de Fachin, trata-se de uma “formulação contemporânea de legitimação

do título que encerra a dominialidade”14. A função social é razão de tutela e garantia da propriedade privada.

12 TEPEDINO,Gustavo. Premissas Metodológicas para a constitucionalização do direito civil in Temas de direito Civil,Rio de Janeiro:renovar, 1999, p. 07-8.

13 FACHIN,Luis Edson. A cidade nuclear e o Direito Periférico: reflexões sobre a propriedade urbana, RT 743.

p. 108.

(24)

Por fim, resta tratar que através dos tempos, para procurar justificar o direito de propriedade e sua evolução, diversas teorias foram lançadas para inseri-la no princípio da socialidade, como a) da ocupação: que justifica a propriedade por este fato (ocupação) mas que deverá estar mencionado na lei; b) positivista: entende que a lei é que criou a propriedade e é a que a garante, não havendo pois como se falar em propriedade antes que os estatutos jurídicos a reconhecessem e definissem; c) da especificação: que é de natureza econômica, pois, sendo essa capaz de transformar a coisa apropriada em favor do especificador, dá-lhe contornos próprios; d) da natureza humana: vê na propriedade elemento inerente à própria natureza da pessoa humana; e finalmente e) da teoria da função social: a propriedade privada só se justifica se busca atender não só os interesses dos proprietários, mas também os interesses

gerais dos demais que o cercam.15

2 - A função social e o direito à propriedade no Código Civil Brasileiro de 200216

Gustavo Tepedino17 leciona que a propriedade tem sido

estudada sob dois aspectos: o estrutural e o funcional. A doutrina, tradicionalmente, acaba por dar maior relevância ao primeiro aspecto até o presente momento, mas paulatinamente está se pronunciando sobre o segundo aspecto do direito de propriedade nas publicações mais recentes.

O Código Civil Brasileiro de 2002, da mesma forma que o de

1916, não define o direito de propriedade em seu artigo 1.228, acaba apenas dispondo acerca de seu conteúdo, relacionando os poderes conferidos ao

15 LIMA, Getúlio Targino de. Apontamentos a respeito do direito de propriedade,op.cit. p. 166.

16 subitem teve como base um texto ainda inédito, gentilmente cedido pelo colega e jurista Rodrigo Reis Mazzei,

2003.

17 TEPEDINO,Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada in Temas de Direito Civil, 2 ed., Rio

(25)

proprietário como o uso, fruição e disposição da coisa e de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha. Esses poderes fazem parte da estrutura do direito de propriedade.

De toda forma, pela atuação direta dos princípios que norteiam o Código Civil/2002 (§ 1º, do art. 1.228), fica claro que aquela característica da propriedade vista como absolutista recebe tratamento diferenciado do que era previsto na codificação revogada. O absolutismo individual, que representava o arbítrio do proprietário de fazer do bem tudo aquilo que desejava e que já vinha recebendo chancelas, acaba por curvar-se ante a visão da utilização da propriedade sempre em consonância com a finalidade social.

Em um raciocínio rápido parece que nada de novo foi trazido com o § 1º, do artigo 1.228 do Código Civil, uma vez que o disposto no artigo 524 do Código Civil/1916 já se encontrava superado pela Constituição Federal e legislação ordinária.

Todavia, ao avançar na leitura do Código Civil/2002 e analisando o parágrafo único do artigo 2.035, iremos verificar que a função social da propriedade passa a ter tratamento de questão de ordem pública, não

podendo ser objeto de convenção das partes.18

Voltando aos recentes §§ 1º e 2º do artigo 1.228 verificamos que foram introduzidas soluções para sanar o abuso na nociva

utilização da propriedade, não só em razão do meio ambiente (sentido lato) e do

patrimônio cultural (também no sentido lato) _ § 1º do artigo 1.228 _ , mas

18 Não há dúvida em afirmar que a função social da propriedade é uma cláusula geral, das mais importantes de

(26)

também como para impedir que o arbítrio do proprietário prejudique a própria finalidade econômica e social do bem (abuso de direito), e que é preceituado no § 2º do artigo 1.228.

No que se refere especificamente ao abuso de direito verificamos no § 2º do artigo 1.228 que há diferença quanto à regra geral

prevista no artigo 187 do Código Civil/200219 20, já que, na hipótese genérica,

não se vislumbra a necessidade de intenção do agente21, enquanto que, na

questão vinculada ao exercício irregular da propriedade, mister que haja

intenção do proprietário.

E mais. A noção de que o proprietário poderá ser privado do bem, partindo da premissa de que “o direito de propriedade deverá ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais” (§ 1º do art. 1.228), importa grandes reflexos, o que permitiu a criação da nova figura jurídica do § 4º, artigo 1.228 do Código Civil, a desapropriação judicial, cuja

essência de sustentação é a posse trabalho, decorrente de “obras e serviços

considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”, efetuados em “extensa área” por possuidores em considerável número que exercem a posse de boa-fé por mais de cinco anos ininterruptamente.

