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DIREITO PENAL DO RISCO OU DIREITO PENAL SIMBÓLICO?

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DIREITO PENAL DO RISCO OU DIREITO PENAL SIMBÓLICO?

LANGONI, Rafhaella Cardoso (UNITRI, rc114214@hotmail.com)

OLIVEIRA, Josimara Alves da Silva de (UNITRI, josimara-3@hotmail.com)

RESUMO: O século XX foi marcado por profundas e rápidas mudanças nos planos político-econômico mundiais. O que é mais crucial de toda esta investigação sociológica, é que, com a globalização, há uma crise do Estado como instituição política e do Estado de Direito como referência jurídico-política. No âmbito do Direito Penal, não foi diferente. Afirma-se que na medida em que o progresso técnico e científico se acentua, uma criminalidade nova, mais organizada, também se projeta no cenário mundial, levando a uma situação de insegurança em diversos setores sociais, fator típico do declínio do próprio modelo de Estado de Bem-Estar Social. Diante deste contexto, por todos os lados surgem novas tendências criminalizantes (meio ambiente; ordem econômica, tributária e as relações de consumo; saúde pública etc.), com a justificativa de que se está a proteger os novos direitos ou interesses advindos das relações sociais globalizadas e de risco. Como são bens, muitas vezes relativos a inúmeros destinatários, nem sempre identificados em um dado momento ou local, sustenta-se de um lado, a necessária “modernização” do direito penal para conseguir lidar com a tutela destes novos bens jurídicos (coletivos ou supra-individuais), valendo-se de técnicas preventivas, tais como os crimes de perigo abstrato e normas penais em branco, frutos da “administrativização do direito penal” (já que se necessita de constantes complementações e remissões aos padrões suportáveis de atividades de risco ditados pelas esferas administrativas). Este fenômeno de “expansão do Direito Penal”, propõe inclusive novas “velocidades” ou dimensões de atuação do Direito Penal, a depender do grau de rechaço e flexibilização de garantias penais e processuais penais devido aos novos interesses político-criminais. Diferentemente da proposta anterior, há um discurso de resistência, feito pelos partidários da Escola de Frankfurt, no qual se discute a viabilidade da tutela penal diante desta nova criminalidade, afirmando-se que isto seria uma ampliação ilegítima do Direito Penal, violando-se as garantias liberais clássicas. Assim, sustenta-se que modernizar a tutela penal seria utilizar este ramo para funções ilegítimas ou meramente simbólicas, que não se coadunam com um Estado Democrático de Direito pautado na dignidade da pessoa humana. Diante deste impasse, e, com base no levantamento teórico e documental afeto ao tema, buscar-se-á razões para a defesa de um direito penal novo, próprio da sociedade de risco, ou, ao invés, se isso seria uma função simbólica incompatível com os fins garantísticos liberais mantidos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Palavras-chave: direito penal; sociedade de risco; funções ilegítimas simbólicas.

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INTRODUÇÃO

As bases que amparam o direito penal na atual conjuntura da sociedade, têm entrado em colapso. Desde a consolidação do Estado moderno, notaram-se ao longo da história, mutações contundentes no mundo, que determinaram a hegemonia do Estado soberano mais forte. Destarte, aquele imbuído de inovações tecnológicas, respaldado por vasta cognição na área científica, certamente fora por muito tempo, detentor do controle da Ordem Mundial, que se estabelecia paulatinamente.

A revolução Industrial introduziu uma nova percepção mercadológica, os impactos foram notadamente vislumbrados, através do caos que se estabelecera, com a substituição do homem pela máquina, repercutindo negativamente no plano sócio-econômico e político. Além disso, a produção em grande escala, sob a insígnia de progresso ilimitado, gerou a preocupação com a incidência de novos riscos, propalando-se agilmente, dentro da sociedade, viabilizando o surgimento de condutas, até então atípicas, que necessitavam de atenção maior, por parte do ordenamento jurídico.

