• Nenhum resultado encontrado

Cheio de dedos : Desvendando o compositor Guinga = Cheio de dedos: Revealing the composer Guinga

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Cheio de dedos : Desvendando o compositor Guinga = Cheio de dedos: Revealing the composer Guinga"

Copied!
172
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

IVAN DANIEL BARASNEVICIUS

CHEIO DE DEDOS: DESVENDANDO O COMPOSITOR GUINGA

CHEIO DE DEDOS: REVEALING THE COMPOSER GUINGA

CAMPINAS

(2)

CHEIO DE DEDOS: DESVENDANDO O COMPOSITOR GUINGA

CHEIO DE DEDOS: REVEALING THE COMPOSER GUINGA

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Dissertation presented to the Institute of Arts of the State University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in Music, in the area of Music: Theory, Creation and Practice.

ORIENTADOR: PAULO JOSÉ DE SIQUEIRA TINÉ COORIENTADOR: GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO IVAN DANIEL BARASNEVICIUS, E ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO JOSÉ DE SIQUEIRA TINÉ.

CAMPINAS 2019

(3)
(4)

IVAN DANIEL BARASNEVICIUS

ORIENTADOR: PAULO JOSÉ DE SIQUEIRA TINÉ

COORIENTADOR: GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES

MEMBROS

1. PROF. DR. PAULO JOSÉ DE SIQUEIRA TINÉ

2. PROF. DR. MARCELO SILVA GOMES

3. PROF. DR. JOSÉ ALEXANDRE LEME LOPES CARVALHO

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação e na secretaria do Programa da Unidade.

(5)

Dedicatória

à minha filha Pietra Bermudes Barasnevicius, inspiração e motivação para todo e qualquer esforço. à Dé Bermudez, pela parceria em tudo na vida. à Ana Nilce, pelos exemplos de sabedoria, força e dignidade.

(6)

À minha família, especialmente à Dé Bermudez e Ana Nilce, por todo o suporte nos momentos de necessidade e compreensão nos momentos de ausência, ambos bastante frequentes durante o período em que cursei o Mestrado na UNICAMP.

Ao meu orientador Prof. Dr. Paulo José de Siqueira Tiné, singularmente, pela amizade de longa data e por todos os ensinamentos ao longo desses anos, já que fiz boa parte de minha graduação, em guitarra elétrica, com a sua orientação na FAAM-SP e, acima de tudo, em acreditar neste trabalho, oferecendo todo o suporte necessário para que pudesse ser concluído.

Ao meu coorientador Prof. Dr. Gilson Uehara Gimenes Antunes, em especial, pelas valiosas sugestões, leituras, indicações discográficas e bibliográficas, sobretudo, no que diz respeito ao Violão Brasileiro, sua história e personagens, sendo que suas contribuições foram muito importantes para que fosse possível compreender o cenário musical em que Guinga está inserido.

Aos professores da Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNICAMP, com os quais tive a oportunidade de conhecer diferentes abordagens metodológicas nas disciplinas oferecidas pelo curso, o que decerto expandiu de forma decisiva a minha visão não só sobre Música: Paulo Tiné, Rafael dos Santos, Regina Machado, Gilson Antunes, Zé Alexandre Carvalho, Jorge Schröder, Manuel Falleiros, Budi Garcia.

Aos docentes que participaram de minhas bancas de qualificação e defesa: José Roberto Zan, Marcelo Gomes e Zé Alexandre Carvalho. Suas leituras cuidadosas, suas críticas e contribuições foram essenciais para que os rumos deste trabalho pudessem ser corrigidos.

Aos entrevistados, também, que tiveram a paciência em fazer os seus depoimentos sobre a produção do disco Cheio de Dedos e demais desdobramentos: Carlos Malta, Itamar Assiere, Mário Sève, Rodrigo Lessa, Papito Mello, Paulo Aragão, Ed Motta, Lula Galvão e Guinga.

Ao Prof. Jorge Schröder pelas conversas, sugestões bibliográficas e valiosas contribuições para este trabalho; ao guitarrista e produtor musical Pedro Pimentel por seu suporte e por compartilhar seus conhecimentos sobre áudio e à Monique Lima por seu apoio e sugestões de leitura em nossas conversas sobre esta dissertação.

(7)

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise de um recorte na carreira do compositor Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o Guinga, que compreende, de forma geral, o processo de produção do disco Cheio de Dedos, terceiro da discografia de Guinga, lançado pela gravadora Velas, no ano de 1996 e que consiste no tema principal desta pesquisa.

Entre os métodos de investigação, foram realizadas entrevistas com diversos músicos envolvidos nos processos de produção do disco Cheio de Dedos. Desta forma, detalhes significativos sobre como os arranjos foram produzidos revelaram-se, assim como significados inerentes aos nomes das composições e elaboração das letras. Além disso, foram realizadas análises melódicas, harmônicas e formais de algumas das músicas presentes no disco, como forma de montar um panorama dos elementos utilizados por Guinga em suas composições para este disco e de que forma os arranjos foram elaborados e gravados.

Como resultado das análises musicais, foram evidenciadas algumas características das composições de Guinga neste período, para que assim fosse possível compreender melhor o processo de produção do disco Cheio de Dedos, trabalho este que até hoje é um dos mais emblemáticos da carreira deste compositor.

A partir da verificação de diversas resenhas e comentários, em jornais e revistas sobre o disco Cheio de Dedos, foi possível conferir que este trabalho se tornou um dos mais conhecidos da carreira do compositor Guinga.

Palavras-chave: arranjo; composição; violão brasileiro; análise melódica; análise harmônica.

(8)

This work aims to present an analysis of a part of the career of the composer Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, named Guinga, which comprehends, in a general way, the production process of the album Cheio de Dedos, third album of the discography of Guinga and that was released by the Record Label Velas in 1996, and which is the main theme of this research. Among the research methods, interviews were conducted with several musicians involved in the production processes of the Cheio de Dedos. In this way, significant details about how the arrangements were produced could be brought to light, as well as meanings inherent in the names of the compositions and the elaboration of the letters. In addition, we performed melodic, harmonic and formal analysis of some of the songs on the disc, as a way of assembling a panorama of the elements used by Guinga in his compositions for this album. and in what way the arrangements were elaborated and recorded.

As a result of the musical analysis, it was possible to show some characteristics of the compositions of Guinga in this period, as well as to better understand the production process of the album Cheio de Dedos, a work that until today is one of the most emblematic of this composer's career.

From the verification of diverse reviews and commentaries in newspapers and magazines on the album Cheio de Dedos, it was possible to verify that this album became one of the best known of the career of the composer Guinga.

Keywords: arrangement; composition; brazilian guitar; melodic analysis; harmonic analysis.

(9)

Figura 1: Introdução de Por trás de Brás de Pina………... 61

Figura 2: Parte A de Por trás de Brás de Pina………... 62

Figura 3: Parte B de Por trás de Brás de Pina………..….... 63

Figura 4: Parte C de Por trás de Brás de Pina………... 64

Figura 5: Parte D de Por trás de Brás de Pina………... 65

Figura 6: Parte E de Por trás de Brás de Pina………... 66

Figura 7: Introdução de Nó na garganta………... 76

Figura 8: Primeiro fragmento da seção A de Nó na garganta………... 76

Figura 9: Segundo fragmento da seção A de Nó na garganta……….. 77

Figura 10: Primeiro fragmento da seção A’ de Nó na garganta………... 78

Figura 11: Segundo fragmento da seção A’ de Nó na garganta………... 79

Figura 12: Primeiro fragmento da seção B de Nó na garganta………... 80

Figura 13: Segundo fragmento da seção B de Nó na garganta………... 81

Figura 14: Coda de Nó na garganta……….………. 81

Figura 15: Introdução de Cheio de Dedos……… 85

Figura 16: Seções A e A’ de Cheio de Dedos………... 86

Figura 17: Seção B de Cheio de Dedos………... 88

Figura 18: Coda de Cheio de Dedos………... 90

Figura 19: Cheio de Dedos: Introdução, compassos 1 a 8 (Arranjo para violão elaborado por Guinga)... 99

Figura 20: Cheio de Dedos: Introdução, compassos 1 a 5, primeira parte (Arranjo para sopros elaborado por Carlos Malta)... 102

Figura 21: Cheio de Dedos: Introdução, compassos 6 a 9, segunda parte (Arranjo para sopros de Carlos Malta)... 102

Figura 22: Seção A de Dá o Pé, Loro………... 109

Figura 23: Seção A’ de Dá o Pé, Loro……….. 110

Figura 24: Seção B de Dá o Pé, Loro……….... 111

(10)

Figura 28: Seção B de Ária de Opereta………... 123

Figura 29: Primeira frase da letra de Ária de Opereta………... 135

Figura 30: Segunda frase da letra de Ária de Opereta……….. 136

Figura 31: Terceira frase da letra de Ária de Opereta.……….. 137

Figura 32: Quarta frase da letra de Ária de Opereta……….. 138

Figura 33: Quinta frase da letra de Ária de Opereta……….. 138

Figura 34: Sexta frase da letra de Ária de Opereta………... 139

Figura 35: Sétima frase da letra de Ária de Opereta………. 140

Figura 36: Oitava frase da letra de Ária de Opereta……….. 141

Figura 37: Nona frase da letra de Ária de Opereta……… 141

Figura 38: Introdução de Sinuoso……….. 143

Figura 39: Seção A de Sinuoso……….. 143

Figura 40: Seção A’ de Sinuoso………... 144

Figura 41: Seção B de Sinuoso………... 145

(11)

