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Conhecer para pertencer: a relação criança, escola e cidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

CLÁUDIA ELIANE ILGENFRITZ TOSO

CONHECER PARA PERTENCER: A RELAÇÃO CRIANÇA, ESCOLA E CIDADE

Ijuí – RS 2018

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CLÁUDIA ELIANE ILGENFRITZ TOSO

CONHECER PARA PERTENCER: A RELAÇÃO CRIANÇA, ESCOLA E CIDADE

Tese apresentada à Banca de Defesa Final do curso de Doutorado em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí –, como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Educação.

Orientadora: Profª Dra. Helena Copetti Callai

Ijuí – RS 2018

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Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

T714c

Toso, Cláudia Eliane Ilgenfritz.

Conhecer para pertencer: a relação criança, escola e cidade / Cláudia Eliane Ilgenfritz Toso. – Ijuí, 2018.

154 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientadora: Profa Dra. Helena Copetti Callai”.

1. Crianças. 2. Cidade. 3. Sentimento de pertencimento. 4. Anos iniciais. I. Callai, Helena Copetti. II. Título.

CDU: 372.4

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Dedico esta tese à minha filha Ana Clara e às crianças que fazem eu desejar me tornar uma pessoa melhor e lutar por um mundo mais justo e igualitário.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão é um sentimento que tem me acompanhado nos últimos anos e, de forma consciente, compreendo que sem o Outro eu nada conseguiria ou seria, por isso acredito que não posso deixar de agradecer pessoas que foram muito importantes no processo de construção desta tese e dos desafios enfrentados durante o percurso.

Agradeço então:

À professora doutora Helena Copetti Callai, por ter me acolhido, apostado e acreditado em mim até mesmo quando eu não acreditava; por permitir voar e compreender minhas raízes, mostrando que a ciência e a vida podem estar articuladas, que a luta por uma educação de qualidade é um compromisso dos que escolheram ser educadores. Desde a Graduação é um exemplo, profissional e pessoal, a ser seguido. Gratidão e orgulho de tê-la como orientadora!

À professora doutora Beatrice Borghi, que me orientou durante o período de estágio-sanduíche junto a Università di Bologna, na Itália; por me receber e tratar como colega, com muito respeito. Sou grata pela amizade que construímos e as vivências que seu amparo e incentivo me possibilitaram, juntamente com o professor Rolando Dondarini e os Amici della Festa Internazionale della Storia.

Aos professores doutores José Pedro Boufleuer e Walter Frantz da Unijuí, professora doutora Elisabete Andrade da URI – Frederico Westphalen –, professora doutora Rosane Márcia Neumann da UPF – Passo Fundo – e professora doutora Vânia Maria Oliveira de Freitas da Unicruz, pelas significativas contribuições na Banca de Qualificação.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Ensino e Metodologia em Geografia e Ciências Sociais, parceiros nas discussões e na construção de conhecimentos nos últimos quatro anos. Vocês estão nas reflexões desta pesquisa. Em especial à Alana Rigo Deon, Carina Copatti, Maristela Maria de Moraes, Alisson Beerbaum, Márcia Ziech e Cristhian Moreira Brum. Ao Martin Kuhn, amigo há muitos anos, maior incentivador para que me lançasse nas pesquisas do Doutorado.

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À minha mãe, Gessi, e meu pai, Darci Ilgenfritz (in memoriam), por, desde sempre, me incentivarem a estudar e acreditar que eu poderia ser o que desejasse. Aos meus irmãos Marcos e Flavia, meu sobrinho Miguel, que estão sempre ao meu lado. Sei que se realizam com minhas conquistas pessoais e profissionais.

À minha filha, Ana Clara, por me fazer conhecer o maior amor que existe, por ser minha parceira nos desafios da vida e nas aventuras pelo mundo e, principalmente, por me amar incondicionalmente. Ao Gustavo, filho do coração, que me fez desejar viver a maternidade em sua plenitude.

Ao meu marido, Jorge Moacir Toso, meu companheiro na vida e incentivador dos meus sonhos.

Às minhas amigas Sandra Coppini Rosa, Carmem Ribeiro, Gilvane Zilli, Maria Aparecida Lucca, Clarinês Hammes, Débora Fossati e Mara Reimann, irmãs de coração na vida pessoal e parceiras na vida acadêmica. À Inelve Balbinot, que foi muito mais que uma professora de italiano e tradutora, tornando-se uma grande amiga.

Aos alunos dos 3ºs anos do Ensino Fundamental da Escola Municipal

Professora Maria Inês Vieira Machado, de Ribeirão Preto, SP, e do Colégio Cenecista Sepé Tiarajú de Santo Ângelo, RS, participantes da pesquisa e autores das cartas e desenhos que compõem parte do campo empírico desta pesquisa. Aos professores Ângela Rafaela Tonetto Heidel, Marianna Taborda Roos Secchi, Fábio Augusto da Silva Lima e Cyntia Versoça Regazzini Goto, que desenvolveram os trabalhos com as crianças. À professora doutora Andrea Lastória, que contribuiu indicando professores e auxiliando nos encaminhamentos. Sou muito grata a todos!

Aos professores entrevistados no Brasil: Ângela, Marianna, Márcia, Fábio e Cyntia; e aos da Itália: Concita, Roberta, Maura, Gianluca e Vittorina, que se dispuseram a falar e refletir sobre suas práticas docentes.

Aos colegas do Doutorado, parceiros nessa caminhada, especialmente ao Aldemir Berwig e os companheiros de viagem e discussões Óberson Dresch, Mario Puhl, Milton Gerhardt e à Adriana Toso Kemp, com quem compartilho, além do sobrenome, a amizade.

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Aos médicos do Núcleo Mama do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre e do Cacon de Ijuí, por me ampararem na luta contra o câncer no último ano. Sou mais forte, depois disso!

À Unijuí, aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, às funcionárias Carmen, Lígia e Thaís. Ao professor Jaeme Callai que, desde a graduação, foi provocador e me instigava a buscar sempre novos conhecimentos.

À Capes, pela Bolsa de Pesquisa que possibilitou esta investigação e o estágio de Doutorado-sanduíche no exterior.

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Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: Raiva e tenacidade. Ciência e indignação. A iniciativa rápida, a reflexão longa, A paciência fria e a infinita perseverança, A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto, Apenas lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade (Bertolt Brecht)

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RESUMO

Ao preservamos a memória de um povo temos a possibilidade de contribuir com a construção de identidades e de sentimentos de pertencimento. A escola, enquanto instituição, é espaço e tempo que tem como função transmitir a tradição e, ao fazer isso, apresenta conhecimentos construídos historicamente, evitando que tenhamos de viver um eterno retorno ao ponto inicial. O trabalho realizado na escola, com crianças pequenas, tem sido objeto de investigação dos pesquisadores, principalmente os da infância, mas a temática sobre a criança e a construção do sentimento de pertencimento tem sido pouco explorada. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a abordagem sobre a cidade faz parte do campo das ciências sociais ou dos estudos sociais. Considerando essas questões, esta tese foi construída. Tenho como objetivo investigar sobre como a construção do sentimento de pertencimento é pensado pela escola e pelos professores e, consequentemente, como o conhecimento sobre a cidade contribui com essa construção. Proponho como problematizações da pesquisa: Que relação podemos estabelecer entre a apropriação pelas crianças do conhecimento sobre a cidade e a construção do sentimento de pertencimento? Qual a relação entre o reconhecimento do direito à cidade pela criança e sua condição de sujeito? Ou, ainda, a forma como a escola possibilita o acesso ao conhecimento sobre a cidade contribui para essa construção? O campo teórico e metodológico da pesquisa se orienta na perspectiva da teoria crítica e da hermenêutica. Adoto, como princípio, a articulação entre o campo teórico e o empírico. Sustentam a escrita, além da pesquisa e análise bibliográfica, cartas escritas por alunos do 3º ano de uma escola comunitária de Santo Ângelo-RS e de uma escola pública de Ribeirão Preto-SP, e entrevistas com professores brasileiros e italianos que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Desse modo, defendo a tese de que o conhecimento escolar é possibilidade para construir o sentimento de pertencimento, uma vez que a escola é o espaço e tempo em que as crianças têm acesso a esses conhecimentos dos quais precisa se apropriar. Para se sentir pertencente é imprescindível que se conheça o lugar onde se vive em suas diferentes dimensões: sociais, culturais e territoriais, pois quem não possui conhecimentos está sujeito a aceitar o que lhe é imposto, portanto não estabelece um vínculo com o lugar a que pertence, ainda que tenha nascido ou viva nele. A construção do sentimento de pertencimento tem relação com o conhecimento, mas conhecer não é suficiente, embora seja imprescindível, pois há a necessidade de estabelecer um vínculo com o lugar onde se vive. Assim, o sujeito pode se posicionar diante do mundo onde vive e participar de forma ativa como cidadão.

