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CIVIL. Curso de DIREITO. Contratos Teoria Geral e Contratos em Espécie. 12 a. Cristiano Chaves de Farias Nelson Rosenvald. Edição

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2022

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Curso de DIREITO

CIVIL

Contratos – Teoria Geral e Contratos em Espécie

Cristiano Chaves de Farias Nelson Rosenvald

12 a

Edição

revista atualizada

ampliada

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A Formação dos Contratos

Sumário • 1. A formação dos contratos paritários: 1.1 Noções iniciais; 1.2 Estrutura da formação do contrato no Código Civil; 1.3 Tempo e local de conclusão do contrato paritário – 2. A formação dos contratos massificados: 2.1 Oferta nos contratos civis de adesão; 2.2 Formação do contrato no Código de Defesa do Consumidor; 2.3 Formação do contrato e superendividamento; 2.4 Formação do contrato eletrônico; 2.5 Formação dos Smart Contracts – 3. Contrato preliminar: 3.1 Noções gerais; 3.2 Regime jurídico; 3.3 A promessa de doação; 3.4 A eficácia real do contrato preliminar; 3.5 O contrato preliminar impróprio.

“Eu vou à Penha de qualquer maneira Pois não é por brincadeira Que se faz promessa E o tal mulato para não entrar na lenha Fez comigo um contrato Pra sumir da Penha Quem faz acordo não tem inimigo.”

(Moreira da Silva, De qualquer maneira, de Ary Barroso e Noel Rosa)

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1. A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS PARITÁRIOS 1.1 Noções iniciais

Em sua vasta obra, o fundador do moderno jusnaturalismo, Hugo Grócio, trata da força vinculativa da promessa de cada uma das partes. Para que o direito se transmita, a promessa deverá ser aceita. Resulta deste princípio a teoria da conclusão contra- tual, através da oferta e da aceitação. Esta avançada teoria, formulada no início do século XVII, insere-se até hoje nos códigos modernos.1

Em um salto para o Brasil do terceiro milênio, em sede de formação de contratos, podemos criticar o Código Civil de 2002 pela tibieza. Há um evidente descompasso entre a realidade e o texto em vigor.

O legislador preservou a redação conferida pelo Código Civil de 1916 (arts.

1.080 a 1.087), acrescentando unicamente a figura da oferta ao público, o que não é auspicioso, pois a temática já era objeto de eficiente tratamento pelos arts. 30 a 35 do Código de Defesa do Consumidor.

Nada obstante, dentre as lacunas normativas, podemos destacar o fato de a lei civil ignorar as tratativas inerentes à etapa pré-contratual, à formação dos contra- tos eletrônicos e à questão da execução específica, também objeto de enfoque do processo civil. Quanto às negociações preliminares, implicitamente são extraídas do texto do art. 422 do Código Civil, ao versar acerca da presença da boa-fé “na con- clusão do contrato...”. Portanto, a matéria demandava disciplina adequada na seção II (arts. 427-435) do Título V do Livro do Direito das Obrigações. Ademais, não se entende como em pleno terceiro milênio a lei civil se omite em enquadrar os contra- tos formados pela Internet. Ao contrato eletrônico, atípico por escolha legislativa, aplicar-se-á o disposto no art. 425 do Código Civil. Por fim, no tocante à execução específica, a dogmática civilista foge do exame do caráter vinculante da proposta, ainda cuidando da matéria pelo ângulo da reparação pecuniária.

O contrato é negócio jurídico bilateral derivado da união de dois negócios jurí- dicos unilaterais: proposta e aceitação. Quando aludimos a duas vontades, falamos de duas partes e não de duas pessoas. Parte e pessoa não se confundem, pois a parte, como “centro de interesses”, pode se compor de várias pessoas. Por isso a formação do contrato requer a participação de vontades lastreadas em posições econômicas antagônicas, objetivando uma composição de interesses, funcionalizada a uma cola- boração intersubjetiva com respeito à boa-fé objetiva e à função social do negócio

1. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno, op. cit., p. 332-333. O próprio historiador esclarece que neste século XX a matéria sofre alterações, pois “A teoria da declaração da vontade e da conclusão negocial foram compatibilizadas – através da transcrição da teoria da vontade da pandectística para o princípio da confiança ou vigência, através da interpretação objetiva segundo a boa-fé, através do controle jurisprudencial dos contratos estandardizados e das condições gerais dos contratos e através da teoria do silêncio no comércio jurídico – com a evolução da sociedade, nomeadamente no que respeita à evolução dos negócios jurídicos isolados para os negócios jurídicos em massa” (op. cit., p. 594-595).

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jurídico. Não é conveniente falar em polos opostos, mas em uma aproximação de parceiros para a realização da finalidade comum do adimplemento da obrigação.

Há que deixar claro que não cuidaremos especificamente da formação dos con- tratos plurilaterais. Tal espécie, constituída basicamente pelas várias modalidades de criação de pessoas jurídicas sob a forma de associações, sociedades, cooperativas, sindicatos, condomínios edilícios ou semelhantes, tem a sua formação orientada pela própria especificidade de sua natureza. Nos contratos bilaterais se opõe um figurante ao outro com interesses opostos: “A” quer adquirir determinado bem, e

“B” deseja dele dispor. Formam-se os dois lados do contrato. Todavia, nos contratos plurilaterais, os figurantes (sócios), “A”, “B”, “C” e “D”, juntam-se para perseguir um objetivo comum. Não possuem interesses opostos, mas convergentes. Não se pode, portanto, pluraliteralizar o que é bilateral nem bilateralizar o que é plurilateral. São avenças de natureza diferente. Um contrato de sociedade com apenas dois sócios não é bilateral, como não é plurilateral a compra e venda em que o casal “A” e “B”

aliena imóvel aos compradores “C” e “D”.2

Por fim, tal qual evolui a sociedade na direção de múltiplos subsistemas autôno- mos, o ideal do contrato resta igualmente fragmentado. Existem relações por adesão, de consumo e por contratos eletrônicos. Nada mais natural, portanto, a pluralidade e a segmentação no processo de formação do contrato. Seguindo a trilha sugerida por Ricardo Lorenzetti, examinaremos o tema em uma sequência quadrifásica: (a) o con- sentimento contratual, caracterizado pelo intercâmbio de posições entre as partes, até alcançarem um “sentir comum”, é a modalidade regulada nos códigos civis e aquela que se leva em conta como forma padrão para a denominada “teoria geral”; (b) a adesão, e não o consentimento, aplica-se ao caso em que uma das partes aceita contratar sob a base de condições redigidas previamente pela outra parte; (c) o contrato celebrado pelos consumidores, sujeito à regulação especial, admite um processo de formação no qual a publicidade tem efeitos heterônomos, bem como a conduta prévia e as práticas comerciais podem ser integradas ao consenso; (d) a oferta com fundamento na aparência e a aceitação, baseada na confiança, próprias de sistemas de alta evolução tecnológica.3

Destarte, primeiro, enfrentaremos a formação dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Na sequência, trataremos da formação do contrato eletrônico.