Tabela 1: Aberturas utilizadas por Guinga na introdução da peça Cheio de Dedos……... 101 Tabela 2: Aberturas utilizadas por Carlos Malta na introdução da peça Cheio de Dedos... 104 Tabela 3: Comparação das funções harmônicas na primeira parte da introdução da peça Cheio de Dedos... 105 Tabela 4: Comparação das funções harmônicas na segunda parte da introdução da peça Cheio de Dedos... 106 Tabela 5: Segunda metade da parte B de Ária de Opereta (Análise alternativa)... 131

(12)

INTRODUÇÃO... 14

1. A TRAJETÓRIA DE GUINGA... 17

2. A ENTRADA DE GUINGA NA GRAVADORA VELAS………... 29

2.1. Panorama dos cinco primeiros álbuns de Guinga………... 31

2.2. A contribuição do produtor Paulinho Albuquerque……….. 35

2.3. A entrada de Aldir Blanc na carreira de Guinga………... 40

3. ANOS 1990: A CRISE NO MERCADO FONOGRÁFICO BRASILEIRO E SUA RECUPERAÇÃO……...………... 44

3.1. Sistemas de gravação e demais recursos utilizados nos anos 1980 e 1990………... 49

3.2. Estética das gravações dos anos 1980 e 1990 na MPB………...52

4. O DISCO CHEIO DE DEDOS – ANÁLISE DE ALGUMAS FAIXAS SELECIONADAS... 57

4.1. Por trás de Brás de Pina... 57

4.1.1. Forma rapsódica...………... 59

4.1.2. Análise melódico-estrutural e harmônica... 61

4.1.3. Participação do grupo Nó em Pingo D’água... 66

4.1.4. Descrição do arranjo... 70 4.2. Nó na garganta... 73 4.2.1. Análise melódico-estrutural... 76 4.2.2. Análise harmônica... 81 4.2.3. Descrição do arranjo... 82 4.3. Cheio de Dedos... 83 4.3.1. Análise melódico-estrutural... 84 4.3.2. Análise harmônica... 90 4.3.3. Descrição de arranjo... 95

4.3.4. Comparação entre trechos das duas versões da peça Cheio de Dedos... 95

4.3.4.1. O arranjo de Guinga para a peça Cheio de Dedos...99

4.3.4.2. O arranjo de Carlos Malta para a peça Cheio de Dedos...101

4.4. Dá o Pé, Loro... 106

4.4.1. Análise melódico-estrutural... 108

4.4.2. Análise harmônica... 113

(13)

4.5.2. Análise harmônica... 126

4.5.3. Descrição de arranjo... 132

4.5.4. Regimes de integração entre melodia e letra... 133

4.5.4.1. Elementos passionais evidenciados pelo arranjo...134

4.5.4.2. Elementos passionais na letra de Ária de Opereta...135

4.6. Sinuoso... 142

4.6.1. Análise melódico-estrutural... 142

4.6.2. Análise harmônica... 146

4.6.3. Descrição de arranjo... 147

5. REAÇÕES AO DISCO CHEIO DE DEDOS NA IMPRENSA.…………... 149

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS………... 155

REFERÊNCIAS... 159

(14)

INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objetivo apresentar uma análise de um recorte na carreira do compositor Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, o Guinga, que compreende, de forma geral, o processo de produção do disco Cheio de Dedos, terceiro da discografia de Guinga, lançado pela gravadora Velas no ano de 1996 e que consiste no tema principal desta pesquisa.

Para um melhor entendimento de como se desenvolveu a fase da carreira de Guinga, a qual constitui o recorte principal desta pesquisa, no primeiro capítulo, foram feitas algumas digressões, como, por exemplo, um mergulho em aspectos biográficos do compositor, detalhando de que forma teve seus primeiros contatos com a música, por meio de seus pais e tios. Com base em evidências biográficas trazidas por MARQUES (2002), CARDOSO (2006) e de entrevistas concedidas por Guinga, viu-se, também, como aconteceu o contato com alguns dos músicos que mais o influenciaram, durante a sua trajetória, como Haroldo Hilário Bessa, Paulinho Cavalcanti, Chiquito Braga, Hélio Delmiro e outros.

No segundo capítulo, procurou-se reunir informações sobre como ocorreu a entrada de Guinga na gravadora Velas. Neste momento, baseados em realces biográficos trazidos por MARQUES (2002) e em depoimentos de ARAGÃO (2019) e MALTA (2019), buscou-se demonstrar de que forma alguns personagens da vida musical de Guinga, tais como Paulinho Albuquerque e Aldir Blanc, foram extremamente importantes para este processo e, em consequência, para o desabrochar da carreira do compositor. A partir das abordagens propostas por VICENTE (2002), iniciou-se, também, a delinear um panorama da gravadora Velas no período. Neste capítulo, com informações de CABRAL (2003), fez-se um rápido panorama dos cinco primeiros discos do Guinga lançados na gravadora Velas.

Para que fosse possível compreender, de forma geral, o cenário em que a carreira de Guinga pôde finalmente decolar, a partir do lançamento do disco Cheio de Dedos, no terceiro capítulo, alguns pontos relacionados à indústria fonográfica do Brasil dos anos 1990 foram analisados, ou seja, da época de produção e lançamento do disco Cheio de Dedos. Com as referências apresentadas por VICENTE (2002), foi possível entender em qual cenário a gravadora Velas estava inserida: um momento de grandes turbulências econômicas no Brasil, que foram muito impactantes para as gravadoras da época e, também, quais gêneros musicais estavam em alta naquele período: pagode, sertanejo e rock. Entretanto a entrada de Guinga na gravadora Velas propiciou um aumento significativo à divulgação de seu trabalho como violonista e compositor. Por outro lado, elencaram-se alguns aspectos relacionados aos

(15)

trabalhos de dois artistas, nos anos 1980 e 1990: Gilberto Gil e Milton Nascimento, de maneira a compreender um pouco o cenário da MPB no período anterior à entrada de Guinga na gravadora Velas, ou seja, nos anos 1980. Muitos discos de música brasileira, gravados nos anos 1980 e começo dos anos 1990, traziam sonoridades que, muitas vezes, eram bem artificiais, com timbres bastante sintetizados. Embora desde os anos 1970 já existissem efeitos e recursos digitais, no início, eram caros e poucas pessoas tinham acesso a eles. Nos anos 1980, a disponibilidade de efeitos digitais passou a ser bem maior e era comum que os produtores sempre exagerassem no seu uso. Nesse mesmo período, aconteceu uma transição do meio pelo qual a música era comercializada: embora no Brasil o CD estivesse disponível desde meados dos anos 1980, somente no início da década de 1990 passou a ser consumido em larga escala. O vinil e o cd acabaram convivendo no mercado fonográfico por um certo período.

No quarto capítulo, foram selecionadas algumas faixas presentes no disco Cheio de Dedos, para uma análise melódica, harmônica e de arranjo. O critério para a escolha das peças foi a disponibilidade da transcrição e a possibilidade de se remontar a maneira como a composição, arranjo e sua gravação foram elaborados, a começar de entrevistas com os músicos envolvidos no processo. Além disso, selecionaram-se faixas cujos arranjos foram concebidos de forma distinta, a fim de avaliar, em geral, como essas partes do disco foram elaboradas: o arranjo de Por trás de Brás de Pina foi totalmente elaborado pelo grupo Nó em Pingo D´água, antes de se entrar no estúdio e, quando foi gravado, o arranjo já estava concebido e ensaiado. Em outras faixas, como, por exemplo, Ária de Opereta, o arranjo foi elaborado diretamente no estúdio, durante as gravações, a contar das sugestões de Paulinho Albuquerque e Guinga.

Vale citar, também, que, neste capítulo, as diferentes composições analisadas trouxeram a necessidade de ferramentas distintas para as suas respectivas análises. Em Por trás de Brás de Pina, o conteúdo da composição foi relacionado à forma rapsódica, conforme TINÉ (2008). Na peça Dá o pé, Loro, foi possível estabelecer uma relação entre o conceito de tópicas, citado por PIEDADE (2011), enquanto que na análise da canção Ária de Opereta, o conteúdo melódico, de letra e de arranjo foi associado com o regime passional de integração entre melodia e letra conforme TATIT (2012). Já na peça Cheio de Dedos, comparou-se um trecho das duas peças para evidenciar diferenças entre os arranjos de Guinga e Carlos Malta. No disco Cheio de Dedos, há duas gravações dessa peça: uma com dois violões, gravada por Guinga e Lula Galvão, e outra somente com instrumentos de sopro, mais exatamente saxofones e flautas. Esse último fonograma é o resultado de um arranjo elaborado por Carlos Malta para esta peça. Assim, neste trecho, foi verificado se existem diferenças e semelhanças entre as duas propostas de arranjo, para que se possa melhor compreender de que forma ambos foram concebidos.