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ABSTRACT

Preserving the memory of a social group contributes to the construction of identity and sense of belonging. The school as institution is a space that aims for the transmission of the tradition, process in which the historically built knowledge is passed on to avoid the ground zero of each generation’s development. Even tough the work performed with small children in the school has been object of study of many researchers, the construction of the sense of belonging in the children has been studied by few. The study of the city in the early years of elementar school is part of the Social Sciences or Social Studies. This thesis was made upon such considerations. The goal is to investigate how the construction of the sense of belonging is idealized by teachers and the school as institution and the consequently important study of the city in this process. The problem proposed for the research is “What relation can be verified between the appropriation of knowledge about the city by children and their construction of sense of belonging? What relation can be verified between the recognition of the right to the city by the children and their condition as social subjects? And does the scholar presentation of access to knowledge about the city contribute to the reffered construction?”. The theoretical and methodological field is leaded by the perspective of critical theory and hermeneutics. As principle, I accept the articulation between theoretical and empirical fields. This writing is supported by bibliographic research, letters written by 3th grade students from a communitary school in Santo Angelo-RS and from a public school in Ribeirão Preto-SP and interviews with brazilian and italian teachers. Accordingly I deffend the idea that scholar knowledge is path to the construction of sense of belonging once that the school is the time and place for children to hace access to knowledge. The sense of belonging is indispensable to get to know the place where one lives in all of its dimensions - social, cultural, territorial – because the one who does not appropriate knowledge is doomed to accept whatever is imposed and to lack a link with the place one lives. The construction of the sense of belonging is connected to knowledge. However, to know is not enough, even tough necessary, it needs the stablishment of a link to the place one lives so that the subject may be sure of one’s position as a citizen in the society. Keywords: Child. City. Sense of belonging. Early years.

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LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 – Localização do município de Santo Ângelo no Estado do Rio Grande

do Sul ... 27

Figura 2 – Localização do município de Ribeirão Preto no Estado de São Paulo ... 28

Figura 3 – Crianças brincando sem conhecer o idioma do outro ... 68

Figura 4 – Crianças no Giardino del Guasto ... 68

Figura 5 – Catedral Angelopolitana ... 86

Figura 6 – Praça Pinheiro Machado ... 86

Figura 7 – Imagens das Janelas Arqueológicas com vestígios das fundações da Igreja da Redução de Santo Ângelo Custódio, fundada em 1706 ... 87

Figura 8 – Magnólia Centenária ... 94

Figura 9 – Estação Férrea ... 123

Figura 10 – Catedral Angelopolitana e Praça Pinheiro Machado ... 124

Quadro 1 – Nominata dos Professores ... 32

Quadro 2 – Identificador dos Professores Brasileiros Entrevistados ... 102

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SUMÁRIO

1 A CRIANÇA E A CIDADE: PERCURSO INVESTIGATIVO ... 18

1.1 A CIÊNCIA MODERNA, A HERMENÊUTICA E O PERCURSO DA PESQUISA 18 1.2 ENSINO DA HISTÓRIA E DA GEOGRAFIA OU DOS ESTUDOS SOCIAIS... 33

1.3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE ... 42

1.4 GLOBAL, LOCAL E O SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO ... 48

1.5 A CRIANÇA E O IMAGINÁRIO SOBRE LUGAR, IDENTIDADE, PATRIMÔNIO: Espaço, Tempo e Grupo ... 53

2 UMA CIDADE PARA A CRIANÇA? ... 62

2.1 A CRIANÇA E A CIDADE: a Cidade Pertence a Quem? ... 62

2.2 O OLHAR DOS PROFESSORES E DAS CRIANÇAS SOBRE A CIDADE: Uma Cidade Para a Criança? ... 79

3 PERTENCER A QUÊ? ... 96

3.1 OS SUJEITOS DA PESQUISA... 96

3.2 MEMÓRIA, IDENTIDADE, PATRIMÔNIO E PERTENCIMENTO ... 104

Memória e Identidade ... 104

Lugar e Pertencimento ... 112

Patrimônio ... 117

3.3 PROFESSORES E ALUNOS PROTAGONISTAS NA CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO ... 125

CONCLUSÃO ... 136

REFERÊNCIAS ... 143

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APRESENTAÇÃO

Com o intuito de investigar sobre como a construção do sentimento de pertencimento pode ser pensada pela escola e pelos professores e, consequentemente, como o conhecimento sobre a cidade contribui com esta construção, é que esta tese foi desenvolvida. A tese é resultado da pesquisa realizada no curso de Pós-Graduação Educação nas Ciências – doutorado – da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí/RS. Parto da premissa de que a escola é o lugar do conhecimento. Este é o espaço e tempo para construção e apropriação do conhecimento produzido pela humanidade e que pode ser transmitido às novas gerações. Deste ponto, sigo a tese de que o conhecimento escolar, trabalhado de forma intencional, é uma possibilidade para construir o sentimento de pertencimento. É a escola o espaço e o tempo em que as crianças têm acesso a esses conhecimentos, dos quais precisa se apropriar. Para se sentir pertencente é imprescindível que se conheça o lugar em que se vive, considerando as dimensões sociais, territoriais e culturais que os constituem. O sujeito que não possui conhecimentos está sujeito a aceitar o que o senso comum produz e reproduz e, portanto, não estabelece um vínculo com o lugar a que pertence, e, além de ter nascido ou viver nele, não o conhece efetivamente, tampouco participa dele. A construção do sentimento de pertencimento tem relação com o conhecimento sobre o lugar em que se vive, pois, ao conhecer o lugar, o sujeito precisa se posicionar diante do mundo em que vive e participar de forma ativa como cidadão.

Para tanto, o rompimento com um ensino sobre o lugar, numa perspectiva do simples para o complexo, ou do local para o global como premissa básica nesse processo de construção, é imprescindível. O mundo é complexo, as relações são complexas e as crianças não operam fora dessa lógica. É fundamental que sejam feitas apostas nesses sujeitos, sem subestimar suas capacidades. Eles possuem condições cognitivas para pensar esse mundo, e as relações que vivenciam podem auxiliar no caminho para a compreensão do mundo e da vida. Proponho o rompimento da lógica dos círculos concêntricos, operando com conceitos da geografia e da história nos anos iniciais, como os de espaço, tempo e grupo, centrando nas aprendizagens dos alunos e não mais na lógica cronológica e factual somente.

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Assim, a proposta desta tese tem como objetivo compreender o conhecimento escolar como via para a construção da Identidade e pertencimento. Para dar conta do objetivo e da construção da tese, proponho os seguintes questionamentos: Que relação podemos estabelecer entre a apropriação pelas crianças do conhecimento sobre a cidade e a construção do sentimento de pertencimento? Qual a relação entre o reconhecimento do direito à cidade pela criança e sua condição de sujeito? Ou, ainda, a forma como a escola possibilita o acesso ao conhecimento sobre a cidade contribui para essa construção? É possível, a partir disso, romper com o ensino baseado na lógica dos círculos concêntricos? Essas são as problematizações que orientaram a pesquisa e a composição da referida tese.

