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Terra, trabalho e acumulação : o avanço da soja na região Matopiba

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências

DÉBORA ASSUMPÇÃO E LIMA

TERRA,TRABALHOEACUMULAÇÃO:OAVANÇODASOJANAREGIÃO MATOPIBA

CAMPINAS 2019

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DÉBORA ASSUMPÇÃO E LIMA

TERRA,TRABALHOEACUMULAÇÃO:OAVANÇODASOJANAREGIÃO

MATOPIBA

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTORA EM GEOGRAFIA NA ÁREA DE ANÁLISE AMBIENTAL E DINÂMICA TERRITORIAL

ORIENTADOR: PROF. DR. VICENTE EUDES LEMOS ALVES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA DÉBORA ASSUMPÇÃO E LIMA E ORIENTADA PELO PROF. DR. VICENTE EUDES LEMOS ALVES.

CAMPINAS 2019

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Cássia Raquel da Silva - CRB 8/5752

Lima, Débora Assumpção e,

L628t LimTerra, trabalho e acumulação : o avanço da soja na região Matopiba / Débora Assumpção e Lima. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

LimOrientador: Vicentes Eudes Lemos Alves.

LimTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Lim1. Mercado de terras. 2. Trabalho. 3. Região Matopiba. 4. Mercadorias. I. Alves, Vicente Eudes Lemos, 1967-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Land, labor and accumulation : the expansion of soybean in the

Matopiba region Palavras-chave em inglês: Land market Labor Matopiba, Region Comercial products

Área de concentração: Análise Ambiental e Dinâmica Territorial Titulação: Doutora em Geografia

Banca examinadora:

Vicente Eudes Lemos Alves Ricardo Abid Castillo

Carlos de Almeida Toledo Sérgio Sauer

Fernando Cézar de Macedo Mota

Data de defesa: 13-06-2019

Programa de Pós-Graduação: Geografia Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-0571-1314 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7926924261133452

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AUTORA: Débora Assumpção e Lima

TERRA,TRABALHOEACUMULAÇÃO:OAVANÇODASOJANAREGIÃO MATOPIBA

ORIENTADOR: Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves

Aprovado em: 13 / 06 / 2019

EXAMINADORES:

Prof. Dr. Vicente Eudes Lemos Alves - Presidente

Prof. Dr. Fernando Cézar de Macedo Mota

Prof. Dr. Ricardo Abid Castillo

Prof. Dr. Carlos de Almeida Toledo

Prof. Dr. Sérgio Sauer

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no SIGA - Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de Pós-graduação do IG.

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AGRADECIMENTOS

Se a Geografia nos ensina fazer a guerra, ou fazer uma tese, os estudos agrários nos ensinam a ser mais coletivos. Apesar desta tese ter uma única autora, uma quantidade mãos, que ainda não consigo mensurar com precisão apoiaram, compartilharam suas histórias e conhecimentos para que esse trabalho se concretizasse. Sonhos, uma moto para ir a um lugar distante, um pouso, uma lágrima, uma palavra de luta, um livro, um incentivo.

Muchisimas gracias al Luciano Concheiro (por todo) e a todxs aquelxs que nos receberam e permitiram trocas de saberes em 2016 e em 2017 no México a partir do estágio PDSE Capes: Rose (in memoriam), Violeta Núñez , Adelita e Guadalupe (por la admiración acadêmica y por seren mujeres increibles), Sofia Blanco e Lourdes (por la sororidad entre las mujeres y por las interesantes platicas), Armando Bartha, David, Alejandro e Jorge Armando (por la rebeldia zapatista), Otavio, Roman, Beto; Pedro e família (por la enseñanza de la autonomia de Cherán), Jazmin e família (por compartir su cultura purepecha); Antonio Posadas e família (por la solidariedad y los enseñamientos sobre los campesinos y sobre Sinaloa) , Monica Monalvo (por el drama pasional lleno de emoción y lucha), Rosalinda (mi casa es su casa), Valéria (por su mirada sensible, por compartir los sonidos de las montañas latino-americanas, por las utopias anarquistas y geográficas), Christian e Paulina (y su hijx hechx en Brasil), às mulheres da família Barranco, à Martha (por su poder de cura, por la Navidad más colectiva que ya tuve y por presentar su família).

Agradeço as instituições mexicanas que também me receberam: Centro de Estudios para el Desarrollo Rural – CESDER (Zautla); - Centro Indígena de Capacitación Integral – CIDECI – UNITERRA (San Cristobal de las Casas, Chiapas); Comunidades de la Sierra Norte de Puebla (Zautla e Cuetzalan del Progeso, Puebla) y de la región de la Selva Lacadona (Ocosingo, Chiapas). Cooperativa Tosepan Titataniske (Cuetzalan del Progeso, Puebla); - Empaque de tomates Vitanova (Los Mochis, Sinaloa); Empresa campesina "Productos Agropecuarios Selva Lacandona”; Empresa Campesina Marcelo Loya Ornelas (Guasave, Sinaloa); ; Fondo de Aseguramiento Agrícola "Productores Unidos del Frente" (Guasave, Sinaloa); Universidad Intercultural Autónoma de Sinaloa (Los Mochis, Sinaloa); Universidad Pedagógica Nacional Morelia (Michoacán); Fundación Semillas por la Vida (Ciudad de Mexico) e talvez algumas que não me recorde.

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À Comunidade de Ecatzingo, que me mostrou o que significa a palavra reconstrução, onde participei das brigadas pós terremoto em 2017.

Aos amigos latino americanos da Escuela Campesina da CLASCO, em especial Angelica (Colômbia), David Luna (Argentina), Carlos Pastor (Equador), Erika Barzola (Argentina).

Essa tese não é sobre o México nem sobre a América Latina, mas foi fundamental para desenvolver meu caminhar como pesquisadora ir até a última fronteira latino-americana com um novelo de perguntas (e com uma bolsa de estágio do Programa de Estágio de Doutorado Sanduíche no Exterior – PDSE/Capes). Fazer pesquisa em outro país significa encontrar respostas e saídas distintas para uma antiga pergunta feita a partir da realidade brasileira. Ou, em muitos casos, novas perguntas. Mas infelizmente não só de perguntas vivem as teses (e sxus escritorxs).

Agradeço à minha família não tradicional mineira: Terezinha, Geralda (in memoriam), Mírian, Luís, André, Edma – princípio de tudo.

Aos tupiniquins que auxiliaram na feitura de perguntas: Carlão (vulgo professor da USP Carlos de Almeida Toledo) e Fábio Pitta, obrigada pela paciência, pela horizontalidade no ensinar – todos no bonde da precarização unidos –, pelas risadas e gols na cinza paulicéia. Ao Carlão agradeço o aceite do convite em participar da banca de qualificação e da defesa, as conversas e a disponibilidade em me receber para discutir questões teóricas e anseios do campo.

Ao Caminho do Sertão, pelas veredas, por ser Minas, por permitir que caminhos nos cruzem e nos obrigue a entender o tempo que cabe em uma perna.

Às funcionárias da Secretaria da Pós-graduação, em especial Ana Beatriz, Val e Gorete. Por sempre terem paciência com os prazos e desesperos burocráticos. Pela presença, pelos cafés e risadas. Por fazer as idas ao instituto serem menos maçantes.

Aos docentes do IG/UNICAMP que cruzaram meu caminho e de alguma forma auxiliaram nesta trajetória, principalmente Ricardo Castillo, Tereza Paes e Rafael Straforini. Ao Castillo, agradeço as oportunidades de aprendizado desde a graduação, os estágios docentes compartilhados, as indicações de leitura. Aos cigarros fumados e compartilhados que

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já não se encaixam aqui, a abertura de compartilhar pensamentos acadêmicos e não acadêmicos.

Agradeço aos professores da banca examinadora, Fernando Macedo do Instituto de Economia da UNICAMP e Sérgio Sauer, do qual tenho grande admiração por seu trabalho dentro e fora da academia.