(16)

Como exemplo de análise, foram destacados pequenos trechos de ambas as peças para uma análise comparativa a fim de aclarar as suas características.

No quinto capítulo, foram compiladas e analisadas diversas resenhas sobre o lançamento do disco Cheio de Dedos e sobre outros eventos de que Guinga participou na época, para melhor compreender qual a recepção que o disco teve na imprensa e de que forma Cheio de Dedos passou a ser a principal referência da carreira desse compositor, sendo que, nas resenhas e comentários verificados, percebeu-se a grande importância, quando se referem à carreira do compositor Guinga, que é atribuída ao mencionado fonograma, já que foi bastante frequente, em diferentes resenhas analisadas, que ele seja lembrado como o compositor da peça Cheio de Dedos.

(17)

1. A TRAJETÓRIA DE GUINGA

É notório que Carlos Althier de Sousa Lemos Escobar, o Guinga, tenha adquirido diversos saberes musicais, ao longo de sua trajetória, muito mais pelo contato intenso com pessoas que tinham uma relação bastante próxima com diferentes gêneros de música, seja por apreciação, execução ou composição que com um algum tipo de instrução formal. Como não teve acesso a uma instrução musical sistemática, tendo apenas aulas particulares de música e de forma não muito organizada, em diferentes momentos da sua vida, esses contatos com diferentes pessoas e o conhecimento acumulado por essas experiências tiveram um papel essencial à elaboração de seu capital cultural e de sua maneira de tocar e compor ao violão. É conhecida a biografia de Guinga escrita por MARQUES(2002), entretanto, para esta análise, julgou-se essencial que esta discussão demonstrasse, ainda, a biografia organizada por CARDOSO(2006). Mas parece desnecessário repetir o que já foi mencionado nesses dois trabalhos sobre a trajetória de Guinga. Algumas atualizações, evidentemente, podem ser feitas já que muitos outros trabalhos foram realizados pelo compositor, após a publicação dos trabalhos citados. Todavia esse detalhamento não é propósito desta investigação, visto que se procurará deter-se, principalmente, na época referente ao processo de produção do disco Cheio de Dedos, embora se possa buscar, ao longo deste trabalho, informações de outras épocas da carreira e da vida do compositor, para melhor compreensão do objeto principal desta pesquisa.

Um aspecto que sobressai bastante, quando se analisa a trajetória do compositor, é o papel fundamental que a música exercia em sua vida familiar desde muito cedo. Seu pai era um grande apreciador de discos de ópera e de seresta, gêneros dos quais possuía uma grande coleção de discos, a que Guinga tinha acesso. Em relação à seresta, Guinga atribui muita importância a esse gênero em sua música e em sua vida. Esse fato está relacionado ao grande contato que teve com esse gênero, inicialmente, por meio de seu pai, mas, logo depois, pelo rádio, o qual teve um papel importantíssimo em sua elaboração de base musical. Segundo CARDOSO(2006), Gilberto Alves, por exemplo, foi um dos compositores a que Guinga teve acesso pelo pai. Orlando Silva, Silvio Caldas, Francisco Alves, Leonel Azevedo, Jota Cascata e Benedito Lacerda foram outros nomes essenciais para a sua formação. Entretanto, como é possível encontrar, inclusive, em depoimentos transcritos por CARDOSO(2006), é frequente que Guinga cite Bide Marçal, Claudionor Cruz, Pedro Caetano, Gilberto de Carvalho, Dante Santoro, Hervê Cordovil, João Petra de Barros, Gastão Formenti, Custódio Mesquita, Francisco Matoso, Américo Jacomino, Jaime Ovalle, Manuel Bandeira, Pixinguinha, Ernesto Nazareth,

(18)

Jacob do Bandolim, Nonô, Sá Roriz, Kid Pepe e Peter Pan, entre outros. Sobre a relação de Guinga com a seresta, é importante citar:

Vemos como o capítulo da seresta é, para Guinga, fundamental no caminho de qualquer compositor brasileiro, sob o risco de, omitindo-o, tornar-se um “compositor incompleto”. Podemos vislumbrar também o forte conhecimento de Guinga deste gênero, pela quantidade de citações de compositores e músicas [...]. Acrescentamos que a análise da entrevista com Paulo Aragão nos deu igualmente esta dimensão: Aragão fala-nos de um Guinga grande conhecedor da música brasileira da era do rádio, sendo o compositor sua referência para obter informações sobre este período da música brasileira. Como Aragão mesmo coloca, “eu nunca vi uma pessoa conhecer tanto o universo da canção brasileira, assim nos anos 30, 40 e 50 como o Guinga”. Aragão define Guinga como um dos principais conhecedores da música do rádio entre os anos 30 e 50 - justamente o período áureo não somente da seresta e do choro, mas também da música americana, provavelmente muito ouvida por Guinga em sua juventude (CARDOSO, 2006: 29).

Assim, esse contato intenso com a seresta, proporcionado, em princípio, pelo gosto musical do seu pai e, posteriormente, por ser um estilo em alta no rádio, à época de sua juventude, fez com que Guinga tivesse um amplo conhecimento dessas canções, o que certamente acabou por constituir um vasto repertório que se tornou essencial para a elaboração de sua personalidade musical. É evidenteque a seresta não era a única influência sobre esse compositor nesta fase de sua vida, mas é um importante pilar na construção de sua sonoridade, como é possível observar em composições suas como Senhorinha. Mas, também, deve-se ressaltar que Guinga travou contato com outros gêneros no universo da música brasileira, como, por exemplo, a bossa-nova e o jazz:

A sua relação com a bossa-nova iniciou-se através do contato com Paulinho Cavalcanti, um violonista grande conhecedor deste gênero e do violão de João Gilberto, segundo o compositor - Guinga o define como uma das maiores enciclopédias da bossa-nova. Analisando os depoimentos, percebemos a importância da bossa-nova e do jazz na formação de Guinga, pois durante um período considerável de sua juventude – dos 17, 18 anos aos 20, segundo o compositor - o músico se afastou de suas origens seresteiras e buscou nesses dois novos universos a sua identidade musical. O próprio Guinga mudou de orientação poucos anos depois, chegando à consideração de que os universos musicais não devem se excluir, mas se somar, retomando assim os seus elos com a tradição seresteira. 56 Mas a importância da bossa-nova e do jazz em sua formação durante esses poucos anos não deve ser colocada em segundo plano (CARDOSO, 2006: 29-30)

Entretanto salienta-se que o fato de Guinga ter se exposto à influência do jazz, da seresta ou da bossa-nova não exatamente fez com que os adotasse como primordiais em seu

(19)

trabalho. A experiência com essas diferentes linguagens produziu um acervo de elementos que depois se tornaram fundamentais em sua musicalidade.

Parece importante evidenciar, além disso, o contato com a música clássica que Guinga desenvolveu durante a sua juventude. Quando tinha por volta de 13 anos de idade, passou a sofrer de insônia, que contribuiu para que ouvisse, com frequência, a Rádio MEC, que sempre apresentava um vasto repertório das mais variadas vertentes da música clássica. Embora no começo não pudesse compreender de forma aprofundada o que estava ouvindo, percebendo grande parte dos elementos desse universo como algo inacessível, esse contato o auxiliou em sua formação musical. Segundo CARDOSO(2006), ouvir o repertório clássico não foi um hábito apenas dessa época em razão da insônia, e sim hábito que o compositor continuou praticando muitos anos depois. É provável que este tenha sido o repertório que mais escutou desde a sua adolescência. Por outro lado, é interessante lembrar que esse impactante contato com a música acontecia enquanto a sua família passar por uma situação econômica muito difícil. Quando Guinga era muito jovem, morou em lugares considerados periféricos, como as proximidades da Praça Seca e da Taquara, que são bairros da região de Jacarepaguá, embora fiquem relativamente próximos a áreas como a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, lugares que podem ser considerados, de forma geral, mais abastados. Morou, também, na Vila Valqueire, bastante próximo à Madureira, conhecidamente um grande reduto do samba e, por sua vez, fica bem próximo a Ricardo de Albuquerque. Guinga morou também no Méier. Mudava-se com frequência de casa quando as finanças se tornavam insustentáveis, o que, ainda, o levava a mudar de escola, ficando, muitas vezes, em situações desconfortáveis com tantas alterações. Além disso, o relacionamento de seus pais era bastante turbulento, sendo que as brigas eram constantes dentro de casa. Seu pai era um sargento-enfermeiro do Hospital da Aeronáutica e sua mãe era “do lar”. Quando seus pais se separaram, mudou-se com a mãe para a casa de sua avó, na Vila Valqueire. Nessa época, acabou se afastando da coleção de discos do pai e de seus hábitos de escutá-los com frequência. Essa mudança, assim, fez com que Guinga acabasse tendo influência musical de outros gêneros, pois seus tios também tinham uma grande proximidade com outros universos musicais que o sensibilizaram.