Como metodologia para o desenvolvimento desta pesquisa, optei pela perspectiva crítica-hermenêutica, o que vai delinear as opções teóricas e metodológicas – ou seja, a forma como serão lidas, traduzidas e compreendidas as categorias que vão compor o conjunto do seu quadro. Para tanto, é objetivo construir um caminho crítico interpretativo, assumindo, assim, todas as consequências que possam decorrer das traduções1 que serão realizadas. Nas reflexões e análises que

realizei utilizei como aportes teóricos Milton Santos (1988, 2000), Helena Copetti Callai (1988, 1996, 2000, 2002, 2005, 2008, 2011, 2013), Lana de Souza Cavalcanti (1998, 2001), Sonia Castellar (2009), Michael Young (2011), Rafael Straforini (2004), David Harvey (1992, 2002, 2005), Beatrice Borghi (2008, 2015) e Rolando Dondarini (2008) em especial. Optei pelas citações no idioma original com as traduções para a Língua Portuguesa em nota de rodapé.

Para além dos aportes teóricos e da pesquisa bibliográfica, também compõem o corpo de análise e construção desta tese documentos, como as Diretrizes Curriculares Nacionais e Parâmetros Curriculares Nacionais do Brasil e as Orientações Ministeriais da Itália. O texto busca a interlocução entre o campo teórico e empírico na tentativa de construir uma teia articulada entre ambos. Acredito na relação entre a empiria e a teoria porque penso que, numa perspectiva interpretativa

1 Para Mario Osorio Marques, “Não se pode ocupar a docência com a mera transmissão de

conhecimentos. Ensinar não é repetir; é reconstruir as aprendizagens. Trata-se de realizar a tradução dos conceitos reconhecidos no estado atual das ciências para o nível das práticas sociais contextualizadas e conjunturais e traduzir aqui significa realizar uma inversão do plano da idealidade do conhecimento abstrato para o terreno em que firmam os pés as práticas cotidianas e concretas dos sujeitos/atores em presença” (2000a, p. 117-118).

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e crítica, não é possível fragmentar a investigação. São realizadas, portanto, entrevistas com professores italianos e brasileiros que atuam em turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. São cinco professores do Brasil e cinco da Itália, indicados por docentes da universidade como professores com alta qualificação. Estes professores foram indicados por docentes formadores nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação como sendo profissionais comprometidos com o trabalho docente reflexivo, que estão implicados com o processo de formação continuada tanto os ofertados pela universidade quanto pelas redes públicas e privadas de educação. Entrevistar os professores italianos era um dos objetivos previstos no cronograma de atividades a serem realizadas durante o Estágio de Doutoramento na Università di Bologna, na Itália, pelo Programa Institucional de Doutorado Sanduíche no Exterior – PDSE/Capes. Tal experiência possibilitou compreender o processo de formação de professores que atuam na Escola Primária Italiana (Anos Iniciais no Brasil) e como se ensina a história local nela. O objetivo foi conhecer para aprofundar reflexões sobre a temática, como possibilidade de estabelecer um diálogo entre as concepções italiana e brasileira. Não se trata de um estudo comparativo, mas investigativo, na busca de conhecer o contexto da Itália, as pesquisas realizadas e os conhecimentos produzidos. Essas ações deram-se com o propósito de criar condições para ampliar a reflexão da realidade brasileira e buscar convergências entre ambas.

As entrevistas foram realizadas em datas e locais de preferência dos entrevistados, durante o segundo semestre de 2015, gravadas com suas autorizações e, posteriormente, transcritas. Além delas também desenvolvemos, junto a professores dos anos iniciais, roteiro de estudo2 tomando como referência o conteúdo “cidade”, e fizemos

registros, com o intuito de analisar como as crianças se apropriam dos conceitos da área dos Estudos Sociais e os empregam nos mais diversos contextos. As situações propostas foram desenvolvidas durante o segundo semestre de 2016 com alunos de duas turmas de uma escola comunitária de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e duas municipais do município de Ribeirão Preto, em São Paulo. Todos os alunos frequentavam o 3º ano do Ensino Fundamental. Foram desenvolvidas diferentes atividades de acordo com o planejamento dos professores das turmas, sistematizando, ao final, com cartas que foram trocadas entre as turmas participantes.

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A partir das cartas escritas pelas crianças e as entrevistas realizadas com os professores italianos e brasileiros, optei pela análise interpretativa. Os elementos considerados nessa análise serão descritos no capítulo 3 desta tese. Busquei encontrar pistas ou indícios nas cartas escritas pelos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental de duas escolas, uma situada em Santo Ângelo, fronteira oeste do Estado do Rio Grande do Sul, e a outra em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, e também nas entrevistas com professores brasileiros e italianos sobre o ensino da história local nos anos iniciais. A intenção foi buscar indícios para realizar a interpretação dos dados produzidos durante a pesquisa, articulando com o campo teórico que sustenta a investigação e a perspectiva crítica-hermenêutica.

Os dados produzidos a partir das entrevistas com os professores e as cartas escritas pelas crianças, foram analisados sob o olhar da pesquisa bibliográfica e documental. Para tanto, a sistematização dessas reflexões foi pautada nas categorias da hermenêutica, como a da observação, interpretação/compreensão, linguagem, temporalidade/historicidade e diálogo. Disso resultam 3 capítulos. No primeiro capítulo apresento o percurso investigativo percorrido na construção da tese, o estado da arte sobre a temática, como ocorre o ensino dos estudos sociais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e os elementos conceituais que a sustentam no que se refere à identidade e à construção do sentimento de pertencimento.

No segundo capítulo o objetivo é apresentar a relação entre a criança e a cidade, com exemplos de cidades que são pensadas para elas, além de analisar o olhar das crianças pequenas, que vivenciam realidades distintas sobre a cidade, por onde e como circulam, e as relações ou laços que estabelecem. No terceiro e último capítulo analiso os dados empíricos produzidos durante a pesquisa, considerando os sujeitos envolvidos, os professores e as crianças, articulando com a questão da identidade e a construção do sentimento de pertencimento. Pretendo, portanto, reafirmar a tese de que somente se pode pertencer ao que se conhece, e por intermédio da pesquisa é possível identificar elementos que nos confirmam isso.

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1 A CRIANÇA E A CIDADE: PERCURSO INVESTIGATIVO

Uma pesquisa é um processo e não somente resultados, por isso é fundamental que se apresente o caminho percorrido, tanto na perspectiva teórica quanto metodológica. Este é o objetivo deste capítulo – discutir teoricamente como a ciência se organiza e como esta pesquisa foi construída –, pois, para que possamos refletir sobre como a criança constrói o sentimento de pertencimento, elaborei um percurso para que a referida tese se sustente. O texto deste capítulo está organizado em quatro momentos. No primeiro, apresento o percurso investigativo e o processo de construção do campo empírico da tese; no segundo, o estado da arte dos Estudos sociais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental; o terceiro é sobre o conceito de identidade e o sentimento de pertencimento; e, na sequência, exponho sobre a criança e o imaginário, o lugar, a identidade e o patrimônio, bem como sobre os conceitos de espaço, tempo e grupo.

1.1 A CIÊNCIA MODERNA, A HERMENÊUTICA E O PERCURSO DA PESQUISA A relação entre o sistema capitalista e a ciência é intrínseca. Com o capitalismo a ciência é posta em destaque, “mostrando que a vida moderna só pode ser entendida pela ótica dos métodos científicos” (MEKSENAS, 2005, p. 30). A ciência é fundamental para o desenvolvimento do novo sistema, e, para que sua consolidação ocorra, as instituições têm grande importância. A escola é uma dessas instituições, pois, mediante a educação, poderia contribuir com a preparação das pessoas para a vida em sociedade, a qual estava em plena transformação. Para o autor (p. 30-31), “a escola que conhecemos hoje é, portanto, produto dos séculos XVIII e XIX, período em que aparece a ideia da necessidade de educação pública e obrigatória para todas as pessoas”. De certa forma, esta instituição tem papel importante no processo de adaptação dos indivíduos para viver em sociedade, principalmente para seguir a ordem estabelecida pelo sistema.