Não se tratava tão somente da formação de uma sociedade de riscos, em verdade, o progresso sobrepujava direitos inerentes aos indivíduos, na condição de vivência sob um risco “permitido”. Daí se desenvolveu uma dialética, na qual aspirava uma participação maior do Estado para prevenir condutas lesivas, as formas de controle social, já não supriam os anseios da sociedade pós-industrial, que clamava pelo punitivismo do Direito penal em prima ratio.

Os avanços na ciência permitiram a proeminência da globalização. Por assim dizer, esta trouxera consigo alteração nas relações sociais, sob uma perspectiva nunca imaginada no globo. Todavia, nesta tessitura, sobrevieram efeitos consideravelmente negativos, os meios de comunicação em massa, por vezes utilizados como impositores de ideologias, também foram utilizados como difusores de insegurança e medo, à sociedade que passou a conviver com os riscos criados por si mesma.

No âmbito do Direito Penal, estas consequências geraram uma necessidade de expansão e modernização deste ramo do direito, para abarcar

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cada vez mais, interesses novos e padrões de segurança exigíveis pela então “sociedade de risco”.

Por meio dos estudos ligados à “expansão do direito penal”, verifica-se que a sociedade atual tem graves problemas de vertebração interna, ou seja, a acirrada competitividade gera o aumento da violência e “criminalidade de rua” ou de “massas”.

Caracteriza-se, esta nova sociedade também, pela inúmera existência de sujeitos passivos, representado pelos consumidores, aposentados, pensionistas etc., que revelam uma certa acomodação ou inação diante das mudanças sociais. O que, por sua vez, remonta a um fenômeno geral de identificação social com a vítima, em grau maior do que com o autor/sujeito ativo do delito. Surge, então, além de uma nova forma de vitimologia, uma teoria do injusto e da pena mais voltados para a vítima E, para completar o fenômeno, está havendo um descrédito nas outras searas de proteção, tais como o direito civil ou administrativo.

Diante destes fatores, questiona-se: será que o Direito Penal realmente deve assumir as novas funções advindas com a “sociedade de risco” ou, ao contrário, deve-se obstar de intervir nestas novas searas, para evitar funções ilegítimas ou meramente simbólicas?

É com base nesta problemática que surge o presente estudo, o qual objetiva-se em levantar as discussões sociológicas sobre o novo paradigma social e, ao final, identificar até onde estas novas exigências podem ser cumpridas pelo Direito Penal sem que, neste processo de modernização, se perca os ideais garantísticos clássicos inarredáveis da proteção da dignidade humana.

Para tanto, serão feitos os principais levantamentos teóricos (livros, artigos, teses, dissertações) sobre o assunto, bem como, os pertinentes acervos documentais, consubstanciados nas legislações e jurisprudências afetas ao tema.

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2. Da relação entre sociedade de risco e direito penal

2.1 Da percepção de um novo paradigma social: sociedade de riscos

2.1.1 Sociedade de risco

Num primeiro momento, insta notar que o mundo, no decorrer da história, passara por significativas mudanças em seu panorama, incidindo em diversos setores, principalmente, de ordem conjuntural. Muitos foram os fatores que propiciaram uma mutação no cerne da sociedade, seja de ordem econômica, política e social. Não obstante, indubitavelmente, a evolução tecnológica, trouxera reflexos impactantes ao desenvolvimento social, principalmente, com a incorporação do sistema capitalista, e seus subsequentes desdobramentos.

Na visão de Jesus Maria da Silva Sanchez (2002, p. 29) aos avanços obtidos com a tecnologia, somam-se os diferentes matizes econômicos, que alteraram consideravelmente o cenário social. Neste mister, foram projetados reflexos positivos, bem como, igualmente negativos, cujas influências se revelaram decisivas para a construção de novos paradigmas.

Trata-se, em verdade, de duas consequências intrínsecas ao progresso, de um lado, as melhorias advindas do aprimoramento do conhecimento, tendo em vista, ser um pressuposto imprescindível para viabilizar o processo de transição, para técnicas mais refinadas.

Não obstante, em paradoxo, esse aperfeiçoamento das técnicas, também teve repercussão negativa, dando azo à criminalidade para a consecução de atividades ilícitas. Paralelo a isso, o descarte em massa, da mão de obra, antes utilizada, por conseguinte, considerando a falta de qualificação no mercado de trabalho, já não atenderia mais aos anseios exigidos na atualidade.