1.2 Estrutura da formação do contrato no Código Civil

Numa perspectiva realista, o juízo sobre se um contrato se formou ou não cons- titui o resultado de uma qualificação – de determinados comportamentos humanos, operada por normas jurídicas. Por outras palavras, a formação do contrato consiste

2. MACHADO, Marcello Lavenère. Formação dos Contratos. In: LÔBO, Paulo Luiz Netto, op. cit., p. 79.

3. LORENZETTI, Ricardo. Comércio eletrônico, op. cit., p. 280-281.

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em um processo, isto é, em uma sequência de atos e comportamentos humanos coordenados entre si. Se esta sequência corresponde ao esquema estabelecido pelo ordenamento jurídico, pode-se dizer que esse determinado contrato se formou, ou se concluiu, ou “ganhou existência”.4

Confirmando tal ponto de vista quanto ao processo de formação contratual, as- severa Caio Mário que “não nasce ele, entretanto, todo pronto, como Minerva armada da cabeça de Júpiter. É, ao revés, o resultado de uma série de momentos ou fases, que às vezes se interpenetram, mas que em detida análise perfeitamente se destacam:

negociações preliminares; proposta, aceitação”.5

Esta tripartição de sucessivas etapas de formação do contrato se amolda aos contratos paritários nas relações interprivadas. Correspondem ao modelo clássico de contratação, no qual há um espaço mais amplo de liberdade para o indivíduo concluir ou não o contrato, bem como para a determinação do conteúdo da avença.

Todavia, nas chamadas relações contratuais continuadas, há um novo embate entre o tempo e o negócio jurídico, pois constantes renovações ou prorrogações contratuais intensificam os direitos e deveres entre as partes envolvidas, gerando maior interdependência entre elas. Essa sequência de contratos por tempo deter- minado renovados periodicamente, materializam relação negocial contínua entre as mesmas partes negociais.6

Com efeito, o fenômeno da “formação progressiva do contrato” evidencia que nem sempre uma relação obrigacional nasce de imediato. O iter negocial que levará até a conclusão do contrato poderá ser formado por graus ou escalonadamente.

Ademais, o fenômeno merece atenção por potencializar a complexidade da relação e a incidência da boa-fé objetiva.7

1.2.1 Negociações preliminares e a responsabilidade pré-contratual

“Pense tudo de novo Pra não se arrepender de fato Não diga bobagens Pois toda palavra é contrato”.

(Jair Oliveira, Vai e volta)

Na lógica da obrigação como processo, o contrato se desenvolve em três etapas sucessivas: (a) pré-contratual; (b) contratual; (c) pós-contratual.

4. ROPPO, Enzo. O contrato, op. cit., p. 85.

5. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, III, op. cit., p. 32.

6. Exemplo clássico desse fenômeno é aferido no contrato de seguro de vida, usualmente fixado pelo prazo ânuo, porém sequencialmente renovado por diversos anos.

7. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Código Civil, V, t. I, op. cit., p. 58.

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A fase pré-contratual se inicia com as negociações preliminares, culminando, em caso positivo, com a conclusão do contrato, seja pela via do acordo entre as partes – nos contratos consensuais, ou pela entrega da coisa, nos contratos reais. As tratativas também se dividem em três momentos: (a) negociações; (b) proposta; (c) aceitação.

Nas tratativas as partes analisam a conveniência de eventualmente se subme- ter ao vínculo contratual. É o período propício para pesquisas, reflexões, exame de dados e informações, propostas e contrapropostas, enfim, um conjunto de atos de esclarecimento do conteúdo necessário à implementação do negócio jurídico.

O início das negociações preliminares, em uma primeira abordagem, poderá con- sistir em uma solicitação de orçamento, indagação do preço de um serviço ou qual- quer comportamento indicativo do interesse de celebrar um contrato. Neste momento surge uma identidade de propósitos entre os pré-contratantes, em que ambos desejam prosperar nas tratativas. Esta trilha paradoxalmente conduzirá a um momento em que as vontades se tornam divergentes. Será a fase da conclusão do contrato, em que um desejará comprar e o outro vender; um desejará locar e outro ser locatário. E por aí vai...

Mesmo nos negócios jurídicos instantâneos, nos contratos de adesão e nas relações contratuais de fato há uma fase preliminar. É uma etapa breve, que não se exterioriza posto ser de natureza psicológica, mas na qual o contratante calcula as vantagens patrimoniais e existenciais de se submeter a uma determinada contratação.

No âmbito das tratativas inexiste proposta formalizada, hábil a vincular as partes (art. 427, CC). Nesta fase de puntuação, eventualmente haverá uma carta de intenções subscrita pelas partes ou uma minuta, consubstanciando documento em que se fixa por escrito o desenho do contrato. Mas ainda não há o consentimento necessário ao contrato definitivo. Realmente, na fase das negociações preliminares as partes costumam celebrar os chamados acordos provisórios, usualmente denominados de minutas, esboços ou cartas de intenção. Elas já se vinculam a determinados pon- tos do negócio, mas sem a obrigação de celebração do contrato principal enquanto não se acertam com relação aos demais aspectos. Os acordos parciais não geram a obrigação de celebração do contrato definitivo, pois não se pactuou ainda no que tange às cláusulas em aberto. Assim, se as partes não celebram o contrato definitivo, por não alcançarem consenso em relação aos pontos em aberto, automaticamente se extingue o acordo provisório. Nada obstante, se decidirem por contratar, vinculam-se os promitentes aos termos das minutas parciais.

Cumpre distinguir a proposta das negociações preliminares. As tratativas são atos tendentes à análise da viabilidade do contrato. A proposta, por sua vez, é a exteriorização do projeto de contrato, a manifestação de uma vontade definida em todos os seus termos, dependente apenas da concordância da parte contrária para o aperfeiçoamento do contrato.8

8. GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé, op. cit., p. 32.

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Uma importante distinção delimita o contrato preliminar e as tratativas. Em comum, ambos antecedem o contrato definitivo. Todavia, o contrato preliminar não pode ser enfrentado como uma categoria intermediária entre as negociações prelimi- nares e o contrato definitivo. Cuida-se de figura autônoma. Enquanto as tratativas são levadas a efeito independente de qualquer compromisso, pois as partes não sabem se irão ou não contratar, o contrato preliminar é uma convenção completa que demanda um acordo de vontades e uma relação jurídica concluída, de natureza patrimonial. Já há o consentimento dos pré-contratantes, cuja finalidade é a segurança do negócio substancial que se tem em mira. A fase das tratativas é concluída positivamente, porém as partes optam pela não celebração do contrato definitivo. Com o contrato preliminar, as partes não se obrigam a prosseguir nas negociações, mas a concluir um certo conteúdo, pronto e acabado, pois elas já “fecharam o negócio”. Com sua erudição peculiar, lembra Caio Mário da Silva Pereira que as negociações preliminares

“não envolvem compromissos, nem geram obrigações para os interessados, limitando-se a desbravar terreno e salientar conveniências e interesses, ao passo que o contrato preliminar já é positivo no sentido de precisar de parte a parte o contrato futuro”.9

Em regra, as negociações preliminares não vinculam, sejam elas orais ou escritas, pois é inerente ao princípio da liberdade contratual que os indivíduos tenham a autono- mia de optar pela contratação, sem que a negativa estabeleça a obrigação de indenizar em favor do outro negociante. A recusa de iniciar negociações jamais será abusiva e, se no interregno das pourparlers falte o indispensável elemento volitivo de prosseguir nas tratativas, cessará o consentimento mútuo fundamental ao êxito da contratação.

Todavia, as negociações preliminares não são procedimentos completamente discricionários. Os deveres de conduta emanados da boa-fé objetiva já estão presentes ao tempo das tratativas. Eles antecedem ao momento da contratação, surgindo com o início do contato social entre os parceiros. Concilia-se a autonomia privada com a noção da indispensável responsabilidade dos entabulantes sobre as legítimas expec- tativas de confiança depositadas parte a parte. Assim surgem: (a) deveres laterais de informação, a fim de que sejam comunicadas todas as circunstâncias relevantes para a conclusão do contrato. O dever de esclarecimento completa a teoria dos vícios do consentimento, pois a pertinência da informação é a garantia de um razoável equilíbrio contratual; (b) deveres de proteção, para que os pré-contratantes zelem mutuamente pela tutela da integridade psicofísica e pela proteção do patrimônio do alter; (c) deveres de cooperação – intercedem no sentido de prestigiar a honestidade, a diligência e a lealdade de parte a parte, acentuando a colaboração no sentido de preservar a confiança depositada no outro.

9. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil, v. III, p. 81. Acresce o doutrinador que a difusão deste modelo jurídico gera várias terminologias: “Vorvetrag, no direito alemão; contratto preliminare ou ante-contrato no direito italiano; avant contrat ou promesse de contrat, no Francês; contracto preliminar no espanhol. No nosso direito: Pré-contrato, antecontrato, contrato preparatório, compromisso. Com boa sorte de escritores e com o nosso Projeto do Código de Obrigações, preferimos a todos eles a designação contrato preliminar, que dá melhor mostra de seu caráter preparatório, e de sua condição de ato negocial sem foros de definitividade, denominação esta adotada no código civil de 2002” (op. cit., p. 82).

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De acordo com o art. 422 do Código Civil, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. A norma não olvidou a fase das tratativas, tampouco a da responsabilidade post pactum finitum. Resta implícito no dispositivo que os deveres de conduta relacio- nados ao cumprimento honesto e leal da obrigação também se aplicam às negociações preliminares e sobre aquilo que se passa depois do contrato. É certo que não possuímos um dispositivo elástico como o do art. 1.337 do Código italiano de 1942 – o qual dispõe expressamente sobre a responsabilidade pré-contratual –,10 todavia não podemos olvidar que estamos diante de norma de textura aberta que induz os operadores ao seu preenchimento com base em argumentações já desenvolvidas na doutrina.

Não por outra razão, dispõe o Enunciado nº 170 do Conselho de Justiça Federal que “a boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações pre- liminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.11

Da lição de Nelson Nery12 se extrai que estão compreendidas no art. 422 “as tratativas preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações de- rivadas do contrato, ainda que já executado. Com isso, os entabulantes – ainda não contratantes – podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da celebração e da formação do contrato e os ex-contratantes também respondem por fatos que decorram do contrato findo (pós-eficácia das obrigações contratuais)”.

Se nas negociações preliminares já há um contato social entre os contraentes, de onde emergem deveres de conduta vazados na preservação de condutas leais e

10. 1.337. “As partes, no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato devem se comportar segundo a boa-fé.”

11. STJ – Informativo nº 0517. Período: 2.5.2013, Terceira Turma. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CON- TRATUAL. “A parte interessada em se tornar revendedora autorizada de veículos tem direito de ser ressarcida dos danos materiais decorrentes da conduta da fabricante no caso em que esta – após anunciar em jornal que estaria em busca de novos parceiros e depois de comunicar àquela a avaliação positiva que fizera da manifestação de seu interesse, obrigando-a, inclusive, a adiantar o pagamento de determinados valores – rompa, de forma injustificada, a negociação até então levada a efeito, abstendo-se de devolver as quantias adiantadas. A responsabilidade civil pré-negocial, ou seja, a verificada na fase preliminar do contrato, é tema oriundo da teoria da culpa in contrahendo, formulada pioneiramente por Jhering, que influenciou a legislação de diversos países. No Brasil, o CC/1916 não trazia disposição específica a respeito do tema, tampouco sobre a cláusula geral de boa-fé objetiva. Todavia, já se ressaltava, com fundamento no art. 159 daquele diploma, a importância da tutela da confiança e da necessidade de reparar o dano verificado no âmbito das tratativas pré-contratuais. Com o advento do CC/2002, dispôs-se, de forma expressa, a respeito da boa-fé (art. 422), da qual se extrai a necessidade de observância dos chamados deveres anexos ou de proteção. Com base nesse regramento, deve-se reconhecer a responsabilidade pela reparação de danos originados na fase pré-contratual caso verificadas a ocorrência de consentimento prévio e mútuo no início das tratativas, a afronta à boa-fé objetiva com o rompimento ilegítimo destas, a existência de prejuízo e a relação de causalidade entre a ruptura das tratativas e o dano sofrido. Nesse contexto, o dever de reparação não decorre do simples fato de as tratativas terem sido rompidas e o contrato não ter sido concluído, mas da situação de uma das partes ter gerado à outra, além da expectativa legítima de que o contrato seria concluído, efetivo prejuízo material”

(REsp 1.051.065-AM, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21.2.2013).

12. NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira;

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo Código Civil – estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, op. cit., p. 433.

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cuidados recíprocos, no transcurso das tratativas, a ruptura imotivada e danosa das conversações é fator que vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado.

Alcançamos a questão central. O aspecto mais examinado da fase pré-contratual é a desistência injustificada das negociações preliminares. Até que ponto é lícita a recusa de contratar? Para Enzo Roppo, o ponto de equilíbrio encontra-se na regra segundo a qual a ruptura das negociações gera responsabilidade apenas quando é injustificada e arbitrária, e não quando apoiada numa justa causa que a torne legíti- mo exercício de uma liberdade econômica, tal como quando sobrevêm circunstâncias inesperadas que tornam inconveniente a contratação, ou a contraparte modifique inopinadamente sua posição, pretendendo impor condições mais gravosas. Nestas circunstâncias não se pode dizer que a parte desistente se comportou de modo in- correto e violou o dever de boa-fé.13

Portanto, se, em princípio, cuida-se de regular exercício do direito, ocasional- mente a liberdade de não contratar poderá lesar legítimas expectativas. Trata-se da quebra da confiança, do affidamento que se depositou na conclusão do contrato. Ao analisarmos as categorias de abuso do direito, observaremos que há um exercício desleal do direito de recesso por parte daquele que adota condutas isoladamente lícitas, mas incompatíveis com o dever de correção, quando vistas em conjunto.

Trata-se da proibição ao venire contra factum proprium.14

Com efeito, a culpa in contrahendo, evidenciada na quebra da confiança pelo recesso intencional, não se verifica no início das tratativas, mas quando as conver- sações preliminares se encaminham para a conclusão, pois a confiança se intensifica na mesma proporção que as negociações avançam; mais precisamente ao tempo em que as partes já tenham alcançado os elementos essenciais do contrato, instante em que uma delas muda de ideia, injustificadamente desistindo da contratação, ou então, fazendo exigências desproporcionais que obrigam a outra a desistir, ou mesmo de forma culposa dar início a um contrato irrealizável, por saber de antemão que ele nunca seria concluído. Em uma ou outra situação, evidente o exercício abusivo do direito de não contratar quando comparado com toda a atividade pretérita daquele que, agindo de forma aparentemente dirigida à conclusão do contrato, induz o outro a negociar, atrai a sua confiança, propicia a realização de despesas fundadas em tais expectativas, para, na iminência da conclusão do contrato, retirar-se abruptamente.

Aspecto relevante da responsabilidade por ruptura das negociações preliminares está em que, por toda a parte se afirma a impossibilidade de coagir alguém a cele- brar um contrato. A contradição representada pela ruptura das tratativas tem como

13. ROPPO, Enzo, O contrato, op. cit., p. 107.

14. Cristiano de Sousa Zanetti ensina que “no caso da ruptura das negociações, assume particular importância o venire contra factum proprium que, proibindo o comportamento contraditório violador da confiança, serve para configurar o ilícito quando a ruptura se dá após o candidato a contratante ter levado o seu parceiro negocial a crer que o negócio jurídico seria concluído”. In, Responsabilidade pela ruptura das negociações, p. 210.

