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Cinara da Palma Segabinazzi AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E O PAPEL DAS MULHERES: CANDOMBLÉ E CULTURA NO SÉCULO XX

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Academic year: 2019

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Cinara da Palma Segabinazzi

AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E O PAPEL DAS MULHERES: CANDOMBLÉ E CULTURA NO SÉCULO XX

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Cinara da Palma Segabinazzi

AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E O PAPEL DAS MULHERES: CANDOMBLÉ E CULTURA NO SÉCULO XX

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Sociais e Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História – Licenciatura Plena em História.

Orientadora: Profª. Drª. Nikelen Acosta Witter

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Cinara da Palma Segabinazzi

AS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E O PAPEL DAS MULHERES: CANDOMBLÉ E CULTURA NO SÉCULO XX

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Sociais e Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História – Licenciatura Plena em História.

______________________________________________________

Profª. Drª. Nikelen Acosta Witter – Orientadora (UNIFRA) ____________________________________________________ Profª. Ms. Roselâine Casanova Corrêa (UNIFRA)

____________________________________________________ Prof. Ms. Alexandre Maccari Ferreira (UNIFRA)

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Agradecimentos

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RESUMO

As religiões de matriz africana têm reservado às mulheres um papel de grande relevância. No entanto, muitas são as dúvidas quando falamos sobre religiões afro-brasileiras: O que são? Como se originaram? Quais as diferenças entre elas? Quem são os seus adeptos? Tentar responder essas dúvidas, tendo em vista uma compreensão histórica do desenvolvimento dessas religiões no Brasil é o objetivo deste trabalho, bem como entender o papel das mulheres em seu interior. Acompanhando os africanos desde a saída de seu continente original, quer-se perceber e relevar suas lutas por ações afirmativas de sua cultura. Neste contexto, o papel das mulheres no interior destas religiões – notadamente no Candomblé – foi fundamental para a continuidade dos costumes, daí o interesse em compreender sua posição.

Palavras-chave: Religiões afro-brasileiras; mulheres no candomblé; tradição.

ABSTRACT

The African religions have a role reserved for women of great relevance. However, there are many questions when we talk about african-Brazilian religions: What are they? How they originated? What are the differences between them? Who are your followers? Try to answer these questions, with a view to understanding the historical development of these religions in Brazil is the objective of this work as well as understand the role of women within it. Accompanying the Africans since the departure of its original continent, we want to understand and reveal their struggles for affirmative actions of its culture. In this context, the role of women within these religions - notably in Candomblé - was essential to the continuity of customs, hence the interest in understanding his position.

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LISTA DE QUADROS

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1.BREVE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES AFRICANAS NOS CATIVEIROS DO BRASIL...11

1.1 A ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DO CANDOMBLÉ...16

1.2 AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NO PÓS-ESCRAVIDÃO...20

1.3 O PANTEÃO DOS ORIXÁS...21

2. O PAPEL DAS MULHERES NA TRADIÇÃO AFRICANA...25

2.1 ROUPAS: UM SÍMBOLO MUITO IMPORTANTE DENTRO DO CANDOMBLÉ...30

2.2 AS BEBIDAS E OS ALIMENTOS MAIS SERVIDOS NOS TERREIROS...32

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS...39

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INTRODUÇÃO

As religiões de matriz africana, bem como alguns costumes e tradições dos povos trazidos da África, permanecem vivos no Brasil ainda hoje. Sabemos que o preconceito esteve presente em todas as épocas, causando medo e revolta aos descendentes de africanos e fazendo com que muito de sua cultura se perdesse por conta das perseguições que sofreram ao longo dos séculos de cativeiro e mesmo após. Estes povos, além do infame translado de sua terra, foram por longos anos proibidos de cultuarem seus deuses, pois tais cultos eram considerados como bruxaria, coisas do demônio. Enfim, os escravizadores, além de tudo, acreditavam que os africanos deveriam “deixar” seus costumes e se tornarem católicos, como era a vontade dos brancos.

Contudo, mesmo sendo proibidos de cultuarem seus deuses, os africanos e seus descendentes nunca abandonaram totalmente os seus costumes. Passaram a organizar seus cultos de forma diferente, associando os santos católicos a seus orixás, ou seja, rezavam para os santos e escondidos faziam oferendas para seus orixás. Com o tempo, esse novo formato de religião foi ganhando força e um nome: candomblé. O número de adeptos aumentou, já não eram mais só escravos ou ex-escravos que faziam parte dessa religião, mas também brancos e pessoas da elite. Isso tudo contribuiu, para que o candomblé crescesse, tornando-se um dos principais segmentos religiosos do país. Claro que, em se tratando de religiões de matriz africana, não foi só o candomblé que ganhou força, a umbanda também se tornou uma das religiões mais famosas do Brasil, através de sua “mistura” com o espiritismo kardecista. Porém, o objetivo desse trabalho é falar do candomblé e, principalmente, sobre o papel que as mulheres ocuparam nessa religião, juntamente com seus costumes e tradições que vieram da África e permanecem vivos e fortes entre o povo brasileiro.

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deuses (orixás) e, como saída e forma de resistência, elaboram um complexo sincretismo religioso, através do qual passaram a cultuar os santos católicos e ao mesmo tempo faziam oferendas aos orixás. Já no período republicano, as perseguições sofridas pelos adeptos do candomblé continuaram, fazendo com que muitos dos terreiros fossem perseguidos e destruídos. Portanto, as manifestações religiosas africanas prosseguiram sofrendo abusos das autoridades, como também do catolicismo, mesmo após o fim da escravidão; fazendo com que os rituais fossem feitos escondidos, causando assim ainda mais preconceito.

Especificando as características do candomblé, ainda neste capítulo, retratar-se-á a associação das divindades do candomblé com os santos católicos. Essa associação auxiliará na (re)definição das características físicas, forças espirituais, ligação com o cotidiano, como: cores, comidas, roupas e dias da semana.

Já no segundo e último capítulo, o papel das mulheres na tradição africana ganha espaço, pois as mulheres possuíam uma grande importância na cultura africana trazida para o Brasil. A cultura africana compreendia a figura feminina como participante das atividades econômicas, como criadoras e mesmo como comerciantes. Suas atividades no Brasil, junto ao processo de urbanização que mudou parte do sistema de cativeiro, não foram diferentes. Muitas trabalharam como feirantes, quituteiras, vendedoras de rua, jornaleiras e, ao longo do tempo de trabalho, conseguiram angariar recursos para sua alforria. No que diz respeito à religião e ao candomblé, muitas delas abriram seus próprios terreiros, tornando-se famosas mães-de-santo, com isso, trabalhando para que o candomblé não perdesse sua identidade, nem seus costumes.

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1. BREVE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES AFRICANAS NOS CATIVEIROS DO BRASIL

No início do século XVI, quando Portugal começou a colonizar suas terras “descobertas”, trouxe para o Brasil também sua religião oficial – o catolicismo.