A partir disso, é possível identificar o soerguimento de uma problemática crescente, qual seja, o proeminente e desenfreado progresso, sem quaisquer infra-estruturas, em paralelo com o surgimento de novos riscos, em detrimento

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da população. Aduz-se, portanto, a projeção de uma “sociedade de riscos”1, está intimamente ligada e “[...] caracterizada pelo avanço de aparatos tecnológicos em proporções inimagináveis em toda história [...]” (CABRERA, 2008).

Os riscos mencionados são objetos de transformações deliberadamente concebidas no âmago das relações sociais, que, por si, tiveram o condão de estabelecer uma atmosfera de insegurança, ante à iminência de males que poderiam insurgir, com a exploração sem precedentes, de técnicas inovadoras, ademais, poderiam trazer sérios danos à incolumidade física, psicológica e social como um todo.

A busca incessante pelo conhecimento das ciências, fora imprescindível para o desenvolvimento dos Estados Soberanos, entretanto, culminou no surgimento de novos riscos, que poderia causar sérios danos à sociedade. Os problemas infligidos, foram propagados, num primeiro momento, a partir da consolidação da mão de obra mecanizada, fazendo com que parte considerável de trabalhadores fossem marginalizados, sem quaisquer condições dignas de subsistência, sem infra-estrutura apropriada.

Somado a isso, as inovações tecnológicas no campo das ciências biológicas emergiu grandes riscos para a saúde pública, novas técnicas que por vezes, custaram a plenitude da saúde da população, com o aparecimento de vírus, nunca antes imaginado. Não obstante, o aprimoramento da indústria bélica, deixou em vários momentos da história, o mundo suscetível e à iminência de sucumbir.

Sabe-se que, conforme bem assinala BECK, os riscos não são uma invenção moderna. Na época das Grandes Navegações, Cristóvão Colombo e outros desbravadores, por exemplo, também já haviam assumido riscos ao sair em busca de novos continentes. “o que antes eram riscos pessoais, hoje são ameaças globais” (BECK, 2010, p. 24 e ss.).

Diante deste contexto, poderia se inferir que a sociedade passou da era da modernidade para uma nova modernidade ou também “pós-modernidade”? As discussões sociológicas sobre este tema seguem no próximo tópico.

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2.1.2 Modernidade e Pós-Modernidade

Urge observar que o mundo passou por um longo processo de transformações no decorrer da história, destarte:

Nossas condições de vida, nossa maneira de pensar, nossos conflitos, dúvidas e esperanças estão sendo dominados por um desenvolvimento técnico ininterrupto: o mundo sofre transformações muito rápidas e os homens sentem essas mudanças em todos os setores da vida (AQUINO, 2002, p. 451).

Partindo de premissas observadas no cerne das relações sociais Ulrich Beck tratou de atribuir relevância histórica, aos acontecimentos que, indubitavelmente, foram imprescindíveis, como divisores de águas, dada a consolidação de uma nova visão de mundo. Assim, abstraiu o conceito de dois modelos de modernidades, considerados a partir de elementos condutores a uma percepção meritoriamente nova.

Partindo desse pressuposto, faz distinção entre a primeira e uma segunda modernidade. Caracterizando a partir de peculiaridades imanentes à cada uma, a primeira modernidade, sob a descrição de Beck, tratava-se de uma sociedade essencialmente estatal e nacional, com estruturas coletivas, pleno emprego, industrialização abrupta, bem como, exploração da natureza não visível. Além disso, descreve o arquétipo, do que chama de modernização da modernização, ou ainda, modernidade reflexiva (BECK, 2010, p. 24). Aquela em que todo ato realizado é refletido para a própria sociedade, não importa seja ele positivo ou negativo.

Sobre isso, continua:

A modernidade iluminista deve enfrentar o desafio de cinco processos: a globalização, a individualização, o desemprego, o subemprego, a revolução de gêneros e, lasr but NT least, os riscos globais da crise ecológica e da turbulência dos mercados financeiros (BECK, 2010, p. 1 e ss.).