Ao Ilú Obá de Min, por existir.

Aos alunxs, companheiros e companheiras temporárixs do IGCE/UNESP Rio Claro, em especial ao professor Gilberto (pela acolhida e pelas polêmicas), Raquel Fulino (pelos conhecimentos compartilhados e pelo caos), Yuri Martenauer, Lisie Tatiane. À Livia Toneli, pela sua alegria e vivacidade. À Mariana Traldi, agradeço a parceria geográfica que completa quase uma década.

Ao meu orientador professor Vicente Alves, por deixar-me ir até o poço do caos. Por entender que temos outras tarefas e dramas que vão além dos muros da universidade. Pelo apoio quase incondicional a pesquisa, pela prosa leve. Pelo orientar não guiado. Por ser uma pessoa que pouco usa a palavra “não”. Por acreditar nesta tese, em alguns momentos, mais do que eu. Que os anos de parceria sigam e continuem semeando alegrias.

À Mariana Nóbrega, a irmã que a vida me presenteou. Obrigada por compartilhar seus devaneios, suas angústias (e escutar as minhas). Por me ensinar o que as entrelinhas dos livros não contam. Pela parceria. Saiba que minha admiração pela mulher de luta e pesquisadora que você é não cabe em caracteres.

À Mariana Ruggieri. Crescer é florescer juntas. Obrigada por fazer perguntas sem respostas, por buscar caminhos imaginativos e imaginários. Por auxiliar na construção da tese. Obrigada pela parceria de vida e por compartilhar a fórmula de como “podemos nos permitir cair e ser feita em pedaços”, de aprender como “é inútil culpar a rede por ter buracos”, como nos contou Maggie Nelson em Argonautas.

Às mulheres incríveis que me aceitam e me amparam independente de qual parte da Terra eu esteja: Priscila Altivo, pela altivez, por ser minha sagitariana favorita, por sempre estar perto e longe. Pela compreensão mútua que muitas vezes nem precisa ser mediada por palavras; a Ana Maria Raietparvar, por mostrar ser possível ser louca, acadêmica, mãe e incrível. Pilar Guimarães, por ser a força que é, por rodar a saia e comandar os ventos, por

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inebriar a vida de sabores; Yssyssay Divina, por não temer mudanças; Biscoito (vulgo Daniele Motta) pelas risadas e causos sem fim. À Helena Rizatti e Vanessa Diniz: nossas temporalidades não permitem a quantidade de encontros que gostaria, mas o amor permanece. Por fazer possível construir uma Geografia a partir do café da manhã, da mesa de bar, das discussões infindáveis, do pôr-do-sol, do campo, do trabalho de campo, da rua, da marcha, do centro acadêmico, dos afetos, do trabalho precarizado conciliado com a graduação e com a pós-graduação, da festa, da cachoeira, do churrasco, do almoço de domingo. À Paula Carvalho, por acompanhar os dramas de fim de tese, pelo carinho, por dar a mão no meio do redemoinho, e pela possibilidade de reinventar(nos) bruxarias.

Aos minino: William Kenji (melhor vizinho), Lucas Baptista (mineiro também errante nas terras paulistas e nos mundos acadêmicos; presente nos momentos mais importantes e queridos), Danilo Restaino (ruivo e canceriano favorito, melhor companheiro de casa que o inesperado poderia ter me dado).

Ao Eder e ao Luciano, que fazem o Tocantins e São Paulo ficar colorido e divertido sempre, por deixar os dramas acadêmicos mais leves e por caminharmos juntos atrás do trio elétrico.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa (Processo 165674/2015-6). À FAEPEX/UNICAMP (Projeto Faepex nº 519.292 Correntista nº 2334/19) pelo apoio no mestrado que me levou até esta etapa e pelo Auxílio Ponte de um mês para o término da tese.

À todas as pessoas e instituições que nos auxiliaram a construir esta pesquisa:

Aos professorxs da UFT de Porto Nacional, Miracema e Araguaína; Cleidson, do IFMA de Porto Franco; aos professores da UFPI e da UESPI (em especial Daniel).

Aos órgãos estatais que concederam entrevistas, visitas técnicas e materiais: Embrapa (em especial a Embrapa Tocantins e a Marta Eichemberger pela confecção dos mapas), MAPA, Conab, Incra, Itertins, Interpi, SDR Piauí, SEAGRO Tocantins, Seplan Tocantins, Adapec, Agerpi, Naturatins, DERCA Tocantins, Vara Agrária do Piauí, Fapcen (MA).

As empresas que cordialmente deixaram conhecer suas instalações ou concederam entrevistas: Bunge Porto Nacional (TO), Bunge Porto Franco (MA), Bunge Balsas (MA),

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Cargil Porto Franco (MA), COAPA (TO), Granol (TO), Poolcen (MA), Fazenda Santa Luzia (MA).

À Rede Social de Justiça, pela doação de materiais e apoio em trabalho de campo.

A 10envolimento, Instituto Sociedade, População e Natureza, AATR/BA pelo apoio em trabalho de campo e informações e entrevistas concedidas.

Aos movimentos e instituições sociais: CPT Piauí (em especial Altamiran), Maranhão (Antônio Criolo) e Tocantins (frei Xavier Plassat, Laudinha, Pedro, Edmundo e principalmente Valéria Santos, por abrir a sua história e a sua casa. Sem seu apoio e suas reflexões as informações e percepções sobre o Tocantins não teriam sido tão profundas), Associação dos Pequenos Agricultores do Tocantins (APA-TO), EFA de Porto Nacional, EFA Padre Josimo, Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU).

À Manuel da Conceição e Denise, pela luta, por resistirem e fazer história.

Aos STTR Araguaína (TO), STTR Divinópolis do Tocantins (TO), STTR Esperantina (TO); STTR São Raimundo das Mangabeiras (MA), STTR Loreto (MA), STTR Imperatriz (MA), STTR Santa Filomena (PI), STTR Gilbués (PI), FETAG Piauí. Ao MST do Piauí e do Tocantins.

Às comunidades e assentamentos: Brejo das Meninas, Comunidade Melancias, Sete Lagoas, Chupé, Rio Preto, Comunidade do Salto, Comunidade Morro D’Água – localizadas no Piauí; Acampamento Santa Maria, Comunidade Gabriel Filho, P.A Ponte Alta, Quilombo Dona Juscelina, Quilombo Cocalinho, TI Xambioá, Comunidade Sete Barras – localizadas no Tocantins; PA Nova Descoberta e Acampamento Irmã Dorothy – localizadas no Maranhão e Comunidade Taguá (BA).

Aos pássaros, grilos e cigarras que cantam ao fundo de cada entrevista.

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RESUMO

A pesquisa aqui desenvolvida tem como intuito captar as formas de acumulação do capital via avanço da sojicultura na região Matopiba. A região, oficializada a partir do decreto no 8447 em 2015 é delimitada pelos municípios dos estados do Tocantins, sul do Maranhão, sul do Piauí e oeste da Bahia. A partir de levantamentos bibliográficos, compilações de dados, materiais impressos de sindicatos, visitas técnicas a órgãos estatais e outras instituições, notícias de jornais, entrevistas de campo com lideranças de movimentos sociais, assentados, acampados, quilombolas, indígenas, representantes de órgãos estatais e do terceiro setor pude analisar a região do Matopiba a partir da ótica das transformações do mercado de terras, do trabalho e do mercado de commodities (soja). A partir de diversas óticas é possível compreender que a região Matopiba não é homogênea. A rigidez das notas técnicas estatais, responsáveis pelo recorte “oficial” da região, se contrastam com a diversidade do cerrado, com o processo de formação e ocupação dos povos e comunidades tradicionais, dos processos de migração regional e extrapolam as linhas que constituem o Matopiba no diário oficial. O avanço da produção de commodities, no caso aqui analisado a soja, demonstra o enfoque agroexportador da região, impulsionado por diversos projetos agrícolas estatais e federais desde meados do século XX. O mercado de terras na região conta sua história juntamente com a grilagem, com o avanço do Estado e o modo de produção capitalista, atrelado à expansão de infraestruturas para o avanço de monocultivos (no caso aqui estudado a soja) importantes para a balança comercial. Pensando o Matopiba como uma fronteira, o agronegócio encara a região como estoques de terras e recursos naturais passíveis de apropriação e acumulação. A valorização da terra e o aumento dos preços das terras agrícolas demonstra o avanço da produção, financeirização e ficcionalização da agricultura capitalista via land