É nesse contexto que a ciência aparece como um elemento que pode auxiliar na leitura desse mundo. É em virtude de todas as transformações que compreendemos que a ciência moderna previa um olhar fragmentado sobre a

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realidade, o que poderia facilitar seu entendimento, com as especialidades, com rigor metodológico e com objetivos científicos claros (BERTICELLI, 2006). Ainda, segundo Berticelli (2006),

A disciplinarização estrema do conhecimento só foi possível mediante uma correspondente objetificação extrema em que o método se tornou caminho sempre mais apertado e multidirecional. Para tanto, foi necessária a simplificação da realidade em unidades objetivas sempre mais controláveis por leis e por métodos que lhe correspondessem. Foi necessário excluir sempre mais o sujeito observador, com sua complexa gama de emoções e sentimentos (2006, p. 18).

Sob essa influência teórica, vamos tentando nos despir de nossas concepções em busca de especialização cada vez maior. É a tentativa de apreender cada vez mais sobre o objeto investigado. E a ciência, mesmo dentro da lógica da Modernidade, traz importantes contribuições, pois substitui o que até então era explicado, principalmente, pelo sobrenatural. O excesso de especialização ou de disciplinarização estrema do conhecimento nos impõe obstáculos, pois limita o olhar do pesquisador e pode tornar o conhecimento do objeto simplificado. Já as relações interdisciplinares complexificam esses conhecimentos.

Para Libâneo (2005, p. 22), a “acumulação de conhecimentos científicos e técnicos produzidos pela modernidade” é problemática, à medida que, com o processo de disciplinarização e especialização, torna os “campos disciplinares isolados, fragmentados, ignorando o conjunto de que faz parte e a perda de significação. Com isso, a própria sociedade reproduz essa fragmentação, dissociando a cultura, a economia, a política, o sistema de valores, a personalidade”. O problema não se encontra na acumulação de conhecimentos; ao contrário, pois são eles que tornam possível que as transformações ocorram. A questão é a fragmentação, que pode simplificar ou mesmo tornar vazios de sentido os campos disciplinares.

A ciência moderna apresenta, como uma das suas principais características, a objetividade e até mesmo a neutralidade, o que é possível de ser visualizado em muitos discursos que permeiam as práticas investigativas, inclusive no século XX. São heranças do método cartesiano. Conforme Berticelli (2006, p. 18), “...Quanto maior a ausência do sujeito pesquisador, tanto mais objetiva a investigação. Quanto mais objetividade, tanto mais confiável o conhecimento. Quanto mais ausência do sujeito, tanto mais presença do objeto. Esta é a lógica do método modernode investigação e de produção do conhecimento”. O problema não está no rigor científico e nem mesmo

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na objetividade, mas na negação das influências dos sujeitos de suas histórias. Assim, a ciência moderna produz a ideia de que é possível existir uma ciência neutra, na qual os pesquisadores se despem de suas concepções e apresentam a capacidade de produzir um conhecimento neutro, acima de questionamentos. O rigor científico é impreterível quando se faz referência à ciência, a método e à pesquisa. Questiona-se o discurso da verdade única e da neutralidade, características centrais na ciência moderna.

Berticelli (2006, p. 20) escreve sobre o quanto a questão relativa às objetivações progrediram nos “últimos trezentos anos, sempre mais preocupadas com a especialidade”, enquanto “a educação (com suas várias ciências) se viu em situação sempre incômoda. Seu objeto de conhecimento, o homem/a mulher, foi colocado na periferia das preocupações científicas, se compararmos o avanço das ciências humanas com o das ciências da natureza e das matemáticas”. A preocupação central sempre esteve relacionada às questões do capital, ao mesmo tempo em que as relativas ao humano seguiam e, muitas vezes, seguem sendo desconsideradas. Sobre o desenvolvimento integral do homem, Berticelli (2006, p. 21) assegura que somente uma educação integral do sujeito é viável, desde que possa dar conta da totalidade e não de realidades fragmentadas.

A educação e a ciência, entretanto, seguem a serviço de alguns grupos e do capital. É fundamental que a educação tenha como objetivo central a formação integral do ser humano para que este possa se tornar cidadão no sentido pleno da palavra. Segundo Berticelli (2006, p. 20-21),

... educar o homem/a mulher se tornou uma tarefa que, ainda hoje, é descurada e extremamente difícil, pois na fragmentação do conhecimento coube pequeno cuidado com esta parte essencial do empenho científico. O que é investimento educacional é quase sempre entendido como ‘gasto’, como ‘custo’ e, não poucas vezes, como desperdício.

Atualmente, ao fazermos referência à educação ainda é possível visualizar o quanto alguns setores da sociedade a compreendem como gasto e não investimento nas futuras gerações. A escola moderna3 surge atendendo uma demanda do sistema

3 Baseado em Abbagnano (2012, p. 791-2), “A modernidade, costuma ser associado a alguns termos-chave

como razão, ciência, técnica, progresso, emancipação, sujeito, historicismo, metafísica, niilismo, secularização...”. Considero, nesta tese, principalmente as perspectivas da Escola de Frankfurt, “que vê no Moderno a manifestação extrema da dialética suicida que caracteriza a civilização ‘burguesa’”, e, ainda, a perspectiva defendida por Habermas, que compreende como movimento identificado com a “tradição iluminista ocidental e com a sua luta a favor da emancipação humana”.

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capitalista, que necessita de mão de obra minimamente qualificada e que se adapte ao novo contexto. A escola, no entanto, sofre influência das transformações culturais, sociais e políticas no seu processo de configuração desde a Modernidade. O que se vive na educação hoje não é diferente daquilo que se oferecia na escola moderna, pois ela continua sendo encarada como gasto; muitas vezes até se compreende como um gasto necessário, mas não se pensa como investimento que pode reverter como possibilidade de transformação da vida das pessoas e da sociedade. Investir em educação é investir no sujeito e na possibilidade de contribuir com a formação de cidadãos. Claro, a educação dos homens e mulheres, vista como “tarefa se torna possível, ainda que extremamente complexa e desafiadora, na medida em que se reconciliarem a ciência e o espírito humano: o homem e o mundo” (BERTICELLI, 2006, p. 25). É nisso que tentamos apostar.

Com relação à escola, Miguel Arroyo lembra que ela “é uma instituição, são práticas, valores, condutas, modos de relacionamento e convívio, são rituais, hábitos e símbolos institucionalizados” (2012, p. 206). Para o autor, a escola é um espaço-tempo que possui uma cultura própria, ou o que ele denomina de cultura escolar, pois é nela que se materializam todos esses elementos que constituem a instituição. De certa forma, nela refletem elementos que compõem a sociedade. A cultura escolar é construída a partir das relações vivenciadas e estabelecidas entre os sujeitos e a vida em sociedade. A ideia de que na escola se vivencia e se constrói uma cultura e que os sujeitos se constituem a partir dela, é discutida por Arroyo (2012). Segundo ele, tanto mestres quanto alunos “viverão por horas e anos imersos na cultura escolar instituída. Terminarão conformando formas de pensar, hábitos, valores e condutas. Poderão ou não sair conformados ou formados até nas alternativas de reação a essa cultura e organização” (2012, p. 206). As influências da cultura escolar na forma como nos portamos perante as questões do mundo são inúmeras, mesmo que não nos demos conta disso. O tempo que passamos nessa instituição contribui com o nosso processo de constituição; a questão é se enxergamos isso ou não, se tomamos consciência dessa influência. As marcas desse espaço e tempo nos constituem, mesmo que não reflitamos sobre elas.

Bauman (2010) destaca que o mundo fora da escola sofreu alterações imensas, e a escola e a preparação dos indivíduos, feitas por ela, não acompanharam esse processo. É possível seguirmos ignorando essas transformações? O mundo, a

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sociedade, nossos alunos e nós mesmos somos outros. A pluralidade e a diversidade que compõem essa sociedade não podem ser ignoradas pela escola. O autor escreve ainda que, “num mundo como este, o conhecimento é destinado a perseguir eternamente objetos sempre fugidios que, como se não bastasse, começam a se dissolver no momento em que são apreendidos” (p. 45). A fluidez em todas as suas formas, mesmo que a escola procure se manter sólida, tem características da lógica positivista do século XIX. Não defendo aqui que a escola precise adotar modismos, mas é necessário que ela acompanhe a sociedade em transformação, mantendo sua função, que é a transmissão da tradição.