Um período que retrata a ruptura, de formas organização de ordem social, econômica, política, evidenciando os vícios que acobertavam sistemas falidos de organização Estatal, além da precariedade das condições de vida, sob o ponto de vista, eminentemente sociológico.

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O processo de industrialização, na modernidade, substituíra a mão de obra humana, pela mecanizada, gerando altos índices de desempregos, tal acontecimento gerou um verdadeiro “efeito dominó”. O desemprego diminuiu o poder aquisitivo da população, e gerou caos, considerando a migração do indivíduo do campo, concentrando-se em números bastante significativos, na zona urbana, sobremaneira, desordenadamente. Somado a isso, o período fora marcado por grandes lutas, cujos objetivos, focalizavam na transferência de poder de classes, e formação de um novo Estado.

Sanchez preconiza uma sociedade pós-industrial, com características bem específicas, propensas à insegurança, considerando a utilização de técnicas e elementos, ainda desconhecidos, estabelecendo e espalhando o medo, à iminência de novos riscos(SANCHEZ, 2002, p. 29-33).

Ainda nesta conjuntura:

A utilização de energia nuclear, os progressos na tecnologia dos armamentos, na genética e em outras áreas do conhecimento aumentaram a insegurança para o meio ambiente e para a vida humana. Hoje, eventos ocorridos em locais muito distantes podem aumentar os riscos que experimentamos e influenciar negativamente nossas vidas (SARMENTO, 2008, p. 38).

2.1.3 Implicações na Ciência Jurídica

Sob uma perspectiva analítica pode-se inferir, a sociedade pós-industrialista passou a conviver com os riscos, o dinamismo nas mudanças propiciaram um cenário vulnerável, por vezes dispendioso, considerando os impactos negativos na economia.

O substrato para o progresso, evolução, fora inegavelmente, indispensável para a formação de grandes empreendimentos, bem como a inovação em diversos nichos de atuação do Estado. Entretanto, insurgiram notáveis anomalias nos sistemas legais existentes, dada a rapidez com a qual as mudanças foram introduzidas.

Na pós-modernidade, sob a concepção de Beck, os riscos tornaram-se mais contundentes, assumindo expressividade ante ao meio social, de tal maneira, que se fez necessário a tutela de bens difusos pertencentes à coletividade.

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Em consonância com os postulados de Fernanda Marroni, já no inicio do século XX, em primazia à proteção dos grupos humanos, em face dos recursos disponíveis, adveio a urgência em resguardar direitos que compunham uma gama de interesses próprios do indivíduo, diante dos bens naturais (MARRONI, 2011).

Nesta esteira, segundo preleciona Alamiro Velludo:

Esta alteração dos padrões humanos de atividades cria a contradição que sustenta o argumento da ineficiência do sistema penal fechado em lidar não somente com a velha criminalidade de massa em extensa escala, mas com os novos padrões de existência delitiva (SALVADOR NETTO, 2006, p. 120).

Por esse viés, Sanchez (2002, p. 33 e ss.) atribui com causa primeira, a insegurança gerada. Além disso, com base em seu pensamento, em linhas gerais, os conceitos de: sociedade e solidarismo não se comunicam, visto que a sociedade se perfaz a partir de um aglomerado de seres humanos. A solidariedade, grosso modo, impõe uma mutualidade entre os indivíduos, para a consecução de suas obrigações.

Em tese, ainda com fundamento em Sanchez, há de fato uma interdependência social, que incorre em um retrocesso às bases da solidariedade, com isso, se percebe a sobreposição do interesse individual, passando a existir uma sociedade, composta por indivíduos independentes, cujo objetivo precípuo, cinge-se na satisfatividade dos seus próprios anseios.

Com isso pretende-se aludir a insegurança é proveniente da falta de interação dos indivíduos, a partir das novas bases de desenvolvimento. A tecnologia propiciou o distanciamento cada vez maior, no âmago das relações humanas, e isso, formalizando um indivíduo interdependente. A correlação entre a insegurança e os riscos “permitidos” guarda ampla relevância, para explicar onde radicam os problemas atuais, considerando seus caracteres, diretamente proporcionais, assim, ao passo que há uma incidência de risco maior, de igual modo será a insegurança.