grabbing e acumulação por desposessão. A mão de obra barata que permite os baixos custos de

produção das commodities e a rentização da terra já não consegue frear a tendência da queda geral da taxa de lucro, demonstrado a partir da análise dos custos de produção da soja. A transformação do camponês para trabalhador assalariado distancia-o do retorno a posse da terra. A ideia de “empregado” está relacionada à ideia de trabalhador assalariado rural, fortalecendo as relações de precariedade e de não-pertencimento resultado da modernização, mobilidade e autonomização das relações capitalistas no campo. As terras de alta produtividade tiveram um aumento de preço por hectare exponencial, mas é fundamental se questionar sobre a valorização da natureza, na qual áreas de cerrado e mata são as terras que tiveram maior valorização percentual nos últimos 10 anos. As formas de violência e a formação do mercado de terras e trabalho na região Matopiba, tendo em grande medida o Estado como responsável ou mediador desta violência foi fundamental para organizar uma região que garantisse a entrada do capital. Desta feita, a soja é tomada como projeção da crise multidimensional do capital, em que as formas de acumulação, para serem passíveis ao longo da história, dialogam com as formas de violência (im)possível: tornando seus processos de pilhagem pelas vias legais (normas e leis, projeto de desenvolvimento territorial, incentivos fiscais) ou ilegais (ameaças de morte, assassinatos, coerção de comunidades) para garantir que o sistema capitalista avance na fronteira agrícola.

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ABSTRACT

The research developed here aims to capture the forms of capital accumulation through the advance of soybean in the Matopiba region. The region, made official by decree 8447 in 2015, is delimited by the municipalities of the states of Tocantins, southern Maranhão, southern Piauí and western Bahia. From bibliographic surveys, data compilations, trade union printed materials, technical visits to state agencies and other institutions, newspaper news, field interviews with leaders of social movements, peasants, quilombolas, indigenous people, representatives of state agencies and from the third sector, I was able to analyze the Matopiba region from the perspective of land, labor and commodity (soy) market transformations. From various perspectives it is possible to understand that the Matopiba region is not homogeneous. The rigidity of the state technical notes, responsible for the “official” delimitation of the region, contrast with the diversity of the cerrado, with the process of formation and occupation of traditional peoples and communities, the processes of regional migration and extrapolate the lines that constitute Matopiba. in the official diary. The advance of commodity production, in this case of soybeans, demonstrates the region's agro-export focus, driven by several state and federal agricultural projects since the mid-twentieth century. The land market in the region tells its story along with land grabbing, the advancement of the state and the capitalist mode of production, linked to the expansion of infrastructures for the advancement of monocultures (in the case studied here the soy production) important for the trade balance. Thinking Matopiba as a frontier, agribusiness views the region as stocks of land and natural resources that can be appropriated and accumulated. Land valorization and rising farmland prices demonstrate the advance in production, financialization and fictionalization of capitalist agriculture via land grabbing and accumulation by dispossession. The cheap labor that allows low commodity production costs and land tenure can no longer curb the trend of the overall fall in profit rate, demonstrated from the analysis of soybean production costs. The transformation from peasant to wage laborer distances him from return to land property. The idea of “employee” is related to the idea of rural wage laborer, strengthening the precarious relations and non-belonging resulting from the modernization, mobility and autonomy of capitalist relations in the countryside. High-productive agricultural lands have had an exponential increase in price per hectare, but it is essential to question the appreciation of nature, where cerrado and forest areas are the lands that have had the highest percentage appreciation in the last 10 years. The forms of violence and the formation of the land and labor market in the Matopiba region, with the state largely responsible for or mediating this violence, was instrumental in organizing a region that guaranteed the entry of capital. This time, soy is taken as a projection of the multidimensional crisis of capital, in which the forms of accumulation, to be passable throughout history, dialogue with the forms of (im) possible violence: making their plundering processes through legal ways ( norms, laws, territorial development project, tax incentives) or illegal (death threats, murders, community coercion) to ensure that the capitalist system advances at the agricultural frontier.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Camponeses e camponesas, pescadores do Bico do Papagaio ... 66

Foto 2 Acampamento Santa Maria (TO) ... 68

Foto 3 - Camponeses dos cerrados do Matopiba ... 70

Foto 4 - Camponesas dos cerrados do Matopiba ... 70

Foto 5 Comunidades tradicionais do Matopiba ... 71

Foto 6 - Acampamento Irmão Dorothy, Arraias (MA) ... 90

Foto 7 - Instalação, refeitório e transporte dos trabalhadores rurais ... 98

Foto 8 - Silos e instalações da Fazenda Santa Luzia ... 101

Foto 9 - Campanha da Bayer para as fazendas de soja do Tocantins: a força está no trabalho ... 105

Foto 10 - Entrada da Bunge em Balsas e Rio Coco (MA) e os acidentes de trabalho ... 107

Foto 11 - Guia de convênio do STTR de Araguaína ... 117

Foto 12 - Diversidade dos cerrados no Matopiba ... 160

Foto 13 - Diversidade dos cerrados no Matopiba ... 160

Foto 14 - Matopiba: uma disputa de projetos ... 167

Foto 15 - A soja como patrimônio ... 174

Foto 16 - Segurança armada no Matopiba ... 194

Foto 17 - Entre a religião, a resenha e a família: a moto ... 206

Foto 18 - Foto Cemitério de Mojuí dos Campos (PA) ... 207

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Reconhecimento jurídico da terra dos povos e comunidades tradicionais do

Matopiba ... 79 Quadro 2 - Mobilidade do trabalhador de acordo com tipo de propriedade e relação de

trabalho na região Matopiba ... 89 Quadro 3 - Conflitos e ameaças para os povos e comunidades do Matopiba ... 196

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Perfil dos Trabalhadores Resgatados – Brasil (2003 a 2017) ... 92 Tabela 2 - Fazendas de soja e trabalho escravo no Matopiba (2003-2017) ... 93 Tabela 3 - Acompanhamento dos Benefícios Auxílios-Doença Acidentários segundo CNAE, Brasil (2013-2017) ... 106

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Pessoal ocupado no agronegócio por segmento no Brasil entre 2012-2018 ... 121

Gráfico 2 - Número de trabalhadores no setor agropecuário nos estados do Matopiba (2012-2018) ... 122

Gráfico 3 - Trabalhadores empregados na sojicultura por categoria CNAE nos estados do Matopiba (2010-2017) ... 123

Gráfico 4 - Participação do custo de mão-de-obra na produção de soja por hectare na Bahia, Maranhão e Tocantins (2006- 2018) ... 138

Gráfico 5 - Número de tratores existentes nos estabelecimentos agropecuários por estado do Matopiba (1985-2017) ... 139

Gráfico 6 - Preço de terra de alta produtividade no Matopiba (2003-2017) ... 175

Gráfico 7 - Preço da terra de média e baixa produtividade no Matopiba (2003-2017) ... 176

Gráfico 8 - Preço da terra de cerrados no Matopiba (2003-2017) ... 177

Gráfico 9 - Evolução das áreas de lavouras permanentes no Matopiba (2000-2017) ... 181

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Municípios percorridos em trabalho de campo ... 26 Mapa 2 - Tipos de solo e localização de assentamentos, terras indígenas e quilombos no Matopiba ... 161 Mapa 3 - Localização dos assentamentos rurais, quilombolas e terras indígenas e Unidades de Conservação nos Matopiba ... 166 Mapa 4 - Evolução dos conflitos de terra no Matopiba e avanço da soja (2000- 2016) ... 184

