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Neste capítulo, reuniu-se e foram comentadas algumas resenhas sobre o disco Cheio de Dedos feitas logo após o lançamento deste disco, assim como outras reportagens relacionadas ao compositor Guinga, como forma de delinear qual foi a recepção do disco Cheio de Dedos à época de seu lançamento, ou então, trazer à tona outras informações relevantes para o entendimento do objeto principal desta pesquisa. Como mencionado antes, é notório que o lançamento desse disco elevou a nome de Guinga a um alcance que ele não havia atingido tanto com os dois primeiros discos quanto com seu trabalho acompanhando outros artistas, ou então como compositor sendo gravado por diferentes intérpretes. Assim, torna-se importante detalhar como foi a recepção deste disco pela crítica à ocasião do seu lançamento. COLOMBO (1996) fez a seguinte resenha do referido disco, publicada na Folha de São Paulo, em 30 de dezembro de 1996 e que se transcreve na íntegra:

Quando Carlos Althier de Souza Lima, 46, o Guinga, pensou em gravar “Cheio de Dedos”, sua idéia era a de fazer uma crônica musical do Rio de Janeiro.

O cirurgião-dentista acabou então compondo em cima de velhas fórmulas - tendo o choro como referencial constante.

Homenageou ícones clássicos da cultura popular carioca e incluiu um pouco de modernidade no gênero, tocando ao lado do Nó em Pingo D´água - grupo da nova guarda de chorões cariocas que mistura jazz e pop ao repertório. “Cheio de Dedos” homenageia Jacob do Bandolim, Raphael Rabello, Villa- Lobos e o eterno companheiro de parcerias Aldir Blanc.

“Fiz músicas sem letra para que ele colocasse letra. Como está sem tempo, gravei-as assim mesmo e lhe deixo o desafio”, disse o compositor em entrevista à Folha.

Das 15 faixas que compõem o CD, só duas são cantadas. “Ária de Opereta”, interpretada por Ed Motta, e “Impressionados”, um choro lamurioso que evoca as figuras de Lautrec, Gauguin, Van Gogh e Cézanne e tem participação especial de Chico Buarque.

“Acho que ousei bastante neste álbum, principalmente nos arranjos, mas o fiz com fundamento e autoridade de quem já passeou muito pelos antigos modelos”.

Mas a inspiração de compor vai além de meros referenciais. A vigília em que passa seu cotidiano é o principal motor do seu trabalho. “Tenho medo da morte e não durmo mais do que quatro horas de uma vez. Não quero perder nada que acontece à minha volta, vivo compondo”.

Perfeccionista, não gosta de retoques em suas músicas. “A possibilidade de queimar a composição é de 99%”.

“Cheio de Dedos”, segundo ele, completa um caminho iniciado em “Catavento e girassol”, disco com composições suas interpretadas por Leila Pinheiro. “Pretendi me afirmar como compositor de MPB, simplesmente isso, e acho que consegui”. (COLOMBO, 1996:4).

A ideia de crônica musical do Rio de Janeiro parece ser bastante pertinente na maior parte deste disco, pois neste trabalho manifestam-se diversos elementos que corroboram com esta afirmação, como por exemplo a participação do grupo Nó em Pingo D´água e de diversos outros músicos que participam do disco e que são bastante atuantes no cenário musical carioca, como Carlos Malta, Lula Galvão e Itamar Assiere. Contudo nota-se que, por outro lado, existem também elementos presentes no disco Cheio de Dedos que não necessariamente remetem à cidade natal de Guinga, como, por exemplo, as participações do grupo Diapasón e do pianista Chano Dominguez, ou ainda as citações de diversas personagens de diferentes óperas em Ária de Opereta.

O choro, não só neste disco, mas na obra de Guinga como um todo, certamente é um referencial importante, como se pode verificar na intrincada melodia de Cheio de Dedos e também de outras composições presentes em outros trabalhos, como Dichavado e Perfume de Radamés. Também deduz-se que existem nesse disco outros elementos essenciais para a obra de Guinga, como a influência do jazz, que se pode perceber nos solos de Lula Galvão e outros, ou no uso de diferentes ritmos brasileiros, como nas faixas Dá o pé, Loro e Me gusta a lagosta.

É interessante notar a citação sobre o fechamento de um ciclo começado no disco Catavento e Girassol, lançado por Leila Pinheiro. Apesar de Guinga até este momento ser conhecido principalmente como um compositor de canções, o disco Cheio de Dedos, que foi um álbum predominantemente instrumental, foi o responsável por um impulso inédito na divulgação de sua carreira, ganhando, inclusive, um Prêmio Sharp de melhor disco instrumental. Além disso, de forma geral, a música instrumental possui uma circulação muito menor no cenário da MPB, já que artistas deste cenário trabalham predominantemente com canções. Portanto é bastante curioso que um disco com as características de Cheio de Dedos seja um dos trabalhos mais conhecidos da carreira de Guinga até os dias atuais.