Neste período, a Igreja católica já sofria críticas que denunciavam seus comportamentos causando a perda de muitos adeptos para as religiões protestantes que se formavam na Europa. Para assegurar sua influência religiosa na América, o catolicismo viu como possibilidade a conversão dos habitantes do Novo Mundo. Sendo assim, a Coroa portuguesa decidiu que catequizar os índios seria mais vantajoso, pois ao torná-los cristãos, a Igreja os faria tementes a Deus e, principalmente, submissos aos interesses do Rei (SILVA, 1994).

Logo no início da colonização do Brasil, o cultivo da cana-de-açúcar sobressaiu como atividade principal e a produção de açúcar tornou-se um comércio promissor. Nos latifúndios, a produção de açúcar exigiu grandes contingentes de trabalhadores e, devido à escassez de mão-de-obra portuguesa, os indígenas passaram a ser capturados para trabalhar nas fazendas como escravos.

Com o passar do tempo, a escravidão indígena foi sendo substituída pela do cativo de origem africana, pois Portugal já era especializado no tráfico de negros antes mesmo da vinda para a América. Isso facilitou o abastecimento das colônias brasileiras com essa mão-de-obra e ainda garantiu pesados lucros aos traficantes de escravos portugueses. Portanto, foi já nas primeiras décadas do século XVI que teve início a vinda de africanos para o Brasil, onde a mão-de-obra escrava alimentou os muitos ciclos econômicos até fins do século XIX (SILVA, 1994).

O tráfico ia procurar na África escravos de todas as origens, de todas as nações, e envia seus navios, especialmente equipados de Cabo Verde, na costa ocidental, até Moçambique na costa oriental. Os principais pontos do tráfico eram a Costa do Ouro e a Costa dos Escravos, onde os traficantes se abasteciam com negros “sudaneses”, e a Costa de Angola, onde se encontravam os “bantos” (VERGER, 2000, p.20)

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viram obrigados a conviver juntos nas mesmas fazendas e engenhos, causando alguns desentendimentos nos primeiros contatos.

No entanto, a infelicidade que a escravidão em comum gerava, a vida regrada que esses africanos levavam, guiou-os a terem hábitos semelhantes, criando um sentimento de solidariedade entre esses cativos. Sendo assim, para falar das religiões africanas e suas origens, é preciso descrever o encontro destes diferentes tipos de religiosidade, que durante a colonização portuguesa do Brasil estiveram juntas, relacionando-as até os dias de hoje.

Além de religião oficial, o catolicismo foi obrigatório na América Latina, pois, ao professar outra fé, corria-se o risco de ser considerado ateu, como também inimigo do rei, que trazia consigo o poder que provinha de Deus. Para garantir a conversão dos fiéis, a Igreja Católica possuía várias formas de controle e repressão aos que se desviassem da fé cristã. Na concepção católica, os praticantes de atos mágicos (tidos como bruxaria, feitiçaria ou curandeirismo) e outras atividades pagãs tinham influência do demônio. Assim, atitudes suspeitas, como reuniões festivas que tivesse danças ou músicas, eram vistas como pecados inaceitáveis, fazendo com que os praticantes fossem deportados e julgados pelos tribunais da Inquisição em Portugal (SILVA, 1994).

O catolicismo estabeleceu-se através desses mecanismos de conversão obrigatória, foi se tornando cada vez mais integrado ao cotidiano da vida colonial, sendo vivido de modo intenso através de festas, procissões e tantas outras atividades do extenso calendário anual da Igreja que congregava toda a população (SILVA, 1994, p. 20).

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Para explicar o que é sincretismo religioso, precisamos voltar ao início da escravidão no Brasil, quando os primeiros terreiros de candomblé estiveram confinados aos espaços das fazendas. Os cultos só podiam ser realizados na escuridão e solidão das matas e roças ou nos próprios espaços contíguos à senzala; o terreiro era permanentemente vigiado pelos capatazes para evitar fuga dos escravos. Nestas condições, supõe-se que sua organização tenha enfrentado muitas dificuldades, principalmente porque o culto aos deuses africanos estabelecia uma série de rituais que deviam ser respeitadas, tais como: oferendas, cantos, danças, enfim, procedimentos que precisam de espaços para serem executados. Por conta de tais fatores, a associação dos deuses africanos aos santos católicos permitiu que o culto dos escravos ganhasse espaço, enquanto senhores e igreja viam nisso um ambiente para a conversão, o que tornava os cultos parte do processo de “negociação” do cativeiro (REIS, 1989). Exemplos: Iemanjá é associada a Nossa Senhora da Conceição e também Nossa Senhora dos Navegantes, Iansã, a Santa Bárbara, Oxóssi a São Jorge na Bahia e no Rio de Janeiro a São Sebastião, enfim, cada orixá representa um santo católico (SILVA, 1994). (Ver quadro da página 21).

Bastide fala do sincretismo como uma aproximação do catolicismo com as religiões africanas, pois ele também tem seu lugar no culto, não só pelo altar católico que domina o grupo de dançarinos sob a rede de festas, mas ainda pelo acréscimo às cerimônias puramente africanas de orações católicas durante o mês de Maria (BASTIDE, 1971).

Com o tempo houve uma evolução e o sincretismo afro-católico, que originariamente, era apenas máscara, tornou-se mais sincero. As novas gerações “crioulas” já consideram que o “santo” o “orixá” são um só, que apenas o nome muda, mas que, de acordo com o lugar ou o momento, é bom dirigir-se a ele em latim ou em uma língua da África (VERGER, 2000, p.24).

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propiciou a disseminação do candomblé para outros extratos sociais que não apenas os cativos. Isso não quer dizer que no meio rural e antes da abolição não ocorresse consultas discretas e esparsas de brancos aos deuses africanos, solicitando algum tipo de ajuda ou visão do futuro.

Celia Maria de Azevedo cita o desprezo, a violência como também o medo que essas pessoas sofriam por serem descendentes de africanos. Mesmo sendo libertos, as restrições não mudavam em nada, pois foi muito difícil a sociedade aceitá-los como cidadãos, fazendo com que o preconceito e a violência aumentassem cada vez mais. Desde a cor da pele até os costumes que eles trouxeram, tudo contribuiu para que ocorressem tristes episódios.

Na cor de sua pele, nos seus traços físicos, nos seus cabelos, os negros livres já de há muitas gerações, mesmo miscigenados, frequentemente traziam impressas as suas origens africanas, as marcas de seus antepassados escravos, e assim ficavam entregues à possibilidade de serem tratados com desprezo e violências (AZEVEDO, 1987, p. 34).

Ainda no século XX, os descendentes de africanos eram vistos pela sociedade como grosseiros, ignorantes e incapazes para o trabalho. A eles foi, inclusive, creditado o atraso das regiões ao nordeste do país num contraste com o desenvolvimento experimentado pelo sul e sudeste, com seus núcleos de colonos europeus, considerados efervescentes em matéria de trabalho, progresso e civilização.