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2.2 Direito Penal na Sociedade de Risco

2.2.1 Características das novas formas de tutela

A intervenção do Estado na sociedade passou a exercer função primordial. No século XIX se falava em diminuição do poder estatal, com o escopo de garantia dos direitos individuais, neste diapasão, culminou o surgimento dos direitos de primeira geração, visando limitar a atuação do poder publico na liberdade individual (MARRONI, 2011, p. 1 e ss.).

Dentro desta perspectiva (BECK, 2010), no limiar do sec. XX, erigiu-se um contexto de exigência diferente, qual seja, a atuação do Estado de forma enérgica para proporcionar, efetivamente, o bem estar social, consolidando os direitos de 2ª(segunda) dimensão.

Note-se até aqui, a dinâmica nas inovações tecnológicas, o surgimento da globalização, com a disseminação dos meios de comunicação, movimentaram as aspirações da sociedade à luz do curso da história. Por conseguinte, a atuação do Estado, passa a determinar-se conforme sejam as aspirações e a necessidade do momento.

Na modernidade reflexiva, preconizada por Beck (2010), como consequência aos riscos, a necessidade de tutela de novos bens jurídicos, cada vez mais específicos. Por assim dizer, outras formas de controle social passaram a ser falhos, direcionando a solução dos emergentes problemas, à criação legislativa. A sociedade como um todo, passou a migrar-se para um contexto ideológico pernicioso, cujas bases, distanciaram-se dos parâmetros apregoados pelos costumes.

Os ideários de liberdade, fraternidade e igualdade, tão difundidos na Revolução Francesa (1789) (AQUINO, 2002, p. 207) cedeu lugar à intolerância exacerbada, erigindo um novo proceder do Estado, frente à contenção da desordem e consequente aumento da criminalidade, para viabilizar a tutela de direitos individuais e coletivos.

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2.2.2 Precaução e crimes de perigo abstrato

É sabido que o Direito penal constitui-se como uma seara do ordenamento jurídico, afeto à definição das infrações penais, bem como, a respectiva pena a elas cominada, estabelecendo, sobremaneira, princípios limitadores do poder punitivo do Estado (QUEIROZ, 2011, p. 3).

Aduz Rogério Greco que com o direito penal prima-se por tutelar os bens que, “por serem extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do direito” (GRECO, 2011, p. 2).

Ressalte-se com isso, o direito penal é balizado a partir de princípios que limitam o ius puniendi do Estado, cujas bases se solidificam em uma atuação subsidiária, adstrito a uma intervenção mínima e garantista. Partindo desses pressupostos, falar-se em tipificar uma conduta pelo mero receio que se efetive o dano, para prevenir potencial lesividade do bem jurídico tutelado, significa contrapor-se aos princípios supra mencionados, quando se analisa uma conduta, tão somente, por inferência, a partir da presunção de um perigo abstrato.

São crimes de perigo aqueles em que se verifica apenas a probabilidade de dano, uma vez estando previsto em lei, que um determinado comportamento constitui perigo, independentemente do risco à lesão do bem jurídico protegido, já se configura como infração penal (GRECO, 2012, p. 291). Os crimes de perigo podem ser: abstrato ou concreto.

Grosso modo, os crimes de perigo abstrato ou de desobediência se consumam a partir da realização da conduta, parte-se da premissa de que algumas condutas geram risco de perigo de lesão. Por outro lado, constituem perigo concreto, os crimes com efetiva comprovação, in concreto, da situação de perigo (MASSON, 2011, p. 116).

Com a assunção de novos riscos, o Estado passou a utilizar o direito penal, não em ultima ratio como instrui os princípios basilares decorrentes do Direito Penal Clássico, e sim como instrumento principal de intervenção às condutas potencialmente lesivas.

