2017
Fabiano Caetano Prestes
Direito Processual Penal Militar
Organizadores Frederico Amado | Lucas Pavione
Coleção
Resumos ä para
Concursos 35
5 ª
edição
revista e atualizada
3
INQUÉRITO POLICIAL MILITAR
\ Leia a Lei:
ͳ Arts. 9º a 28 do CPPM
1.౧NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO
A natureza jurídica do inquérito é de procedimento administrativo, função privativa do Estado. Assim, possível aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre inquérito, com base no art. 24, XI, CF, adaptando as regras às particularidades locais, desde que respeitadas as normas gerais da legislação federal, o que não costuma ocorrer na prática.
O inquérito policial militar é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária, com o objetivo de apurar fato que configure crime militar, e de sua autoria, ministrando elementos necessários à propositura da ação penal.
Notitia criminis é a comunicação à autoridade da existência de uma infração penal.
A possibilidade de abertura de inquérito, e posteriormente de
ação penal, decorrente de denúncia anônima, é controvertida tanto na
doutrina quanto jurisprudência. Vem prevalecendo a tese de possibili-
dade de deflagração de ação penal decorrente de denúncia anônima. O
Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de deflagração
de ação penal decorrente de denúncia anônima, desde que antecedida
de diligencias para averiguar os fatos. No entanto, as “denúncias anô-
nimas” não autorizam a propositura de ação penal ou mesmo, na fase
de investigação preliminar, o emprego de métodos invasivos de inves-
tigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão.
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\ POSIÇÃO DO STF
ͳ HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS DE- LITOS PREVISTOS NO ART. 3º, INC. II, DA LEI N. 8.137/1990 E NOS ARTS. 325 E 319 DO CÓDIGO PENAL. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NÃO REALIZADA. PERSE- CUÇÃO CRIMINAL DEFLAGRADA APENAS COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA.
1. Elementos dos autos que evidenciam não ter havido investigação preliminar para corroborar o que exposto em denúncia anônima. O Supremo Tribunal Fe- deral assentou ser possível a deflagração da persecução penal pela chamada denúncia anônima, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial.
Precedente. 2. A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só po- dendo ser determinada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos termos do art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296/1996. Prece- dente. 3. Ordem concedida para se declarar a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas, em razão da ilegalidade das autorizações, e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas na de- núncia anônima, sem investigação preliminar. Cabe ao juízo da Primeira Vara Federal e Juizado Especial Federal Cível e Criminal de Ponta Grossa/PR examinar as implicações da nulidade dessas interceptações nas demais provas dos autos.
(STF. HC 108147/PR. Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 11/12/2012; Ór- gão Julgador: Segunda Turma)
O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;
c) em virtude de requisição do Ministério Público;
d) por decisão do Superior Tribunal Militar (STM);
e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a re- presente;
f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.
2.౧CARACTERÍSTICAS
As principais características do inquérito policial são: ser um
procedimento escrito e inquisitório, não admitindo contraditório e
ampla defesa.
Escrito em razão do dever do escrivão de reunir todas as peças do inquérito por ordem cronológica, em um só processado e datilografadas, nos termos do art. 21 do CPPM.
Inquisitório, pois cabe a autoridade policial o comando do pro- cedimento, praticando atos de investigação e decisórios, ressalvada a reserva de jurisdição. Prevalece o entendimento pela inaplicabilidade dos princípios da ampla defesa e contraditório na fase do inquérito. A previsão do art. 5, LV da Constituição Federal, ao assegurar a ampla defesa, o faz referindo-se aos litigantes em processo judicial ou admi- nistrativo. Como vimos, o inquérito possui natureza de procedimento, não processo, não havendo a referida garantia.
Sua dispensabilidade decorre da possibilidade de o Ministério Público ajuizar a ação penal independentemente de inquérito, desde que possua elementos suficientes para tal.
Mas enquanto é dispensável sob a ótica da ação penal, não há discricionariedade por parte da autoridade policial para a abertura de inquérito em caso de notícia de infração penal. Aqui há obrigatorieda- de de abertura, salvo quando não houver notícia de crime ou indícios mínimos que revelem a sua existência. Aplica-se subsidiariamente o § 3º do art. 5º, CPP, sem reprodução análoga no CPPM, segundo o qual a autoridade, “verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”.
Estabelece o artigo 16 do CPPM que o inquérito é sigiloso. Tal sigilo, entretanto, não pode ser oposto ao defensor do indiciado, con- forme remansosa jurisprudência do STF, e que deu origem à Súmula Vinculante nº 14.