Tais comparações desiguais e injustas ocorreram devido a vinda de europeus para construir uma “nação homogênea”. A imigração foi uma aliada da sociedade contra os ex-escravos, pois com a vinda deles para o Brasil, os africanos se tornaram ainda menos importante para a elite daquela época.

Mas nem todos os homens de cor eram escravos. Nas cidades principalmente formou-se pouco a pouco uma plebe composta de negros libertos dos mulatos artesãos, milicianos, soldados dos regimentos dos Henriques...e, se bem que ela constituísse a camada mais baixa da população livre, formava, em relação aos escravos, uma camada superior na escala social (BASTIDE,1971, p.141).

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ambos precisavam se adaptar à cultura que os rodeavam. Essa aproximação “plebeia” aumenta com a abolição.

Mesmo assim, a maior interação existente entre brancos e africanos não fez com que o preconceito e as proibições sobre seus cultos deixassem de ocorrer. Sendo então proibidos de fazer seus rituais, os descendentes dos africanos não viram outra opção senão prosseguir cultuando as imagens dos santos católicos que correspondiam aos seus orixás. Tornado o sincretismo religioso um modo de adorar seus orixás nas imagens de santos católicos correspondentes.

Com o crescimento das cidades, o aumento no número de negros libertos e mulatos – bem como de sua circulação – fez com que as manifestações religiosas encontrassem melhores condições para se desenvolverem. Devido a tudo isso, as moradias dessa população, localizadas nos velhos sobrados e nos casebres coletivos, se tornaram ponto de encontro e de culto, relativamente escondidos da repressão policial. Mas, com a Independência do Brasil e a Constituição de 1824, os descendentes de africanos garantiram a liberdade de culto desde que o templo não mostrasse símbolos na fachada.

O candomblé tomou novas proporções e se tornou uma religião com muitos adeptos, mesmo entre os brancos e ricos. Contudo, embora havendo brancos que praticassem o candomblé e apesar do sincretismo com a religião católica, deve-se reconhecer que os cultos de origem africana frequentemente foram desprezados, sofrendo grandes preconceitos (DURKHEIM, 2000).

Candomblé é o nome dado na Bahia às cerimônias africanas. Ele representa, para seus adeptos, as tradições dos antepassados vindos de um país distante, fora de alcance e quase fabuloso. Trata-se de tradições, mantidas com tenacidade, e que lhes deram a força de continuar sendo eles mesmos, apesar dos preconceitos e do desprezo de que eram objeto suas religiões, além da obrigação de adotar a religião de seus senhores (VERGER, 2000, p.24).

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1.1A ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA DO CANDOMBLÉ

A forma de organização dos terreiros onde negros e mulatos, destituídos de um grupo de referência pela escravidão, se agrupavam, estabelecendo vínculos baseados em laços de parentesco religioso, foi a família-de-santo. Na tradição oral do candomblé, se diz que sempre houve a família-de-santo como uma forma de se organizar nos cultos aos orixás no Brasil (SILVA, 1994).

É difícil estabelecer a época em que as primeiras famílias-de-santo se formaram. Pelo que se sabe, através da história oral narrada pelos adeptos, parece terem sido os africanos de uma mesma etnia os fundadores dos primeiros terreiros, onde iniciaram outros negros africanos, provenientes da sua etnia ou de outras. Com o passar do tempo, e com o ingresso na religião de crioulos, mulatos e finalmente brancos, a família-de-santo foi assim perdendo sua característica étnica e passou a ligar, por vínculos religiosos, os vários terreiros fundados pelas gerações seguintes às gerações dos africanos (SILVA, 1994, p. 57).

A tradição oral do candomblé fala que sempre houve a família-de-santo como forma de estruturação dos cultos aos orixás no Brasil, não havendo a certeza da época em que as primeiras foram fundadas, nem se foram formadas por uma ou mais etnia. Mesmo assim, a história oral foi fundamental para se falar sobre esse assunto. Com o ingresso no candomblé de crioulos, mulatos e também dos brancos, a família-de-santo foi perdendo sua característica étnica e passou a ligar as pessoas por vínculos religiosos. Foi na Bahia do século XIX que ficou estabelecido o modelo básico adotado pelo candomblé que conhecemos hoje. Segundo a tradição, o Ilê Iya Nassô – a Casa de Mãe Nassô, popularmente conhecido como Candomblé do Engenho Velho ou Casa Branca – teria sido o primeiro a celebrar diferentes deuses simultaneamente sob o mesmo teto. Essa prática refletiria alianças entre grupos étnicos diferentes, contribuindo para a consolidação de novas identidades africanas em terras brasileiras. (REIS, 2007, p.1).

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Brasil e localizados em Salvador. Em outras cidades do Brasil, também foram fundados terreiros como esses, expandindo continuamente o candomblé pelo país.

É através da iniciação que uma pessoa passa a fazer parte de um terreiro de candomblé, como também da família-de-santo, assumindo um nome religioso (africano) e um compromisso eterno com seu orixá e, ao mesmo tempo, com seu pai ou mãe-de-santo. A entrada para essa hierarquia é uma indicação do orixá. É o que se chama “bolar no santo”. A partir daí, o “abiã” (noviço) tem de se submeter aos rituais de iniciação cerimônias do “bori”, “oro” e saídas de “iaô”1. Um recém-iniciado passa de um a seis meses vivendo dentro de severas restrições. É o tempo de “quelê,” o período em que o “abiã” usa um colar de contas justo ao pescoço. Enquanto usar o “quelê”, ele deve vestir branco, comer com as mãos e sentar-se só no chão. Nesse período, também estão proibidas as relações sexuais e os pratos que não sejam os de seu orixá, isso tudo faz parte do compromisso do iniciante com seu orixá e também seu pai ou mãe-de-santo < http://www.ogumdaestrelaguia.blospot.com.br> Acesso em: 12/05/2013.

Por isso, um adepto, ao se iniciar, nasce para a vida religiosa como um “filho” espiritual do pai ou santo daquele terreiro. O iniciado tendo um pai ou mãe-de-santo, terá também irmãos, tios, tias-de-mãe-de-santo, avô e avó-de-santo e, assim sucessivamente. A esses “parentes” religiosos, deve-se respeito, consideração, amor e obediência. Estas pessoas são unidas por vínculos sagrados. A família-de-santo além de tornar irmãos os que fazem parte do mesmo terreiro de candomblé, estabelece ligações de parentesco entre terreiros com pessoas fundadoras da mesma família (SILVA, 1994).

Porém, o candomblé não foi o único conjunto de ritos e crenças de origem africana que se estabeleceu no Brasil. Igualmente a umbanda e o batuque tornaram-se importantes formas de expressão da religiosidade brasileira. Disso surge a questão sobre as diferenças que existiriam entre elas, como cita Silva:

No candomblé as entidades foram agrupadas preservando-se na medida do possível as referências aos grupos étnicos de origem africana, sendo cultuados os orixás, deuses africanos. Já na umbanda, as entidades situam-se a meio caminho entre a concepção dos deuses africanos do candomblé e os espíritos dos mortos dos kardecistas. Os orixás, por exemplo, são entendidos e cultuados com outras características. Abaixo

1 Nos rituais de iniciação aparecem os nomes desses rituais, não explicando detalhes sobre esses

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dos orixás, encontram-se os espíritos um pouco menos evoluídos, como os caboclos e os pretos velhos (SILVA, 1994, p. 120).