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única consequência a reparação por perdas e danos. Entende-se mais gravosa para a paz social a violação à liberdade – que decorreria de uma contratação forçada, que a ruptura da confiança derivada da não contratação, para a qual a reparação dos prejuízos parece remédio adequado.15

Discute-se sobre a abrangência desta reparação. De um lado se colocam os

“interesses negativos”, tidos como os prejuízos decorrentes da não conclusão do contrato. Cuida-se do “dano à confiança”, verificado em decorrência das tratativas frustradas. Os danos emergentes consistem nas despesas efetuadas pelo lesado ao curso das negociações preliminares. Já os lucros cessantes concernem às oportuni- dades de negócios que a parte perdeu no período em que se envolveu nas tratativas.

Deverá ela efetivamente demonstrar as “ocasiões frustradas”, por ter acreditado na certeza do êxito das conversações. A nosso viso, a reparação não será submetida a limites prévios, sendo danos emergentes e lucros cessantes deferidos conforme a peculiaridades de cada ruptura abusiva.

Cogita-se, ainda, dos “interesses positivos”. Seriam as vantagens obtidas pelo negociante lesado se o contrato fosse concluído. Simplificando, consiste em toda a vantagem patrimonial que ele auferiria caso o negócio jurídico alcançasse bom termo.

Rudolph Von Jhering, primeiro formulador da teoria da responsabilidade civil pré-contratual, limitou o dano indenizável na culpa in contrahendo ao que chamou de interesse negativo, cingindo-se a colocar a parte lesada na mesma situação em que se encontrava no momento anterior à estipulação do negócio. O dano a ser ressarcido nesses casos não coincide com o interesse que a parte tinha na execução do contrato. Ou seja, a ela não cabe indenização pelo interesse positivo. Daí que a responsabilidade pela ruptura das tratativas somente pode compreender os prejuí- zos que o contratante sofreu em razão de ter, de boa-fé, confiado na conclusão do contrato. Esses prejuízos se limitam às despesas em que incorreu no desenrolar das tratativas e, eventualmente, na perda de algum outro negócio que tenha desistido em virtude de estar negociando o contrato que posteriormente não veio a se estabelecer.16

Pensamos da mesma maneira. Caso o interesse positivo fosse indenizável, re- flexamente o lesado seria colocado em posição de exigir o contrato. Por via oblíqua, haveria severa ofensa ao princípio da liberdade contratual, à medida que a parte de- sistente seria condenada a valor semelhante à própria prestação que o lesado auferiria se o contrato fosse celebrado.17 Há de se compreender que se os lucros consistissem nos ganhos que decorreriam do cumprimento do contrato, haveria uma imprópria

15. SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório, op. cit., p. 241.

16. PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual, op. cit., p. 372-378.

17. Em sentido contrário, preconizando o raciocínio tópico-sistemático e conjugando o princípio da liberdade contratual com o da boa-fé, Carlyle Popp sustenta que “o cerne da responsabilidade pré-negocial está não na sua ocorrência e juridicidade, mas sim na necessária efetividade das soluções encontradas pelo intérpre- te. Não basta punir o infrator. É imprescindível premiar a vítima. Ou seja, a sanção tem que solucionar o problema do lesado. Para isto, defende-se que o melhor remédio, mais atual e eficaz é a tutela específica”

(Responsabilidade civil pré-negocial, op. cit., p. 310).

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confusão entre os planos das responsabilidades contratual e extracontratual, negan- do-se qualquer efetividade ao direito potestativo ao rompimento das negociações.

1.2.2 Proposta e aceitação

“Vamos fazer um trato, uma combinação?

De que forma, de que jeito, agora vamos viver Sem claustrofobia, sem tristeza e dor Um profundo, intenso, leve e provisório amor No tempo de um abraço Aceito sua proposta Você me leva à loucura Falando ao meu ouvido No meio da rua.”

(Kid Abelha, Combinação, de Paula Toler, George Israel e Lui Farias)

Pelo princípio do consensualismo – salvo nos contratos que exigem a forma como substância do ato –, o acordo de proposta e aceitação é bastante para o aper- feiçoamento do negócio jurídico bilateral. O consentimento mútuo é pressuposto de existência do contrato, à medida que sem ele não há o suporte fático para que o fato ingresse no mundo jurídico. Como ensina Clóvis do Couto e Silva, o contrato não se constitui de duas vontades declaradas isoladamente consideradas, mas da fusão desses elementos: vontade declarada na proposta e vontade declarada na aceitação.18

O mundo negocial mudou. O fenômeno proposta × aceitação não mais pode subsistir se vislumbrado somente sob um ângulo clássico. Atualmente, chama-se formação pro- gressiva do contrato o sistema de vinculação negocial e de encontro do querer recíproco.

A complexidade das negociações, envolvendo, além das partes, técnicos especializados (advogados, auditores, peritos, agentes financeiros etc.) não consegue mais refletir ofertas e aceitações em termos singelos. As declarações negociais surgem paulatina- mente, etapa a etapa, sobrevindo proposições bilaterais, aceitações unilaterais, seguidas de novas propostas e considerações. Nem sempre é possível visualizar claramente o local e o momento em que ocorreu a proposta e onde está a aceitação. Apesar disto, continuam a se constituir em etapas importantes na formação do negócio jurídico.19

Note-se que nem todos os contratos são formados de maneira instantânea, solu consensu, mediante simples convergência de oferta e aceitação. Existem os contra- tos de formação progressiva, como os contratos reais. Neles, a tradição da coisa é elemento essencial para o aperfeiçoamento do negócio jurídico, e não a sua fase de

18. COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo, op. cit., p. 35.

19. POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial, op. cit., p. 240.

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execução. Assim, em um contrato de mútuo, comodato ou depósito, a manifestação de vontade é insuficiente, pois é reclamada a entrega do bem móvel ou imóvel para que possa o negócio se formar. Exemplificando, como bem alude o art. 579 do Código Civil, inexistindo a tradição do objeto, não se “perfaz” o contrato de comodato. De comodato não poderá se falar, pois este nunca existiu.

Em sentido diverso, nos contratos consensuais, formados pelo mero acordo de vontades, a transferência do bem se insere na etapa do adimplemento, como efeito do contrato. Assim, se A vende a B uma determinada mercadoria, o contrato já existe e é válido em razão da adesão de B à declaração de vontade de A (art. 482, CC). A entrega da mercadoria e o pagamento do preço concernem ao plano da eficácia do negócio jurídico de compra e venda, que se amoldará à eventualidade da execução ou inexecução contratual.

Destarte, o processo obrigacional supõe duas fases: a fase de nascimento e de- senvolvimento dos deveres e a fase do adimplemento. Esta distinção encontra máxima relevância quando o adimplemento importa em transmissão de propriedade, pois a fase do adimplemento se desloca para o plano do direito das coisas. Esta duplicidade de planos torna impossível qualquer tentativa de tratamento unitário dos negócios jurídi- cos. De fato, quem vende um imóvel por escritura pública não necessitará de outro ato para que se realize o registro, pois, na vontade de vender, está a vontade de adimplir, de transmitir, que, por si só, é suficiente para permitir o registro no fólio imobiliário.20

De acordo com o art. 427 do Código Civil, “A proposta de contrato obriga o propo- nente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circuns- tâncias do caso.” Em síntese, na etapa conhecida como oferta, oblação ou policitação a proposta vincula o proponente, resultando no dever de concluir o contrato definitivo.

A proposta, oferta ou policitação, é a declaração receptícia – pois para produzir efeitos tem de alcançar o destinatário –, pela qual alguém (policitante, proponente, solicitante) efetivamente dirige a vontade declarada a outrem (aceitante, policitado, oblato), pretendendo celebrar um contrato. A proposta será escrita, quando se efe- tiva pela via de carta ou outro documento enviado ao policitado; será oral, quando se aperfeiçoa de viva voz, ou tácita, quando exteriorizada por atos inequívocos, tal como a exposição de um determinado objeto com o preço afixado na mercadoria.