Dessa forma, diante do que dispõem os parágrafos 4º e 5º do artigo 1.228 e onde está disciplinado o direito de propriedade, deferiu-se, nesses parágrafos enorme poder de avaliação e de situações para o juiz, através

19 A inspiração é proveniente do direito luso, confira-se: Código Civil Português, artigo 334 (Abuso do direito) –

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito”.

20 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os

limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

21 No sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, com base no direito lusitano, afirmam que a

(27)

de conceitos vagos ou abertos. No § 4º, do artigo 1.228, encontram-se três

conceitos vagos: a) a área reivindicanda há de consistir em extensa área; b)

ocupada pela posse de considerável número de pessoas; c) estas haverão de ter

realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços de interesse social e

econômico relevante, assim considerados pelo juiz; d) a posse haverá de ser ininterrupta por mais de cinco anos e de boa-fé. Há, no texto, três conceitos abertos, que hão de ser avaliados e correlacionados pelo juiz. No § 5º, está disposto que o juiz fixará indenização, o que haverá de acarretar a conversão da

reivindicatória em indenizatória, e, uma vez paga a justa indenização,

expedir-se-á título dominial em nome desses possuidores. Trata-se de uma expropriação, decretada pelo juiz, à luz da presença dos elementos do § 4º e realizável quando ocorrer a obediência ao que está no § 5º, resta saber quem indenizará, posto que o Estado não foi parte no processo, e se os possuidores não tiverem recurso financeiro, o que será penhorado para garantia da indenização? Tal questão deve ser objeto de outro trabalho.

A função social da propriedade, contudo, não tem efeito exclusivo no § 4º, do artigo 1.228, mas também em vários outros dispositivos. É possível se afirmar que a diminuição dos prazos da usucapião (parágrafos únicos, dos artigos 1.238 e 1.242) e a inserção da opção de compra do imóvel em favor daquele que de boa-fé planta ou edifica no terreno alheio (parágrafo único, do artigo 1.255) são influências diretas da idéia da função social, de modo a prestigiar o bom uso do bem, encadeando-o no bom contexto econômico ou social. As novas formas da usucapião demonstram a importância angular da questão que, repita-se, passa a ter tratamento de matéria de ordem pública, algo que não foi cogitado à época da edição do Código Civil/1916.

(28)

afirmava que a função social da propriedade, necessariamente, implicaria na

“proletarização” do Direito Civil.22 O legislador ao afirmar que o direito de

propriedade deve ser exercido com “as suas finalidades econômicas e sociais” não assinalou que pretende implementar uma “política do proletariado”, mas, em rumo diverso, buscou eliminar o arbítrio abusivo do proprietário sobre o bem quando este puder ser utilizado por terceiro(s) que demonstrem objetiva intenção

de atar a propriedade na vida social ou econômica com a sua utilização viável.23

Vimos assim que o Código Civil de 2002 enfoca os

princípios da socialidade e eticidade, compreendendo-se, também, que a nova

ordem civil é um sistema móvel, repleto de cláusulas gerais que deverão ser

complementadas com os valores adequados para cada caso.

Pelo exposto até aqui, concluímos que a propriedade não perde suas características nucleares, o novo quadro legal do artigo 1.228 do Código Civil decorrente da própria sociedade exige que o exercício dos poderes inerentes à propriedade – que continuam a ser absolutos, exclusivos e perpétuos

22 SAVATIER, Rene: “Recordando que alguns falam em socialização, outros em ‘publicização’ do Direito Civil,

entende que melhor se dirá ‘proletarização’ desse Direito, pelo declínio das instituições que se inspiravam nas concepções e nos modos de vida ‘burgueses’, surgindo um Direito novo, assinalado pelo modo de vida e pelas concepções ‘proletárias’; e salienta a preocupação principal do Código, com os imóveis, porque representam uma fortuna particularmente sólida e durável, e que a concepção burguesa da fortuna privada não aspirava somente torná-la estável, mas considerava como normal aumentá-la progressiva e indefinidamente, por economia. A valorização do trabalho – diz – em relação ao capital puro corresponde a uma idéia de Justiça. E, fazendo considerações sobre as empresas e os ofícios, o capital e o trabalho, diz – que a evolução atual do Direito Civil tende a ‘minimizar’ a velha fortuna adquirida, cujo estatuto era a grande preocupação do Direito tradicional; - que o conjunto das instituições é atravessado por uma corrente que, valorizando o trabalho atual, cria no Direito um clima novo. O grande civilista se manifesta, pois, contra a propriedade individual, como se ela fosse a causa das desigualdades sociais, esquecendo-se dos lucros enormes que auferem as indústrias, e de que a solução está na participação dos operários nos lucros das empresas. O capital, imobiliário, juntamente com o trabalho operário, produzem os lucros, uma parte dos quais deve ser atribuída ao operário” (in Código Civil Comparado, São Paulo:Revista dos Tribunais, 1962, p. 335).