As religiões afro-brasileiras se desenvolveram praticamente em todos os estados onde houve a presença do negro e de seus descendentes. Fatores como o tamanho da população negra em relação à de brancos e de índios, a influência de determinadas etnias, a repressão ao culto, as condições urbanas e outros, fizeram com que os cultos apresentassem características regionais próprias, sendo alguns conhecidos em uma região e desconhecidos em outras. Assim, variações regionais do rito jeje-nagô podem ser encontradas por todo o Brasil (em cultos equivalentes ainda que distanciados no espaço e aparentemente sem contatos entre si), como no candomblé da Bahia, no batuque do Rio Grande do Sul e no xangô de Pernambuco (o nome do culto vem do orixá Xangô, muito cultuado nessa região). Com relação a esses cultos, é possível entender que uma mesma influência iorubá direcionou o seu desenvolvimento, incorporando a cultura local. Assim, se Ogum na Bahia recebe como oferenda feijão preto, em Porto Alegre seu prato é o churrasco.

Na região do Maranhão e do Pará, a forte influência dos jejes criou uma forma de culto específica chamada de tambor-de-mina. O termo mina é uma referência à procedência dos escravos, aprisionados no forte português São Jorge da Mina, na África Ocidental. Com exceção de alguns terreiros da Bahia e de Porto Alegre, foi no Maranhão, particularmente em São Luís, que o culto aos voduns, divindades dos jejes mais se desenvolveu (SILVA, 1994, p. 83).

Já na região do Espírito Santo, foi a cabula que mais se desenvolveu. Esse culto recebeu grande influência das práticas dos bantos. Segundo a descrição do Bispo D. Nery, era praticada em fins do século passado, por negros, mas com a presença de alguns brancos. Hoje em dia esse culto parece ter desaparecido, transformando-se em outras denominações (SILVA, 1994)

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E, por último, vem o catimbó, pajelança e cura, esses cultos se espalharam principalmente pelo norte do Brasil, na região que vai da Amazônia até Pernambuco, com forte predominância dos indígenas, pois esses cultos eram baseados em entidades sobrenaturais que se manifestavam como espíritos de índios (caboclos) e de antigos chefes do culto (SILVA, 1994).

Não se dançava na África apenas pela alegria do convívio. Dançava-se também para reverenciar os deuses e recebê-los na alma. Foram muitas as religiões que atravessaram o oceano, pois cada povo tinha a sua. Algumas absorveram outras crenças ou foram por elas absorvidas, gerando novos sistemas religiosos, como a umbanda. Outras não deixaram vestígios. Mas a uma das religiões trazidas da África, a dos orixás, converteram-se em grande número, principalmente no Brasil e em Cuba, pessoas de outras origens, e o que era a religião dos iorubás tornou-se uma religião universal (SILVA, 2012)

O que esses dois autores estão afirmando é que, se a fé dos africanos nos deuses de suas religiões originais esteve disfarçada nas danças e cantos que eles faziam em louvor aos santos católicos, num outro momento, sua fé dirigiu-se tanto a uns como a outros. Assim, somando diferentes vertentes africanas, as religiões enriquecendo-se, sem perder suas crenças originais, somaram outras. Ou seja, os africanos e seus descendentes assim como os indígenas, continuaram acreditando em seus deuses mesmo se considerando cristãos.

Por isso, a grande separação social entre brancos, africanos e indígenas não significou que suas tradições culturais se mantivessem insensíveis umas às outras. Pelo contrário, o que se verificou no universo religioso do Brasil colonial é que as religiões que os compunham partiram seus limites e se traduziram mutuamente, dando assim, origem às novas religiões (SILVA, 1994).

Assim sendo, se o catolicismo foi a religião majoritária no Brasil, coube as outras fés, minoritárias, contribuir para a diversidade de cultos e culturas, acima de tudo no século atual. Neste segundo grupo, estão as religiões afro-brasileiras, tais como; candomblé, umbanda, entre outras, as quais até a década de 1930 foram colocadas pela sociedade como religiões culturais dos antigos cativos africanos e seus descendentes, pois até essa década, as religiões de matriz africanas eram consideradas apenas como parte da cultura afro-descendente e não como religiões oficiais.

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evangélicas e pentecostais, as religiões afro-brasileiras não perderam suas raízes nem seu lugar na sociedade, pois o número de frequentadores continuou aumentando, fazendo com que as religiões afro-brasileiras se tornassem ainda mais conhecidas (PRANDI, 1997).

1.2AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NO PÓS-ESCRAVIDÃO

As religiões africanas eram caracterizadas, como ainda hoje, pela crença em deuses que incorporam em seus filhos. São religiões baseadas também na magia. O sacerdote, ao preparar objetos como amuletos, fazer sacrifícios de animais, rezas, invocações secretas, acredita poder entrar em contato com deuses, curar doenças, conhecer o futuro, enfim, melhorar a sorte e transformar o destino das pessoas.

Por essas convicções a magia africana era vista pela Igreja, pelo governo, como uma prática diabólica, como já havia ocorrido com as religiões indígenas. Principalmente porque, o catolicismo colonial sendo também uma religião que acreditava em magias, era preciso distinguir a fé católica nos santos, milagres, etc; das crenças primitivas em seres que incorporam, em espíritos que recebem sacrifícios de sangue como alimentos e em pessoas que dizem trazer a cura (SILVA, 1994).

Durante as visitações, o Tribunal do Santo ofício da Inquisição perseguiu e condenou muitos negros, por ver seus encontros (com cantos e danças frenéticas) como invocações do demônio, espécies de orgias à semelhança dos sabás europeus. Os transes dos negros eram vistos como demonstração de possessão demoníaca e as adivinhações, sacrifícios e outras práticas mágicas eram bruxaria, ou então, “magia negra” (como se convencionou chamar a magia feita para o mal) (SILVA, 1994, p. 35).

Como podemos perceber, os cativos deveriam aceitar a religião dos brancos, embora estes dificilmente procurassem se aproximar para entender a religião dos cativos que, desde cedo, foi considerada coisa do mal, do diabo, ofensiva a Deus.

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Silva e Maggie citam que as religiões africanas eram consideradas como bruxaria, “coisas do demônio”. Através de perseguições como também destruições dos terreiros, podemos notar que durante anos todas as manifestações religiosas africanas sofreram com os abusos das autoridades, fazendo com que grande parte dos rituais originais se perdesse, devido às perseguições. O que restou teria um continente grande de dissimulações, tendo passado por uma espécie de “limpeza” de suas características menos aceitáveis ao olhar eurocêntrico.