No que tange às formas, não há de se falar em proposta silenciosa ou silêncio como forma de proposta. A exposição de objetos em estantes, por exemplo, constitui proposta tácita, uma vez que há prática de atos pelo vendedor em questão, qual seja, justamente, a disposição dos produtos, desde que estejam claros os elementos mínimos essenciais do contrato a ser formado. À medida que o silêncio parte da ideia de inação, não se pode considerar que alguém inerte, sem praticar nenhuma ação e sem palavras, faça a outrem uma proposta contratual.21

20. COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como processo, op. cit., p. 43 e 56.

21. TUTIKIAN, Priscila David Sansone. O silêncio na formação dos contratos, op. cit., p. 39-40.

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Na teoria clássica, a proposta era o primeiro elemento da relação contratual.

Atualmente, na complexidade do processo obrigacional, consiste no ápice da fase das tratativas. Na fase das conversações preliminares só há uma análise de proba- bilidades, sem intenção definitiva de contratação. Por outro lado, a proposta ainda não traduz um contrato, mas, quando séria e completa, acarreta força vinculante para o policitante que a promove. A sua precisão serve como ponto de partida para o aperfeiçoamento do negócio, ao dispensar qualquer outra declaração unilateral receptícia a posteriori, definindo a estrutura e as linhas gerais do tipo contratual que será desenvolvido. O proponente deseja a aceitação, enquanto bastará ao aceitante se manifestar nos limites da anterior oferta. Na eventualidade de oferecimento de uma contraproposta, os papéis se invertem.

Isoladamente observadas, a proposta e a aceitação são negócios jurídicos unila- terais. Independente do nascimento do contrato, ambos possuem juridicidade, validade e aptidão para a produção de efeitos próprios, sendo o mais importante destes, como veremos, a vinculatividade. Porém, com a adesão da aceitação à oferta, surge um terceiro negócio jurídico, o negócio bilateral, hábil a realizar outra classe de efeitos, àqueles que se relacionam ao cumprimento da obrigação que acaba de ser constituída.22

De fato, ensina Antonio Chaves que a proposta é negócio jurídico, enquanto as negociações preliminares não o são. A proposta mantém o seu efeito jurídico mes- mo que o contrato não se forme. Malgrado a não conclusão do contrato, a proposta existiu e produziu os efeitos que dela se esperava (obrigatoriedade). Deste atributo não comunga a simples tratativa.23

À oferta ou sucede a aceitação pura e simples, que bilateraliza o negócio ju- rídico e vincula os figurantes, ou a recusa, ou a aceitação modificativa, que não é propriamente aceitação, mas sim nova manifestação de vontade, outra oferta, no lugar da aceitação ou da recusa pura e simples, que se havia de esperar. O oferente passa à situação de destinatário da nova oferta e tem de aceitá-la ou recusá-la, ou, por sua vez, em lugar de proceder como destinatário, novamente oferecer. Nesse jogo de tênis de ofertas, tem-se de chegar ao ponto final: ou uma delas é aceita totalmente e, assim, não há pensar-se em nova oferta; ou há a recusa (nada feito).24

Para ser considerada como tal, a oferta será qualificada pela firmeza, precisão e completude, consubstanciando todos os elementos do contrato que será celebrado. A proposta é uma manifestação de vontade com carga de definitividade. Caso contrário,

22. Ensina Marcos Bernardes de Mello que “Os negócios jurídicos unilaterais têm existência e eficácia autônomas, por isso não supõem nem provocam reciprocidade ou correspectividade dos efeitos jurídicos. Para existirem, basta a manifestação de vontade suficiente à composição de seu suporte fático [...] mesmo naquelas espécies cuja função é compor negócio jurídico bilateral, como na oferta (= proposta) e na aceitação, há apenas negócio jurídico unilateral até que se bilateralize” (Teoria do fato jurídico – plano da existência, op. cit., p. 196-197).

23. CHAVES, Antonio. Responsabilidade pré-contratual, op. cit., p. 66.

24. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, t. XXXVIII. Arremata o autor, “os figurantes só se vinculam quando a conclusão se opera e a conclusão tem de ser no tocante a pontos sobre os quais houve o acordo final, ou acordos parciais insubstituídos (= acordos parciais + acordo último que integra os acordos)” (op.

cit., p. 53).

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tratar-se-á de mero convite para a apresentação de uma proposta, ou o início das tratativas (negociações preliminares), sem efeito vinculante, pois o declarante de- seja apenas sondar parceiros e iniciar um futuro contrato.25 Exemplificando, uma proposta de compra e venda que omita menção ao preço não gera contrato em caso de aceitação por parte do oblato, em razão da falta de indicação do valor, um dos elementos essenciais do referido negócio jurídico (art. 481, CC). É vedado ao juiz fixar o quantum diante de sua indeterminação pelo proponente.

Há uma relevante incongruência na letra do artigo 427 do Código Civil. A proposta de contrato não obriga o proponente, pois o termo obrigação se refere a uma relação jurídica em que alguém se vincula perante outrem ao cumprimento de uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Ou seja, o fato de o proponente efetuar a proposta não implica a obrigatoriedade de contratar em definitivo, isto só ocorrerá após a aceitação. Em verdade, melhor seria utilizar-se a expressão força vinculante da proposta. Quer dizer, o ofertante terá o dever de manter a oferta, quando realizada de forma irrevogável. Afinal, visando à proteção da segurança das relações negociais, o legislador enfatiza se encontrar o proponente em situação de sujeição, pois execu- tará precisamente os termos da proposta caso o oblato exerça o direito potestativo da aceitação, submetendo aquele à concretização do conteúdo integral da proposta.

Neste caso, com o aperfeiçoamento da aceitação, nos exatos termos da proposta, o que acontecerá caso o ofertante se recuse a contratar? Em princípio, a indenização por perdas e danos é a resposta de nossos tribunais face à negativa de celebração do contrato.26 Contudo, na diretriz civil da operabilidade e na constitucional da efetividade, cremos ser viável o recurso à execução específica. Bem observa Judith Martins-Costa que, com a “colagem” entre os dois negócios jurídicos unilaterais – oferta e aceitação –, surgirá uma obrigação que poderá ser exigida pelo credor. A bilateralização remete à execução específica. Ao contrário, antes da aceitação, ainda inexistente o negócio bilateral, poderá se cogitar de perdas e danos caso o ofertante retire a proposta efetuada ao oblato.27

25. “Nem sempre é fácil definir quem é o proponente e quem é o aceitante. Exemplo desta dificuldade respeita a operação de emissão de debêntures, regida pela Lei n. 6.404/76. Parte da doutrina entende que a companhia emissora é a proponente do contrato. Afinal a publicidade da escritura de emissão cria obrigações para a companhia emissora, ainda que os contratos de aquisição das debêntures não se ve- nham a efetivar. Há, contudo, quem sustente entendimento diverso, no sentido de que o futuro subscritor é o ofertante, e a companhia emissora, a aceitante. Sob essa perspectiva, é o futuro debenturista que se oferece para tomar as debêntures, em conformidade com as condições comunicadas pela sociedade, que apenas aceita a proposta e entrega os títulos ao subscritor. Fato é que este problema de qualificação, como sempre, não se deve resolver em tese, mas à luz do direito positivo. Particularmente, interessa examinar a força vinculante da escritura de emissão. Se a publicação da escritura de emissão vincular a companhia é porque não se trata de um mero convite, mas de uma oferta efetiva” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, v. II, op. cit., p. 41).

