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4. O DISCO CHEIO DE DEDOS – ANÁLISE DE ALGUMAS FAIXAS

4.4. Dá o Pé, Loro

4.5.4. Regimes de integração entre melodia e letra

4.5.4.2. Elementos passionais na letra de Ária de Opereta

Analisando o conteúdo da letra de Ária de Opereta, entende-se que a passionalização também se caracteriza pela disjunção apresentada no texto e que se encaixa perfeitamente no conteúdo passional proposto pela melodia. Uma interpretação possível é a de que alguma forma, trata-se de uma conversa, talvez ao pé do ouvido, em que a figura masculina busca evidenciar à sua parceira que ela aparenta ter vários traços de personalidade diferentes, muitas vezes, contrastantes, que é dito quase de maneira irônica. Essa atitude o faz chamar à conversa diversos personagens icônicos de diferentes óperas, constatando que são muitas mulheres em apenas uma. Assim, a canção faz referência a diferentes formas de disjunção. As citações são organizadas na peça de forma que os contrastes se evidenciem. Para uma melhor visualização dos elementos citados, serão visualizados os trechos da letra dispostos em “tatituras”, divididos por segmentos, segundo proposto por TATIT(2006), de forma a facilitar a idealização das características citadas acima. Observa-se, na figura 29, a tatitura do primeira frase da letra de Ária de Opereta:

Figura 29: primeira frase da letra de Ária de Opereta

Na seção A, pretende-se demonstrar a menção a quatro personagens. A primeira é Gilda, da ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi(1851) - “Às vezes, tu és Gilda em Rigoletto, e

eu sou teu pai” – em que de depreende uma referência a uma mulher que se entrega ao amado, um conquistador que não valoriza os seus sentimentos, despreza-a e, mesmo assim, ao final da obra, ela se sacrifica por seu amado para poupar-lhe a vida. Observe agora o segunda frase da letra:

Figura 30: Segunda frase da letra de Ária de Opereta

Quando cita Madame Butterfly, de Giacomo Puccini(1904) - “Em outras, tua sina é a de Madame Butterfly” - o compositor apresenta uma figura feminina ingênua, que será usada e enganada por seu marido, em um casamento mentiroso, que tinha fins políticos e estratégicos, e ela, por consequência, suicida-se diante de tanta humilhação. De alguma forma, essas duas mulheres exibem traços psicológicos próximos - ambas frágeis, enganadas, desprotegidas, ingênuas. Porém, logo adiante, as figuras femininas, trazidas para a composição, mudam de perfil, como se apura na terceira frase, presente na figura 31:

Figura 31: Terceira frase da letra de Ária de Opereta

Em “Disfarça teu amor, Amélia em Bal Masqué”, encontra-se uma menção à ópera Ball Masqué, Giuseppe Verdi(1859). Essa obra trata-se, entre outras coisas, de um caso escandaloso de traição e adultério, posto que o personagem do Rei Ricardo é apaixonado por Amélia, mulher se seu amigo e conselheiro Renato. Este último tenta inutilmente alertá-lo sobre uma conspiração para assassiná-lo, sem sucesso, porém Renato descobre o adultério e mata Ricardo. Carmen, de Georges Bizet (1875), citada logo na sequência - “Cigana és igual a Carmen de Bizet” - traz a imagem de uma cigana sedutora que utiliza seus talentos e beleza para seduzir os homens, conseguir o que quer e depois descartá-los. Tranquilamente, essas duas últimas mulheres - Carmen e Amélia - possuem perfis totalmente opostos ao de Madame Butterfly e Gilda. Na seção A’, o compositor estabelece novos contrastes, citando mais quatro obras, como se vê nas frases:

Figura 32: Quarta frase da letra de Ária de Opereta

Quando afirma “Amiga feito a pomba no meu barco em Lohengrin” o compositor traz à ideia, de alguma forma, de um sentimento de amizade e confiança entre os parceiros, citando a pomba que guia o cavaleiro Lohengrin, ao final da ópera homônima, de Richard Wagner(1850), de volta ao castelo do Santo Graal. Na quinta frase, presente na figura 33, existe uma menção à A Valquíria, também de Richard Wagner(1870):