Em 1828, um juiz de paz prendeu mulheres, tanto africanas quanto crioulas, dançando para deuses africanos em Salvador, na freguesia de Brotas. Aquilo representava outro passo largo na formação do candomblé baiano: a incorporação ritual de negros nascidos do lado de cá do Atlântico. Considerando sua reação, o juiz que invadiu o terreiro se defrontara com algo novo. Em longos e coléricos relatórios ao presidente da província, ele argumentou que a mistura de crioulos e africanos para celebrar deuses d’além-mar era a ruptura de uma norma comportamental perigosa para a ordem pública; a seu ver, negras nascidos no Brasil deviam ser exclusivamente católicas (REIS, 2007, p.6).

Mesmo com o passar do tempo, e a mistura do povo africano com os já nascidos aqui no Brasil, ainda se manteve o preconceito das autoridades com os cultos africanos por muito tempo. O catolicismo permanecia extremamente excludente das outras religiões que eram perseguidas pela sociedade e pelo governo.

Portanto, o candomblé do século XIX, é uma história de mistura étnica e social. Um seguimento que ocorreu em várias frentes: a união de africanos de diferentes origens étnicas, para juntos cultuarem seus diferentes deuses; o encanto dos descendentes de negros africanos nascidos no Brasil e a disseminação de serviço espiritual entre clientes de diversas origens étnicas e sociais. Evidente que isso não fez do candomblé, parte da cultura dominante, pois todas as religiões africanas continuaram sendo vistas pela elite e também pela população em geral, como um ato anticristão e sujeito à perseguição policial (REIS, 2007).

1.3 O PANTEÃO DOS ORIXÁS

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etnias africanas já ocorria antes de eles serem trazidos para o Brasil. Entre os elementos que contribuíram para essa associação estão as semelhanças entre o conceito de orixá dos iorubás, de vodum dos jejes e de inquice dos bantos. Todas essas divindades eram vistas como forças espirituais humanizadas, com personalidades próprias, características físicas e domínios naturais.

A característica que aproximou os devotos com os cultos foi a possibilidade de incorporá-los através de danças, homenagens e também oferendas. Essas religiões africanas tinham em comum a crença num ser supremo, chamado Olorum. Esse ser criou a natureza e as divindades intermediárias que estão acima dos homens. Nesse sentido, os orixás se aproximavam dos santos católicos, que foram santificados em função de suas vidas na terra (marcadas pela virtude, valentia, resistência a dor, heroísmo, etc.) e considerados intermediários entre os homens e Deus. Todas essas semelhanças entre os orixás e os santos católicos, deram origem ao sincretismo religioso, já mencionado anteriormente. Sendo assim, cada um dos orixás tem seu símbolo, seu dia da semana, suas vestimentas e cores próprias (SILVA, 1994).

O quadro abaixo servirá para compreender melhor o texto, pois ela traz todas as características explicadas com mais clareza.

Quadro 1 - Os doze orixás mais cultuados no Brasil2

Orixá: Dia da

semana: Elemento: Símbolo: Colar: Roupa: Exu: Orixá mensageiro

entre os homens e os deuses, é uma das figuras mais polêmicas do candomblé. Só através dele é possível invocar os orixás. Está associado a Santo Antônio e também ao Demônio.

Segunda- feira

Fogo Ogó (um bastão adornado com cabaças e búzios)

Verme-lho e preto

Verme-lho e preto

Ogum: É o orixá da guerra e do fogo. Sabe trabalhar com metal e, sem sua

Terça-feira

Ferro Espada Azul

mari-nho Azul, verde escuro,

2 Este quadro foi elaborado com base na literatura consultada e completado com informações

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proteção, o trabalho não pode ser proveitoso. No Brasil, suas virtudes para o combate o aproximaram de São Jorge ocorrido principalmente no Rio de janeiro.

verme-lho ou amarelo

Oxóssi: É o orixá da mata. No Brasil, tornou-se padroeiro da nação Keto e uma das divindades mais populares do candomblé. No Rio de Janeiro, foi associado com São Sebastião.

Quinta-feira Florestas Rabo cavalo de e chifre de boi

Azul

claro Azul ou verde claro

Obaluaiê:Também

conhecido por Omolu ou Xapanã, é o temível orixá das epidemias, da varíola e

demais doenças

contagiosas e de pele. Foi associado a São Lázaro e São Roque.

Segunda-feira Terra Xaxará (feixe de palha e búzios)

Preto e verme-lho, ou verme-lho branco e preto

Verme-lha e preta, coberta por palha

Ossaim: É o orixá das folhas, das ervas e dos medicamentos feitos a partir delas. Seu domínio é o mesmo de Oxóssi, a mata. Ossaim foi associado com alguns “encantados” dos mitos indígenas, como o caipora e, posteriormente, o saci-pererê. Está associado no sincretismo com São Benedito e São Roque.

Quinta-feira Matas Lança com pássaros na forma de leque e feixe de folhas Branco rajado de verde Branco e verde claro

Xangô: É o orixá que em sua vida na terra foi o rei de Oyó, uma das principais cidades de língua iorubá. Nos mitos aparece como senhor dos raios e do trovão. É associado a São Jerônimo e São Pedro. É viril e justiceiro. Castiga os

Quarta-feira

Fogo Machado

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mentirosos e protege advogados e juízes.

Oxumarê: Orixá da chuva e do arco-íris. É, ao mesmo tempo, de natureza masculina e feminina. Transporta a água entre o céu e a terra. É associado com São Bartolomeu.

Quinta-feira

Água Cobra de metal

Amare-lo e verde

Azul claro e verde claro

Oxalá: É o orixá da criação. Foi ele quem modelou com barro o corpo dos homens sobre o qual Olodumaré (O Ser Supremo) soprou para dar vida. Devido a essas características, o culto a Oxalá foi relacionado com devoção católica a Jesus, também filho do criador supremo e salvador dos homens na Terra. Na lavagem da Igreja do Bonfim, o costume católico de lavar o chão como ato de devoção forneceu aos negros uma ocasião de comemorarem o banho de Oxalá. Assim, até hoje, os adeptos do candomblé, vestidos de branco e carregando na cabeça jarros com água, fazem uma grande procissão até a igreja, onde lavam seu chão com água dos jarros, homenageando o Senhor do Bonfim.

Sexta-feira

Ar Oparoxó

(cajado de alumínio com adornos)

Branco Branca

Iansã ou Oyá: É a orixá dos ventos, dos raios e das tempestades, domínio que divide com seu marido Xangô. No sincretismo afro-católico está associada à Santa Bárbara.

Quarta-feira

Fogo Espada e rabo de cavalo (represen-tando a realeza)

Verme-lho ou marrom escuro

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Nanã: Deusa da lama e do fundo dos rios, associada à fertilidade, à doença e à morte. É a orixá mais velha de todos e, por isso, muito respeitada. Está associada a Santa Ana, mãe de Maria.