26. “Compra e venda e imóvel. Desistência do negócio após a aceitação pelo vendedor da proposta feita pelo comprador. Vinculação das partes ao contrato, nos termos do art. 427 do CC, o que impõe a condenação do comprador a indenizar o autor o valor correspondente a primeira parcela do contrato, que já estava vencida e não foi paga” (TJSP, Ap. Cível nº 5.698.894.000, Rel. Enio Zuliani, j. 16.7.2009).

27. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado, op. cit., p. 509-510.

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A “irrevogabilidade” da proposta não possui caráter absoluto, sob pena de se confundir com o próprio contrato. Portanto, perde ela a força vinculante por três razões: quando resulte de seus termos, ou da própria natureza do negócio, e, final- mente, das circunstâncias do caso.

Na primeira hipótese, vê-se que a vinculatividade da oferta não detém caráter cogente, pois o próprio teor da oferta já deixa clara a discricionariedade do propo- nente em contratar. Não obriga a proposta que embute a previsão de facultatividade de vinculação pelo ofertante em caso de aceitação, como nas declarações “salvo confirmação” ou “sem compromisso”. Caso aquiesça à proposta, o aceitante já sabe que será lícito à outra parte o exercício do direito de retratação, sem possibilidade de execução específica ou perdas e danos. Inclui-se aí a hipótese de o ofertante declarar a alguém o desejo de futuramente lhe locar um determinado imóvel – inclusive com manifestação quanto ao valor. Trata-se de mera intenção, que não se confunde com a imediata vontade de contratar. Da mesma forma, a proposta não se compara com o convite para a apresentação de oferta. Neste caso, o proponente não antecipou os elementos do contrato, tão somente convocou o interessado para o ajuste dos termos do eventual acordo. Cuida-se de posição de cautela do pré-contratante, quando, em princípio, deseja conhecer melhor as intenções do declaratário.

Outra exceção à força vinculante da proposta deriva da “natureza do negócio”

(art. 427, CC). Há negócios em que a oferta pela sua própria natureza é aberta. E, se o policitante tem a natural faculdade de mantê-la ou não, ela não é obrigatória, e não cria outras consequências senão a potencialidade do contrato, que estará formado se até a sua aceitação ela ainda estiver vigente.28 No contrato de mandato, sendo a confiança da essência do negócio jurídico não se vincula o proponente ao primeiro que aceite a proposta. Da mesma forma, o contrato de seguro não detém vinculatividade imediata, sendo necessário que se adapte às características específicas de cada segurado, podendo o chamado à contratação ser caracterizado mais propria- mente como um convite à proposta. A formação do contrato de seguro é distinta de qualquer outro contrato consensual. A proposta parte da pessoa do segurado, não da seguradora (art. 759, CC), pois aquele deverá declarar os elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco, para que a seguradora possa avaliar se aceitará ou não o contrato de seguro.

O mesmo pode ser dito sobre os acordos de colaboração premiada. O mero encontro de vontades entre as partes não é suficiente para perfeiçoar o negócio jurídico, sendo preciso que proposta e aceitação sejam formalizados no respeito de uma determinada forma prevista pela lei: a homologação judicial como requisito de validade e fator de eficácia (antes disso, a colaboração é procedimento de caráter extraprocessual ou uma proposta de acordo) Porém, mesmo para que a fase pré- -contratual chegue a um bom termo, o delegado de polícia ou o Ministério Público

28. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil, op. cit., p. 42.

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avaliarão discricionariamente a pertinência daquilo que o colaborador entrega: § 6º, art. 4. Lei n. 12.850/13: “O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”. Por isto, a proposta de colaboração premiada já deve consubstanciar os elementos informativos suficientes para angariar a atenção do órgão acusatório, em troca dos benefícios legais permitidos.

A terceira ressalva à vinculatividade da proposta concerne às circunstâncias do caso. O seu exato entendimento é extraído do artigo 428 do Código Civil: “Deixa de ser obrigatória a proposta: I – Se feita sem prazo a pessoa presente, não foi imedia- tamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II – se feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III – Se feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV – Se antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.”

As exceções à vinculatividade da proposta são tantas, que podemos mesmo indagar se a irrevogabilidade da oferta é verdadeiramente a regra. Para facilitar a compreensão, cabe diferenciar entre a proposta à pessoa presente e à pessoa ausente, bem como a oferta feita com ou sem prazo.

A proposta à pessoa presente é aquela em que existem plenas condições materiais de imediata resposta pelo aceitante ao proponente.29 Dispensa-se, todavia, a presença física das partes, basta a interlocução. Destarte, o conceito jurídico de “pessoa pre- sente” é uma simulação. Assim, não há a necessidade de um encontro “face a face”.

Quando o inciso I dispõe sobre “meio de comunicação semelhante” ao telefone, exprime a presença na aceitação pela Internet e outros meios de comunicação em tempo real.

A contrario sensu, pessoa ausente é aquela que não possui meios para responder prontamente ao ofertante, como nas hipóteses da emissão da proposta por mensageiro, telegrama ou fax. O fenômeno da contratação a distância será examinado com mais vagar ao tratamos da contratação eletrônica, que é o meio de comunicação a distância real- mente relevante. Por ora, importa aduzir que o contrato se aperfeiçoa com a expedição da aceitação pelo oblato, sendo insuficiente a mera recepção da proposta pelo ausente para a conclusão do contrato. A expedição da aceitação apenas não bastará quando o policitante se comprometer a aperfeiçoar o contrato com a recepção da resposta.30

29. GOMES, Orlando. Contratos, op. cit., p. 74.

30. Bem pondera Flávio Tartuce que “o contrato será considerado formado entre ausentes quando não houver tal facilidade de comunicação quanto à relação pergunta-resposta. O exemplo típico de contrato inter ab- sentes é o contrato epistolar, cuja proposta é formulada por carta, via correio. Entretanto, diante dos novos métodos de comunicação eletrônica, tal contrato vem perdendo a sua importância prática” (A formação do contrato no novo Código Civil, op. cit., p. 267).

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A oferta com prazo estipulado pelo policitante cria para o destinatário a legítima expectativa de que a sua aceitação naquele termo vinculará as partes.

Daí que a irrevogabilidade da oferta acompanhada de prazo de aceitação é uma consequência do princípio da confiança e da necessidade de seriedade e segurança no tráfego jurídico. Aliás, a retirada da oferta antes de expirado o prazo conduz à obrigação de reparação de danos em favor daquele que assumiu despesas por acreditar na conclusão do contrato. A retratação é indenizável independente da cogitação de culpa do proponente.

Pois bem: tratando-se de oferta entre presentes, cai a obrigatoriedade em não havendo imediata aceitação. Excepciona-se a proposta elaborada com a concessão de prazo determinado, a fim de que o aceitante possa conhecer melhor os seus termos.

Em sede de Internet, qualquer aceitação poderá se realizar enquanto a oferta se mantiver no servidor, pois quando subtraída do site, já não será acessível ao público e não mais subsiste.

Quando o contrato que obriga imediatamente o aceitante é uma relação de consumo firmada fora do estabelecimento comercial, devemos sempre recordar do prazo de reflexão a que alude o art. 49 da Lei nº 8.078/90. O mesmo se aplica aos contratos eletrônicos a distância (contados da data em que o consumidor enviou a aceitação ao fornecedor). O consumidor que adquire produtos ou serviços fora do estabelecimento do fornecedor é muitas vezes sugestionado por pressão psicológica.

Daí o direito potestativo de no prazo decadencial de sete dias resilir unilateralmente o contrato mediante denúncia (art. 473, CC).