23 Ademais, como bem assinala Luis Edson Fachin, sobre a função social da propriedade, na vertente da

(29)

– amoldem-se ao interesse do bem comum, demonstrando a valorização do indivíduo em dois planos distintos, seguindo o que está delineado nos incisos

XXII e XXIII do artigo 5o , bem como repetido no Título da Ordem Econômica

e Financeira da Constituição Federal de 1988, nos incisos II e III do artigo 170. Vejamos:

CF/88

Art. 5.o Todos são iguais perante a lei, sem distinção

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (...)

XXII – é garantido o direito de propriedade.

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

II – propriedade privada

CF/88

Art. 5o. Todos são iguais perante a lei, sem distinção

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: (...)

XXIII – a propriedade atenderá sua função social.

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

III – função social da propriedade

Código Civil 2002

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Código Civil 2002

Art. 1.228, §1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar a outrem.

(30)

casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no caso de requisição, em caso de perigo público iminente.

§ 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Num primeiro plano, observa-se a propriedade

intrinsecamente. Nessa situação, vê-se o indivíduo enquanto proprietário, estando o foco do direito vinculado a um microambiente com direito subjetivo perfeitamente delimitado em favor do titular da propriedade.

Em outro plano, que deve ser visto no mesmo enfoque,

simultaneamente, apenas com a ressalva de visão extrinsecamente24, vê-se o

proprietário como indivíduo partícipe da coletividade25, já que há preocupação

difusa do Estado com o bem-estar da sociedade como um todo, e não apenas de um indivíduo ou mesmo de um grupo determinado.

24 O exame da função social se faz de forma extrínseca, o que não significa dizer que está fora do contexto da

propriedade. Nessa linha, é salutar a ressalva de Francisco Eduardo Loureiro: “A função social não pode ser encarada como algo exterior à propriedade, mas sim como elemento integrante a sua própria estrutura. Fala-se não mais em atividade limitativa, mas em conformativa do legislador”. (inA Propriedade como relação jurídica complexa, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 191). Nesse sentido, LIMA, Getúlio Targino de. Apontamentos,

op.cit., p. 188.

25 Utiliza-se a expressão coletividade à míngua de uma expressão mais ampla que represente o proprietário

dentro de um contexto social amplíssimo. Quando se aborda a função social, a dificuldade nos conceitos ocorre em diversos momentos. Tanto assim que a própria expressão função social há de ser compreendida como algo maior do que função pública. No sentido, Liana Portilho Mattos sentencia: “não é correto restringir a noção de uma função ‘social’ da propriedade a de uma função ‘pública’ da propriedade. O interesse que se busca atingir com a funcionalização da propriedade é um interesse social, que nem sempre tem identificação com um interesse

(31)

As restrições ao direito de propriedade visam permitir, dentro do enfoque do resultado decorrente do manejo dos poderes do proprietário, a prevalência do indivíduo, enquanto célula de uma sociedade,

sobre a figura individual determinada.26 Ao se garantir os poderes da

propriedade e, ao mesmo tempo, criar válvulas legais de correção para o uso inadequado ou nocivo da mesma pelo indivíduo determinado (titular) em detrimento ao indivíduo da coletividade, o legislador acaba por reconhecer que a propriedade deve ser analisada dentro de um quadro complexo, diferente do

contexto do Código Civil de 1916.27

Nessas condições, a propriedade, com olhos no titular

(indivíduo determinado), será analisada dentro de vertente subjetiva, ao passo

que, se o foco estiver em sua função social (resultado obtido pela utilização de

seus poderes), será observada dentro de vertente institucional, ou seja, em razão

da sociedade como um todo, em que o indivíduo faz parte do coletivo.28

26 Há, portanto, no Código Civil/2002, um ambiente de tensão entre o caput do art. 1228 e os seus parágrafos, em

especial com o parágrafo primeiro. A tensão é proposital e sadia, seguindo o caminho que o legislador constitucional já deixou consignado nos incisos XXII e XXIII do art. 5o da CF/88.

27 Próximo à idéia, afirma Francisco Eduardo Loureiro: “O conceito contemporâneo de propriedade é o de

relação jurídica complexa que tem por conteúdo as faculdades de uso, gozo e disposição da coisa por parte do proprietário, subordinadas à função social e correlatos deveres, ônus e obrigações em relação a terceiros. Há centros de interesses proprietários e não proprietários, geradores de direitos e de deveres a ambas as categorias” (inA Propriedade como Relação Jurídica Complexa, Rio de Janeiro:Renovar, 2003, p. 188).