Há pouco tempo, e em muitos lugares, a escola ainda mantinha sua estrutura e sua organização tal qual a escola do século XIX e isso não parecia ser um problema, uma vez que não se pensava a sociedade e as relações como líquidas e efêmeras. O sujeito aprenderia um conhecimento que se pensava verdadeiro, e isso seria suficiente para que se inserisse e se mantivesse no mundo do trabalho. Estudava-se, e o que se aprendia valeria como verdade para a vida toda, como algo imutável. É comum, ainda na contemporaneidade, discursos em torno de uma educação para toda a vida. Na visão de Bauman (2010, p. 42), “... a ideia de que a educação pode consistir em um ‘produto’ feito para ser apropriado e conservado é desconcertante, e sem dúvida não depõe a favor da educação institucionalizada...”

Como podemos, então, insistir em manter uma escola que se organiza e opera ainda com fortes traços da Modernidade? Ao levantar esse questionamento, não proponho que a tradição deva ser desconsiderada; ao contrário. A escola é o espaço e tempo em que transmitimos a tradição às novas gerações. Ela é responsável pela conservação. Não é possível iniciar sempre tudo novamente, do zero, desconsiderando o que se produziu pela humanidade historicamente. A questão é: Como realizamos esse trabalho? Que escola e educação queremos? É possível ensinar verdades inquestionáveis ou trabalhar na perspectiva de que existiria uma enciclopédia na qual todo o conhecimento estaria registrado? Pensar na formação inicial e continuada de professores, refletir e estudar sobre os conhecimentos produzidos pela ciência e como ensiná-los às crianças, e promover uma educação problematizadora, com o intuito de formar cidadãos críticos, acredito sejam algumas possibilidades.

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Essa escola que se quer seria uma escola para quem? É possível pensar numa escola para todos e de qualidade? Os sociólogos franceses, como Establet e Baudelot, apresentavam, já na década de 70 do século XX, uma proposta de análise crítica da educação e da escola no sistema capitalista. A escola era entendida por eles como um espaço e tempo de segregação entre as pessoas. Apesar dos avanços significativos no campo educativo, ainda percebemos heranças dessa escola que hierarquiza e segrega, principalmente no contexto brasileiro atual, quando se propõe alterações em alguns níveis da escolaridade, por exemplo alterando o Ensino Médio, proposta que se apresenta como um retrocesso, pois alunos das camadas populares serão incentivados a participar da formação em cursos técnicos, pensando em se preparar rapidamente para o mercado de trabalho. O acesso a uma escola de qualidade fica restrito a determinados grupos. Essa perspectiva pode ser compreendida como da escola dual – uma para as camadas populares e outra para as camadas “dirigentes” –; a questão econômica se apresenta, assim, como definidora de a qual escola o sujeito pertencerá. Libâneo (2010, p. 47) defende que a universalização da educação, que atenda a todos os grupos sociais, inclusive os marginalizados,

implica a adoção de políticas sociais eficazes quanto à postulação da educação básica para todos, por uma cultura “comum” como lastro para inserção em várias instâncias da vida social. Isso significa na prática a exigência de proporcionar a todas as crianças e jovens meios cognitivos e operacionais de desenvolvimento e de aprendizagem.

O que Libâneo propõe também é proposto por movimentos que acontecem dentro e fora da escola e, de certa forma, atingem o processo educativo a favor de uma escola de qualidade, que supere uma educação que segrega. Existem sujeitos, dentre eles professores, alunos e pesquisadores da área da educação, que atuam como protagonistas e não como meros atores que se submetem ao que está posto, a representar seu papel sem questionar. Conforme Bauman (2010, p. 167), “precisamos da Educação ao longo da vida para termos escolhas. Mas precisamos dela ainda mais para preservar as condições que tornam essa escolha possível e a colocam a nosso alcance”; e é nisso que muitos profissionais acreditam e investem. Há possiblidade de termos uma educação de qualidade para todos para que possam realizar suas escolhas; e, para que isso ocorra, é fundamental refletirmos sobre o lugar da ciência nesse processo, pois ela precisa estar a serviço da vida e não a vida a serviço da ciência. A produção dos conhecimentos deve beneficiar o máximo de pessoas e não submeter a maioria à vontade de um pequeno grupo.

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Por acreditar na ciência como possibilidade de impulsionar, principalmente, a formação humana, é que optei pela hermenêutica como perspectiva que sustenta a análise e a escrita desta tese. O caminho da investigação exige do pesquisador um posicionamento teórico e, nesta pesquisa, sustenta-se a partir da leitura, interpretação e confronto entre autores numa abordagem crítica e hermenêutica. Como assevera Marques (1990, p. 93), “em contraposição ao objetivismo científico e à imparcialidade metodológica baseada na oposição homem e mundo, sujeito e objeto, a hermenêutica considera o homem como ser-no-mundo”. Parto do pressuposto de que “o método não é uma explicação exterior, o método não é simplesmente um instrumento, não é apenas procedimento, [...] de tipo técnico. Não é apenas um caminho mecânico que permitiria ser trilhado através do uso de algumas regras” (STEIN, 1996, p. 96-97).

O método extrapola o que se entende por técnica, pois somente é possível interpretar quando há repertório teórico para tanto. Conforme Hermann (2002, p. 24), “Ao inserir-se no mundo da linguagem, a hermenêutica renuncia a pretensão de verdade absoluta e reconhece que pertencemos às coisas ditas, aos discursos, abrindo uma infinidade de interpretações possíveis”. No caso dos Estudos Sociais é possível visualizar a questão da verdade absoluta, pois, durante parte dos séculos XIX e XX o ensino deste campo do conhecimento esteve voltado à reprodução de uma verdade única, sustentada pelo discurso da objetividade e da neutralidade. Já Ferro (1989, p. 123-124) escreve que

Conhecer e compreender o passado, seus vínculos com o presente, consiste primeiramente em conhecer e confrontar as narrativas que a memória histórica conservou e compôs, mas sem identificar uma dessas narrativas como a única que secreta a verdade histórica...

Quando optamos por esta abordagem de análise refutamos o que ainda está presente em muitas escolas, principalmente no que se refere ao ensino dos estudos sociais nos anos iniciais, pois é imprescindível que o aluno tenha contato com diferentes narrativas sobre como aquele espaço e tempo foram produzidos, rompendo com a falsa ideia de uma verdade absoluta. Conforme Hermann (2002, p. 15),

é tarefa da hermenêutica desconstruir uma racionalidade que, colocada sob limites estreitos, quer mais a certeza que a verdade, e demonstrar a impossibilidade de reduzir a experiência da verdade a uma aplicação metódica, porque a verdade encontra-se imersa na dinâmica do tempo.

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Assim, podemos afirmar que somos seres históricos, produtores da história de seu tempo. Ao considerar o mundo da linguagem e como nos constituímos a partir dela, é possível compreender a necessidade de refutar a “pretensão de verdade absoluta”, e, assim, a gama de interpretações se amplia consideravelmente. Segundo Hermann (2002), a compreensão de mundo pelos homens ocorre por meio do processo interpretativo, e este se efetua pela linguagem. A linguagem é conceito fundante para a hermenêutica, pois somente há pensamento, interpretação e construção de conhecimento pela linguagem. Quando nos referimos à linguagem não o fazemos pensando somente na fala, mas também dela. Consoante Boufleuer (1997, p. 38), “quem se dirige lingüisticamente para outro com a única finalidade de estabelecer um entendimento sobre algo no mundo pretende tão somente que esse outro compreenda o seu ato de fala...” Somente com a preocupação de fazer-se entender é que pode haver comunicação e busca de compreensões.