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AATR/BA – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia

ABIOVE – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais

ABIPA – Associação dos Apicultores do Bico do Papagaio

ACT – Acordos Coletivos de Trabalho

Adapec – Agência de Defesa Agropecuária

Agerp /MA – Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Maranhão

AMB – Associação de Mulheres de Buriti

APA-TO – Associação dos Pequenos Agricultores do Tocantins

CCT – Convenções Coletivas de Trabalho

CDVCH/CB – Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán

CESDER – Centro de Estudios para el Desarrollo Rural

CENTRU – Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural

CEPEA/ESLAQ – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada

CIDECI-UNITERRA – Centro Indígena de Capacitación Integral

CIPATR – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes no Trabalho Rural

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CLASCO – Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNA – Confederação Nacional da Agricultura

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CNTRR – Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares

CRB – Confederação Rural Brasileira

COAPA – Cooperativa Agroindustrial do Tocantins

COMIVALE – Cooperativa Mista Valverde Ltda

Conab – Companhia Nacional de Abastecimento

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares

CONTAR – Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DERCA – Delegacia Especializada na Repressão de Conflitos Agrários

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

EFA – Escola da Família Agrícola

EJA – Escola de Jovens e Adultos

ELETRONORTE – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.

Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EZLN – Ejército Zapatista de Liberación Nacional

FAEMA – Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Maranhão

Fapcen – Fundação de Apoio à Pesquisa Do Corredor De Exportação Norte

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FETAEMA – Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão

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FETAG – Federação de Trabalhadores na Agricultura

FETAGRO – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Rondônia

FETAPI – Federação de Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins

GITE – Grupo de Inteligência Territorial Estratégica

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFMA – Instituto Federal do Maranhão

IFTO – Instituto Federal do Tocantins

IGCE/UNESP – as Instituto de Geociências e Ciências Exatas Unesp -Rio Claro

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

ISPN – Instituto Sociedade, População e Natureza

ITERTINS – Instituto de Terras do Tocantins

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Naturatins – Instituto Natureza do Tocantins

UAM – Universidad Autónoma Metropolitana

PA – Projeto de Assentamento

PDA Matopiba – Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba

PGC – Programa Grande Carajás

PLANTRE – Plano Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados

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POLOAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia

Provárzea – Programa de Várzea

PRODIAT – Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins

PRORURAL – Programa Estadual de Apoio ao Pequeno Produtor Rural

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONG – Organização Não-Governamental

SDR/PI - Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado do Piauí

Seagro – Secretaria da Agricultura, Pecuária e Aquicultura

Seplan – Secretaria da Fazenda e Planejamento

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural

SUB - Sistema Único de Benefícios

SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste

STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadores Rurais

TI – Terra Indígena

UESPI – Universidade Estadual do Piauí

UFPI – Universidade Federal do Piauí

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 27

CAPÍTULO I ... 44

VIOLÊNCIA, TRABALHO E ACUMULAÇÃO NA AGRICULTURA CAPITALISTA .... 44

1.1 Mobilidade e terra: construindo a região Matopiba ... 45

1.2 Camponês, indígena, quilombola e povos e comunidades tradicionais ... 71

CAPÍTULO II ... 81

TUTAMEIA E TRABALHO NA REGIÃO MATOPIBA ... 81

2.1 Tutameia, mobilidade e exploração ... 82

2.2 Constituição dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais no Matopiba .. 110

2.3 Os STTR’s no contexto do avanço da soja e da precarização do trabalho ... 119

2.3.1 Acordos Coletivos da Soja no sul do Maranhão ... 126

2.3.2 Acordos e Convenções Coletivos da Soja no sul do Piauí ... 129

2.3.3 ACT dos trabalhadores e trabalhadoras assalariadas da Bahia ... 133

2.4 Buscando a terceira margem: invisibilidade do trabalho nos custos de produção da soja ou quando o trabalhador assalariado agrícola não é mais camponês ... 135

CAPÍTULO III ... 144

TERRA, SOJA E ACUMULAÇÃO NO MATOPIBA ... 144

3.1 PDA Matopiba e o avanço da soja ... 146

3.1.1 A criação de uma região e o avanço da soja ... 146

3.1.2 PDA Matopiba: cerrados ... 159

3.3 Matopiba e o mercado de terras ... 168

3.4 Violência e avanço dos conflitos no Matopiba ... 179

3.5 Conflitos: as faces da hidra e o diabo (e a imanente crise do capital) ... 204

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 217

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CONVENÇÕES

‘entre aspas simples’: neologismos; sentido particular de alguma palavra ou expressão; termos e expressões coloquiais e utilizadas pelos camponeses, quilombolas e povos e comunidades tradicionais do Matopiba.

“entre aspas”: relativização de expressões e conceitos.

“itálico entre aspas”: reprodução de falas e entrevistas diversas realizadas nos trabalhos de campo. As falas e entrevistas não acompanham a formatação da citação ABNT para referências bibliográficas. Acredito que as reflexões permitidas pelas entrevistas caminham juntamente com as reflexões realizadas a partir das referências bibliográficas, de forma que a diferenças entre as formatações não devam reforçar desigualdades entre as formas de saberes. Esteticamente, os recuos da margem esquerda de 4cm para as entrevistas deixariam o texto mais prolixo e cansativo ao leitor. Os registros e entrevistas realizadas juntamente com assentados, acampados, camponeses, trabalhadores rurais, lideranças de movimentos sociais, consultores de ONG’s, advogados populares, gerentes de fazendas de soja, funcionários públicos também compõem com mesma relevância a escrita da autora, apesar dos entrevistados e entrevistadas não terem responsabilidade acadêmica, legal ou ideológica sobre a tese aqui apresentada.

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PREÂMBULOS (OU REMEMBRAMENTOS)

La papa “sabe” El hombre puede “saber” (Esquema para analogía 2, Victor Grippo) Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas... Grande Sertão: veredas, João Guimarães Rosa (p.523)

O capitalismo é o senhor do tempo. Mas tempo não é dinheiro, isso é uma brutalidade. O tempo é o tecido de nossas vidas. Discurso de Antônio Cândido na inauguração da Biblioteca da Escola Nacional Florestan Fernandes

Os recursos não chegariam, mesmo que minguados, se não tivesse essa luta aí. A escola não chegava, o Pronaf não chegava, o salário, a aposentadoria não chegavam, o atendimento à saúde não chegava. A questão dos filhos de pobre ir pra universidade não ia acontecer... tudo isso se deu da luta do trabalhador que talvez nem esteja mais entre nós, mas começou lá. Antônio Criolo, Comissão Pastoral da Terra (MA). Entrevista de campo

¿Puede el pensamiento crítico por sí solo “desmontar la persistencia de la Hidra del sistema? ¿Necesita el Yolao de la confrontación con la realidad? O al revés: ¿puede la lucha organizada de abajo, por si sola, liquidar a la Hidra Capitalista? […]¿Podríamos, solas-solos-soloas, ya no digamos llevar al núcleo fundacional de la Hidra, sino siquiera alcanzar a definir cada una de sus variadas cabezas? Si, de acuerdo, demasiadas preguntas. Y desordenadas, sí. E incompletas, claro. El Pensamiento Crítico Frente a la Hidra Capitalista I, Comisión Sexta del EZLN (p.280-281)

E tem o pai da mata. É ele que governa a mata. Diz que quando o pessoal tá derrubando a mata, aí diz que a gente ouve o clamor dele, porque estão devorando a mata [...] Fica triste e clama. Dá um tipo de fantasma que aparece pro pessoal, porque dá uma tristeza muito funda nas pessoas Regina Sader. Histórias do Estevão, Espaço e Lutas no Bico do Papagaio.