Nesta mesma reportagem, há uma resenha crítica do disco Cheio de Dedos, aqui transcrita, em que COLOMBO(1996) afirma:

“Cheio de Dedos” é um disco de compositor. Portanto, só o que interessa é a melodia. Nem por isso Guinga se perde em virtuosismos. As faixas são curtas e estudadas, sem lugar para o improviso. É fiel à sua própria concepção. A languidez do choro - e não a alegria do chorinho - delineia as composições, que têm arranjos inspirados para as cordas, mas contidos no que se refere aos metais. Os arranjos a que submete o gênero lembram as transformações impetradas pelos membros da Camerata Brasileira e as de Raphael Rabello. Em alguns momentos, Guinga se afasta do Rio de Janeiro, como no baião experimental, “Dá o pé, Louro”, composto para reverenciar Hermeto Paschoal. O disco tem também um samba inspirado, “Rio de Exageros”, com

participação especial do pianista Chano Dominguez, e uma modinha, “Inventando moda”.

Apesar de poucas surpresas - o formato das composições é conhecido e respeitado à risca, Guinga ousa em arranjos capazes de personificar todo esse universo com seu estilo próprio.

Foi mais longe do que seu modesto objetivo de contar a história musical do Rio. Fez o melhor disco de música brasileira do ano (COLOMBO, 1996:4).

Embora não seja o foco principal do disco, existem sim diversos improvisos dos músicos participantes deste fonograma, como o solo de Lula Galvão, nas faixas Nó na garganta, ou de Chano Dominguez em Me gusta a lagosta e Rio de exageros. Nessa resenha crítica, COLOMBO(1996) também entende que, em Cheio de Dedos, Guinga, em alguns momentos, afasta-se da ideia mais próxima ao Rio de Janeiro, como em Dá o pé, Loro, cujo ritmo predominante é o do baião.

Com relação aos arranjos, o formato de várias das peças é conhecido, mas Guinga em diversos momentos trata estas estruturas comumente utilizadas pelo compositores de maneira não convencional, por exemplo, na faixa Sinuoso, cuja canção de forma A/A/B/A é desdobrada de forma completamente inusitada, conforme pôde ser detalhado na análise presente neste texto. Ainda com relação aos arranjos, acrescenta-se que não apenas os sopros e as cordas são contidos, mas que existe uma concepção que permeia boa parte da obra de Guinga, conforme discutido em diversos pontos deste trabalho, e que se baseia no fato de que o violão elaborado pelo compositor já trazer todas as informações necessárias da peça: melodia, harmonia, convenções, rearmonizações e contracantos, dessa forma, é bem comum que os arranjos sejam elaborados em torno do que já estava escrito anteriormente para o violão. Essa maneira de trabalhar as suas composições e arranjos, certamente, é bem particular de Guinga.

Em outras reportagens coletadas, porém, sobre diferentes assuntos relacionados a Guinga, é frequente que a música Cheio de Dedos ou o disco homônimo sejam citados como a principal referência do compositor. Esse fato baseia-se na reportagem de CALADO(1997) sobre uma indicação para o Grammy da Banda Mantiqueira:

Quem for ao Supremo já poderá ouvir uma amostra do que será o próximo disco da banda. Segundo Proveta, a gravação deve acontecer em março. A produção, mais uma vez, ficará a cargo de Rodolfo Stroeter, do selo Pau Brasil.

Três composições do violonista carioca Guinga devem entrar no repertório do novo CD: “Cheio de Dedos”, “Samba de um Breque Só” e “Catavento e Girassol”. A “big band” toca pelo menos uma delas no show de hoje. “O Guinga tem muita vontade de gravar um disco com a Mantiqueira”, conta o maestro, que acha bastante possível que o projeto se realize já em 98 (CALADO, 1997).

De fato, a banda Mantiqueira gravaria Guinga, em trabalhos posteriores, embora não exatamente tenham sido as faixas descritas na reportagem da época. Em seu segundo cd, denominado Bixiga, lançado em 2000 pelo Selo Pau Brasil, existem duas composições de Guinga gravadas: Catavento e Girassol e Baião de Lacan.

Percebe-se também a importância dada ao disco Cheio de Dedos pela sua indicação ao Prêmio Sharp. É interessante notar, também, conforme evidencia RYFF(1997) que, na categoria de música instrumental, Guinga era o único indicado nesta premiação. Algo

semelhante aconteceu com Paulinho da Viola, nessa mesma ocasião, porém, em outro quesito, conforme se depreende, no seguinte trecho da reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 1997:

Pelo menos para três artistas, o suspense de saber se o prêmio irá para as suas mãos não existe. É que em três dos 48 quesitos só há um indicado.

Com isso, o sambista Fred, o cantor Paulinho da Viola e o violonista Guinga sabem que não voltarão para casa com as mãos abanando.

Autor de “Olhos negros - sete vidas”, Fred foi o único indicado pelos 25 jurados no quesito revelação da categoria samba.

As três concorrentes a melhor música instrumental foram feitas por Guinga: Dá o pé, Louro”, “Divagar, quase pairando” e “Nó na garganta”. Ele ainda concorre a melhor disco instrumental por “Cheio de Dedos”.