Guinga iniciou-se desde cedo na música através da convivência musical no seio de sua família, por intermédio da qual toma contato com o violão através de seu tio Marquinhos. Sua família apresentava estreita relação com a música: sua mãe cantarolava serestas, seu pai ouvia seresta, ópera e música erudita, seu tio Claudio, “bissexto” cantor profissional, chegou a gravar alguns discos em 78 RPM, seu tio Danilo era dono de uma imensa discoteca de jazz de todas as vertentes (CARDOSO, 2006:22).

(20)

Frequentemente Guinga relata que, quando morou na casa da avó, seu tio Marquinhos tocava diversas peças que são bastante importantes até os dias atuais no repertório do violão brasileiro, como, por exemplo, “Se ela perguntar”, de Dilermando Reis. Guinga aprendeu a tocar essa música como da maneira como seu tio fazia. Entretanto CARDOSO(2006) cita uma série de outras peças que fizeram parte desse repertório que Guinga conheceu nessa época:

Apresentamos com mais precisão as músicas tocadas pelo seu tio: segundo Guinga, este tocava muito o repertório de Dilermando Reis, “Se ela perguntar”, “Adelita”, “Abismo de Rosas”, “Sons de Carrilhões”, e acompanhava muito bem no violão. Desta forma, sabemos que Guinga teve contato desde cedo com um conhecido repertório de violão: as peças referidas são, na ordem, de Dilermando Reis, Francisco Tarrega, Canhoto e João Pernambuco. Com exceção do compositor espanhol – cuja “Adelita” era extremamente popular entre os violonistas que executavam este tipo de repertório no Rio de Janeiro -, os demais são violonistas-compositores brasileiros, com cujo repertório Guinga foi familiarizado, portanto, desde sua mais tenra juventude (CARDOSO, 2006:26).

Assim, desde muito cedo, apesar das condições econômicas desfavoráveis de sua família, já havia um intenso contato com os materiais musicais de grande sofisticação e que seriam bastante influentes, mais tarde, para a formatação de sua personalidade musical. Além disso, ressalta-se que os discos que seu tio Danilo possuía foram também muito influentes para a sua formação. A importância de alguns acontecimentos de sua vida, nessa época, é evidenciada em diversas entrevistas dadas por Guinga. No trecho transcrito abaixo, retirado de uma declaração que o compositor fez ao programa Café lá em casa, produzido e apresentado pelo guitarrista Nelson Faria, percebe-se a influência que seu tio exerceu ao tocar violão e, também, Guinga teve contato, nessa época, com alguns discos que considera como clássicos. Embora ele não tenha detalhado qual seria a procedência dessas gravações, é bastante provável que seja da coleção de discos do seu tio Danilo.

Começou como todo mundo, a família, geralmente a família, vem pela família, não sei se no teu caso foi assim também, a família, o ambiente, né...aquela frase de que “o homem é o homem em suas circunstâncias”, é isso mesmo…O homem é o homem em suas circunstâncias, se você é criado em um ambiente musical, [...], a tendência é que você vá trafegar dentro da música, não que seja profissionalmente, mas a musicalidade já está ali, o ambiente é bom, então as coisas se desenvolvem. Eu, com onze anos de idade, lá em casa se ouvia muita seresta, muita música americana, muito jazz, muita música clássica, tudo, tinha de tudo um pouco. Apareceu um disco do Stan Getz, nunca mais esqueço disso, chamado Focus, que é um disco em que o Stan Getz toca com uma orquestra de cordas e uma percussão, tem bateria e

(21)

uma orquestra de cordas. E um compositor americano chamado Ed Solter, esse disco é muito pouco conhecido, até nos Estados Unidos ele é pouco conhecido, mas é um clássico, porque ele é um disco limítrofe. Ele nem é jazz e nem é clássico. Você sente que o compositor tinha uma paixão pelo Debussy, a maneira do cara escrever é muito impressionista, mas ao mesmo tempo, o cara é um americano e tem o jazz na alma. E é um disco em que há muito improviso, por incrível que pareça, eu que não sou assim, enlouquecido por improviso, não sei improvisar, né...Gosto, mas não é a linguagem que fala mais profundamente na minha alma. Eu fui perceber isso com o tempo, que o Stan Getz improvisou durante muito tempo no disco e o disco é uma obra prima. Ninguém gostava desse disco na minha casa, porque ele era um disco estranho, e eu com onze anos fui me apaixonando por esse disco. Esse disco me jogou dentro da música. Logo depois, me apareceu em casa também, um Oscar Peterson Trio, com West Side Story, tocando só Bernstein. Tonight, Maria, Somewhere...Então, aquilo, pronto...esses dois discos me jogaram dentro da música, eu senti, com onze anos de idade, eu senti que eu era apaixonado por música. Eu ouvia aquilo, eu chorava, eu ouvia sozinho pra ninguém me ver chorar. Uma coisa assim, uma relação muito solitária com este tipo de coisa. E ali foi desenvolvendo, meu tio tocava violão, o meu tio que me criou, porque meu pai se separou da minha mãe, eu fui morar na casa da minha avó. Morava a minha avó e um tio meu, irmão de minha mãe. Aí fui dormir no quarto dele, aquele negócio de colocar as pessoas dentro da casa, a casa pequena, e ele ficava tocando violão, ele tocava isso aqui toda noite (toca um trecho de “Se ela perguntar”, de Dilermando Reis), e eu aprendi a tocar com ele isso, ouvindo meu tio tocar (GUINGA In: Café lá em casa, 2016) Na mesma entrevista, Guinga ressalta, em alguns momentos, a qualidade de seu tio como violonista, ao declarar que, embora não tenha se dedicado profissionalmente, possuía um excelente ouvido e era muito melhor violonista que ele próprio, porém é difícil verificar o quanto esta informação corresponde à realidade ou se faz parte muito mais da memória afetiva do compositor. De qualquer forma, é notório que Guinga considere que, de algum modo, o seu tio violonista tenha sido o seu primeiro professor. Assim, pode-se afirmar que essas experiências foram essenciais para a elaboração da personalidade musical de Guinga, apesar de sua família viver em condições financeiras não confortáveis e da separação de seus pais ter sido bastante marcante em sua infância. Ao mesmo tempo, de forma consciente ou não, desde muito cedo, o compositor fazia um contato intenso com grandes referenciais de uma cultura musical bastante sofisticada e abrangente, como se pode perceber a partir das citações elencadas anteriormente. CARDOSO (2006), também, ressalta a importância dessa convivência com a música no seio familiar para a formação de Guinga.

Guinga fala-nos de sua convivência em uma família profundamente ligada à música, com parentes que cantavam e tocavam cotidianamente, o que lhe trouxe desde cedo uma grande vivência com o mundo dos sons. Como ele deixa entrever, naturalmente ao ver seus familiares tocarem e cantarem, Guinga aproximou-se fortemente da música, e através de seu tio iniciou seu

(22)

contato com o instrumento que o marcaria para toda a sua vida – o violão (CARDOSO, 2006:25).

O fato é que Guinga, desde muito cedo, foi intensamente exposto a uma vivência musical bem rica e diversificada. A base formada pela seresta era enriquecida pelo choro, jazz, música clássica e ópera, e todos esses estilos eram elementos muito presentes em sua vida. A família de Guinga, apesar de não ter muitas condições financeiras, era extremamente apegada à música. As reuniões musicais eram muito frequentes, com festas e encontros em que se cantava e tocava, e muitos músicos amadores e profissionais circulavam nesse ambiente. Nessas reuniões, Guinga pôde conhecer algumas pessoas que foram muito importantes à sua formação como pessoa e também como músico, como é o caso do pianeiro Gadé e também Haroldo Hilário Bessa que, segundo CARDOSO (2006), era amigo íntimo do compositor e violonista Garoto.

Indagamos o compositor acerca do repertório executado por Haroldo: Radamés Gnattali, Pixinguinha, Garoto, Jacó do Bandolim, Laurindo de Almeida, alguns clássicos da música americana, como “Laura”, “Stella by Starlight” e um pouco de bossa nova - gostava de Tom Jobim. Segundo Guinga, “Haroldo era um músico excelente, que tinha conhecimento maior da seresta e do violão, do repertório clássico de violão, eu digo clássico dentro da música popular, ele chegou a estudar clássico também” (CARDOSO, 2006:27).

Assim, CARDOSO(2006) ressalta que Guinga teve a oportunidade de ouvir o violonista Garoto muito cedo, já nesta época, em seu núcleo familiar. Deve-se destacar, também, o repertório que Haroldo tocava. O contato com essas peças, naquele momento, ainda, teve uma importância marcante à formação musical de Guinga, assim como o que foi citado anteriormente quanto aos seus tios Marquinhos e Danilo e ao gosto musical de seus pais.

Em seus depoimentos, além de seus tios Marquinhos e Danilo, é frequente que Guinga revele, além disso, a influência de Paulinho Cavalcanti, posto que ele foi responsável por colocar Guinga em contato com novos repertórios e novos materiais musicais, sendo, assim, uma grande influência à época.