28 Ainda que com divergências, nessa linha, colhe-se a doutrina de Maria Elizabeth Moreira Fernandez: “O

(32)

Conclui-se, assim, não ter cabimento a idéia de que a função

social da propriedade afastou a autonomia privada no direito de propriedade, 29

não resta dúvida de que o novo Código Civil não aboliu a propriedade como direito absoluto, exclusivo e perpétuo. Contudo, também não há dúvida de que o exercício dos poderes inerentes à propriedade deve obediência a uma das mais

importantes cláusulas gerais da nova codificação que é a função social da

propriedade, tudo em consonância com os incisos XXII e XXIII do art. 5o da Constituição Federal de 1988.

Estamos hoje diante de um direito de propriedade garantido e assegurado pela Constituição Federal contra abusos do próprio proprietário e do Poder Público, todavia esse mesmo direito está absolutamente comprometido com a realização da função social do bem imóvel e ainda participando de uma relação complexa (intrínseca e extrínseca)

Pelo todo exposto, ressaltamos a idéia de que a propriedade

se justifica socialmente diante de sua funcionalidade, que lhe dá contornos de respeito aos interesses coletivos, e assegura a dignidade da pessoa humana, princípio constitucional que é norteador de toda legislação inferior à Constituição Federal.

29 Como bem conclui Francisco Eduardo Loureiro: “A autonomia privada não desapareceu e nem tende a

(33)

CAPÍTULO II – O CONDOMÍNIO E O PARCELAMENTO DO SOLO URBANO NO DIREITO BRASILEIRO

Esta etapa do trabalho tem como escopo alinhavar o conteúdo da propriedade e sua função social estudados à luz do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, agora no âmbito do condomínio e do parcelamento do solo urbano. De que forma a propriedade se expressará no condomínio tradicional e edilício, e no parcelamento do solo urbano.

Finalmente, como a propriedade, associada à função social na

ordenação das cidades, estará inserida nos loteamentos fechados.

1 – Condomínio tradicional

Podemos entender como condomínio tradicional aquele determinado direito de poder pertencer a várias pessoas ao mesmo tempo, configurando a comunhão.

O termo comunhão deriva do latim communis que significa

pluralidade, coletividade ou reunião de elementos singulares. O termo condomínio é formado pela junção da preposição com (ao lado de) e do

substantivo domínio ( da latim dominium, direito de propriedade) o que significa

dizer que a propriedade pertence ao mesmo tempo a mais de uma pessoa.30

A posição do Código Civil brasileiro com relação ao condomínio e a situação da propriedade sobre a coisa é a de que cada

condômino é proprietário da coisa toda (teoria da propriedade integral31), mas é

30 SOARES, Danille Machado. Condomínio, op.cit., p 56-57.

(34)

delimitado por iguais direitos dos demais condôminos vez que se reparte entre todos a utilidade econômica da coisa, podendo, em face de terceiros, reivindicar a coisa toda e não apenas sua quota-parte posto que os poderes imanentes ao direito de propriedade pertence a todos.

Muito embora haja a propriedade integral, o direito de cada

condômino, em face de terceiros, abrange a totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade como dito antes; mas, entre os próprios condôminos, o direito de cada um é autodelimitado pelo do outro, na medida de suas quotas,

para que seja possível a sua coexistência.32

Assim, a idéia do condomínio tradicional ou convencional está no exercício conjunto das faculdades inerentes ao domínio, pela pluralidade de sujeitos, e que cada um deles tenha poder jurídico sobre a coisa inteira, em projeção de sua quota ideal, não excluindo esse mesmo poder dos outros condôminos. Na essência, o condomínio tradicional é transitório, e por esta razão o legislador prescreveu regras que faça cessar essa coexistência (arts.

1.320 a 1.322, Código Civil).33

O condomínio tradicional encontra-se prescrito nos artigos

1.314 ao 1.326 do Código Civil de 2002, nestes, estarão previstos os direitos e deveres dos condôminos, tais como: a) a defesa da posse, b) a possibilidade de alienar ou gravar sua parte ideal, c) na impossibilidade de alteração da coisa comum, sem consenso dos demais, d) concorrer com as despesas, e) requerer a divisão da coisa comum ou adjudicação, quando indivisível e, afinal, f) a forma da administração do condomínio.

(35)

2 – Condomínio edilício

Traçadas essas breves linhas acerca do condomínio tradicional, notaremos que o condomínio edilício difere daquele por inúmeros fatores.

Assim vejamos. À medida que a sociedade foi se tornando

complexa, devido à concentração da população nos centros urbanos, uma nova forma de vida em comum foi criada diante da necessidade de aproveitamento de áreas de terrenos mais propícias a habitação e que não se amoldavam ao condomínio tradicional.

Dessa forma, o crescimento populacional das grandes

cidades, de forma vertiginosa e desordenada, acabou por exigir soluções. A incorporação imobiliária surgiu para tentar solucionar esse estado de fato através da construção de edifícios em condomínio, mas que merecia regulamentação e apoio legal.