Para além do conceito de linguagem, optei pelos de interpretação/compreensão, temporalidade/historicidade e diálogo, como conceitos do campo da hermenêutica que balizarão as reflexões desta tese. Com relação ao conceito de interpretação/compreensão, este é central em todo o processo investigativo, uma vez que “o sentido de um texto se realiza no horizonte hermenêutico da interrogação, pois compreendê-lo depende das perguntas com que o texto nos interpela... Trata-se de considerar um princípio hermenêutico da antecipação da totalidade” (HERMANN, 2002, p. 60). O que move uma pesquisa não são as pretensões de verdades e de respostas, mas principalmente os questionamentos, pois, via de regra, quanto mais avançamos nas análises maiores são nossos problemas. É importante, porém, que fiquemos atentos de que a interpretação não se dá pela “pura subjetividade, mas sim pela linguagem que é o médium de nossa historicidade” (p. 74). Somente há possibilidade de compreensão pela linguagem, e esta se dá no diálogo. Ao estabelecer diálogos com o outro é possível construir interpretações, principalmente com o diferente, pois no embate de ideias e argumentos é possibilitado construir novos entendimentos.

As pesquisas buscam sempre a compreensão de determinado fenômeno, mesmo que ela seja provisória e mutável. São produzidas verdades constantemente revistas e compreendidas de novas formas, dando origem a outras verdades. Estas são produzidas a partir das relações estabelecidas entre os sujeitos que vivem em

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sociedade, fruto da temporalidade ou da historicidade (HERMANN, 2002; STEIN, 1996). Somos sujeitos históricos que produzimos e somos produzidos pelo tempo e pelo que vivemos neste tempo. Assim, podemos falar em compreensão do ser, pois ela somente é possível pela historicidade.

Outra categoria central na hermenêutica, e que nos interessa, é o diálogo, principalmente porque fazemos uso de material empírico produzido e que é interpretado nessa tese à luz da perspectiva interpretativa ou hermenêutica. Segundo Hermann (2002, p. 68), é “no dizer que o pensar se realiza, e por isso a palavra é o entregar-se do pensamento ao outro”, na busca por entendimentos que possam ser validados pelo mundo da ciência. Para a autora, “o diálogo é a condição própria da hermenêutica, especialmente porque não existe mais absolutização da subjetividade moderna no processo de conhecimento, no sentido do domínio do sujeito” (p. 89). Numa pesquisa acadêmica a questão da subjetividade é considerada, principalmente quando fazemos referência ao aparato teórico que escolhemos para sustentar nossas pesquisas e nossas argumentações e não um discurso de que tudo é válido, porque estaríamos, assim, defendendo uma abordagem que se sustenta na absolutização da subjetividade, ou, ainda, desconsiderando o método como fundamental num percurso investigativo. De acordo com Stein (1996), ao escrever um texto é imprescindível o esforço para se fazer entender, pois este é o sentido da ciência. É fundamental que haja argumentação clara e sustentação teórica para o que se escreve.

Foi com base nesse entendimento que construí o caminho de investigação para compreender como as crianças constroem o sentimento de pertencimento, indo além do que se propõe em pesquisas bibliográficas até então produzidas. Organizei a pesquisa com um percurso teórico que auxilia a ler e a interpretar os dados que produzi a partir de entrevistas e cartas. Optei por realizar a produção de cartas por ser um recurso pouco utilizado, mas que é um gênero textual estudado pelas crianças nos anos iniciais, além de extrapolar com a perspectiva disciplinar, pois as crianças precisaram se apropriar de conhecimentos das diferentes áreas para escrevê-las. Foi a possibilidade de buscar elementos que interessam nessa investigação em materiais que têm uma função importante historicamente e podem ser explorados com maior intensidade tanto pela escola quanto pela ciência.

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As cartas foram escritas por crianças de turmas de 3ºs anos do Ensino

Fundamental dos municípios de Santo Ângelo – RS e Ribeirão Preto – SP, e nelas poderiam contar sobre o que conhecem de seus municípios a outras crianças que vivem em uma realidade diferente. Considero significativo apresentar dados relativos aos municípios aos quais as crianças pertencem para que auxiliem na compreensão do quanto, mesmo com realidades distintas, o trabalho proposto por mim e realizado pelos professores é possível e pode contribuir com o processo de construção de conhecimentos, apropriação destes e dos conceitos trabalhados e, ainda, na formação de sujeitos críticos que possam reinvindicar sua condição de cidadãos. Conforme os dados do IBGE4 de 2015, Ribeirão Preto possui área da unidade territorial de 650,916

km², enquanto Santo Ângelo tem área da unidade territorial de 680,498 km². O município do Rio Grande do Sul possui uma área maior do que o de São Paulo, e, enquanto a população de Santo Ângelo é de 76.275 pessoas, a de Ribeirão Preto é de 674.405. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Ribeirão Preto é de 0,800 e de Santo Ângelo é de 0,772 (dados de 2010). Podemos, com esses dados, identificar que, apesar de apresentar território com praticamente o mesmo tamanho, a realidade que se vivencia é completamente diferente. Ribeirão Preto tem uma população quase dez vezes maior que a de Santo Ângelo, e esses elementos podem ser constatados nas cartas. A forma como cada criança conta sobre o que sua cidade possui, sua história e o que mais gosta nela, instigam as outras a querer conhecê-la.

Figura 1 – Localização do município de Santo Ângelo no Estado do Rio Grande do Sul

Fonte: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=431750&search=rio-grande-do-sul|santo-%C3%82ngelo>.

4 IInformações sobre os municípios: Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>.

Acesso em: 8 nov. 2016.

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Figura 2 – Localização do município de Ribeirão Preto no Estado de São Paulo

Fonte: <http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=354340&search=sao-paulo|ribeirao-preto|infograficos:-dados-gerais-do-municipio>.

Para que pudesse produzir elementos empíricos para esta investigação, em que defendo que somente é possível sentir-se pertencente a um lugar quando se conhece esse lugar, é que desenvolvi o trabalho para a escrita das cartas juntamente com quatro professores dos anos iniciais. Para tanto, foi planejado pelos professores envolvidos, juntamente com a pesquisadora, um roteiro do que seria estudado com as crianças, tomando como referência o conteúdo “cidade”, para que tivessem conhecimento sobre ela para contar a outras pessoas. Foram realizados registros com o objetivo de buscar elementos que possam demonstrar como as crianças se apropriam dos conceitos do campo dos estudos sociais e como operam com eles. No ano de 2015 foi desenvolvido, com uma professora de uma turma de 3º ano, no município de Santo Ângelo – RS, a produção de cartas que foram enviadas para Bologna (Itália).5 Naquele contexto não houve um planejamento sistemático para a

realização do trabalho, e pude constatar que poucas crianças escreveram, e estas cartas tinham mais dados pessoais do que questões sobre o município em que viviam, caracterizando-as como compostas por informações superficiais. Assim, nominei esta primeira experiência como pré-teste, ou seja, uma tentativa para me guiar no planejamento do que seria desenvolvido com as crianças dos dois municípios. Somente após realizar a primeira experiência é que percebi a necessidade de reorganizar a proposta de trabalho a ser desenvolvida. Então, depois de fazer um planejamento inicial conversei com as professoras de Santo Ângelo, e elaboramos a versão que seria considerada por elas ao realizar as atividades. Participei do planejamento do roteiro que seria utilizado pelos professores das duas cidades, bem

5 Esta experiência foi realizada durante o Estágio de Doutorado-sanduíche, e, tendo em vista a

dificuldade em trocar cartas com crianças de outro país, optei em escolher uma cidade brasileira para que o trabalho fosse realizado. É possível considerar esta experiência como um pré-teste.

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como das orientações para o desenvolvimento do trabalho. Na sequência encaminhei por e-mail aos professores de Ribeirão Preto, mediante a professora doutora Andrea Lastória, na Universidade de São Paulo – USP. Depois dos estudos realizados pelos professores com as crianças, as docentes entregaram a mim as cartas, que encaminhei por correio para a professora Andrea, que recolheu as cartas entregues pelos professores de Ribeirão Preto e as enviou a mim também por correio. Todas as cartas foram digitalizadas a fim de ter cópia para a realização da pesquisa.