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Na visão de Jesus María da Silva Sanchez, a análise para a intervenção do direito penal, para prevenir tais condutas, radica na iminência do risco, considerando uma pluralidade de pessoas, posto que, uma conduta individualmente considerada, por si, não teria o condão de criar um risco relevante (2002, p. 121). Trata ainda de uma concepção expansionista do direito penal, que se efetiva a partir da participação enérgica do Estado, em searas que até o final do século XIX, lhe eram estranhas e intangíveis.

A sociedade de riscos criou novos nichos de atuação do direito penal, forçando-o a enveredar por outros caminhos, suplantando princípios vetores à sua função primeira, para permitir a adequação daquele, às crescentes mutações, decorrentes das relações humanas.

2.2.3 Problemas de Legitimação

A atuação preventiva do direito penal, tutelando os riscos emergentes na sociedade, vai de encontro aos postulados do garantismo, também contraria o princípio da lesividade (GRECO, 2012, p. 291). Aduz ainda:

[...] de acordo com um ponto de vista garantista, será a de reinterpretar os tipos penais de perigo contidos na Parte Especial do Código Penal, partindo do pressuposto de que deverão ser tratados, na medida do possível, como infrações de perigo concreto, e não de perigo abstrato” (GRECO, 2012, p. 292).

Ainda nesta esteira, os crimes de perigo abstrato, não geram repercussão lesiva ao bem juridicamente tutelado, razão pela qual nem deveria ser considerado para fins de punibilidade de acordo com o direito penal (OLIVEIRA, 2003). Entende ainda, que a falta de desobediência a uma norma de mera conduta, deveria gerar efeito, tão somente, na esfera administrativa.

2.3 Direito Penal do Risco ou Direito Penal Simbólico?

Não muito longe da realidade quotidiana dos indivíduos, é comum vislumbrar pessoas, inflamadas pela mídia, tomadas por sentimento de revolta, interpelando a falta de leis para solucionar problemas específicos, ou a existência de lei, com punição inferior a que seria, por uma visão subjetiva, adequada a determinados casos. Constantemente, os meios de comunicação

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em massa disseminam notícias, que retratam condutas delituosas cada vez mais refinadas.

Não é difícil deduzir, a partir de fatos específicos, os fatores que permitem o aparecimento de novos riscos, basta observar, a título de exemplo, o uso desenfreado dos recursos disponíveis na natureza, conduz à percepção dos danos causados na biosfera, bem como, da iminência de impactos bem mais incisivos, em um futuro próximo. Nem é preciso fazer conjecturas, quando se refere ao índice de criminalidade, aprimorada pela tecnologia, viabilizando a praticidade na consecução da realização da infração, a violação de direitos na internet demonstram claramente essa realidade.

O indivíduo na contemporaneidade tem se revelado, no mais das vezes, inócuo. Movido pelo comodismo, urge ressaltar:

À sensação de insegurança se soma, pois, em nosso modelo social, a existência de um protótipo de vítima que não assume a possibilidade de que o fato que sofreu derive de uma “culpa sua” ou que, simplesmente, corresponda ao azar (SILVA SÁNCHEZ, 2002, p. 47).

Assim é que o direito penal se consolida na sociedade do risco, passando a atuar em áreas que estariam afetas a outras esferas, entretanto, por passar a ser considerado como o principal meio de intervenção social.

A expansão do direito penal preconizada por Sanchez remete à atuação do direito penal, com o escopo de tutelar os interesses individuais, como meio essencial de combate e controle social. Sob a ótica de Sanchez (2002, p. 49) “É como se em nossas sociedades fosse sempre necessário, diante da produção do dano, o valor simbólico-comunicativo da imputação”. O clamor público, ao chamar o direito penal como instrumento repressivo e essencialmente punitivista, visa concomitantemente, solucionar uma aspiração individual com ideal de justiça próprio, como também, ser o próprio modelo de justiça efetiva.

Atualmente, a ânsia de proteção de novos riscos, a partir do aumento da insegurança, tem transmudado a finalidade do direito penal, mostrando-se um caráter simbólico, com função simbólica ou retórica. Com vistas à obtenção de uma aprovação pública, para legitimar seus feitos, isso esta associado à produção deliberada de normas pelo legislativo, objetivando, num primeiro

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momento, tranquilizar a sociedade, criando uma falsa sensação de segurança (QUEIROZ, 2001, p. 54).