O primeiro mestre do violão na minha vida foi meu tio Marquinhos [...] Eu dali me mudei [...], morava em Vila Valqueire e fui pra Jacarepaguá e na rua em que eu morava, lá em Jacarepaguá, tinha um exímio violonista chamado Paulinho Cavalcanti, que tirava tudo de ouvido, tocava tudo do João Gilberto, tocava tudo da bossa-nova, tudo de standards de jazz e eu ficava ouvindo o Paulinho tocar, ia pro muro da casa dele pra ver o Paulinho, um cara da minha idade [...]. O primeiro foi meu tio, o segundo o Paulinho. O Paulinho, pra você ver como eu gostava do cara, eu fazia letra pras músicas dele, só pra ficar

(23)

perto dele, vendo ele compor e tudo...coisa de moleque, treze, quatorze anos…(GUINGA In: Café lá em casa, 2016).

Como se pode apreender, a partir das declarações de Guinga, Paulinho Cavalcanti tocava um extenso repertório de música brasileira e de jazz e foi bastante relevante para Guinga, nesse início, ter contato com esse repertório. Entretanto Paulinho teria outro importante papel na vida de Guinga, pois foi o responsável por apresentá-lo a Hélio Delmiro, que, nesta época, aos 16 anos, já possuía, segundo Guinga, uma grande desenvoltura em seu instrumento, o que acabou impressionando o compositor. É interessante notar a descrição do momento em que Guinga e Hélio Delmiro são apresentados.

Aí, um dia, com quatorze anos, o Paulinho falou assim: “Você acha que eu toco muito, né? Então hoje eu vou te levar na casa de um cara”. E aí ele me levou na casa do Hélio Delmiro [...]. O jeito que ele [Hélio Delmiro] tocava com dezesseis anos, acho que foi o melhor Hélio que vi na minha vida. Era um assombro. Foi o primeiro gênio que eu deparei pela frente. Eu, quando vi aquilo, não entendi nada. Eu me lembro que cheguei na casa dele com o Paulinho..eu era de subúrbio, né...O Helinho morava no Méier...ele ainda mora nessa casa, voltou pra essa casa, eu tenho ido até lá...Nós batemos lá [...] Sabe o que ele estava fazendo? Halterofilismo. Estava no fundo da casa, ele e o irmão levantando peso [...] Aí já largou o halteres e veio pro violão. Aí já veio com o violão no peito, nunca mais me esqueço, improvisando tudo [...] Eu saí da casa dele neste dia umas onze horas da noite, eu de uniforme de colégio. Eu era primeiro ou segundo ano ginasial, uma coisa assim. Nunca mais me esqueço, nós nos conhecemos, ele tinha dezesseis e eu quatorze anos. Outro dia estava lembrando isso com ele: “Helinho, lembra quando você chegava na seresta [...]. A gente estava na seresta e aí de repente chegava o Helinho, chegava do quartel, tarde da noite, e aí ia lá pra seresta no Mackenzie, que é um clube que tem lá no Méier. Ia ver os amigos, que a gente já estava lá. Aí, a gente diz: “Helinho, toca aquela música que a gente gosta que você faça aí?”...que era um negócio que fazia o maior sucesso, sabe o que que era? Hino Nacional tocado em samba [...] Ele manda o “Ouviram do Ipiranga…” em samba e era o maior sucesso da seresta...(GUINGA In: Café lá em casa, 2016).

Por volta dessa mesma ocasião, além de suas tentativas de colocar letra nas músicas de Paulinho Cavalcanti, para observá-lo tocar seu violão, Guinga fazia mais algumas experiências com composição, entretanto os resultados, de forma geral, ainda, eram bastante simplórios, segundo ele próprio costuma evidenciar em algumas entrevistas analisadas para este trabalho. À vista disso, Guinga desde muito cedo já nutria interesse pela elaboração de novas melodias e percebia que tinha facilidade para isso. As primeiras tentativas parecem ter acontecido, de maneira bastante informal, como se confirma no trecho:

(24)

Eu, novinho, sentia que tinha facilidade para fazer melodia, mas coisas bem infantis, coisa de criança mesmo. E, eu com meus quatorze anos, um amigo meu que era dentista [...], ele tinha uns 28, era o dobro da minha idade...uma vez ele me pegou na rua, nunca mais esqueço, esse é meio que culpado de eu ser compositor. Ele disse: “Guinga, dei minhas letras pro Juninho musicar [...], [mas ele] não quis nem saber das minhas letras, não me deu uma resposta. Bota música nas minhas letras”. Eu digo: “Mas eu nunca fiz uma música” [...] “Você sabe compor, você vai fazer, você é muito inteligente..” (GUINGA In: Café lá em casa, 2016).

CARDOSO(2006) comenta algumas declarações de Guinga sobre as suas primeiras experiências, ao elaborar melodias, mostrando que, para Guinga, traziam resultados bastante ingênuos, mas confirmando que desde aquela época ele já parecia ter como principal intuito tornar-se de fato um compositor.

Guinga já compunha desde os 12, 13 anos músicas que classifica como “bobagens juvenis”, mencionando ainda, talvez lembrando ingenuamente, o desejo infantil de tornar-se um “compositor brasileiro” (“meu sonho sempre foi ser um compositor brasileiro”) (CARDOSO, 2006:31).

Porém, em 1967, aos dezesseis anos, Guinga conseguiu ser classificado com sua composição Sou só solidão, feita em parceria com Paulo Faia, no II Festival Internacional da Canção, o que acabou por representar a entrada definitiva para o mundo musical profissional. Em pouco tempo, estava trabalhando como músico acompanhante de diferentes artistas, como Alaíde Costa e João Nogueira. Alaíde Costa teve um papel muito importante nessa fase para a carreira de Guinga, já que foi a primeira a lhe dar uma oportunidade de trabalhar como músico acompanhante. Posteriormente, nos anos 1970, Guinga teve algumas de suas composições gravadas por artistas como Elis Regina, Clara Nunes e MPB-4. CARDOSO (2006) relata aqui como essas gravações e parcerias acabaram facilitando a entrada de Guinga no meio musical:

Poucos anos depois iniciou-se a carreira de Guinga como compositor em disco, através de três gravações, realizadas por Gilson Peranzzetta e pelo quarteto vocal MPB- 4 – este grupo grava as músicas “Maldição de Ravel” e “Conversa com o coração”, duas parcerias com Paulo César Pinheiro, em um LP lançado em 1974 chamado “Palhaços e reis”. Essa estreia ocorreu em parte graças às suas parcerias com este letrista, por seu já grande prestígio no início da década de 70 devido às parcerias com Baden Powell, o que facilitou o acesso de Guinga aos meios artísticos e musicais neste período (CARDOSO, 2006:31).

Entretanto, nessa época, para Guinga, a parte financeira era bastante complicada, pois não era fácil sobreviver apenas com o que ganhava como músico e compositor. Assim,

(25)

acabou se matriculando no curso de odontologia da Universidade Fluminense, em 1970, buscando assim garantir o seu sustento de forma mais eficiente, sendo que era, também, bastante estimulado por seu pai neste aspecto. Vale lembrar ainda que sua esposa Fátima costumava, nesse período, estimular Guinga a fim de que procurasse focar em suas composições, dando prioridade à sua própria carreira em vez de ficar prestando serviços para outros músicos. Foi o que acabou acontecendo e, em 1974, Guinga deixou de acompanhar João Nogueira. Apesar dessas dificuldades, vale lembrar que por volta desta época Guinga alcançou um relativo sucesso comercial, já que a cantora Clara Nunes gravou, em seu bem-sucedido LP Claridade, a música Valsa de Realejo, composta por Guinga, o que proporcionou ao violonista uma boa quantidade de dinheiro, sendo suficiente para que pudesse se casar.

Segundo Fátima, naquela época, o trabalho de Guinga era essencialmente voltado a ser violonista acompanhador de outros músicos, sua carreira de compositor não tendo o mesmo espaço em sua vida - apesar do compositor já ter uma obra em parceria com Paulo César Pinheiro. Fala-nos igualmente sobre a dificuldade de Guinga, sua insegurança sobre a viabilidade comercial de suas músicas, seu medo de ver suas músicas incompreendidas pelas pessoas, que lhe afirmavam sempre serem suas composições demasiadamente difíceis, herméticas e rebuscadas. Sua mulher incentivava-o sempre a investir na sua própria carreira de compositor, sugerindo largar o ofício de acompanhador de outros músicos – o que foi feito em 1974, quando Guinga parou de acompanhar João Nogueira. Na sequência, o compositor iniciou seus estudos com Jodacil Damasceno (CARDOSO, 2006:32).