Compreendo que o planejamento é fundamental e que a intencionalidade do que se busca precisa ser contemplada. Após o pré-teste reorganizamos o que seria desenvolvido com as crianças, propondo uma série de estudos sobre o município antes da escrita da carta. Partimos de situações as quais as professoras já costumam desenvolver com seus alunos, e somente optamos por realizar a escrita das cartas depois que elas já tivessem mais conhecimentos sobre o município, além de estabelecer um roteiro orientador para a escrita das cartas. Desta forma, os alunos poderiam optar sobre que elementos gostariam de escrever, tendo em vista os estudos já realizados. As situações de aprendizagem foram desenvolvidas sob coordenação e supervisão dos professores durante o segundo semestre de 2016. Participaram crianças de quatro turmas de 3ºs anos do Ensino Fundamental. Duas

turmas de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, que frequentam uma escola comunitária, e as outras duas do município de Ribeirão Preto, em São Paulo, pertencentes à rede municipal de ensino.

Na sequência, ainda durante o ano de 2016, ao realizar o planejamento com duas professoras da escola de Santo Ângelo, pensamos na necessidade de trocar as cartas com outras crianças, pois que sentido teria escrevê-las se não fossem enviadas a alguém? Qual o sentido de propor situações de aprendizagens que teriam, dentre tantos outros objetivos, trabalhar com um gênero textual específico, neste caso a carta, se outras pessoas não as lessem? Assim, durante o encontro com as professoras decidimos convidar professores de Ribeirão Preto (SP) para que desenvolvessem a mesma proposta com alunos de 3ºs anos, orientando a escrita de

cartas pelas crianças e que as enviassem ao Rio Grande do Sul. A escolha das turmas e dos municípios se deve ao contato com os professores que realizaram o trabalho, pois estes se disponibilizaram em executar a atividade proposta de produção das cartas a partir do estudo que ministravam sobre o município.

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O trabalho com as cartas foi planejado por mim com a participação das professoras de Santo Ângelo, e, posteriormente, encaminhada a proposta à professora coordenadora do Grupo Elo, vinculado à USP/Ribeirão Preto, nossa parceira nas interlocuções do planejamento, no desenvolvimento da atividade e também em eventos que pensam as questões da didática do ensino das ciências sociais. Esse processo foi realizado a partir de trocas de e-mails e conversas por meio do WathsApp. Foi definido que seria escrito um pré-texto, depois revisado pelos professores com as crianças, finalizado e enviado pelos Correios. As crianças foram orientadas considerando um roteiro de escrita, em que apresentariam o município, a origem dele, a sua “composição” espacial – zona rural e urbana –, os limites, a localização no Estado, as atividades econômicas e por que seria importante vir conhecer seu município.

Contamos, então, com o apoio de dois professores do Grupo Elo, que realizaram o trabalho com duas turmas de alunos no município de Ribeirão Preto. Esses docentes utilizaram no trabalho com as crianças o Livro Didático Geografia – Projeto Buriti – 3º ano – e o Atlas Escolar Histórico, Geográfico e Ambiental Ribeirão Preto/2008 – Grupo de Estudos da Localidade (ELO). Além disso, foram usados dois vídeos educativos: um deles sobre a história local e o outro sobre a paisagem cultural do café, que estão disponíveis na internet.6 Já as professoras de Santo Ângelo

planejaram suas ações utilizando os seguintes materiais: Livro Didático Um olhar sobre os Aspectos Históricos e Geográficos de Santo Ângelo,7 Livro Uma História de

300 anos: Missões, sites da internet sobre a carta dos caciques de Santo Ângelo, Vídeo clipe e Letra da música Pindorama,8 Blog do Museu Municipal Dr. José Olavo

Machado,9 Livros de Literatura Infantojuvenil: Um gauchinho nas Missões10 e Faz

muito tempo,11 dentre outros.

6 Vídeos e Sites consultados pelos professores de Ribeirão Preto: <https://www.youtube.com/wat

ch?v=zIyFlfskNMc>; <https://www.youtube.com/watch?v=nD7W4X34EhY>; Paisagem Cultural do Café Ribeirão Preto – Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais.

7 FREITAS, Délcio José Possebon. Um olhar sobre os aspectos históricos e geográficos de Santo

Ângelo. Santo Ângelo: Ediuri, 2005.

8 CD Canções Curiosas – Palavra Cantada – Sandra Peres/Luis Tatit.

9 Blog do Museu Municipal Dr. José Olavo Machado de Santo Ângelo – RS. Disponível em:

<http://museuolavomachado.blogspot.com.br/p/historico.html>.

10 POÇAS, Iria Müller. Um gauchinho nas Missões. Porto Alegre: Iriar, 2002. 11 ROCHA, Ruth. Faz muito tempo. São Paulo: Salamandra, 2009.

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As cartas foram escritas e trocadas entre as crianças. Os alunos de Santo Ângelo também fizeram a inserção de desenhos junto as suas cartas. Posteriormente, estas foram digitalizadas para que pudessem ser analisadas. Os professores que desenvolveram a proposta tinham o roteiro orientador para desenvolver determinados aspectos da história da cidade, sem orientações de ordem didática, nem mesmo que deveriam trabalhar conceitos. A intenção era que as crianças escrevessem, sem intervenção do professor, com relação aos conteúdos, pois as cartas seriam o fechamento das pesquisas e estudos realizados em cada turma. Durante o desenvolvimento do trabalho, as crianças que não estavam alfabetizadas e que faziam parte das turmas também participaram, desenhando e/ou ditando ao professor o que gostariam de contar na carta. A ideia era oportunizar a todos uma interlocução com outra criança de uma região diferente da sua, neste caso entre sujeitos que pertencem a municípios completamente distintos, respeitando a fase do desenvolvimento em que cada criança se encontrava. Acredito que a linguagem seja fundamental no processo de construção de conhecimentos e, por isso, a necessidade de pensar estratégias variadas para que todos os alunos pudessem participar do que propomos a eles.

Utilizei todas as cartas produzidas pelas crianças (22 em Santo Ângelo – RS e 29 em Ribeirão Preto – SP), procurando nelas os elementos que interessavam na pesquisa, principalmente as que fazem referência com maior frequência às palavras: cidade, zona rural e urbana e município. Também apresento durante o texto desenhos que as crianças fizeram de algum lugar que consideraram significativo e que gostariam de mostrar ao outro. Nominei os alunos que escreveram as cartas utilizando a nomenclatura Aluno, seguido do número e das iniciais do município (por exemplo: Aluno 1RP – que corresponde à carta do aluno número 1 de Ribeirão Preto).

Além das cartas, entrevistei professores italianos e brasileiros que exercem a docência junto aos alunos que frequentam turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com o intuito de complexificar as análises e mesmo “ouvir” outros sujeitos que fazem parte do processo educativo e que podem protagonizar um trabalho de qualidade. Foram selecionados cinco professores de cada país considerados com alta qualificação, indicados por docentes da universidade que atuam como formadores em cursos de Graduação e de Pós-Graduação. Os entrevistados são profissionais comprometidos com o trabalho docente e refletem sobre suas práticas, mostrando-se preocupados e implicados com o processo de

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formação continuada. O objetivo das entrevistas era compreender tanto sobre o processo de formação dos professores quanto sobre como se dá o ensino da história local nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

As entrevistas seguiram um questionário elaborado com perguntas fechadas e abertas, e a sequência não foi necessariamente respeitada. A intenção era possuir um roteiro orientador para a entrevista. Cada professor foi informado das questões gerais que compunham o referido questionário no início da entrevista, para que se sentissem à vontade para falar e evitassem certa ansiedade, pois saberiam desde o princípio sobre o que conversaríamos e poderiam articular suas falas de forma singular. Considerei o perfil e percurso de formação e de atuação profissional; participação em cursos de formação continuada e relação com espaços e tempos de formação propostos pela Universidade; didática e metodologia (planejamento, currículo formal e emergente); sujeitos da aprendizagem (alunos como protagonistas no processo de construção do conhecimento); o ensino sobre o lugar (ensino da história local e da cidade; relação entre esse ensino e a construção do sentimento de pertencimento), dentre outras questões.