Divergem os autores acerca da denominação do instituto

jurídico. No Brasil, os autores propõem como denominação desse condomínio

especial: propriedade horizontal34, propriedade em planos horizontais35,

condomínio relativo36, condomínio por andares37 e condomínio em edifícios38.

34 CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária – Ensaio de uma Teoria Geral, São Paulo:Revista

dos Tribunais, 1993, p. 109; LOPES, João Batista. Condomínio, São Paulo:Revista dos Tribunais, 6ª edição, 1997, p. 47; PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio, op.cit., p. 67.

35 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. II, 1995, p.50 36 MAXIMILIANO, Carlos. Condomínio, São Paulo: Editoras Freitas Bastos, 1944, p.72

37 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Loteamentos e Condomínios, São Paulo: Max Limonad, 1953, Tomo

II, p. 69.

(36)

Com efeito, no Brasil, está ganhando terreno a expressão

propriedade horizontal, isto é, a propriedade que se exerce em edifícios divididos em planos horizontais, como também a propriedade que se exerce em terreno com edificação de casas.

Miguel Reale, em suas exposições de motivos, explica que condomínio edilício seria mais apropriado posto que se trata de um condomínio

constituído como resultado de um ato de edificação.39

Nesse diapasão, seja pela denominação de condomínio especial, edilício ou propriedade horizontal, verificaremos mais adiante que está sendo tratado esse tipo de propriedade como um instituto novo, merecendo dessa

forma, um nomen juris próprio.

2.1 – Notícia histórica

As organizações sociais ocorridas no tempo correspondem a um tipo de propriedade voltada sempre para a política dominante de determinado período histórico.

A preocupação com o aproveitamento econômico do solo, no

tempo de Roma, identificava-se na casa geminada, em que mais de uma família vivia sem exercer em comum direitos sobre o todo, ou seja, a família tinha o

dominus sobre uma parte da coisa.40

39 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 04,

p. 196.

(37)

Viu-se, então, a necessidade da divisão jurídica pelo fracionamento material posto que a superposição habitacional acabava não sendo indiferente ao direito, pois, além de conhecida, era praticada e respeitada entre os romanos. Assim, não houve como deixar de reconhecer, mesmo com a repugnação por parte dos juristas romanos da divisão de prédios por planos

horizontais, que a insula era uma habitação plebéia, superposta, familiar e

natural entre os romanos. 41

Na Idade Média, a propriedade imóvel era objeto de

subordinação, e símbolo do poder real. Sob esse regime, a organização econômica era fundamentada pelo enganjamento político e pelo direito de privilégios. As relações para com a propriedade eram feitas numa escala de valores políticos que vinha desde o soberano até o servo da terra, este, por sinal, cultivador das terras, sequer tinha o domínio mas pagava uma contribuição pelo uso da terra e por não ser molestado. A idéia é a da propriedade de uso comum, a coisa é vista como objeto de uso e gozo comum, dando ensejo à teoria coletivista que foi base do sistema político feudal.

Na Idade Moderna, novas idéias políticas se elaboraram com

forte influência das idéias liberais. A Revolução Francesa foi um marco histórico que procurou retirar o individualismo jurídico da propriedade e aquele tipo de propriedade visualizada na Idade Média. Todavia, tratou pouco de regular o condomínio pois as causas socioeconômicas, para os legisladores da época, inexistiam, daí não haver interferência legislativa e regulamentação

conveniente.42

(38)

No Brasil, as Ordenações do Reino, mais precisamente as Ordenações Filipinas, referiam-se ao condomínio como casa de dois senhores, uma era senhor do sótão e a outro do sobrado. Na Consolidação de Teixeira de Freitas, inclusive no seu Esboço, acabou não tratando da matéria pois ainda não havia o problema habitacional, o que acabou sendo refletido no Código Civil de

1916, ou seja, não se fez referência à propriedade em plano horizontal.43

Somente em 1928, através do Decreto 5.481, sob influência

de legislações estrangeiras, e sob pressão das massas e de seus interesses que já viviam em condomínio, foi regulamentada a propriedade coletiva o que acabou por romper o regime do condomínio tradicional que inadmitia a propriedade dividida em planos horizontais, com fração ideal para cada proprietário e livre

disposição da unidade autônoma.44

Interessante apontar que, no contexto desse Decreto, foi

admitida a propriedade fracionada, desde que o edifício possuísse mais de cinco andares que poderiam ser divididos em unidades autônomas, suscetíveis de serem alienados e gravados, transcrevendo-se o respectivo negócio jurídico no Registro de Imóveis. A propriedade ficou caracterizada de forma mista, ou seja, exclusiva quanto ao apartamento e comum quanto ao resto do edifício (arts. 1º,

2º e 4º do Decreto n. 5.841/28).45

Apesar deste tipo de condomínio ter surgido nos países estrangeiros após a I Guerra Mundial ante a crise de habitação, foi o desenvolvimento das cidades e a valorização dos terrenos urbanos que acabou

43CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária, op.cit., p. 85; LOPES, João Batista. Condomínio,op.cit., p. 24; MALUF, Carlos Alberto Dabus. O Condomínio Edilício no novo Código Civil. São Paulo:Saraiva, 2004. p. 03 e PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio,op.cit., p. 64.

44CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária, op.cit., p.31;LOPES, João Batista. Condomínio,op.cit,. p. 24 e PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio,op.cit., p. 36.

(39)

criando a necessidade de melhor aproveitamento do solo.46 A crise maior das habitações veio com mais intensidade após a Segunda Guerra Mundial que provocou a intervenção legislativa no direito de contrato. No Brasil, a propriedade horizontal, após o Decreto 5.481/28, foi disciplinada pela promulgação da Lei 4.591/64 que instituiu uma nova modalidade de condomínio em edifício, sem quaisquer restrições ou limitações quanto ao número de unidades e ao tipo de material a ser empregado, podendo as edificações ser

superpostas ou geminadas, para fins residenciais, comerciais ou mistos.47

Com o advento do Código Civil de 2002, para atender às necessidades de adaptação da Lei 4.591/64 procurou-se preencher lacunas, sendo que essas novas disposições acerca do condomínio edilício encontram-se

regulamentadas atualmente nos artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil.48

Importante salientar que as linhas gerais, no que tange ao

condomínio edilício, encontram-se prescritas naqueles artigos 1.331 a 1.358 do

Código Civil sendo que esses artigos se completam com a Lei 4.591/64.49

2.2 – Natureza jurídica

Nas linhas fundamentais da propriedade horizontal, a mesma

diverge do condomínio tradicional no que tange ao exercício conjunto dos

46 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro,op.cit., v. 4, p. 195

47 CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação,op.cit. p. 31-32; LOPES, João Batista. Condominio, op.cit., p.

24 e SOARES, Danielle Machado. Condomínio de Fato, op.cit., p. 67. Everaldo Cambler ensina ainda que antes de 1964, as incorporações pressupunham a existência de um edifício já pronto, com dois ou mais anadares, dividido em apartamentos independentes entre si, onde o proprietário, se desejasse, poderia aliená-los isoladamente, depedendo, para tanto, de requerer ao Registro de Imóveis a prévia averbação da discriminação do edifício, atribuindo-se uma designação numérica a cada unidade autônoma, bem como a discriminação da fração ideal do terreno e demais áreas comuns do edifício, InIncorporação,op.cit., p. 31.

48 MALUF, Carlos Alberto Dabus. O Condomínio,op.cit., p. 05 e VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil, Reais, 2ª

ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 284.

49 MONTEIRO, Vilebaldo. Condomínio Edilício no Novo Código Civil, Rio de Janeiro: Roma Victor Editora,

(40)

poderes inerentes ao domínio, pela pluralidade de sujeitos e de que cada um dos

condôminos têm poder jurídico sobre a coisa inteira.50

No condomínio edilício, que é dividido horizontalmente e

fracionado em unidades autônomas, não se vê para os condôminos um poder jurídico sobre a coisa toda, mas na utilização em comum das partes necessárias e no poder jurídico exclusivo sobre uma fração ideal da coisa, excluindo, portanto, os demais condôminos.

Diante das divergências dos doutrinadores acerca da natureza

jurídica, das dificuldades de fixá-la51 posto que o instituto da propriedade

horizontal não se identifica com a compropriedade, nem com a sociedade, mas participa em alguns pontos da natureza de ambas, constatamos que o condomínio edilício é um direito complexo, e que constitui uma só relação jurídica, ou seja, o dono da unidade autônoma é sujeito ativo e as demais pessoas são passivas a esse direito; o objeto desse direito é uma complexidade de bens e direitos sendo que a unidade é parte subordinada a uma sujeição

individual e o solo e partes comuns a uma sujeição coletiva.52

Nos dizeres de João Batista Lopes, “a propriedade horizontal

é, em verdade, um instituto jurídico novo”53. Na lição de José Oliveira

Ascenção, “a propriedade horizontal é efectivamente um novo direito real. Mas não é um direito real simples, é antes um direito real complexo, pois combina figuras preexistentes de direitos reais; neste caso combina propriedade e

50 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio, op.cit., p. 76-77. 51 LOPES, João Batista. Condomínio,op.cit, p. 49-56.