Quando se formou em odontologia, em 1975, aos poucos foi se afastando ainda mais dos palcos e se concentrou nessa área, atividade que exerceria ainda por muitos anos e seria muito importante para o seu sustento. Assim, a partir dessa época, Guinga ficaria por volta de quinze anos sem maiores exposições, mas compondo de forma intensa novos temas instrumentais, além das canções que fazia ao lado de Paulo César Pinheiro. Ainda com relação à parte musical, Guinga acabou focando mais em suas composições e também nas aulas de violão com o professor Jodacil Damasceno, com quem estudou por cinco anos, entre 1976 e 1981, e que contribuiu de forma intensa para a elaboração da personalidade musical de Guinga em seu instrumento, já que teve, por intermédio de Jodacil, um contato intenso com diversos elementos que se tornaram muito relevantes em sua maneira de tocar violão e compor, afastando-se de forma definitiva de sua carreira de músico acompanhador. CARDOSO (2006) ressalta:

Antes de encontrar o professor Jodacil Damasceno, Guinga já havia feito aulas com diversos professores, como o maestro Guerra-Peixe, Fernando Azevedo, Sérgio Carvalho, Raimundo Nicioli Queiroz e Bohumil Med, com

(26)

os quais teve aulas de solfejo, modos, cifra de violão e percepção musical. Segundo o compositor, pouca coisa foi bem aprendida durante essas lições, das quais destacamos de sua fala o elo estabelecido com o compositor Guerra-Peixe e sua música (CARDOSO, 2006:32).

É certo que as aulas com Jodacil foram muito importantes para Guinga, nesse período, pois Jodacil apresentou-lhe diversos compositores com os quais não tinha tido contato anteriormente, fazendo, assim, um trabalho muito consistente de apreciação musical, além de focar em aspectos técnicos do instrumento, de forma a melhorar a sua digitação e sonoridade. Guinga não tinha a intenção de se tornar um concertista e nem considerava ter a disciplina necessária para isso e, de alguma maneira, Jodacil entendeu qual seria o seu caminho e procurou mostrar-lhe elementos que pudessem contribuir para a sua musicalidade. Guinga tinha interesse pelas peças estudadas, mas muito mais pelo aspecto composicional do que por sua execução. Raramente conseguia concluir o estudo de uma peça inteira, pois, no meio do estudo, perdia o gosto e começava a compor novos materiais.

Guinga apresenta uma visão semelhante quanto ao caráter das lições e ao rumo tomado nestas aulas: tratou-se antes de uma fonte de inspiração, de um conhecimento do universo da música e do violão, do que de uma proposta de estudo tradicional, na qual aprenderia a tocar com perfeição o repertório em questão. Como o próprio Guinga afirma, ele dificilmente chegava a estudar uma música inteira, pois o estudo das peças lhe trazia uma vontade de compor, “e o compositor sempre falou mais alto”. As músicas estudadas traziam sempre um mote para novas criações, e essa veia era sempre preferida e colocada em primeiro plano, mesmo secundarizando o estudo sistemático das peças em questão. O próprio Guinga afirma veementemente que o período de aulas abriu sua cabeça principalmente como compositor, já que ele nunca teve a proposta de ser um concertista, não tendo segundo ele “nem disciplina nem anatomia nas mãos para ser um concertista” (CARDOSO, 2006:34-35).

Como o aluno demonstrava que existia um grande interesse pela parte harmônica, Jodacil procurava indicar-lhe compositores contemporâneos, como, por exemplo, Ravel, entre outros, fazendo, inclusive, transcrições especialmente para ele. Assim, esse encontro com Jodacil trouxe muitas inspirações a Guinga, visto que Jodacil ampliou não somente o seu universo de violão, mas propiciou-lhe ferramentas, para o seu lado compositor, colocando-o em contato com um universo musical bastante abrangente. Embora já tivesse conhecimento de Villa-Lobos, por exemplo, Jodacil foi o responsável por mostrar Leo Brouwer a Guinga. Antes dessa época, ele não tinha ciência da obra do compositor cubano. Contudo estudou também Agustin Barrios e os espanhóis Granados, Tarrega, Albeniz e Manuel de Falla, entre outros.

(27)

Além de Paulinho Cavalcanti, Hélio Delmiro e Jodacil Damasceno, conforme CARDO outro violonista teve grande importância ao aprimoramento de Guinga, tendo sido, além disso, uma grande influência: Chiquito Braga.

Falecido no ano de 2018, Chiquito tocava violão, guitarra, viola de 12 cordas, cavaquinho e bandolim. Coincidentemente, assim como Guinga, teve nas harmonias de Ravel, com as quais teve contato muito cedo, outra grande influência. Consta que tinha o pianista, arranjador e compositor Stan Kenton como uma grande referência, justamente por causa das inovações harmônicas que esse fazia. Como estudo, era frequente que Chiquito tirasse de ouvido diversas partes dos arranjos deste compositor, tanto o acompanhamento quanto os sopros para adaptá-las em seu vocabulário no instrumento, aplicando, assim, novas aberturas de acordes e conduções de vozes nos standards que tocava em orquestras e demais conjuntos de Belo Horizonte. Vale lembrar que Chiquito já fazia seus arranjos em bloco no instrumento, no fim da década de 1950, fato não muito comum aos guitarristas de sua época e região. Assim, trouxe muitas novidades para os músicos de Belo Horizonte no fim dos anos 1950 e começo dos anos 1960. No início de sua carreira, em meados dos anos 1950, fez parte de alguns grupos de baile e, posteriormente, acompanhou músicos como Tito Madi, Agostinho dos Santos, Sérgio Ricardo e Elizeth Cardoso, sendo que acompanhou esta última, em uma excursão sul-americana, que realizou no disco Canção do Amor Demais, lançado em 1958 e que representa um marco bastante importante na história da Bossa Nova. No ano de 1966, Chiquito se mudou para o Rio de Janeiro, a convite do maestro Moacir Santos, com quem estudou harmonia, fuga e contraponto, entre outros tópicos. Nesta cidade, Chiquito desenvolveu uma sólida carreira acompanhando artistas, fazendo arranjos e gravações. Fez trabalhos em estúdio e na televisão, com trilhas de novelas e de filmes. Ao longo dos anos, trabalhou também com artistas como Taiguara, Gilberto Gil, Jards Macalé, Dorival Caymmi, Fafá de Belém, Alaíde Costa, Tim Maia, Leila Pinheiro, Gal Costa, Som imaginário, Maria Bethânia, Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Simone, Nara Leão, Zizi Possi, Fafá de Belém, Guinga e Ed Motta, entre outros.

Apesar de ter realizado muitos trabalhos em estúdio, Chiquito realizou poucos registros de suas músicas. Lançou, no ano de 1992, o disco Instrumental CCBB, juntamente com Zezo Ribeiro e Alemão. O disco Quadros modernos, realizado ao lado de Toninho Horta e Juarez Moreira, foi lançado de forma independente em 2000. O primeiro disco feito totalmente com suas composições foi lançado, no ano de 2017, o Passeando Nas Nuvens.

(28)

O contato com a maneira de tocar de Chiquito Braga, usando acordes inusitados, investindo em novas relações com as cordas soltas do instrumento, foi muito marcante para Guinga, conforme ressalta CARDOSO (2006):

A concepção profundamente original do violão de Chiquito Braga marcou fortemente o compositor. Lembramos que Chiquito Braga é um violonista-compositor, que compõe em uma relação intrínseca com o instrumento, buscando neste as suas possibilidades composicionais. Leva o violão a novos limites, inventando novos acordes, novas relações com as cordas soltas, explorando o uso violonístico do instrumento. Este contato somou-se provavelmente às aulas com Jodacil Damasceno, já que a partir deste período, através do contato com o mundo violonístico de Villa-Lobos, Leo Brouwer e João Pernambuco, Guinga utiliza crescentemente certas características idiomáticas do instrumento ao compor (CARDOSO, 2006:34-35).

Embora já soubesse de Chiquito Braga desde os anos 1970, passou a ficar mais próximo deste aos anos 1990. A convivência com ele trouxe mudanças na maneira de Guinga enxergar as possibilidades harmônicas do violão. Considerava que Chiquito era um inventor de acordes, um descobridor de novas possibilidades de acompanhamento no braço do violão e, certamente, esse encontro somou novas possibilidades à musicalidade de Guinga.

Como já citado, logo após se formar em Odontologia, Guinga ficou um período recluso, mais preocupado com a sua carreira como dentista e seu consultório que com a sua música, embora continuasse estudando e compondo canções e temas instrumentais, de modo contínuo, pensando, talvez, que aquele material nunca viesse ser conhecido ou que nunca seria gravado durante a sua vida. Quando teve a oportunidade de começar a trabalhar com um dos seus principais parceiros, Aldir Blanc, no final dos anos 1980, este último pediu-lhe que lhe mostrasse todo o material composto que tivesse, pois gostaria de ouvir tudo que fosse possível a fim de verificar onde seria possível encaixar letra. A partir desse encontro, como se verá adiante, um grande número de canções foi produzido e serviu de material aos primeiros discos, que foram lançados na década de 1990, no momento em que a carreira de Guinga passou a se desenvolver, seu nome passou a ser amplamente divulgado e ele praticamente deixou o consultório dentário.

(29)

2. A ENTRADA DE GUINGA NA GRAVADORA VELAS

Como citado anteriormente, Guinga classificou, em 1967, a música Sou só solidão no II Festival Internacional da Canção. Essa música era uma parceria de Guinga com Paulo Faia, e este fato marcou a entrada do compositor no mundo profissional da música. Vale ressaltar, também, que durante os anos 1970, outras peças de Guinga foram gravadas por Clara Nunes, Elis Regina e MPB-4, mas depois Guinga passou um período relativamente grande afastado dos palcos, mas compondo intensamente temas instrumentais e canções, as quais, principalmente, ao lado de Paulo César Pinheiro. Além disso, as aulas de violão com o professor Jodacil Damasceno, entre 1976 e 1981, tinham acrescentado muito ao seu repertório violonístico e composicional.