Entretanto, conforme bem leciona MENDOZA BUERGO (2001, p. 128), de todas as possíveis funções que o Direito Penal possa pretender desempenhar na sociedade do século XXI, a única que não deve assumir é a função meramente simbólica, pois esta seria irreal ou ineficaz aos problemas de que o jus puniendi possa querer resolver.

Sobre a função simbólica, HASSEMER aponta que ela ocorre quando há a promulgação de leis que possuem uma falsa aparência de efetividade e instrumentalidade, que contém um elemento de engano quanto aos motivos e intenções históricas do legislador. “Simbólica2, num sentido crítico da expressão, é a “função de um Direito Penal “no qual as funções latentes predominam sobre as manifestas” (cf. HASSEMER, 1995, p. 30 e ss.) ou seja, do qual faz se pensar e esperar outros objetivos além dos descritos nas normas.

Considerando tais posicionamentos, é possível aplicar no estudo da expansão da tutela penal a preocupação com a busca de funções manifestas e não meramente latentes, ou seja, é preciso observar que embora haja uma funcionalização destes novos âmbitos do Direito Penal, para atender aos anseios da sociedade de risco, não é possível, em alguns casos, esperar da intervenção punitiva funções para além do que a própria norma prevê, sob pena de se incorrer num simbolismo exacerbado e ilegítimo.

Renato Silveira (2003, p. 69), de certo modo, compartilha com as preocupações funcionais de HASSEMER, não se deixando “seduzir” pela tentadora proposta clamorosa da expansão do direito penal, para abranger interesses não pessoais em nome do ideal de segurança pública. Entretanto, o próprio autor ressalva que isso não quer dizer que os bens jurídicos

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Sobre a diferenciação feita por HASSEMER acerca das funções “manifestas” e funções “latentes”, tem-se, verbis: “(...) se entiende (...) por «funciones manifiestas» llanamente las condiciones objetivas de realización de la norma, las que la propia norma alcanza en su formulación: una regulación del conjunto global de casos singulares que caen en el ámbito de aplicación de la norma, esto es, la protección del bien jurídico previsto en la norma. Las «funciones latentes», a diferencia, son múltiples, se sobreponen parcialmente unas a otras y son descritas ampliamente en la literatura: desde la satisfacción de una «necesidad de actuar» a un apaciguamiento de la población, hasta la demostración de un Estado fuerte”. (HASSEMER, 1995, p. 31)

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individuais não devam ser considerados, mesmo que, de certa forma, tenha que se utilizar dos crimes de perigo abstrato para sua proteção penal. O que tanto Hassemer e os demais partidários da Escola de Frankfurt temem é o direito penal perder sua função legítima, para promover uma atuação meramente simbólica.

Sobre a função meramente “simbólica”, é importante, antes de mais nada, considerar que, naturalmente, o Direito Penal tem força intimidativa e possui uma carga notavelmente simbólica. Entretanto, isso não se confunde com a função simbólica (e ilegítima) do Direito Penal.

Segundo HASSEMER, representam exemplos de direito penal simbólico: leis de declaração de valores morais, tais como o do aborto; leis com caráter de apelação moral, tal como as de direito penal do ambiente que têm como função dotar as pessoas de consciência ecológica; leis que servem apenas em caráter de crise, como as contra o terrorismo, para tranqüilizar o medo e os protestos públicos etc (HASSEMER, 1995, p. 26).

Nessa perspectiva, não é uma posição correta, do Estado, antever a intervenção deliberada e sem precedentes, sob o ideário de cumprimento efetivo da justiça, tão somente, para tranquilizar a comoção da sociedade, com uma atmosfera de segurança fictícia.

Na opinião de Paulo Queiroz acerca da inadequação da lei para solucionar os problemas contemporâneos:

[...] a edição de uma lei de crimes hediondos não dominui os índices de criminalidade; a promulgação de uma lei de tortura não fez com que os nossos policiais se tornassem menos violentos; leis em favor da ordem tributária não impediram que a sonegação fiscal deixasse de existir [...] (QUEIROZ, 2011, p. 19).