Já na proposta sem prazo endereçada a pessoa ausente (inciso II), a propos- ta deixa de ser obrigatória quando decorrer tempo suficiente para que a resposta alcance a pessoa do proponente. Há um limite razoável de tempo, aferível pelas circunstâncias (tais como as práticas anteriores entre as mesmas partes) e pela na- tureza do negócio, em que a resposta do aceitante deva chegar ao conhecimento do policitante, sob pena de perda da eficácia do ato de aceitação. O razoável seria uma espécie de termo moral ou prazo tácito, que será aferido na linha da equidade. No mais, a proposta sucumbirá mesmo que a tardança na resposta não seja imputável ao oblato, mas obra do fortuito ou força maior.31

Consoante o inciso III, nas hipóteses de estipulação pelo proponente de prazo fatal para a aceitação, a única possibilidade de quebra de obrigatoriedade da proposta resultará da não expedição da resposta (aceitação) no prazo dado pelo ofertante.

Ora, se é lícito ao autor da oferta unilateralmente retirar sua força obrigatória (art.

427, CC), mais razoável ainda submeter a sua vinculatividade a um prazo.

31. “Cambial. Ação anulatória de duplicata. Emissão de título por prestação de serviços. Ausência de requisito na cambial. Falta de aceite e por indicação. Duplicata que não corresponde ao contrato. Ônus da recorrida para comprovar aceitação alegada pelo recorrente. Inteligência do art. 428 do código Civil. Ausência de deveres de boa-fé objetiva da recorrida” (TJSP – Ap. Cível nº 7.339.424.800, Rel. Cardoso Neto, j. 1.7.2009).

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Nada obstante, dispõe o art. 430 do Código Civil que, caso a aceitação tenha sido tempestiva, todavia custe a alcançar o proponente, em razão de um evento alheio à vontade do aceitante, incumbirá àquele a imediata comunicação do evento, sob pena de eventual responsabilização civil como sanção por sua desídia. Em princípio, o aceitante acredita na consumação do contrato por ter expedido a resposta em tempo oportuno, ou seja, dentro do prazo previsto pelo ofertante. Exemplificando, se a resposta foi feita por carta e o correio estava em greve, impedindo a ciência do proponente no prazo por ele delimitado. Em suma, pelo fato de o contrato não poder ser concluído pela extemporaneidade da aceitação, exige-se a boa-fé do proponente, no sentido de não iludir as legítimas expectativas do aceitante, comunicando-lhe prontamente o ocorrido, pois, caso contrário, culminará por efetuar despesas e re- cusará outros negócios, na falsa crença de o contrato ter sido celebrado.

Será ainda caso de considerar a retratação quando o arrependimento do propo- nente alcançar o destinatário antes mesmo que este tenha ciência da proposta, ou simultaneamente a esta (art. 428, inciso IV). Basta supor a retratação por via de carta com sedex, daquele que enviou proposta por carta ordinária. A retratação será ineficaz caso chegue posteriormente à proposta, mesmo que a delonga resulte do fortuito ou força maior. Não obstante a externidade e a inevitabilidade do evento, terá de executar a proposta nos termos originários.

Esta última norma apresenta simetria com o artigo 433 do Código Civil: “Con- sidera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.” Portanto, não só o proponente mas também o aceitante tem a faculdade de desconstituir sua aquiescência sem qualquer ônus.

A norma em comento permite a retratação do aceitante, desde que ela alcance o proponente em momento anterior ou concomitante ao da recepção da aceitação. Caso a retratação seja extemporânea – mesmo que em virtude do fortuito, o então declaratário se converterá em oblato, devendo assumir os direitos e as obrigações decorrentes do contrato já formado, sob pena de sofrer as consequências do inadimplemento.

Apenas constatamos um equívoco na formulação da redação do artigo. Não se pode cogitar de inexistência da aceitação e, sim de sua ineficácia superveniente.

Da mesma forma que a expedição tempestiva da manifestação é fator de eficácia da aceitação (art. 431, CC), a sua retratação importará, consequentemente, em perda da eficácia. Não se pode falar em inexistência superveniente, bem como em invalidade superveniente. O ato existe, pois a aceitação se verificou. Simplesmente, deixou de produzir efeitos em face do arrependimento, como uma espécie de resilição unilateral (art. 473, CC) em que o aceitante exerce o direito potestativo à denúncia, dentro do prazo decadencial citado no dispositivo.

Dispõe o art. 431 do Código Civil que “a aceitação fora do prazo, com adições, restrições ou modificações, importará nova proposta”.

A aceitação é a última declaração negocial necessária à conclusão do contrato. O aceite do oblato forma o consenso, sendo que o seu primeiro efeito será a vinculação

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de ambas as partes às obrigações contratualmente assumidas. Face ao caráter recep- tício da declaração de aceitação, não é suficiente o puro e simples ato de aceitar. É necessário que a aceitação seja realizada no prazo estipulado na proposta, em seus exatos termos, e que o aceite chegue ao conhecimento do proponente. Naturalmente, quando a proposta for realizada entre pessoas presentes, a aceitação será imediata na ausência de prazo. Caso se imponha um termo, exige-se que a aceitação seja formulada ou expedida dentro desse prazo. No que tange aos ausentes, a aceitação deverá chegar ao conhecimento do proponente em prazo razoável, conforme as circunstâncias, ou, havendo prazo, a resposta será dentro dele expedida (art. 428, II e III).

Destarte, a aceitação tardia desvincula o proponente, que não será vinculado à contratação, à medida que a própria proposta exclui a sua irrevogabilidade diante de uma resposta intempestiva (art. 427, CC). Porém, pode ocorrer da aceitação tardia se convolar em uma nova proposta pelo fato de sofrer adaptações pelo aceitante. Se esta

“contraproposta” for aceita pelo ofertante haverá uma inversão de papéis: o proponente se transforma em aceitante, o oblato em policitante, viabilizando-se a contratação.

Em princípio, exige-se uma coincidência integral entre as duas declarações (oferta e aceitação) para a formação do contrato. A divergência do oblato indica o dissenso sobre aspectos principais ou secundários do negócio jurídico. A introdução de adições ou restrições, mesmo na aceitação tardia, acarreta uma nova proposta e a possibilidade de nova aceitação, agora do proponente, assumir foros vinculativos.32

Se, no entanto, o próprio proponente formula a proposta de modo a aceitar que o seu conteúdo seja em certos pontos alterado pelo oblato, as modificações por ele eventualmente levadas a efeito não necessariamente consubstanciarão uma nova proposta, o que significa que a aceitação corresponderá à formação do contrato.33

O que acontecerá se o proponente falecer ou se tornar incapaz no momento intermediário entre a oferta e a expedição da aceitação? Ninguém duvida de que a morte ou a incapacidade superveniente após a aceitação obrigue os sucessores do falecido ou representantes do incapaz. Já há um contrato e suas obrigações serão honradas, nas limitações das forças da herança ou, eventualmente, sujeito a uma ação desconstitutiva do negócio, na hipótese de prova quanto à incapacidade notória e conhecida pela parte contrária ao tempo da contratação.

Porém, temos aqui uma hipótese distinta. Não havia contrato ao tempo do óbito ou da incapacitação do proponente. Apesar da omissão do código, temos que a morte ou a superveniente interdição do proponente não revogam a proposta. A

32. “Proposta de renegociação de dívida. Pagamento não realizado até o dia do vencimento. Art. 431 CC, aplicação. Não efetuado o pagamento da proposta de renegociação da dívida até o dia do vencimento, fica o proponente desobrigado da proposta realizada, restando a seu critério aceitar ou não pagamento em data posterior, por se tratar de nova proposta, nos termos do art. 431 do Código Civil” (TJMG, Ap. Cível nº 1.0051.07.019854-7/001 – Rel. Mota e Silva, j. 24.11.2009).

33. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado, v. II, op. cit., p. 47.