Porém, no final dos anos 1980, dois personagens importantes à história da música brasileira foram essenciais para que a carreira de Guinga se deslanchasse: Paulinho Albuquerque a Aldir Blanc. Evidente que não seria justo afirmar que apenas a articulação feita pelo produtor Paulinho e pelo letrista Aldir fosse o único fator responsável por essa mudança na carreira do compositor, todavia ambos, certamente, tiveram papéis de destaque à sequência de fatos que levou o violonista Guinga a ter seus cinco primeiros discos lançados pela gravadora Velas: Simples e Absurdo (1991), Delírio Carioca (1993), Cheio de Dedos (1996), Suíte Leopoldina (1999) e Cine Baronesa (2001). O objeto principal de interesse do presente trabalho é o terceiro disco do violonista, Cheio de Dedos. Lançado em 1996, este disco obteve os três prêmios Sharp no mesmo ano: Melhor disco instrumental1, Melhor música instrumental e Melhor produção, feita por Paulinho Albuquerque.

Como é possível explicar o interesse pelo trabalho de um compositor como Guinga por parte da gravadora Velas, que parece ir totalmente na contramão das tendências mercadológicas de um período bastante conturbado do ponto de vista econômico e político? É sabido que no começo dos anos 1990 os executivos das gravadoras não tinham muita disposição em investir em novos artistas, ainda mais alguém com o perfil de Guinga, que não se encaixava nos segmentos de vendas realmente expressivas. Pelo que pôde ser verificado a partir da presente investigação, o produtor Paulinho Albuquerque exerceu um papel fundamental neste momento da carreira do compositor Guinga, pois sua parceria com Aldir Blanc estava rendendo bons frutos e assim ele defendeu a proposta de Guinga junto a Ivan Lins e Vitor Martins. A

1 Apesar do disco “Cheio de Dedos” não ser totalmente instrumental, pois “Impressionados” traz a participação

(30)

gravadora Velas, que era de propriedade desses dois compositores, como se observou, nasceu do selo Velas. Sobre a entrada de Guinga para esta gravadora, Mario Marques destaca:

Aldir Blanc, seu novo amigo e parceiro, mais Paulinho Albuquerque buscaram ajuda. Solitários na empreitada, não tinham mais a quem recorrer. No início dos anos 90 reuniram-se com Vitor Martins, parceiro mais assíduo de Ivan Lins, e convenceram-no da importância de se produzir um disco de Guinga num momento em que a música instrumental brasileira respirava novos e alentadores acordes mesmo que diluída em pequenos selos e sem representatividade comercial (MARQUES, 2002: 62).

Assim, os três, inicialmente, tentaram incluir o trabalho de Guinga no cast de grandes gravadoras, mas não obtiveram respostas muito animadoras. Dessa forma, resolveram encarar a campanha por si mesmos, fundando a gravadora Velas, no Rio de Janeiro. Entretanto, o que começou como apenas um formato de lançar os discos de Guinga, cresceu e colocou também, no mercado, trabalhos de Ivan Lins, Ulisses Rocha e Teco Cardoso, Selma Reis, Zizi Possi e Edu Lobo, entre outros. Portanto a gravadora Velas foi uma iniciativa independente,

tendo, inicialmente, sua finalidade em algumas vertentes da música brasileira, mas logo depois ampliou seu ramo de atuações.

A Velas foi criada em 1990 pelo produtor Paulinho Albuquerque e pelos compositores Vitor Martins e Ivan Lins, a partir do diagnóstico de que havia uma demanda insatisfeita no mercado por música popular de qualidade. Distribuída de maneira precária pela PolyGram e pela Continental, a empresa foi fechada em 1991 mas reaberta já no ano seguinte com estrutura completa de gravadora. A Velas chegou a reunir em seu catálogo alguns dos maiores nomes da MPB, como o próprio Ivan Lins, Edu Lobo, Zizi Possi, Leny Andrade, Cesar Camargo Mariano, Paulo Moura, Flávio Venturini, Beth Carvalho. Dominguinhos, Tavinho Moura, Pena Branca & Xavantinho, 14 Bis, Vânia Bastos e Fátima Guedes, entre outros. A gravadora também revelou artistas como Guinga, Chico César, Belô Velloso e Vânia Abreu. Nos primeiros cinco anos de sua existência a empresa teve distribuição própria e chegou a representar selos internacionais como Egren, gravadora oficial de Cuba; Varese, selo americano especializado em trilhas de cinema; além do catálogo da Walt Disney Company (VICENTE, 2002:344).

Percebe-se que a atuação da Velas foi bastante relevante neste período, pois lançou discos de artistas como Guinga, Chico César, Lenine, Rita Ribeiro, Vânia Abreu, Nei Lopes, Quarteto Jobim Morelenbaum, além de trabalhar com nomes consagrados como Edu Lobo, Fátima Guedes e Zizi Possi. A boa aceitação de seus produtos lançados, que, em sua maioria, eram do segmento MPB e da música instrumental, estimulou a transformação do selo em uma gravadora, o que poderia tornar o negócio mais vantajoso, dado que seria possível produzir e distribuir os seus produtos para o Brasil, Estados Unidos, Europa e Japão. Assim, a Velas

(31)

chegou a abrir, no ano de 1996, escritórios para a sua representação em Barcelona e Los Angeles, além de representar no país selos internacionais como o cubano Egren e outros.

Sendo uma empresa independente e apesar de ter seu objetivo inicial na música brasileira, posteriormente ampliou e segmentou a sua atuação no mercado fonográfico. Chegou a cogitar sua entrada em outros segmentos, ao distribuir discos da gravadora Roadrunner Records, no Brasil, como os da banda Sepultura, assim como da Walt Disney Records. No início de 1998, a Velas passou a se dedicar, exclusivamente, a produzir e divulgar os seu produtos, de forma que sua distribuição foi transferida para a Eldorado. No ano de 1999, no entanto, a distribuição do catálogo da Velas foi transferida para a Universal e, em 2001, para a Sony, entre outras. A gravadora Velas chegou a receber alguns Prêmios Sharp por alguns de seus títulos lançados, além de indicações para o Grammy Latino de 2001, 2002, 2003 e 2004 e, também, Cubadisco de 2002. A partir de 2007, a gravadora Galeão tornou-se responsável por administrar todo o catálogo da gravadora Velas, continuando, assim, com a distribuição nacional de seus CDs e DVDs e cuidando da distribuição digital mundial, que, nesse tempo, começara a ganhar alguma notoriedade. A Galeão, por sua vez, foi adquirida depois pela The Orchard.

2.1. Panorama dos cinco primeiros álbuns de Guinga

O primeiro disco, Simples e Absurdo, foi lançado em 1991 pela gravadora Velas, tendo sido gravado nos Estúdios Chorus, no Rio de Janeiro, sendo produzido por Paulinho Albuquerque e, basicamente como conteúdo diversas parcerias entre Guinga e Aldir Blanc. O disco contém as seguintes faixas: Canibaile; Sete Estrelas; Lendas Brasileiras, Paixão Descalça; Ramo de Delírios; Zen-Vergonha; Rio-Orleans; Simples e Absurdo; Quermesse; Odalisca; Nem Cais, Nem Barco. Há diversas participações neste disco: Leila Pinheiro em Canibaile, Chico Buarque em Lendas Brasileiras, Claudio Nucci em Ramo de Delírios, Ivan Lins em Rio-Orleans, Leny Andrade em Nem Cais, Nem Barco, entre outras. Nessa época, a carreira de Guinga ainda não tinha o alcance de divulgação que passou a ter logo depois do disco Cheio de Dedos. Tem-se uma ideia de como foi a repercussão do disco Simples e Absurdo, assim como a maneira como ele estava sendo divulgado com base em algumas considerações de CABRAL(2003):

O disco teve uma excelente repercussão, particularmente na imprensa escrita, já que a rádio e a televisão estavam, já há muito tempo, afastados da boa música popular brasileira. O lançamento foi feito no Jazz Club, onde Guinga aventurou-se a cantar para uma casa lotada (na verdade, composta por amigos e admiradores), com a ajuda de Leila Pinheiro e Cláudio Nucci, além do

(32)

tecladista Paulo Malaguti e do saxofonista e flautista Zé Nogueira. O crítico de música popular e publicitário Franco Paulino, seu cliente na clínica odontológica, ficou de tal maneira entusiasmado com o disco Simples e Absurdo que sugeriu a Guinga cantar em São Paulo, onde ainda era um desconhecido (CABRAL, 2003: 14).