Sábado Água Ibiri (cetro de palha e búzios)

Branco, azul e verme-lho

Branca e azul

Iemanjá: É a deusa das águas, tida como mãe de todos os outros orixás. No Brasil é cultuada sobretudo no mar, sendo associada com outros “encantados” das águas, de origem indígena. Seu culto no Brasil foi aproximado ao de Nossa Senhora dos Navegantes, sendo comemorado no dia dois de fevereiro.

Sábado Água Leque e

espada

Transpa rente, verde ou azul claro

Branco e azul

Oxum: Orixá das águas doces (rios, fontes e lagos). É também orixá do ouro, da fecundidade, do jogo de búzios e do amor. É associada com Nossa Senhora da Conceição.

Sábado Água Abebê

(leque espelhado) Amare-lo ouro Amare-lo ouro

2. O PAPEL DAS MULHERES NA TRADIÇÃO AFRICANA

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Brasil, as mudanças não apagaram este fato, pois, depois de conseguir sua alforria, as negras iam vender seus quitutes nas feiras e ruas das cidades, para comprar as alforrias de seus filhos e parentes (BERNARDO, 2011).

A tradição do comércio de ganhar a vida nas ruas e no mercado é uma tradição das mulheres iorubás que continuou de mãe para filha após a libertação dos escravos, assim como o comércio de mercadorias entre a África e o Brasil que mantinham abastecidos os mercados dos suprimentos necessários para a confecção das comidas dos santos, oferendas necessárias na liturgia do candomblé (ROSA, 2010, p. 9).

Rosa (2010), cita que, além de trabalhar como feirantes, as africanas eram responsáveis pela cozinha dos terreiros, ou seja, somente elas preparavam, e preparam até hoje, os pratos servidos nos terreiros de candomblé para os orixás, pois não é permitida a entrada de homem nas cozinhas. No candomblé, a dinâmica de comer e beber transcende a ação biológica e se estabelece na principal maneira de renovar e constituir o axé. Comer é igual a viver, a manter, preservar, iniciar, tornar mais forte as memórias individuais e coletivas, comer é uma maneira de se comunicar com o orixá e fortalecer a troca de axé. É por isso que no candomblé tudo começa na cozinha e nada pode ser comparado à energia que provém das oferendas aos orixás. Logo após o ritual de entrega, o axé se estende para a sala, para o barracão, para as casas e também as cidades. A cozinha é considerada, portanto, o grande laboratório sagrado, onde o saber fazer, a fé e o respeito se encontram para o encanto das divindades (LODY, 1998).

As emoções diante de cada comida têm fundamento, geralmente, no conhecimento peculiar de cada prato, sua intenção, seu uso, seu valor particular e, também, no conjunto de outros pratos do cardápio devocional do terreiro (LODY, 1998, p. 26).

Para Lody, como também para outros autores, no candomblé, a preparação das comidas é fundamental na troca com os orixás. É por isso que as mulheres possuem o papel principal, pois são elas que, desde a escolha dos ingredientes aos processos do fazer, até a apresentação final, na hora de servir pra os integrantes da comunidade como também os visitantes, capitaneiam todos os rituais.

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Diz a lenda que Exu foi o cozinheiro dos orixás, e que principalmente Ogum e Xangô, por serem muito exigentes, só comiam com muita pimenta e molhos especialmente preparados pelo mestre dos temperos dos deuses. Um dia, os orixás estavam com muita fome e pediam insistentemente que Exu trouxesse a grande panela que habitualmente seria o repasto. Nisso, Exu esquece a pimenta, porque não teve tempo de ir até o mercado para a compra, por isso recebe reclamação, especialmente de Xangô, dizendo:

- Exu, pegue o meu cavalo e vá providenciar a pimenta, pois, assim, sem o molho, eu não como – nisso, Exu sai correndo à busca de pimenta, para atender à vontade do seu companheiro Xangô.

Enquanto Exu saía, preocupado, para buscar o tempero, todos os orixás começaram a se servir da gostosa comida, então Xangô sugeriu que, após a alimentação, a grande panela fosse preenchida com água e que nada fosse relatado, fazendo com que Exu ficasse pensando que os orixás ainda estavam com fome, aguardando a pimenta.

Interessante como o logro aparece em várias mitologias, seja entre deuses, seja entre humanos e deuses e, não raro tendo os alimentos envolvidos na questão (lembra-se aqui do mito de Prometeu, dos gêmeos sagrados dos Guarnís e mesmo o caso do fruto da árvore do Bem e do Mal no judaico-cristianismo). Muitas das regras de relacionamento com o sagrado advêm desse engano primordial.

Chega Exu, trazendo a pimenta, e vai até a cozinha para preparar o molho tão desejado por Xangô. Volta e encontra a grande panela cheia de água, e constata que os orixás já haviam comido. Exu fica indignado, jogando tudo no chão, e sentencia: a partir daquele momento, ele, Exu, seria o primeiro orixá a comer, e sem a comida de Exu nada poderia acontecer no plano dos deuses e no plano dos homens. Por isso, todas as cerimônias dos candomblés e Xangôs são iniciadas com o padê de Exu, que consta de farofa-de-dendê, farofa com água, acaçá e de uma quartinha contendo água (LODY, 1998, p.21).

Através dessa lenda, podemos constatar que a comida é, sem dúvida, muito importante nos cultos africanos, fazendo com que as mulheres se tornem ainda mais importante nos terreiros. Além da comida, das cozinheiras dos deuses, outra coisa que é muito importante no candomblé: é a cozinha, pois é considerada um espaço sagrado. É o local onde as iyabassês (cozinheiras) preparam os alimentos como se estivessem no interior de santuários, e os alimentos que não pertencem ao cardápio do ritual deverão sair desses locais, ocupando cozinha própria. Noites inteiras são destinadas ao preparo dos pratos que fazem parte do ritual, e após as manhãzinhas, que é quando sacrificam as aves e os caprinos no interior dos pejis (altares).

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mantenedora do sentido dinâmico dos deuses, alimenta-os de grande sigilo, por parte dos que conhecem esses ritos secretos, que são mantidos em silêncio por todos.

Raramente são preparados doces para o ajeum (banquete). Os pratos salgados e a cerveja constituem os produtos consumidos pelas pessoas. Em primeiro lugar, os deuses são alimentados, a retirada dos pratos dos pejis vem logo em seguida, constituindo a cerimônia de maior importância, como aquelas realizadas para o oferecimento dos sacrifícios e das comidas variadas.

O espaço da cozinha é de alto significado para a vida dos deuses, sua manutenção e a renovação do axé, elemento vitalizador das propriedades e domínios da natureza, quando o sagrado aproxima-se pela boca do homem (LODY, 1998, p. 41).

Depois de falar sobre a comida servida nos terreiros, sobre as cozinheiras que preparam os pratos, e a cozinha, o importante lugar onde essas comidas são preparadas, chegou a hora de falar sobre a comida oferecida para cada orixá, o que cada um come, e o que nunca deve ser oferecido para os orixás.