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INVENTÁRIO

1 impeachment

906 mortos, desaparecidos e feridos no campo

5 trabalhos de campo

39 sinusites

13 hospícios

4 carnavais

3.710.432 hectares de soja

1.764 conflitos por terra

28.309.178 vacas

8.498 templos

(distorcido e modificado a partir da obra de Juan Bercetche, 1973. Os números apresentados estão embasados no processo de vivido do término da tese, nos dados de 2018 do IBGE e nos Cadernos do Campo da CPT, SUS para os números de hospícios, e estimativa derivada de compilação de dados para o número de templos)

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Mapa 1 - Municípios percorridos em trabalho de campo

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INTRODUÇÃO

Boas tardes, dias, noites, madrugadas, aqueles e aquelas que se dispuseram a ler este texto, sem se importar com seus calendários e geografias1.

A pesquisa aqui desenvolvida tem como intuito captar as formas de acumulação do capital globalizado via avanço da sojicultura. As observações e análises propostas, a partir de alguns pilares – terra, acumulação e trabalho – foram realizadas nos estados do Tocantins, sul do Maranhão e Piauí e oeste da Bahia, região de diversos projetos agrícolas estatais e federais e que constituem a região Matopiba. Neste âmbito, realizei um debate crítico sobre a formação da região, a mobilidade do trabalho e suas transformações bem como o mercado imobiliário de terras agrícolas e do mercado de commodities2.

Gostaria de acreditar na ciência como os zapatistas a definem: racional, coletiva, sistemática e falível. Falível sempre serei como indivíduo, e falível sempre será uma tese. A tese que agora pode-se ler, abarca a tentativa de sistematizar algumas questões estudadas e vivenciadas, um recorte e uma mirada subjetiva dos temas dissertados.

Na etapa do mestrado o mote foi pesquisar sobre a expansão da fronteira agrícola, focando no circuito espacial produtivo da soja. Adoto para minha teses o signo da paixão gramsciana presente no livro “Elegia para uma Re(li)gião” , escrito por Francisco de Oliveira (1981): de “colocar-se em uma posição e, mediante essa colocação e por causa dela, tentar entender uma tragédia” (p.13).

Compartilho dos sentimentos de Regina Sader, que estudou o Bico do Papagaio e também criou uma relação de paixão com sua investigação. Ela diz: “é verdade que a paixão pode amplificar os fatos, supervalorizá-los, mas a relação de conhecimento permanece possível” (1986, p.17). Aqui sigo, numa nova etapa acadêmica, agora estudando uma região um pouco mais ampla – mas que começou e que até hoje abarca o Tocantins.

1 Traduzido e adaptado livremente do Livro zapatista “El Pensamiento Crítico Frente la Hidra Capitalista I”,

sem edição precisa, editora ou ISBN.

2

Por commoditiy entendemos um produto primário ou semielaborado, mineral ou agrícola, padronizado mundialmente, cujo preço é cotado nos mercados internacionais em bolsas de mercadorias. Trata-se de uma criação não apenas econômico-financeira, mas também política, que submete o produtor das commodities agrícolas a uma lógica mundial (CASTILLO, 2011).

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O conceito de abdução de Peirce (1998) foi uma das formas escolhidas para mirar as paisagens, histórias e problemáticas que foram compartilhadas no campo; processo que gerou hipóteses para dar conta dos eventos que me surpreendem, sejam acadêmicos ou cotidianos. Sob a lógica da abdução, afasto-me das aplicações de regras e preconceitos gerais para não reduzir o texto a uma pré-formatação e, assim, tentar caminhar sobre o possível e conjectural. O início de qualquer pesquisa seria então, a abdução. Aliada à surpresa, a abdução nasce da ruptura de um hábito, da quebra de um pensamento pré-concebido ou de uma expectativa, criando uma outra racionalização, uma nova regulamentação, uma outra forma de ver3 (PEIRCE, 1998).

Não estamos aqui escrevendo para provar determinadas afirmativas, já que as incertezas transbordam os limites da página, incertezas que evidenciam o desafio de estudar movimentos recentes do capitalismo na agricultura brasileira. O central aqui é a permanência do olhar crítico aos intuitos propostos. O importante, talvez, seja a forma ou o caminho que se toma para concatenar as ideias, onde alguns pingos nos i’s, juntos, formam na verdade reticências ...

Neil Smith nos indica uma direção: “o valor de uma teoria reside mais nas suas provocações do que nas suas afirmativas. Suas provocações levam-nos a ver ligações, relações e perspectivas que são raramente perceptíveis na segurança da vida diária e simbiose entre teoria e pesquisa empírica” (1988, p.08), nos afastando da construção de verdades; ou como Victor Grippo nos leva a refletir: “La papa “sabe”/El hombre puede “saber”” (aspas do original).

O pensamento crítico inerente à forma ensaio desafia e questiona a verdade totalizante imposta sobre as experiências singulares. Porém, esse próprio pensamento sabe, por outro lado, que a verdade não pode ser limitada pelo olhar individual. É nessa relação, nesse campo de incerteza em que não há um fechamento absoluto entre geral e particular. Na verdade, o ensaio busca sair dessa contradição a partir da própria contradição, ou seja, seu objetivo nada mais é do que a busca de um conhecimento geral, mas não totalizador.

3 Como aponta Aldous Huxley, em seu livro “A arte de ver” (2000), a maioria dos “defeitos de visão” são

funcionais, devido a hábitos defeituosos, ligados ao estado de esforço e tensão de nossos cotidianos, esforço que afeta não só o corpo, devido à natureza unitária do organismo humano, mas também a mente. O trabalho de campo, seria assim, também uma forma de (re)aprender a ver.

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Devido à extensão da região de estudo, só foi possível concluir a tese com apoios, amizades, estudos, materiais, artigos e teses já desenvolvidos sobre o tema. Esse trabalho só não tem uma autoria compartilhada por não ser possível quebrar tal formalidade acadêmica, assumindo individualmente os argumentos e posições construídas nesta tese.

Descobri uma tese de autoria coletiva no Departamento de Desarrollo Rural da Universidad Autónoma Metropolitana, México4. Lá também descobri uma universidade que está em constante diálogo com as comunidades e com os movimentos sociais. A tese que aqui estou defendendo é uma tentativa de reverberar um pouco do que pude ver ao longo dos trabalhos de campo, entrevistas e conversas. Uma publicação, que desfrutei e tenho orgulho de ter participado, foi “Dona Francisca: Entre Cabaças, Caminhos De Luta e Sementes de Resistência”, publicada no dossiê Matopiba da Revista NERA (2019)5

, de autoria de Dona Francisca Pereira, Mariana Conceição e minha. Porque se trata de dar a autoria àquela que nos recebeu em sua casa e transmitiu conhecimentos, que não estão presentes em nenhuma dezena de artigos, ou estão lá, sem reconhecê-la ou citá-la. Significou receber a aprovação de uma camponesa, mulher, liderança, guerreira que leu e gostou do que viu, deu visto para publicar. Significou mudar, nem que seja um pouco, o formato do discurso, tentar caminhar ao lado e não à frente.

Sobre os dados, sistematizei uma gama de informações a partir de dados secundários (públicos e privados) e entrevistas (semi-estruturadas e não-estruturadas), que compõem um pilar metodológico da tese. São referências sobre o tema estudado, especialistas locais. Tais especialistas também têm suas formas de sistematizar – não necessariamente a forma escrita, na qual vejo como uma forma de divulgar, semear, racionalizar, dar ênfase a um tipo de debate crítico. Há uma polifonia na construção do olhar crítico da tese, a partir das entrevistas de secretários de agricultura, instituições diversas dos governos estaduais e municipais, ONG’s sindicatos e movimentos sociais, somando cerca de 70 entrevistas. Algumas entrevistas de instituições e movimentos do sul do Piauí foram cedidas pela Rede Social de Justiça. Foi mantido o nome real daqueles e daquelas que ao longo das entrevistas quiseram ter suas vozes identificadas. A sistematicidade adotada tenta se assemelhar ao exercício de classificação dos camponeses, que diariamente, inventariam o conhecimento dos

4 Carreón, Areli y San Vicente, Adelita. La disputa por el maíz: comunalidad versus mercantilismo en el debate

del maíz transgénico, tesis de maestría en Desarrollo Rural, UAM-Xochimilco (2011).