O segundo trabalho, Delírio Carioca, gravado e lançado, em 1993, também, pela Velas, foi produzido no mesmo estúdio do anterior. Esse álbum tem as faixas Delírio Carioca; Saci; Par ou Ímpar; Passarinhadeira; Nítido e Obscuro; Canção do Lobisomem; Catavento e Girassol; Viola Variada; Choro pro Zé; Age Maria; Baião de Lacan; Mise-en-Scène; Henriquieto; Visão de Cego; além de uma versão instrumental de Delírio Carioca. Entre essas faixas, duas são parcerias de Guinga e Paulo César Pinheiro: Saci e Passarinhadeira. Todas as demais são assinadas por Guinga e Aldir Blanc. Em contraponto com o disco de estreia, esse disco possui a particularidade de Guinga cantar, em quase todas as faixas, mas também participaram Djavan, cantando na faixa título, Delírio Carioca, e Leila Pinheiro em Baião de Lacan. O disco teve seu lançamento feito no mesmo lugar do trabalho anterior, conforme evidencia CABRAL (2003).

O disco foi, mais uma vez, lançado no Rio Jazz Club, onde Guinga viveu uma das mais importantes emoções da sua carreira: ao cantar Catavento e Girassol, o imenso público que superlotava a casa cantou com ele em coro, numa alegria digna da velha Rádio Nacional (CABRAL, 2003: 15).

Com base nessa citação, apreende-se que, aos poucos, era desfeito certo estigma de que Guinga era um compositor que compunha somente melodias difíceis e complexas e que só poderiam ser cantadas por ele mesmo ou por cantores profissionais pelas dificuldades inerentes à boa parte de seu repertório. Ao mesmo tempo em que se tratava de um material extremamente elaborado, como no caso da faixa Catavento e Girassol, cuja melodia, harmonia e arranjo são bastante sofisticados, era algo que podia ser cantado e gravado na memória do ouvinte de forma relativamente fácil.

Na sequência, o disco Cheio de Dedos, objeto principal de nossa investigação, foi gravado nos Estúdios Discover, no Rio de Janeiro, entre agosto e setembro de 1996 e lançado, nesse mesmo ano, também, pela gravadora Velas, trazendo assim 15 faixas: Cheio de Dedos; Dá o Pé, Loro; Impressionados; com participação de Chico Buarque, Inventando Moda; Nó na Garganta; Me gusta a Lagosta; Picotado; Ária de Opereta; com participação de Ed Motta, Divagar, Quase Pairando; Rio de Exageros; com participação do pianista Chano Dominguez, Blanchiana; Por Trás de Brás de Pina; com participação do grupo Nó em Pingo D´água, Desconcertante; que teve a participação do grupo cubano Diapasón, além de Sinuoso e de um

(33)

segundo arranjo para a faixa título, Cheio de Dedos, elaborado por Carlos Malta. Esse disco elenca alguns elementos diferentes dos anteriores, como o fato de boa parte das faixas serem peças instrumentais compostas por Guinga e, não necessariamente serem parcerias entre Guinga e Aldir Blanc, como aconteceu com a maior parte das faixas presentes nos dois discos anteriores. Certamente, esse foi o trabalho que trouxe maior divulgação ao nome de Guinga, já que, como se verificou, caiu no gosto da crítica, acontecimento que não havia sido consolidado até então, como se verá em algumas resenhas e notas sobre esse disco, transcritas em capítulo posterior. Boa parte das características peculiares de suas composições e arranjos, que obtiveram atenção de críticos, músicos e admiradores, após o lançamento do disco Cheio de Dedos, existia muito antes do lançamento desse álbum, pela maneira peculiar como costuma elaborar a grande maioria de suas melodias intrincadas, de suas harmonizações pouco usuais e uso recorrente de recursos idiomáticos2 do violão. Apesar disso, esse disco ficou marcado na

carreira de Guinga, sendo considerado como um dos mais emblemáticos de sua carreira e, talvez, o mais conhecido por seu público. Sobre a reação da crítica ao disco, vale destacar:

A crítica elege o disco seguinte, Cheio de Dedos, que sai três anos depois, em 1996, como o seu preferido até então. Nele Guinga faz um corte abrupto com seus dois trabalhos registrados anteriormente. Fazer um disco instrumental interrompia suas intenções de tornar-se popular (MARQUES, 2002: 67). Assim, pode-se dizer que o ano de 1996 foi muito importante à carreira de Guinga. O lançamento do disco Cheio de Dedos, tendo faixas cantadas por Ed Motta e Chico Buarque, alcançou uma repercussão bastante respeitável, como se verá adiante no capítulo dedicado à recepção desse trabalho na imprensa. Vale lembrar que, nesse mesmo ano, a cantora Leila Pinheiro lançou um novo disco totalmente dedicado à parceria entre Guinga e Aldir Blanc, Catavento e Girassol:

O belo disco de Leila Pinheiro vendeu mais de 100 mil exemplares, desfazendo a velha história de que Guinga é um compositor “difícil”. Mas o próprio compositor foi surpreendido com tanto êxito. Disse ele: “Desde Bolero de Satã na voz de Elis Regina, não experimentava a sensação de ouvir minha música no rádio como acontece com Catavento e Girassol. Isso é tudo que quero na vida. Nada de ficar preso na gaveta. Não quero ser cult” (CABRAL, 2003: 18).

2 CARDOSO(2006) trata de forma bastante detalhada em seu texto a questão do idiomatismo nas composições de

Guinga. Assim, como considero que este conceito está muito bem explorado neste trabalho, optei por não abrir aqui esta discussão. Entretanto, no capítulo com as análises de algumas peças selecionadas, voltarei diversas vezes para este conceito.

(34)

No disco Catavento e Girassol, foram gravadas as faixas: Catavento e Girassol; Canibaile; O Coco do Coco; Neblina e Flâmulas; Valsa para Leila; Chá de Panela; Baião de Lacan; Para Quem Quiser Me Visitar; Samba de um Breque; Exasperada; Cordas; Exílio e Paraíso; Luas de Subúrbio e Madeira de Sangue, sendo que todas as composições são parcerias entre Guinga e Aldir Blanc.

No ano de 1999, mais um trabalho de Guinga foi finalizado, Suíte Leopoldina, gravado nos estúdios Discover, entre dezembro de 1998 e fevereiro de 1999 e, novamente, lançado pela gravadora Velas. Novos parceiros que não haviam sido gravados anteriormente aparecem nesse disco, como Nei Lopes, Celso Viáfora, Mauro Aguiar e Mariana Blanc. Esse disco possui as faixas: Dos Anjos, com participação de Toots Thielemans; Parsifal, com participação de Chico Buarque e Nei Lopes; Di Menor; Sargento Escobar; Chá de Panela, com participação de Alceu Valença; Choro Perdido, Noturno Leopoldina, Guia de Cego, com participação de Ivan Lins; Perfume de Radamés; Par Constante, com participação de Ed Motta; Cortando um Dobrado; Mingus Samba; com participação de Lenine; Dissimulado; Constance, a qual, também, com participação de Toots Thielemans. Sobre o título do disco, vale lembrar que, embora tenha nascido em Madureira, Guinga foi criado em Jacarepaguá e sempre manteve certo vínculo com Leopoldina, transparecendo essa ligação pelas citações em seu repertório de lugares, como a Igreja da Penha, Brás de Pina3, entre outros.

Tudo isso tem uma explicação: seu pai nasceu na Penha e sua mãe na Olaria. Além disso, nunca deixou de frequentar a Leopoldina desde a infância. Ainda era um jovem músico quando iniciou sua amizade com um ilustre morador da Penha, o bandolinista Joel Nascimento. Guinga era um dos frequentadores do Sovaco da Cobra, o botequim que reunia a fina-flor do choro carioca. (CABRAL, 2003: 18).

Já Cine Baronesa, também lançado pela gravadora Velas e gravada nos Estúdios Discover, entre dezembro de 2000 e janeiro de 2001, traz 13 faixas: Melodia Branca; Cine Baronesa; Vô Alfredo; Nem Mais Um Pio; Yes, Zé Manés; Caiu do Céu; No Fundo Do Rio; Estonteante; Geraldo No Leme; Fox e Trote; Como Eu Imaginara; Orassamba e um arranjo adicional para Melodia Branca. Esse trabalho mostra outras composições da parceria com Aldir Blanc, como a faixa-título Cine Baronesa; Vô Alfredo; Yes, Zé Manés e Orassamba; assim como composições ao lado de outros parceiros, como Nei Lopes, No Fundo Do Rio e Fox e Trote; Sérgio Natureza em Nem Mais Um Pio e Hermínio B. de Carvalho em Como Eu Imaginara. Em outras faixas, como Melodia Branca; Caiu do Céu; Estonteante e Geraldo no

3 Como será possível verificar adiante, na análise da faixa Por Trás de Brás de Pina, presente no disco Cheio de

Referências

Documentos relacionados

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Este estudo, assim, aproveitou uma estrutura útil (categorização) para organizar dados o que facilitou a sistematização das conclusões. Em se tratando do alinhamento dos

O modelo de toxicidade reprodutiva empregado para realização deste trabalho consiste da administração prolongada do eugenol durante a gestação de ratas Wistar,

A pesquisa pode ser caracterizada como exploratória e experimental em uma primeira etapa (estudo piloto), na qual foram geradas hipóteses e um conjunto de observáveis, variáveis

Partindo deste princípio, e com experiência à frente dos proces- sos formativos na área de Informações e Registros em Saúde, o Labo- ratório de Educação Profissional

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do