Como já foi mencionado anteriormente por Lody, o primeiro orixá cultuado também é o primeiro a comer: Exu. Ele come tudo que nossa boca come, as principais oferendas dadas a ele são: padês a base de farinha de mandioca branca, combinada com azeite de dendê ou mel, água, bebida alcoólica e acaçá vermelho, feito com farinha de milho amarelo e enrolado em folha de bananeira. Em algumas situações de oferendas especiais também são utilizados pimenta, cebola, bife.

Para Ogum são oferecidos pratos com inhame assado com azeite de dendê e feijoada. Oxóssi come axoxó feito com milho vermelho cozido decorado com fatias de coco. Ele também gosta de frutas e feijão fradinho torrado. As comidas devem ser colocadas sob o telhado ou aos pés de uma árvore.

A principal oferenda dada a Obaluaiê é a pipoca. Utilizando areia da praia para estourá-las e enfeitando com fatias de coco. Já Oxumaré prefere que seja dado a ele como oferenda, batata doce amassada, e farofa de farinha de milho com ovos, camarões e dendê.

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O omolocum: feijão fradinho cozido com cebola, camarões e azeite de oliva decorado com ovos cozidos é a oferenda de Oxum.

Iemanjá prefere peixe de água salgada, regados ao azeite e assados, milho branco cozido e temperados com camarões, cebola e azeite doce, manjar com leite de coco e acaçá. A Nanã é oferecida efó, mungunzá, sarapatel, feijão com coco e pirão com batata roxa. O amalá (pirão de inhame) pertence a Xangô. Deve untar o fundo da gamela e sobre ele é colocado o caruru decorado com pedaços de carne, camarões, acarajé e quiabos, doze unidades de cada e enfeitado com um orobô. Essa oferenda deve ser servida quente.

Ao preparar os pratos dos orixás, deve observar os tabus de cada um deles, pois tem uns que comem um tipo de alimento outros não. Por exemplo, o azeite de dendê nunca deve ser oferecido a Oxalá, o mel é proibido a Oxóssi, o carneiro nunca pode entrar em uma casa consagrada a Iansã. É por tudo isso que, os filhos de santo devem observar todos os tabus dos orixás, pois sendo parte do orixá, também não podem consumi-las. < http://www.alaketu.com.br > Acesso em: 05/05/2013.

Nos terreiros as práticas fundamentam as atitudes das vendedeiras de tabuleiro que vemos nas ruas e praças do Rio e do Salvador. O ato de vender comida na banca ou caixa é de forte vínculo religioso, ligado às Casas de Candomblé. As comidas dos santos, os amuletos que compõem a venda, projetam o rigor da culinária dos templos, incluindo simbolismos e sentidos sagrados (LODY, 1998, p.100).

Nessa citação, podemos perceber que Lody, como outros autores anteriormente, reforça o papel religioso das mulheres africanas ligando-o com a questão da venda de comidas na rua. Desta forma, aparecem unidos o cunho doméstico e a dedicação em manter o rigor dos cultos, especialmente, os de candomblé.

As receitas utilizadas por essas africanas e afro-descendentes saíram das senzalas (acaçás, acarajés, etc.) para as ruas, sendo consumidas pela população em geral. O que as pessoas nem sempre sabiam é se estavam comendo ou não, alguma parte de homenagem a algum orixá (ROSA, 2010).

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A atividade de troca que ocorre nas feiras parece ser de importância inconteste para as mulheres iorubás, pois elas se submetem à separação de suas famílias: quando jovens, deixam seus lares para ir comerciar em mercados distantes; quando idosas, mandam suas filhas para as feiras importantes e permanecem próximo a suas casas com seus tabuleiros, ou, então, abrem pequenas vendas (BERNARDO, 2011).

Percebe-se, assim, que o papel das mulheres vai muito além do desempenhado nas atividades econômicas. Elas são mediadoras não só das trocas de bens econômicos, como também das de bens simbólicos. O lugar social ocupado pelas mulheres, sem sombra de dúvidas, possibilita-lhe o exercício de um poder fundamental para a vida africana e no mundo brasileiro, para o qual estes povos foram obrigados a emigrar.

2.1 ROUPAS: UM SÍMBOLO MUITO IMPORTANTE DENTRO DO CANDOMBLÉ A roupa usada pelos participantes no candomblé possui um simbolismo muito rico além de ser ético e moral. Os axós como são chamadas as roupas das mulheres, dá para elas posição de postura, pois é bonito se notar a forma e a reverência que estas roupas expressam na aparência dessas mulheres, causando perante as outras pessoas um tom de respeito. O vestuário usado por uma yalorixá (mãe-de-santo), por exemplo, é diferente das roupas usadas pelas yaôs (iniciantes), pois é caracterizado pelo uso da bata que é usada por fora da saia; no candomblé a bata simboliza um posto ou cargo dentro de sua hierarquia, junto está também, o pano-da-costa que é usado de uma forma diferente para representar o cargo dentro do terreiro, as mães-de-santo usam no ombro, já as iniciantes usam amarrado no peito.

As yalorixás usam também batas e saias de bordado richelieu, normalmente só usadas por elas. Os turbantes também chamados de torço ou ojá, que são usados na cabeça, às vezes, são maiores e com mais ornamentos, assim como determinados fio-de-contas que não podem ser usados por pessoas que não tem um cargo.

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Sendo assim, se vestir bem é uma questão de honra entre os africanos e seus descendentes. Seja para homenagear um orixá nos rituais ou para mostrar prosperidade, é preciso estar elegante. Apesar de alguns itens do vestuário nagô ter influência na elegância europeia, como nas volumosas anáguas e rendas da Corte, o charme mesmo dos vestuários está na combinação das cores fortes e vibrantes e também no branco, pois muitas vezes é usado apenas ele, mas mesmo assim não perde sua elegância.

Dentre todos esses costumes, um dos principais é que desde o começo do candomblé no Brasil, os seus filhos deviam aprender a confeccionar suas próprias roupas no período de iniciação religiosa e mesmo com o passar do tempo, essa tradição não foi perdida, sendo promovidas oficinas dentro dos terreiros especializadas na fabricação das roupas. As peças usadas no dia-dia dos terreiros, conhecidas com ração, são roupas simples e podem ser coloridas ou brancas, dependendo da ocasião no terreiro. Já nos cultos, as peças podem ser combinadas em cores bem fortes ou no branco soberano, dependendo do orixá homenageado no ritual daquele dia.

As vestimentas usadas nos terreiros também podem ser usadas fora deles. Muitos dos pais e mães-de-santo, usam para sair em ocasiões especiais, trabalhar nas ruas, enfim, não precisa ser usada somente nos terreiros e sim na vida cotidiana desses praticantes.

Tudo é importante para a venda de banca. O traje, os fios de contas, as pulseiras, o pano-da-costa e outros detalhes constituem a indumentária-base da negra baiana. Elas não podem ser encaradas como camelôs que vendem simplesmente artigos de consumo. Elas representam o lastro de uma tradição de décadas de trabalho paciente e calmo[...](LODY, 1998, p.102)

Lody também menciona que a roupa das baianas é fundamental para a venda dos quitutes nas bancas, pois, através dessa caracterização, essas mulheres mostram como é sua cultura nas roupas que usam.