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bichos, da lua, das plantas. Separam as plantas de comer, de curar, que alimentam. Compreendem processos históricos, se reinventam.

Eu perguntei se não aprendiam nada de Geografia. Não precisa, disse um deles, isso a gente aprende é no pé. Os igarapés vão pro Tocantins. O Tocantins desce pro mar, é só olhá, né? No topo daquele monte não serve pra plantá. A terra é ruim. No baixo é boa. É no pé mesmo, andando e olhando (SADER, 1986, p. 105).

Fiz levantamentos bibliográficos a partir de materiais impressos de sindicatos, órgãos estatais e outras instituições e entrevistas de campo. Sobre os levantamentos bibliográficos, tentei incluir autores e autoras latino-americanas; trabalhos desenvolvidos de autoria das universidades presentes na área de pesquisa, dialogar para além das referências masculinas, brancas e dos “centros” no intuito de diversificar olhares. Realizei 5 trabalhos de campo, percorrendo os estados do Tocantins e Maranhão, Piauí e Bahia ao longo dos anos em que desenvolvi a pesquisa de doutoramento. Ainda sobre a região, é importante registrar que tenho visitado sistematicamente estes estados desde 2012, principalmente o Maranhão e Tocantins, sendo que neste último desenvolvi um trabalho junto a Comissão Pastoral da Terra (CPT) por cerca de dois meses em Araguaína (TO). Além disso, empreendi visitas técnicas e diálogos com a Embrapa, instituição responsável por realizar notas técnicas e mapeamentos que respaldaram o PDA Matopiba.

Diferentemente dos trabalhos que vem discutindo a região do Matopiba, buscou-se compreender como essa região, que aparentemente parece ter surgido nos anos 2010 a partir da expansão do agronegócio e de um Plano de Desenvolvimento Agrícola, na verdade, vem sendo moldada pelas relações capitalistas via expropriação dos camponeses e projetos agrícolas desde o início do século XX. Um dos caminhos que tentou-se traçar é, como diferentes “regiões”, diferentes processos territoriais culminaram na região econômica do PDA Matopiba e como o capital tenta homogeneizar espaços para viabilizar processos de acumulação.

O Matopiba, foi oficialmente materializado pelo Decreto 8.447, em maio de 2015, criando um marco que conectou diversas ações do Estado agroexportador como promotor do avanço da fronteira agrícola moderna no país - plantio, implicações normativas e logísticas na produção e circulação das commodities. De acordo com as notas técnicas, disponibilizadas pela Empresa de Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a delimitação territorial proposta para o Matopiba abrange 31 microrregiões do Instituto Brasileiro de Geografia e

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Estatística (IBGE), 337 municípios em uma área total de 73.173.485 ha. Além disso, a região engloba 324.326 mil estabelecimentos agrícolas (MIRANDA et al., 2014).

A delimitação territorial proposta para o Matopiba corresponde a 33% da extensão territorial do estado maranhense; 08 microrregiões localizadas em 139 municípios, e abarcando uma área de 27.772.052 ha, correspondendo a 38% do estado tocantinense; 04 microrregiões distribuídas em 33 municípios abrangendo uma superfície territorial de 8.204.588ha, representando 11% do estado piauiense e por fim 04 microrregiões espacializadas em 30 municípios, compreendendo 13.214.499 hectares, representando 18% do estado baiano (BRASIL, 2015).

Entendo que a adoção da região delimitada pela Embrapa como Matopiba está inserida dentro do contexto dos cerrados do centro-norte. A tese tem como enfoque o Matopiba, acrônimo criado a partir da necessidade do agronegócio de nomear a área de expansão da fronteira agrícola no início dos anos 2010 e posteriormente delimitada e planificada pelo Estado brasileiro, culminando no PDA Matopiba. Diversos deputados, unidos na Frente Parlamentar sobre o Matopiba, reuniões na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, reuniões no Ministério dos Transportes (ALMEIDA; SODRÉ; MATTOS JÚNIOR, 2019), estudos e notas técnicas da Embrapa, Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE) foram fundamentais para criar a região Matopiba como ferramenta (RIBEIRO, 2004).

Com mudanças políticas após o impeachment da presidenta Dilma Rouseff em 2016, as diretrizes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) deixaram de priorizar a execução do PDA Matopiba, especialmente após o fechamento da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos do Matopiba em 2015 e a saída da ministra tocantinense Kátia Abreu da gestão do MAPA. O PDA, enquanto um plano de desenvolvimento territorial integrado, não foi executado, e poucas ações foram implementadas, na qual o término da ferrovia Norte-Sul é um dos exemplos. Apesar das alterações dos rumos políticos, os investimentos privados na região não cessaram, bem como a expansão da fronteira agrícola. O avanço do capital independe da formalidade estatal, movimento em marcha na região há pelo menos 30 anos.

Utilizei como recorte espacial a delimitação proposta pelo PDA Matopiba, por identificar os movimentos de consolidação do agronegócio via capital nacional, e na última década, um crescente avanço do capital estrangeiro. Apesar do Matopiba ser considerado uma

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“as últimas áreas de fronteira agrícola da soja”, a tese irá apontar para uma região nada homogênea, distanciando-se do conceito da região da Geografia econômica de Boudeville (1972) e aproximando-se do conceito de região econômica e política discutida por Toledo6 (2008), Haesbaert (2010), Oliveira (1981) e Oliveira (2016)

A relação entre homem e natureza toma um formato quase dicotômico desde o início do capitalismo industrial, levando a interpretações binárias do que seria o homem e a natureza – como se houvesse uma intencionalidade, um finalismo guiado, como se fossemos o pináculo da evolução. O resultado “humano” e “natural” a que chegamos difere-se da interpretação darwiniana de que a tendência à perfeição, jamais alcançável, estaria em termos de adaptabilidade ao ambiente (GERALDINO, 2016).

É essa transformação (não) finalista da natureza que mostra como o vírus capitalista se reproduz, contamina e se apropria de conceitos como seletividade, adaptabilidade, como aponta a moral do filme “Trabalhar Cansa” (2011). Este retrata o ápice da superstição secundária, conceito adorniano no qual o oculto deixa de ser o místico, o marginal, para se tornar o institucionalizado, objetivado e amplamente socializado7. “O ocultismo moderno está ligado à sociedade capitalista avançada não só por sua relação de transformação de tudo em mercadoria, mas também por sua analogia ao totalitarismo”, levando às últimas consequências o caráter de fetiche da mercadoria (RESENDE, 2006, p.133). Na última cena do filme, um mago do mundo corporativo, uma espécie que nos anos 2010 desdobra-se no coaching, esbraveja para uma sala cheia de homens vestidos em seus ternos sóbrios: “A questão é: como se destacar? Hum?! Como vencer na selva? Para responder essas perguntas, o homem moderno tem que retomar o contato com suas raízes. Entrar em contato com o seu lado primitivo, canalizar essa energia animal para sua profissão”. A aproximação com nossas raízes, neste caso, sempre mediada pelo trabalho.

6 Ver também Heidmann; Toledo; Boechat (2014) E Boechat; Pitta; Toledo (2019). 7

Como diria SupGaleno do EZLN no livro “El Pensamiento Crítico Frente a la Hidra Capitalista I” (2015), em diálogo com Paul Klee e Walter Benjamin: “para consejos, queridoas amigoas y enemigoas, hay filosofias, religiones, pseudos-ciencias, [horóscopos, completaria Adorno], partidos políticos institucionales, la pomada de tigre, el té de armadillo, el ungënto de víbora de cascabel, la homeopatia, los cursos de supercíon personal, las técnicas de como ganar amig@s, likes, fllowers, elecciones, encuestas, en fin, um lugar relevante en la posmodernidad” (p.281).