O caso de Paulinho da Viola é idêntico. “Alento”, “Ame” e “Timoneiro”, as três únicas concorrentes a melhor música de samba, são do disco “Bebadosamba”, de Paulinho.

Na categoria samba, ele ainda concorre a melhor arranjador, melhor cantor e melhor disco - que também concorre a melhor programação visual (RYFF, 1997).

No dia 28 de maio de 1998, em outra nota na Folha de São Paulo sobre um show de Guinga, que aconteceria naquele mesmo dia, também verifica-se o destaque que é dado aos Prêmios Sharp recebidos pelo disco Cheio de Dedos, classificando-o como um disco instrumental, embora, como se sabe, ele também possui algumas músicas cantadas. Além disso, a nota busca evidenciar algumas influências conhecidas de Guinga e, ainda, a parceria com alguns integrantes da Banda Mantiqueira.

O tímido dentista carioca Carlos Althier de Souza Lima, 48, leva seu violão a dois palcos paulistanos. Guinga, que “entre uma consulta e outra, resolve um arranjo”, se apresenta hoje no Villaggio Café e no Sesc Paulista na segunda- feira.

O compositor viaja pelas melodias com a sofisticação que lhe conferiu três prêmios Sharp em 97 pelo disco instrumental “Cheio de Dedos”. No repertório, a diversidade ganha nome: “Choro pro Zé”, “Valsa de Leila”, “Baião de Lacan”, “Samba de um breque”, entre outras.

A boa nova do show do Village é “Você, você”, música em parceria com Chico Buarque, uma de suas grandes influências - as outras são Villa - Lobos, Hermeto Paschoal, Hélio Delmiro (“O Pelé do violão”, segundo ele). Acompanhando Guinga, três integrantes da Banda Mantiqueira: Proveta (sax), Walmir Gil (trumpete) e François (trombone) (Folha de São Paulo, 1998:66).

Em uma nota sobre o Festival Kaiser 97, que teve como uma das principais atrações Gal Costa, cuja apresentação teve a participação de Guinga e da Banda Mantiqueira, é interessante notar, mais uma vez, que o disco Cheio de Dedos é aqui também considerado uma referência, quando se fala de Guinga. Neste evento, aconteceram diversas outras apresentações, como o show “Concertão”, com Arthur Moreira Lima, Paulo Moura, Heraldo do Monte e Elomar: “Ganhador de três prêmios Sharp por seu terceiro CD, Cheio de Dedos, Guinga vem consolidando uma produtiva carreira de compositor e violonista desde 67” (PESSINI, 1997:92). Em outra nota sobre uma participação, em um show do violonista Paulo Bellinati, em 1997, que, na ocasião, contou com as participações de Guinga e do saxofonista Proveta, há referência clara ao Prêmio Sharp e ao disco Cheio de Dedos:

Os dois conceituados instrumentistas participam como convidados do violonista Bellinati no projeto Rumos Musicais, que tem a consultoria do maestro Nelson Ayres. Guinga foi ganhador do Prêmio Sharp de melhor disco instrumental por “Cheio de Dedos” e Proveta, como líder da Banda Mantiqueira, figura como indicado ao próximo Grammy de jazz latino (FOLHA DE SÃO PAULO, 1997:60).

É natural que este tipo de nota possa também ser produzido pelos veículos de comunicação, simplesmente a partir de um material distribuído pela assessoria de imprensa de um determinado artista e que tenha seu conteúdo bem direcionado a um determinado foco, entretanto, é interessante notar que, apesar da apresentação de Paulo Bellinati não ter uma relação direta com o disco Cheio de Dedos, como se trata de um trabalho de grande relevância à carreira do Guinga, é frequentemente colocado como uma grande referência de sua carreira, quando o compositor é citado na imprensa. E, certamente, essa situação não ocorreu apenas à época do lançamento do referido disco, como se verá, a seguir. Em outra nota, desta vez sobre uma apresentação do Quinteto Villa-Lobos, ao lado de Guinga, publicada na seção Shows do Guia da Folha, datada de 8 de junho de 2007, muito mais recente, portanto pode-se verificar exatamente isso:

Criado em 1963, o grupo de leva o nome do seminal compositor brasileiro conserva sua atual formação há dez anos. Os músicos partem de peças eruditas de Villa-Lobos, como “Canção do Amor”, e alcançam o território

popular, executando peças de Chiquinha Gonzaga, entre outros. Após o intervalo, junta-se ao quinteto o violonista carioca Guinga, e são interpretadas canções suas, como “Cheio de Dedos” (SZYNKIER, 2007:62).

Provavelmente, nesta apresentação, outras canções de Guinga foram executadas, além de Cheio de Dedos, conforme se vê no próprio texto. Entretanto, aqui novamente, ela é tomada como a principal referência do compositor, já que foi escolhida entre outros títulos para que fosse possível ilustrar a sua obra para alguém, que, possivelmente, não tenha um contato muito próximo com a sua obra.