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declaração de vontade se assemelha à norma, inicialmente subjetivada na pessoa de seu autor, mas, emitida a manifestação, adquire a objetiva e se desprende da pessoa do ofertante, passando a circular no mundo jurídico. Se houve a responsabilidade do emitente ao emanar a vontade e a confiança do aceitante em sua seriedade, a boa-fé objetiva exige que os herdeiros e o representante do policitante assumam a declaração de vontade, exceto em se tratando de negócios jurídicos que envolvam obrigações personalíssimas. Instado a se manifestar sobre a morte do ofertante, Caio Mário assevera que não prevalece a opinião favorável à caducidade da oferta. A abertura da sucessão transmite aos herdeiros o patrimônio do de cujus com o ônus da proposta feita, salvo se os sucessores exercerem a faculdade de retratação, na forma e na oportunidade em que o poderia fazer o antecessor.34

Conforme o art. 432 do Código Civil, “se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”.

Em regra, a aceitação se manifestará de forma expressa. Seja pessoalmente, ou por outras vias acrescidas pela sociedade contemporânea, avulta o consenso, dispensando-se formalidades. A exteriorização da declaração de vontade propicia estabilidade nas relações negociais e dissemina o tráfego jurídico. Aliás, o art. 110 do Código Civil não reconhece a reserva mental como valiosa, sendo despicienda a vontade interna e real do declarante quando não coincidir com a manifestação do agente – exceto se o outro contratante sabia da motivação encoberta. Exemplificando, no ato do casamento importará a vontade declarada pelo nubente, mesmo que no íntimo o matrimônio seja contraído com o objetivo de aquisição de nacionalidade.

O art. 432 ressalva a aceitação expressa em duas circunstâncias: (a) quando ofertante e oblato já tenham realizado contratos da mesma natureza, com dispensa de aceitação expressa; (b) o proponente a tenha dispensado por ocasião da oferta.

Nesta segunda hipótese é possível convencionar formas alternativas de aceitação em cláusula contratual. Basta pensar em um contrato de empreitada em que o negócio jurídico será renovado em caso de ausência de manifestação das partes em deter- minado prazo previamente assinalado. Já a primeira exceção à aceitação expressa reforça os usos e as praxes negociais, valorizando a confiança já estabelecida entre aqueles que habitualmente costumam negociar.

1.2.3 A aceitação tácita e pelo silêncio

“Antes de existir computador existia tevê antes de existir tevê existia luz elétrica antes de existir luz elétrica existia bicicleta antes de existir bicicleta existia enciclopédia antes de existir enciclopédia existia alfabeto 34. SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil, v. iii, op. cit., p. 44.

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Classificação e Qualificação dos Contratos

Sumário • 1. Classificação estrutural dos contratos: 1.1 As dicotomias clássicas; 1.2 Classificações tradicionais – 2. Classificação funcional dos contratos: 2.1 Classificações do contrato contempo- râneo; 2.2 O contrato de consumo; 2.3 Contratos empresariais e a Lei da Liberdade Econômica;

2.4 O contrato de adesão; 2.5 As cláusulas contratuais gerais; 2.6 O contrato-tipo; 2.7 Contratos coletivos e acordos normativos; 2.8 Contratos coativos e necessários; 2.9 O contrato relacional;

2.10 O contrato associativo; 2.11 O contrato eletrônico; 2.12 Contratos inteligentes (smart con- tracts); 2.13 Contratos cativos de longa duração; 2.14 Contratos existenciais e o paradigma da essencialidade; 2.15 Contratos de direitos da personalidade – 3. Qualificação dos contratos: 3.1 Qualificação e classificação dos contratos; 3.2 Contratos típicos e atípicos; 3.3 Contratos mistos e coligados; 3.4 As redes contratuais.

“Que preto, que branco, que índio o quê? Que branco, que índio, que preto o quê? Que índio, que preto, que branco o quê?

Aqui somos mestiços mulatos cafuzos pardos mamelucos sararás crilouros guaranisseis e judárabes orientupis orientupis ameriquítalos luso nipo caboclos

orientupis orientupis iberibárbaros indo ciganagôs somos o que somos inclassificáveis”

(Arnaldo Antunes, Inclassificáveis)

1. CLASSIFICAÇÃO ESTRUTURAL DOS CONTRATOS 1.1 As dicotomias clássicas

Em paralelo aos tipos contratuais (os contratos em espécie), surgem as chama- das categorias contratuais. Trata-se de modelos abstratos, de raiz fundamentalmente científica, que derivam de uma atitude essencialmente analítica e contemplativa da doutrina, como meio de simplificação para a precisão normativa e a concentração dos regimes jurídicos. Na lúcida abordagem de Carlos Ferreira de Almeida, as cate- gorias contratuais correspondem a um nível maior de abstração quando comparadas

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aos tipos contratuais (compra e venda, doação, locação etc.) e a um nível menor de abstração quando contrapostas ao contrato, na qualidade de categoria maior, espécie de fato jurídico.1

A classificação permite uma “arrumação exaustiva da realidade”, afinal as clas- ses de contratos resultam de repartições feitas com base em critérios que têm a ver com a ocorrência ou a verificação de certas qualidades. A recondução de contrato a esta ou àquela classe não significa mais do que a sua repartição do que o seu agrupamento, consoante tenha esta ou aquela característica.2

As categorias contratuais são estabelecidas segundo critérios simples de classi- ficação, de cuja aplicação derivam frequentemente divisões dicotômicas, tais como contratos bilaterais ou unilaterais, gratuitos e onerosos, reais ou consensuais. Estes critérios são das mais diversas naturezas, podendo levar em conta a estrutura de composição do contrato, a relação entre as suas prestações, a existência de disciplina legislativa, dentre outros fatores. Esta necessidade de classificação se vincula ao domínio teórico da matéria, hábil em seu tratamento coerente e coeso, atribuindo certeza e segurança jurídica aos critérios de decidibilidade.

Neste sentido, as diversas classificações e seus critérios surgem ao sabor dos problemas que a dogmática enfrenta na decidibilidade, os quais exigem distinções sobre distinções. Cuida-se daquilo que Bobbio sugere como as grandes dicotomias.

Distinções como direito público e privado, direito objetivo e direito subjetivo foram desenvolvidas historicamente no trato do direito. Elas permitem uma sistematização no sentido dogmático do direito, concebido como um conjunto de normas. De acordo com Tercio Sampaio Ferraz, as dicotomias são lugares-comuns, noções não logicamente rigorosas, mas pontos de orientação e organização coerentes de uma matéria, cujo intuito é conseguir o domínio mais abrangente e coerente possível dos problemas.

As dicotomias se vinculam a um sistema estático de normas, prescindindo portanto de qualquer dinamismo, posto que concebe o conjunto normativo como um dado, abstração feita de seu câmbio permanente.3

Nesta introdução que se faz às diversas classificações contratuais não podemos nos abster de uma crítica ao artificialismo das dicotomias. Elas expressam uma neu- tralidade do direito contratual em relação à ordem social. Em uma sociedade afeta a relações contratuais extremamente dinâmicas e complexas, seria ingênuo aprisionar, a priori, a diversidade de composição de interesses em mecanismos de subsunção do fato em fattispecies abstratas.

1. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico, op. cit., p. 409-410.

2. VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos atípicos, op. cit., p. 168.

3. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, prossegue o autor: “desse modo, se estas expressões estão razoavelmente delimitadas, a ambiguidade e a vaguidade limitam-se: ganha-se em cer- teza. Já a segurança tem a ver com os destinatários das normas. É preciso encontrar critérios para uma decidibilidade uniforme para todos os sujeitos” (op. cit., p. 132 e 141).

Referências

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