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A humanidade8 estaria caracterizada por uma adaptação ativa, um metabolismo que, por meio do trabalho, cria condições materiais de sua própria reprodução, recordando os ideais modernos (tanto socialistas quanto capitalistas) que o “homem” é substituído por um “super-homem”, empenhado em quebrar as barreiras naturais tradicionais por novas formas planificadas e projetadas (ECHEVERRIA, 1998). A apropriação de homens e mulheres da sua própria natureza é parte da transformação da natureza em ser humano. Em virtude dessa constituição interna do trabalho9, a situação típica do ser humano é a reprodução ampliada, que está expressa nas relações autonomizadas aos homens e mulheres, reduzidos a essa contradição em processo.

Não é a unidade do ser humano vivo e ativo com as condições naturais, inorgânicas, do seu metabolismo com a natureza e, em consequência, a sua apropriação da natureza que precisa de explicação ou é resultado de um processo histórico, mas a

separação entre essas condições inorgânicas da existência humana e essa existência

ativa, uma separação que só está posta por completo na relação entre trabalho assalariado e capital (MARX, 2011, p.648 – grifos da edição).

Determinar um tipo de uso a natureza (inclusive o próprio corpo) é determinar um tipo de apropriação mediada por um aspecto do trabalho – que nas vias da especialização e da troca, mediada pelo dinheiro, faz com que os homens e mulheres se afastem cada vez mais da natureza (MARX, 1986).

Na maioria dos países industriais avançados, temos dominado as forças naturais para colocá-las a serviço do homem; assim, multiplicamos a produção ao infinito, de modo que uma criança produz hoje mais do que uma centena de adultos no passado. E qual é o resultado? Um excesso de trabalho cada vez maior, a miséria sem cessar crescente das massas, e a cada dez anos, a explosão de uma tremenda crise. Darwin não se dava conta da sátira tão amarga que escreveu sobre os homens (ENGELS, 1961 p.17 - tradução livre).

8

Na obra de Peter Sloterdijk, há uma crítica ao humanismo e sua ideia de "homem", a partir de uma polaridade entre civilização e barbárie, o humanismo é proposto como uma tecnologia para a formação/educação dos homens, partindo de uma noção de "homem" que sobrevive à barbárie, que a educação correta pode domesticar. Em “Normas para o parque humano” (2003), Sloterdijk levanta a crise do humanismo a partir do craqueamento da imagem do homem “adestrado”, mais que necessário para o avanço das relações não somente subjugadas, mas fetichizadas pelo capital. Além disso, é inevitável observar como as atuais ondas conservadoras se utilizam dos valores civilizatórios.

9

"trabalho" é um conceito que mascara sua constituição na experiência burguesa, protestante e iluminista do mundo - o ethos de dominação da natureza (e do feminino, do de cor, do estrangeiro etc.) - do homem branco, viril, maníaco pela atividade, que tende a perder a capacidade da própria experiência da diferença e da qualidade (KRISIS, 1999, p. 08).

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Antes da primeira metade do século XX, o trabalho ainda era tido como um motor indispensável ao processo de acumulação capitalista, centrado na produção de mercadorias (KURZ, 1993). No entanto, a atual forma social passa a não precisar produzir a vida enquanto momento essencial de sua manutenção, não mais central ao processo de acumulação. Ou seja, a vida não é mais um elemento indispensável. Mas o que acontece quando se abre mão da produção da vida em larga escala? A barbarização das relações espaciais foi uma das formas encontradas para garantir o funcionamento débil de um sistema focado na valorização a partir de elementos fictícios. Os corpos que caminham e possuem uma “vida sem valor” (AGAMBEN, 1999), totalmente despojados de suas terras e sem a possibilidade de criar valor a partir do trabalho podem ser aniquilados.

A “dominação da natureza”, pressuposto do desenvolvimento da agricultura e o fim do nomadismo10, pressuposto para sobrevivência e criação de assentamentos11, é de certa forma a principal linha de “compreensão” da evolução da sociedade. “A dominação da natureza é uma realidade aceita por todos, quer ela seja vista com espanto, como uma medida do progresso humano, ou com temor, como um trágico prenúncio de um desastre eminente” (SMITH, 1988, p.27).

Seja ou não hostil, o fato da exterioridade da natureza é o bastante para legitimar a dominação da natureza; de fato, esse próprio processo de subjugação veio a ser tratado como "natural". Em segundo lugar, e mais importante hoje, é a função ideológica da concepção universal. Isso não mais atua como um quadro retórico" para justificar a conquista da natureza exterior e nem um pouco como uma visão moral que estimule o comportamento social adequado à classe dominante. Essas funções vieram juntas. O efeito é ainda o da conquista — ou mais precisamente, o controle — e a meta é ainda o comportamento social [...] A competição, o lucro, a guerra, a propriedade privada, o erotismo, o heterossexualismo, o racismo, a existência de ricos e de despossuídos, ou de "caciques e índios" — a lista é infinita — tudo isso é considerado natural. A natureza, e não a história humana, é considerada responsável; o capitalismo é tratado não como historicamente contingente mas como um produto inevitável e universal da natureza que, enquanto

10

“A passagem do nomadismo pastoril à agricultura sedentária é o fim da liberdade ociosa e sem conteúdo, o princípio do labor. O modo de produção agrário em geral, dominado pelo ritmo das estações, é a base do tempo cíclico plenamente constituído. A eternidade é-lhe interior: é aqui embaixo o regresso do mesmo. O mito é a construção unitária do pensamento, que garante toda a ordem cósmica em volta da ordem que esta sociedade já realizou, de fato, dentro das suas fronteiras” (DEBORD, 1997, p.86).

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“Curiosamente, foi o Velho Testamento que melhor se ajustou em essência à cultura aborígene. De fato, em Levítico é possível encontrar interditos relacionados à mutilação durante períodos de luto, bem como a prática de comer répteis ou animais selvagens como avestruzes [...]. Ao ler a Bíblia, após minha primeira estada na Austrália, fiquei extremamente impressionada com o fato de que o Levítico normaliza, à sua própria maneira, a passagem da vida de caçadores nômades para a de agricultores sedentários. Os alimentos proibidos são todos os recursos selvagens que permitiram os povos orientais – bem como em outras regiões do mundo – sobreviverem sem que tivessem que cultivar a terra ou criar animais. Proibir o acesso a esses recursos pode ser considerado uma justificativa a posteriori para o cultivo da terra e para uma certa sedentarização” (GLOWCZEWSKI, 2015, p. 104)

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ele possa estar hoje em pleno apogeu, ele pode ser encontrado na antiga Roma ou entre bandos de macacos saqueadores, onde a sobrevivência do mais apto é a regra. O capitalismo é natural; lutar contra ele é lutar contra a natureza humana (SMITH, 1988, p.45-46).

As problemáticas da natureza, do trabalho, do espaço são juntamente mimetizadas pelo próprio capital. A crise capitalista, representada no pensamento zapatista pelo monstro da hidra, nos remete ao processo inexorável de reprodução ampliada, reificação e violência no qual estamos submetidos, mas que também alimentamos.

la hidra es ese ser mitológico con muchas cabezas, que anuncia muerte y sufrimiento, y no solamente lo anuncia sino que lo cumple, es decir que no se queda sólo en la teoría. Un ser que corrompe y envenena el aire, que es el mal de la hidra que la gente tenía que dejar sus tierras, las cuales ya no podrían labrar, en las cuales a sus muertos yo no podían sepultar. Y la hidra era tal que al cortarle alguna de sus cabezas salían tres más […]Y en ese sentido autocrítico, digo que soy yo, que somos nosotros también la hidra, somos alguna de sus cabezas, o tal vez varias ¿Son – me pregunto, nos pregunto – nuestros cuerpos individuales y colectivos el lugar donde la mitología y la biología se unen? ¿Dónde la hidra mitológica se encuentra y se reconoce con el ser biológico? Somos a la vez cabeza de hidra y la espada que la corta. Somos víctimas y victimarios. Sistema y antisistema. Somos los críticos y, como ayer lo dijo SCI Moisés, los que idealizamos (Pensamiento Crítico Frente a la Hidra Capitalista tomo II, 2015, p.186).