Com relação às entrevistas, para realizá-las considerei as seguintes categorias: concepção de criança; o ensino da história local nos anos iniciais; fontes e o ensino de história; e relação entre o ensino da história local e o desenvolvimento do sentimento de pertencimento (preservação do patrimônio histórico-cultural). Nominei os professores no decorrer das nossas análises como Professor, seguido pela letra que respeita a ordem alfabética e a inicial do país (por exemplo: Professor AB ou Professor AI – o primeiro corresponde ao professor A brasileiro e o segundo ao professor A italiano).

Quadro 1 – Nominata dos profesores

Professores Brasileiros Professor Italianos

Professora AB Ângela Professora AI Concita Professora BB Marianna Professora BI Maura Professora CB Márcia Professora CI Roberta Professora DB Cyntia Professor DI Gianluca Professor EB Fábio Professora EI Vittorina Fonte: ILGENFRITZ TOSO, 2017.

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Na pesquisa, propus entrelaçar tais indícios com o campo teórico que sustenta as discussões, articulando os fragmentos das escritas das crianças nas cartas e nas falas dos professores entrevistados, buscando relações entre o que os alunos escrevem e o que os docentes pensam, conhecem e planejam desenvolver com as crianças. Por acreditar na possibilidade de um ensino que seja problematizador e que aposte na pesquisa como um dos elementos para a construção de conhecimentos que tenham sentido para as crianças, é que optamos por este percurso metodológico. Historicamente o ensino da história e da geografia, ou dos estudos sociais, nos anos iniciais apresenta-se seguindo uma lógica factual, considerando sempre as relações e os conteúdos a partir do simples para o complexo, como na história, quando segue a cronologia para a explicação dos fenômenos. Por isso, refletimos como esse ensino estruturou-se desta forma, ou seja, como este campo do conhecimento foi sendo trabalhado na escola brasileira desde o século XIX até os movimentos que influenciam nas transformações do ensino dos estudos sociais nos anos iniciais atualmente.

1.2 ENSINO DA HISTÓRIA E DA GEOGRAFIA OU DOS ESTUDOS SOCIAIS

Conhecer o lugar em que vivemos, seu processo histórico e como este espaço foi produzido, pode contribuir com a construção do sentimento de pertencimento, e os estudos sociais é a área do conhecimento que opera com os conceitos e conteúdos sobre este lugar. Assim, para que possamos compreender como se dá o ensino dos estudos sociais nos anos iniciais do Ensino Fundamental no Brasil, se faz necessário conhecer o percurso tanto do ensino da história quanto da geografia como campos específicos de estudos e que apresentam características próprias. Embora nos anos iniciais costuma-se ensinar a partir da área dos estudos sociais, numa articulação dos conceitos centrais, auxilia no entendimento sobre a complexidade e os problemas enfrentados na área conhecer o percurso das disciplinas na escola brasileira. Para tanto, apresento elementos que possuem relação com a retrospectiva histórica tanto da história quanto da geografia, numa relação com as tendências pedagógicas que as sustentam, pois temos no país, desde o início, a separação entre as disciplinas. É com o regime militar que há uma junção das duas, na tentativa do esvaziamento de seus conteúdos.

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O ensino de história em qualquer grau de escolaridade sustenta-se a partir de influências desde o surgimento desta disciplina no Brasil, pois existe uma intencionalidade ao se pensar na necessidade de ensinar história no país. A disciplina de história no Brasil passa a ser ensinada somente a partir da criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838. Sua criação está relacionada com o que se vivia politicamente no país, pois acabávamos de deixar a condição de colônia de Portugal e precisávamos construir uma história para o novo país. Segundo Diehl e Machado (1998, p. 24), “foi no processo de consolidação do Estado Nacional brasileiro que se viabilizou um projeto de pensar a história do Brasil de forma sistematizada”. Havia, naquele contexto, uma preocupação com a construção de uma ideia de nação que ficava restrita aos brancos descendentes de europeus.

Até mesmo um concurso foi proposto pelo IHGB, com o intuito de se pensar que história deveria ser contada no novo país. O alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius foi o vencedor de tal concurso, e orientava que a história do Brasil deveria enaltecer os feitos portugueses e criar heróis que pudessem se tornar referência aos jovens da nação. A produção historiográfica brasileira passa a ser pensada pelo IHGB, que definia que a história deveria construir exemplos a serem seguidos, pincipalmente pela juventude, contribuindo, assim, na constituição de uma identidade nacional baseada nos heróis do país. Já a geografia no Brasil tem relação direta com a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, a partir dos anos 40, sob forte influência dos franceses. As correntes mais significativas da geografia no Brasil são a Geografia Tradicional e a Geografia Crítica (marxista). Tanto a história quanto a geografia e o ensino delas podem ser analisados numa relação intrínseca com as tendências pedagógicas da escola brasileira. Não é possível pensar num ensino de geografia ou de história tradicional sem compreender que ele se sustenta numa prática pedagógica tradicional. Os elementos são os mesmos. Essa herança permanece na escola brasileira, bem como no ensino dos estudos sociais nos anos iniciais do Ensino Fundamental e no ensino de história e geografia nos anos subsequentes. É ela que define que conteúdos se deve ensinar em cada etapa da escolaridade. Conforme Straforini (2004, p. 58-59), “a Geografia, como disciplina científica, também incorporou o método positivista”. As características deste método podem ser visualizadas, principalmente, quando nos referimos à predominância da geografia física, em que a memorização e descrição de fenômenos, de forma neutra

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e imparcial, são centrais. Assim, “a Geografia positivista reduz a realidade ao mundo dos sentidos”, no qual se dá mais importância ao visível e mensurável. É dessa geografia a influência nos anos iniciais, quando se trata da observação e da descrição somente do visível, sem estabelecer relações e mesmo reflexões do que é invisível.

A história, de acordo com Caimi (2001, p. 28), “não constituía apenas uma disciplina escolar, e sua inserção era considerada indispensável em todas as camadas sociais e faixas etárias, uma vez que tinha o papel de formar os juízos de valor e o patriotismo, necessários à constituição nacional”. É por meio dela que se busca formar uma consciência nacional, construindo uma identidade a partir do que se ensina nas aulas de história. As crianças passam a conhecer uma versão única sobre a história do país e têm como modelo a civilização ocidental. O ensino da história seguia a perspectiva eurocêntrica e, em muitas escolas, ainda segue. A perspectiva pedagógica empregada pode ser caracterizada como tradicional, na qual o ensino e a metodologia de ensino, adotados tanto pela história quanto pela geografia nas diferentes etapas, se dá pela memorização e repetição tanto oral quanto escrita e com exercícios de fixação. Essas características, apesar de serem típicas do século XIX, seguem fazendo parte do ensino da história e da geografia por boa parte do século XX.

Com a República (1889) foi necessário pensar num sistema nacional de ensino e, como historicamente ocorre no Brasil, “as reformas eram geralmente concebidas em gabinetes ministeriais”, o que dificulta que sejam exitosas (CAIMI, 2001, p. 30). Se pensou um ensino de história a partir de propostas curriculares que considerassem a questão cívica e patriótica, enaltecendo as realizações de sujeitos da história considerados ilustres e modelos a serem seguidos, além de dar importância às datas comemorativas nacionais. Assim, seria construída uma identidade nacional que poderia se sobrepor à identidade fragmentada até então existente. Para Caimi, o que se pensava naquele contexto era na necessidade da construção de “uma identidade comum aos diferentes grupos humanos, ignorando as desigualdades que permeavam as relações econômicas, sociais e culturais...” (2001, p. 33). Nega-se, assim, a diversidade e as relações conflituosas no intuito de criar uma imagem de homogeneidade nacional. Conforme Callai e Zarth (1988, p. p. 19), “... esta homogeneidade muitas vezes é usada (ideologicamente) para mascarar uma realidade que concretamente existe”. Cria-se, então, verdades que são repassadas para as novas gerações, evitando narrativas que consideram conflitos e contradições.

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