A superprodução legiferante, em verdade, perde sua efetividade frente aos caos, que ela mesma estabelece. A mídia tem inflamado movimentos que gritam pela produção de leis mais rígidas, como único meio de solucionar os problemas em curso. Entretanto, não se deve olvidar, oferecer tratamento repressivo, tão somente, cominando penas, ou utilizando o direito penal preventivamente punindo crimes de perigo abstrato, é de longe, um terreno vulnerável.

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Os males formatados pela sociedade pós-moderna, evoluíram, são provenientes da falência de outras formas de controle social, como educação, família, igrejas, saúde etc. Continuar a exigir a atuação desordenada do direito penal em todos os setores, ao invés de denotar segurança, dá pleito ao sentimento de impunidade, considerando que a norma penal comporta função desta magnitude.

O financiamento das revoluções midiáticas, pela classe elitista, não se inclinam a preocupar-se com as consequências negativas, de ordem pragmática, que isso gera no sistema penal. A população, por sua vez, fica inebriada com a repercussão que se dá, entretanto, não percebe a sua falha, que indiretamente, contribuiu para a criminalidade, no estado em que se encontra.

A violência tem se disseminado, de forma incalculável, considerando os altos índices de cifra negra3. Há um descrédito na efetividade das leis, por conseguinte, o medo e insegurança são constantes, gerando um sentimento de anomia, percebido a partir da impunidade e a sede de justiça, que tem envolvido a população. Aduz Paulo Queiroz:

Por isso é que, se se quiser tomar a sério a legislação, urge adotar um corpo mínimo de leis claras, precisas, necessárias e com um mínimo de efetividade social, pois, como há muito disse Montesquieu, as leis desnecessárias enfraquecem e desacreditam as leis necessárias (QUEIROZ, 2011, p. 20).

Além disso, o Estado deveria posicionar-se de forma a restabelecer outros mecanismos de contenção social, para suprir a lacuna gerada com a sua ineficiência. Antes de se falar em falência do sistema penal, é possível afirmar existência de falha eminentemente, social, devendo ser tratada com prioridade, quando se vislumbra a viabilidade de solucionar o problema, com as dimensões que o compreendem.

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Percentual de crimes não solucionados ou punidos, dado a existência de inúmeras infrações

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CONCLUSÃO

Partindo da visionária condição de progresso ilimitado, propugnado desde a transição para a sociedade moderna, percebe-se que ao longo de décadas, o mundo tem passo a passo, desprezado as bases de sua formação. Sempre sob o pretexto de introduzir inovações, sem preocupar-se com os reflexos e conseqüências que a acometeriam.

A sociedade pós-moderna, dando continuidade ás transformações, iniciadas na era das grandes revoluções, deu azo ao surgimento de novos riscos, propalados no cerne das relações sociais. Tudo isso, fez surgir a necessidade de novas formas de tutela, para coibir ou impedir em parte, as formas emergentes de violações aos interesses individuais e coletivos.

O direito penal reveste-se de um novo proceder, para atender as aspirações de uma sociedade caótica, que aclamava por sua atuação em setores, que incumbiam à outras searas. Marcadamente se percebe, a quebra de paradigmas para adaptar-se as novas exigências do panorama social.

Fugindo-se as bases de sua aplicação, que seria chamado em ultima ratio para solucionar conflitos, o direito penal passou a ser utilizado deliberadamente como meio de contenção da criminalidade. Isso representa, a ruptura de conceitos principiológicos fundamentais, que traçam limites para sua atuação, qual sejam: o princípio da intervenção mínima, princípio da lesividade, bem como a proteção de bens jurídicos mais importantes.

Essa tendência estatal a interferir energicamente, utilizando as normas penais, criou a insígnia do direito penal simbólico, por apresentar soluções que, aparentemente, dá uma sensação de satisfação e segurança, aos problemas sociais como um todo.

REFERÊNCIAS

AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. 41. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.

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Referências

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