\ POSIÇÃO DO STF
ͳ Súmula Vinculante nº 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedi- mento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciá- ria, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
O Superior Tribunal Militar já decidiu pela impossibilidade de inves- tigação direta pelo Ministério Público, o que, no seu entender, causa o trancamento da ação penal (STM. HC n. 2006.01.034226-5/CE. Rel. Min.
Rayder Alencar da Silveira. Julg. em 22.08.2006. Publ. em 27.07.2006).
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O STF, no entanto, em julgamento do Recurso Extraordinário nº 593727/MG, com repercussão geral reconhecida, vem declarando a possibilidade de o Ministério Público realizar diretamente atividades de investigação da prática de delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal (Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Luiz Fux), com voto divergente do Ministro Cesar Peluso, reconhecendo a possibilidade apenas em hipó- teses excepcionais e taxativas, no que foi acompanhado pelo Ministro Ricardo Lewandowski.
3.౧PROCEDIMENTO
A atribuição para condução da investigação se dá, em regra, de acordo com o lugar da infração; e, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, na forma de atribuição de competência ao juízo prevista no art. 88 do CPPM. A inobservância não gera qualquer tipo de nulidade, mas pode prejudicar a colheita das provas.
Cabe ao encarregado a designação de escrivão para o inquérito, se não tiver sido feita pela autoridade que lhe deu delegação para aquele fim, recaindo em segundo ou primeiro-tenente, se o indiciado for ofi- cial, e em sargento, subtenente ou suboficial, nos demais casos. Tendo o infrator posto superior ou igual ao do comandante, diretor ou chefe de órgão ou serviço, em cujo âmbito de jurisdição militar haja ocorrido a infração penal, será feita a comunicação do fato à autoridade superior competente, para que esta torne efetiva a delegação. Se o infrator for oficial general, será sempre comunicado o fato ao ministro e ao chefe de Estado-Maior competente.
Logo que tiver conhecimento da prática de infração penal militar a autoridade competente deverá, se possível:
a) dirigir-se ao local, providenciando para que se não alterem o estado e a situação das coisas, enquanto necessário;
b) apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com o fato;
c) efetuar a prisão do infrator, em caso de flagrância;
d) colher todas as provas que sirvam para o esclarecimento do fato
e suas circunstâncias.
O encarregado do inquérito deverá ouvir o ofendido, o indiciado e as testemunhas; deverá ainda proceder a reconhecimento de pessoas, coisas e acareações; determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outros exames e perícias; determinar a avaliação e identificação da coisa subtraída, desviada, destruída ou danificada, ou da qual houve indébita apropriação; proceder a buscas e apreensões; tomar as medidas necessárias destinadas à proteção de testemunhas, peritos ou do ofendido, quando coactos ou ameaçados de coação que lhes tolha a liberdade de depor, ou a independência para a realização de perícias ou exames.
No curso do IPM, o Encarregado pode se deparar com dois problemas:
a existência de indícios contra oficial de posto superior ao seu, mais antigo;
ficar doente, ser transferido para a reserva ou de local (com emergência) etc. Em ambos, compete-lhe oficiar à autoridade delegante para que suas funções sejam atribuídas a outro oficial. Na primeira hipótese, prevista no artigo 10, § 5º, do CPPM, o prazo para a conclusão do inquérito é in- terrompido, voltando a fluir da designação do novo encarregado (art. 20,
§ 3º, do CPPM); na segunda, não se interrompe. Da mesma forma, quer no momento da designação, quer no curso do IPM, o Encarregado pode se considerar impedido ou suspeito (CPPM, art. 36 a 41).
A solicitação de assistência de Membro do Ministério Público Militar é uma faculdade do Encarregado do IPM (Art. 14 do CPPM) quando se tratar de fato delituoso de excepcional importância ou de difícil elucidação. Tal solicitação, far-se-á, diretamente, ao Procurador Geral da Justiça Militar, por ofício, telegrama ou rádio, em caso de urgência.
O encarregado do inquérito poderá, havendo necessidade, proce- der à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública, nem atente contra a hierarquia ou a disciplina militar.
\ ATENÇÃO
ͳ Apesar de prevista no artigo 17 do CPPM, a incomunicabilidade do indiciado
deve ser considerada inconstitucional, frente ao disposto no artigo 136, § 3º, IV,
da Constituição Federal (CF), que a proíbe mesmo no Estado de Sítio, e também
em virtude do que dispõe a convenção de Costa Rica (art. 8º, n. 2, “d”), incorpo-
rada ao direito brasileiro com força de emenda constitucional, que assegura ao
acusado o direito de comunicar-se livremente e em particular, com seu defen-
sor público.