(41)

compropriedade, que se mantêm distintas por força da diversidade do seu objeto”.54

Na verdade não se trata um direito real diferente ao da propriedade de uma casa, mas que se diferencia deste quando esse direito de propriedade (direito real) é exercido sobre a parte exclusiva (unidade autônoma) juntamente com o direito de co-propriedade sobre as partes comuns. Para alguns juristas a fusão desses dois direitos faz nascer um novo direito real, somado

ainda ao fato de que recebe regulamentação especial para seu exercício.55

Guillermo Allende56 sustenta ainda que “Desde el punto de

vista de su naturaleza juridica entiendo que la propiedad horizontal constituye un derecho autónomo, independiente del dominio y del condominio y también independientes de ambos conjuntamente. Dentro de esta concepción defino a la propiedad horizontal así: es el derecho real de propiedad de dos o más personas sobre un inmueble edificado, por el cual cada uno tiene un derecho exclusivo sobre determinados sectores independientes y un derecho común, establecido al solo efecto de hacer posible el primeiro, sobre las restantes partes”.

Nesse sentido Wilson de Souza Campos Batalha57 pontificia

que “o objeto da relação de direito de propriedade, em que é sujeito o dono de cada apartamento, é o todo: o apartamento no sentido da parte divisa; a parte indivisa do terreno; as partes indivisas no edifício e noutras dependências”. E continua, “o condomínio, por andares ou apartamentos, caracteriza-se como uma

verdadeira commixtio de propriedade comum e de propriedade separada,

54 ASCENÇÃO, José Oliveira. Direitos Reais, Coimbra:Coimbra editora, 1973, p. 498.

55 CAMBLER, Everaldo Augusto. Incorporação Imobiliária,op.cit., p.109 e LOPES, João Batista. Condomínio,

op.cit., p. 56 e 69. Os condôminos, por serem titulares de unidades autônomas que integram um complexo jurídico, sujeitam-se a obrigações impostas pela convivência, daí a razão de haver convenção de condomínio, a indisponibilidade de alterar as partes comuns, por exemplo.

56Panorama de Derechos Reales. Buenos Aires: La Ley, 1967, p. 124.

(42)

reunindo e englobando, numa sistematização própria, princípios de ambos os institutos jurídicos”.

2.3 – Objeto do condomínio edilício

O condomínio edilício ou propriedade horizontal surge

através de uma atividade humana que promove e realiza a construção de prédios ou casas assobradadas, chamada incorporação imobiliária.

A incorporação imobiliária vem definida no parágrafo único do art. 28 da Lei 4.591/64 (e não alterada pelo Código Civil de 2002) como: “Considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações, ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

Para haver a incidência da Lei 4.591/64, é necessário que a aquisição de fração ideal do terreno esteja atrelada à obrigação de construir, ou seja, a Lei 4.591/64 foi editada com o fim específico de regulamentar as edificações em condomínio, ou seja, a construção em forma de unidades autônomas.

Assim, não há que se falar na aplicação da Lei 4.591/64 se inexiste a obrigação de edificar ao se vender ou prometer a venda de fração ideal de terreno. Nesses casos, em havendo aquisição de um terreno por várias pessoas desatrelada da edificação e de unidades autônomas, estaremos diante do

condomínio tradicional.58

58 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado, Revista do Instituto dos Advogados, São Paulo, N. Especial,1997,

(43)

No condomínio edilício ou propriedade horizontal, as edificações podem também ser de casas térreas ou assobradadas, não dependendo que haja superposição de unidades. É o que se depreende da leitura

do artigo 8º da Lei 4.591/64.59

O condomínio previsto neste artigo 8º da Lei 4.591/64 é uma modalidade especial de aproveitamento condominial do espaço de uma gleba, onde não existem ruas, praças ou áreas livres públicas. Às unidades autômonas que se constituírem de casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela fração ideal sobre a

totalidade do terreno e partes comuns.60

Além disso, mesmo que haja a parte discriminada no terreno

dessas unidades autônomas, quer de utilização exclusiva, quer de uso comum, ainda não passarão a ter individualidade registrária própria, pois essas partes, embora discriminadas, continuam integrando a totalidade do terreno, de forma

ideal, do qual são indestacáveis.61

As unidades autônomas apenas receberão identificação

registrária própria após a conclusão da construção, quando se verificar sua averbação no registro de imóveis e o empreendimento for submetido à

instituição, especificação e convenção condominial62, somente então é que cada

59 Art. 8º Lei 4.591/64: Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador,

cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte: a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e, também, aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades.

60FREITAS, José Carlos de. Da Legalidade dos Loteamento Fechados, Revista dos Tribunais nº 750,

Abril/1998, p. 152-153.

61 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento e condomínio fechado, Jornal Tribuna do Direito, Janeiro/1999, p. 10. 62 Nos edifícios e casas cada unidade autônoma terá sua identificação numérica, correspondendo-lhe uma fração

(44)

unidade autônoma passa a ser distinguida com tributação municipal específica e

não poderá ser alterada sua destinação por iniciativa isolada de seus titulares.63

Como ensina João Batista Lopes64, “a constituição do

condomínio (em que nasce a propriedade horizontal ou o edilício) não se confunde com a especificação do condomínio, ou seja, a adequada caracterização das unidades autônomas com indicação das partes exclusivas e das partes comuns (áreas, destinação etc.)”.