A peculiaridade da atual crise é seu caráter multidimensional (BARTRA, 2013): civilizatória, econômica, política, ecológica, alimentaria, sanitária, etecetera. Sua dimensão múltipla não é resultado de uma relação unilateral, já que a crise civilizatória expressa conflitos políticos, resultado das correlações de poder de um determinado tempo histórico, que define formas e tempos da vida.

El ser humano si algo tiene es su capacidad de definir su propio mundo, de definir las formas en las formas de convivencia en las que quiere desarrollarse, de darse forma así mismo y de construir su mundo. Esta es la libertad del ser humano, porque esa cualidad le ha sido enajenada por un sujeto sustitutivo, esta idea es la más importante en Marx para hablar del problema civilizatorio. Ese sujeto substitutivo aparece en la circulación de mercancías y ese sujeto sustitutivo, explica Marx, es el valor económico, el valor la mercancía, el valor de la mercancía capital: el valor que se valoriza. Ahí donde circulan los valores de uso como mercancías, aparece una forma, un virus diríamos ahora, que hace que aparezca un valor muy peculiar que es el de la mercancía capitalista. Ese valor tiene como característica fundamental que se autovaloriza. La riqueza para Marx es una cantidad de dinero viva que genera plusvalor. Este valor que genera plusvalor es el que sustituye al ser humano como sujeto, y se convierte en un dictador que lanza sus órdenes desde la esfera de la circulación. La sociedad humana no tiene ya la capacidad de decidir por si misma, ha perdido su subjetidad, la capacidad de dirigir estaría en la mano secreta del mercado, guía da por este pequeño virus que es el sujeto sustitutivo: el valor que se valoriza (ECHEVERRÍA, 2010, p.06-07).

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Essa subjetividade humana, que tem como pressuposto o controle da natureza e seu manuseio como projeto e extensão da humanidade, aparece em um primeiro momento como ferramenta para alcançar a liberdade. No entanto, Marx incansavelmente demonstra em o Capital (2013) que tal liberdade só é permitida a partir de processos e relações reificadas, mimetizando nossos corpos como mera força de trabalho. A falsa liberdade alcançada pela suposta dominação da natureza nos aprisiona a partir da reprodução de relações cada vez mais viciosas. Se a positivação do trabalho já apresentaria problemas (e limites) ao sistema produtor de mercadorias, uma vez que desde a década de 1970 o sistema capitalista vive uma superprodução de mercadorias, ou melhor – a produção de coisas que não mais se efetivam como troca, não se efetivam como mercadoria –; a valorização a partir da ficcionalização das relações capitalistas apresentará uma face capitalista de uma monstruosidade sem precedentes.

Talvez uma das monstruosidades dos tempos atuais seja violentar-nos de tal forma que inclusive nosso lado animalesco é apropriado, regurgitado nas inúmeras formas de violência. Não uma violência naturalizada, mas uma violência tecnificada12. A violência naturalizada seria uma violência inerente a sociedade, uma violência incontornável, inelutável a tudo que é bicho-humano. A violência naturalizada é perene em qualquer sociedade, porque as tensões em uma sociedade viva são permanentes, sendo necessário entender a violência, por exemplo, da relação homem-natureza, constitutiva de movimentos violentos, criação e destruição, assim como Luckás (2010) reconhece a violência como algo indissociável da sociedade. No entanto, é a violência tecnificada que fortalece a dicotomia entre homem-natureza, baseado numa modelo técnico cada vez mais especializado e fragmentado e em uma necessidade crescimento macroeconômico falida.

A violência tecnificada está mascarada no Estado, nas frentes civilizatórias, no trabalho, no letramento, no conflito de interesses, no poder. A sociedade torna-se mais mortífera quanto mais o Estado se utiliza de seu monopólio da violência, “pacificando”13 as relações sociais de maneira profunda. Echeverría (1998), retoma a ideia de Marx e Horkheimer da mão invisível carregada de um só sentido, em que a sociedade seria o lugar das desigualdades, estrutural e sistematicamente reproduzida, movida por classes com

12 Ver Pedro Duarte, “as novas formas de violência” e Maria Rita Khel, “contra a lei do mais forte” e “Do mito

fundador ao assassinato do pai”. Vídeos para Seminário Sesc “Mutações: fontes passionais da violência, realizado em São Paulo no ano de 2014. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FgkdDlFtmSI

13

Sobre o conceito de paz, também ver o poema de Marcelino Freire, “Da paz”, na obra “Rasif: mar que arrebenta” (2008).

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interesses não só distintos, mas irreconciliáveis: “vivir y dejar vivir es la norma de la sociedad civil” (p.06).

Sobre a pacificação da sociedade, lembro de um comentário feito pelo prof. Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira na minha defesa de mestrado, afirmando que a fronteira no Tocantins já estaria “pacificada”, sendo mais “tranquilo” para a realização de trabalhos de campo, ou desenvolvimento de uma pesquisa. Apesar do Estado ainda não ser onipresente no território tocantinense, de fato ele possui o monopólio da violência. Acredita-se que a área de estudo aqui proposta não esteja ainda “pacificada”: a intensificação de conflitos no Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão mostra as dificuldades do capital se adentrar nos rincões do país. Somente no ano de 2016, o Maranhão registrou 154 conflitos de terras numa zona de 1.419.869ha, na Bahia 98 conflitos, envolvendo cerca de 518 mil hectares, Piauí 34 conflitos em uma área de 19.323ha e no Tocantins, 66 conflitos, litígio de aproximadamente 90mil ha. Os números registrados para o ano de 2016 são maiores do que a somatória dos conflitos ocorridos nos últimos 10 anos (CPT, 2017).

Bolívar Echeverría (1998) apresenta o conceito de violência dialética, aquela que está subtraída em toda a constituição do mundo social. Uma violência “benigna”, “que saca de naturalidad al ser humano, reprimiendo o fortaleciendo desmensuradamente determinados aspectos de su sustancia animal, para adecuarla sistemáticamente en uma figura de humanidad” (p.12); uma violência que se converte como feito harmônico, como uma necessidade estratégica de sacrificar certas possibilidades de vida em favor de outras dentro de uma supervivência comunitária – quase como uma autoviolência, um sacrifico criativo. A ideia de violência dialética, “benigna”, construtiva ou paideica está, sem dúvida, como pano de fundo da vida humana institucional e civilizada14.

Atualmente, esse tipo de violência justifica os avanços (neo)desenvolvimentistas na região Matopiba e também na Amazônia, a implementação de megaprojetos, a destruição dos biomas para avanço da fronteira agrícola e supressão dos povos e comunidades

14 Poder-se-ia abrir um parêntese aqui para discutir formas de violência e fascismo, prato que estamos comendo

diariamente na sociedade brasileira ao longo dos anos que realizei a tese (2015-2019), passando pelos governos da Dilma Rouseff (PT), Michael Temer (PMDB) e Jair Bolsonaro (PSL). No exame de qualificação, houve um debate sobre como a sociedade cultivou um grande conhecimento técnico de forma alienada, e aqui poder-se-ia debater a partir das ideias de Adorno e também do que vem sido discutido pelo Paulo Arantes. A técnica é utilizada como um grande poder destrutivo, ou um “poder da maioria do Estado” via alienação dos meios políticos, no qual as comunidades quilombolas, indígenas e camponesas devam ser varridas para dar espaço a expansão do agronegócio. Apesar da técnica, da violência e do fascismo serem um prato cheio para análises da atual conjuntura, a tese dialoga apenas com os dois primeiros conceitos: violência e técnica.

Referências

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