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As testemunhas e o indiciado, exceto caso de urgência inadiável, devem ser ouvidos durante o dia, em período entre as 7 (sete) e as 18 (dezoito) horas. Não será inquirida a testemunha por mais de 4 (quatro) horas consecutivas, sendo-lhe facultado o descanso de meia hora, sem- pre que tiver de prestar declarações além daquele termo. O depoimento que não ficar concluído às 18 (dezoito) horas será encerrado, para prosseguir no dia seguinte, em hora determinada pelo encarregado do inquérito. Não sendo útil o dia seguinte, a inquirição poderá ser adiada para o primeiro dia que o for, salvo caso de urgência.
4.౧PRAZO
O inquérito deverá terminar dentro de 20 (vinte) dias, se o indiciado estiver preso, contado esse prazo a partir do dia em que se executar a ordem de prisão; ou no prazo de 40 (quarenta) dias, quando o indiciado estiver solto, contados a partir da data da instauração do inquérito. Na hipótese de réu solto o prazo poderá ser prorrogado por mais 20 (vinte) dias pela autoridade militar superior, desde que não estejam concluí- dos exames ou perícias já iniciados, ou haja necessidade de diligência, indispensáveis à elucidação do fato. Tais prazos são impróprios, não prevendo a lei qualquer consequência processual, assumindo relevância para o fim de caracterizar constrangimento ilegal apenas se o indiciado estiver preso no curso das investigações ou se a prescrição tiver ocorrido e, ainda assim, continuarem as investigações.
O pedido de prorrogação deve ser feito em tempo oportuno, de modo a ser atendido antes da terminação do prazo. Não haverá outras prorroga- ções, salvo dificuldade insuperável, a juízo do ministro de Estado compe- tente. Os laudos de perícias ou exames não concluídos nessa prorrogação, bem como os documentos colhidos depois dela, serão posteriormente remetidos ao juiz, para a juntada ao processo. No seu relatório poderá o encarregado do inquérito indicar as testemunhas não ouvidas por algum impedimento, mencionando, se possível, o lugar onde se encontram.
5.౧ENCERRAMENTO E ARQUIVAMENTO
O inquérito será encerrado com relatório, em que o encarregado
mencionará as diligências feitas, as pessoas ouvidas e os resultados
obtidos, com indicação do dia, hora e lugar onde ocorreu o fato delitu-
oso. Em conclusão, dirá se há infração disciplinar a punir ou indício de
crime, pronunciando-se, neste último caso, justificadamente, sobre a conveniência da prisão preventiva do indiciado.
No caso de ter sido delegada a atribuição para a abertura do in- quérito, o seu encarregado o enviará à autoridade de que recebeu a delegação, para que lhe homologue ou não a solução, aplique penalidade, no caso de ter sido apurada infração disciplinar, ou determine novas diligências, se as julgar necessárias.
“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso.”
(LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 111). É ato privativo da autoridade policial, segundo sua análise técnico-jurídica do fato. O juiz não pode determinar que o Delegado de Polícia/encarregado faça o indiciamento de alguém (STF – 2ª Turma. HC 115015/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/8/2013).
Discordando da solução dada ao inquérito, a autoridade que o delegou poderá avocá-lo e dar solução diferente.
Os autos do inquérito serão remetidos ao auditor da Circunscrição Judiciária Militar onde ocorreu a infração penal, acompanhados dos instrumentos desta, bem como dos objetos que interessem à sua prova.
Os autos de inquérito instaurado fora do território nacional serão remetidos à 1ª Auditoria da Circunscrição com sede em Brasília.
A autoridade militar não poderá mandar arquivar autos de inquéri- to, embora conclusivo da inexistência de crime ou de inimputabilidade do indiciado.
O arquivamento de inquérito não obsta a instauração de outro, se novas provas aparecerem em relação ao fato, ao indiciado ou a terceira pessoa, ressalvados o caso julgado e os casos de extinção da punibilidade.
\ POSIÇÃO DO STF
ͳ Súmula 524 – Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimen- to do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.
Se o arquivamento do inquérito se deu com base na atipicidade do
fato há eficácia de coisa julgada material, conforme entendimento do
Supremo Tribunal Federal, impedindo a instauração de processo que
tenha por objeto o mesmo episódio.
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