Assim, mesmo que haja o registro da incorporação no

Cartório de Imóveis, ainda é necessário que haja o registro da instituição e da especificação do condomínio para que haja unidades autônomas, ou seja, para que se aperfeiçoe a figura jurídica do condomínio edilício; antes disso, somente há frações ideais do terreno vinculadas à construção das unidades e passíveis de negócio (art. 32, § 2º da Lei 4.591/64).

Por fim e conforme dito linhas acima, as unidades autônomas

só podem ser matriculadas (identidade registrária) depois de averbada a sua construção, com exibição do alvará de construção (“habite-se”) e do registro da

instituição e da especificação.65

3 – Intróito acerca do parcelamento do solo urbano

Após tecidas algumas considerações a respeito do condomínio tradicional e edilício, verificaremos como se dará o parcelamento do solo urbano brasileiro, de que modo ele se diferencia da figura do

63 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento e condomínio fechados, Jornal Tribuna do Direito, Janeiro/1999, p.10. 64 LOPES, João Batista. Condomínio,op.cit, p. 68.

(45)

condomínio edilício, como foi sua evolução, os desdobramentos face o desenvolvimento incontido das cidades, e, principalmente, atentaremos quanto a missão social do urbanismo na ordenação dos espaços habitáveis para assegurar à população melhores condições de vida no aglomerado humano.

A evolução do direito é uma conseqüência das

transformações sociais e as modificações dessas situações sociais e políticas acabam gerando a necessidade de adaptações na busca constante de se

encontrarem soluções adequadas aos litígios.66

Quando o homem se urbanizou, a propriedade imóvel passou a ter maior importância, os loteamentos, através de contratos de compra e venda, de promessas de compra e venda, acabaram correspondendo a uma forma de socialização da propriedade.

Verificamos que o fenômeno social ficou mais transparecido na Revolução Industrial, mesmo que ainda nessa época prevalecesse a idéia da propriedade individualista e que separava as pessoas em classes, da política do absolutismo e da economia mercantilista. Ainda assim, com o surgimento das máquinas, acabaram paulatinamente surgindo as conquistas sociais advindas de novas definições filosóficas, doutrinas socialistas, aparecimento das entidades de classe, sindicatos, tudo inspirado no quadro da proletarização das classes

trabalhadoras, que sofriam injustiças de toda ordem.67

Atentaremos, dessa forma, que essas situações, de modo diferente ou não, continuam perdurando até hoje, classes de patrões,

66 RIZZARDO. Arnaldo. Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano: Lei 6.766/79 e 9.785/99,6 ed., São Paulo:Revista dos Tribunais, 2003, p. 15.

67 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra,op.cit., p. 15-16. TEPEDINO, Gustavo.Temas de Direito Civil.

(46)

empregados, assalariados e, nessa realidade, os loteamentos surgem como decorrência da necessidade de se adaptar a propriedade à capacidade econômica de cada uma dessas classes, que acabaram se fixando nos centros urbanos industrializados e também em consonância com a finalidade social que vincula a propriedade.

3.1 – Evolução histórica

A origem etmológica da palavra parcela é francesa (parcelle),

que, por sua vez, se originou do latim particella, diminutivo de pars, partis,

parte.68

O parcelamento do solo surgiu em Roma para estimular o aproveitamento das terras, que eram divididas em lotes e cedidas, mediante insignificante remuneração ou gratuitamente, aos velhos guerreiros que se

constituíam em grupos de colonizadores.69

Em 1919, a França promulgou a primeira lei sobre parcelamento do solo urbano, com escopo de fixar o homem dentro das estruturas urbanísticas existentes. Na verdade, foi após a Primeira Guerra Mundial que as Leis de 4 de março de 1919 e de 22 de julho de 1923 prescreveram medidas especiais para a delimitação, o loteamento e o reagrupamento das propriedades em regiões devastadas pela guerra. Essas leis produziram alguns resultados e foram restauradas por Decreto-Lei de 30 de

outubro de 1935.70

68FAZANO,Haroldo Guilherme Vieira. Da Propriedade Horizontal e Vertical, Dissertação de Mestrado,

PUC/SP, 2001, p. 147.

69 FAZANO,Haroldo Guilherme Vieira. Da Propriedade, op.cit., p 145.

Referências

Documentos relacionados

No entanto, após 30 dias de armazenagem, o teor de fármaco nas suspensões decaiu para valores próximos a 50 % nas formulações que continham 3 mg/mL de diclofenaco e núcleo

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Frondes fasciculadas, não adpressas ao substrato, levemente dimórficas; as estéreis com 16-27 cm de comprimento e 9,0-12 cm de largura; pecíolo com 6,0-10,0 cm de