Figura 33: Quinta frase da letra de Ária de Opereta

Nesta obra, Richard Wagner lembra a história de Brünnhilde, a Valquíria que desobedece às ordens do pai, o deus Wotan, para matar Sigmund, seu meio-irmão e também filho do Wotan o qual tinha uma relação adúltera e incestuosa com Sieglinde, sua irmã gêmea. Brünnhilde se recusa a matar o meio-irmão, tenta salvar Sieglinde e perde o status de Valquíria. Estima-se, em Brünnhilde, lealdade, honra e respeito aos seus princípios. Observa-se, nessa

ótica, a frase seguinte, na figura 34:

Figura 34: Sexta frase da letra de Ária de Opereta

A Obra La traviatta, de Giuseppe Verdi(1853), narra a história da cortesã Violetta, que é apresentada a Alfredo, que a amava em segredo. Com tuberculose, ela não queia se comprometer, mas se apaixona e, logo depois, o pai de Alfredo, Georgio, pede-lhe que se afaste para não manchar o nome da família; ela aceita, mas Alfredo, ao desconfiar do afastamento, pensa se tratar de uma traição. Ao final, já bastante debilitada pela doença, pobre e sozinha, morre diante de Alfredo e seu pai, que havia lhe revelado a verdade pouco antes. Em O trovador, também de Giuseppe Verdi(1853), há disputa pelo amor de Leonora pelo Conde de Luna e por Manrico, o trovador. Ao final da peça, Leonora, que quer salvar Manrico de uma execução, aceita se casar com o Conde, mas se envenena logo depois. Em Turandot, de Giacomo Puccini(1924), a fatal princesa que dá nome à peça apresenta traços sádicos, odeia os homens e não quer se entregar a nenhum deles. Quando o príncipe, que é hipnotizado pela atitude sádica da princesa, desvenda os enigmas propostos por ela e obtém o direito de se casar com Turandot, a princesa tenta fugir. Assim, conclui-se que, na segunda seção A, novos contrastes foram introduzidos: a confiança, amizade e lealdade em Lohengrin e A Valquíria em oposição à mesquinhez e hipocrisia de Traviatta, às disputas em O Trovador, assim como ao sadismo da princesa de Turandot. Na seção B, novas citações aparecem, como se percebe, na frase seguinte, na figura 35:

Figura 35: Sétima frase da letra de Ária de Opereta

Na ópera Salomé, de Richard Strauss (1905), a personagem homônima apresenta uma atitude bastante doentia, ao pedir ao rei Herodes a cabeça de São João Batista, numa bandeja de prata, para depois beijá-la, depois da tentativa frustrada de seduzir o profeta. A citação de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, traz para a canção a história de amor do Conde Almaviva por Rosina, sendo que, em toda a sua extensão, o personagem do barbeiro Fígaro, que era conhecedor de todos os segredos e escândalos de Sevilha, age em toda a ópera para que o Conde possa finalmente se aproximar da sua amada. Na frase seguinte, temos uma que não traz exatamente uma conexão com o universo das óperas citadas, ao longo da letra, mas serve como uma conexão para as citações finais, como se vê na figura 36:

Figura 36: Oitava frase da letra de Ária de Opereta

O Guarani, de Carlos Gomes, também é citada pela personagem Cecília, que é filha de Dom Antônio de Mariz, um fidalgo português, chefe dos caçadores de uma colônia lusitana. Observe a citação no último trecho da letra desta peça, na figura 37:

Assim como boa parte das outras óperas presentes nesta letra, essa história também traz várias formas de se estar apartado do objeto de desejo, pois Cecília está comprometida a casar-se com Dom Álvaro, que, por sua vez, está prometido a uma índia aimoré. Assim, Cecília apaixona-se pelo índio Peri, líder da tribo guarani, que, por corresponder ao amor da menina, resolve apoiar os caçadores em sua luta contra os Aimorés. Em resumo, O Guarani narra uma história de amor em que Cecília desperta as paixões, ao mesmo tempo, em quatro homens: Gonzales, Dom Álvaro, o Cacique Aimoré e Peri. É evidente que as obras citadas, em Ária de Opereta, também, podem permitir outras análises, como, por exemplo, o fato de O Guarani também retratar a dizimação dos índios Aimorés, entre outros assuntos, como, por exemplo, o interesse econômico de Espanha pela colônia portuguesa. Entretanto essas outras análises não são objeto do presente trabalho. O interesse, neste momento, é evidenciar que Guinga e Aldir Blanc buscaram ressaltar, por meio de citações, várias formas de ser apartado de um determinado objeto de desejo, que, segundo a teoria proposta por Luiz Tatit, em O cancionista, é parte essencial para que a passionalização possa ser o regime predominante.