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é um objeto permanente, faz companhia na vida, no trabalho, no lazer, enfim, em todos os momentos sagrados de um praticante do candomblé.

E é sem dúvida, por todos esses motivos que as roupas usadas nos terreiros de candomblé são tão “famosas” e importantes, pois além da riqueza nos detalhes das roupas que servem para proteger o corpo e destacar a beleza, estabelecem hierarquias tornando-se símbolos identitários por meio dos quais é possível refletir sobre os valores culturais de determinados grupo, onde existe uma história, uma vida por trás de cada item usado. < http://wwworixas.blogspot.com.br> Acesso em: 23/10/2011.

2.2 AS BEBIDAS E OS ALIMENTOS MAIS SERVIDOS NOS TERREIROS

Nas religiões afro-brasileiras, as comidas rituais como são chamadas as comidas específicas de cada orixá são muito importantes, cujo preparo requer muito cuidado. Há pessoas responsáveis por esse trabalho de comunicação com o sagrado. As iyabassês (cozinheiras) precisam saber exatamente como são preparados cada um desses pratos, para que eles sejam aceitos pelos respectivos orixás, pois existem orixás que não aceitam comidas com dendê, outros não aceitam mel, camarão, enfim, esses alimentos depois de prontos são oferecidos aos orixás, acompanhados de rezas, cantos e danças, durante a festa ou no final, em grande parte são distribuídas para todos que estão presentes. São chamadas também de comida de axé, pois acredita-se que o orixá aceitou a oferenda e as impregnou de axé. < http://www.ileode.com.br/comida> Acesso em: 06/06/2013.

Este quadro traz os pratos que fazem parte das oferendas de cada orixá, como também os animais sacrificados em homenagem a eles.

Quadro 2. Os alimentos dos deuses (orixás)3:

Orixá Comida Animais

Sacrificados Local Obaluaiê,

Oxumarê e Nanã

Abadô: Prato passado na máquina, que se torna uma espécie de farinha. O milho vermelho é utilizado para a feitura desse alimento ritual. O abadô também é encontrado com outra designação para o axoxô ou axoxó, não possuindo nenhuma

Obaluaiê: galo, porco, bode.

Oxumarê: bode, galo. Nanã: cabra,

Rio de Janeiro

3 Este quadro foi elaborado com base na literatura consultada e nas informações do site <

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mudança de preparo. galinha. Oxum,

Xangô Abará:O feijão fica de molho até perder a casca, e os Massa preparada com feijão-fradinho. procedimentos são semelhantes aos do acarajé. A massa é cozida em banho-maria, faz-se com ela uns bolinhos, e estes são envoltos em folha de bananeira, levando cada porção em camarão seco. Quando o abará tem função profana, o bolinho depois de cozido é aberto, recebendo massa de vatapá adicionada de molho nagô. O abará é também conhecido por abalá.

Oxum: cabra amarela, galinha, patos. Xangô: cágado, galo, carneiro, bode.

Bahia

Exu Abóbora cozida: É prato delicado e de alto preceito nas práticas dos candomblés-de-caboclo, quando a abóbora-moranga é cozida e preparada com mel de abelha, recebendo, também, uma quantidade de vinho. A abóbora é cozida apenas na água, sem qualquer condimento; retirando-se o tampo da mesma, são colocados o mel e o vinho, e se completa o alimento colocando tiras de fumo de rolo e folha-da-costa, estando pronto para ocupar lugar no assento dos caboclos.

Galos e bode preto.

Rio de Janeiro

Ossaim Acaçá: O milho é ralado na pedra. A massa resultante é preparada da forma mais fina possível, devendo utilizar a peneira de urupema (designação comum no Nordeste). A água é trocada, depois de ter ficado um dia inteiro deixando azedar. A massa é cozida em outra água. O grosso mingau, retirado com uma colher de pau, é colocado em pedaços de folhas de bananeira previamente preparados no fogo para dar a textura desejada. O acaçá é esfriado, geralmente em utensílio de louça branca ou ágata.

Bode, galinhas, galo.

Bahia

Iansã Acarajé: Preparado com feijão-fradinho ou fradim. O feijão fica de molho até soltar da casca; depois, o mesmo é passado em pedra ou moinho, resultando em massa que será temperada com cebola ralada e sal. A massa deverá ser bem misturada, sempre utilizando a colher de pau para preparar a liga. O azeite-de-dendê é colocado em grande frigideira ou tacho. Quando estiver fervendo, as porções de massa de feijão são fritas até se tornarem douradas pelo óleo de palma. O acarajé para uso profano pode ser comido com molho nagô, e, para as práticas sagradas, apenas frito já é o bastante. O tamanho e formato do

Cabra marrom, galinha, pomba.

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acarajé têm simbolismos próprios e são endereçados a divindades específicas. O acarajé grande e redondo é de Xangô; os menores servem para as iabás, como Iansã; obás e erês têm em seus cardápios votivos os pequeninos acarajés de formato bem redondo. Iemanjá Angu: É a papa, o cozimento de farinha com

água. O angu é prato dos mais populares, ocupando lugar comum nas mesas profanas e nos cardápios votivos de divindades cultuadas nos terreiros afro-brasileiros. Crê-se que esse prato tenha vindo do infundi, de Angola. As comidas à base de angu são comuns, generalizando os alimentos moles, mesmo aqueles mais elaborados com temperos especiais ou molhos adicionais e, assim, o angu de farinha simples com água é consumido. O angué preparado em muitos cardápios votivos de divindades, ora constituindo-se em alimento isolado ou complementar de outras comidas, geralmente assados ou fritos à base de azeite-de-dendê.

Carneiro, pato, galinha, cabra.

Rio de Janeiro, Pernam-buco e Bahia

Exu Assados de Exu: Os animais sacrificados são preparados seguindo critérios próprios. Os ixés têm sua feitura específica, com azeite-de-dendê, e as carnes são postas na brasa, ficando os assados ao gosto do cardápio de Exu. As carnes de caprinos e aves são tostadas, depois ocupam o peji, e a maior quantidade é servida em ajeum.

Galos e bode Rio de Janeiro

Exu Bolinhos de dendê: Utiliza-se fubá de milho vermelho. Temperando esta massa com sal e pimenta, coloca-se em forma de bolinhos no azeite-de-dendê fervendo. Retiram-se os bolinhos na quantidade específica da divindade.

Galos e bode preto.

Alagoas

Iemanjá Cocada: Doce à base de coco que recebe açúcar e adquire consistência dura e mole. São acrescidos sucos de diferentes frutas.

Carneiro, pato, galinha, cabra.

Bahia

Omolu Feijão de Omolu: preparado com feijão preto, contendo carne de porco sacrificado em honra a esse orixá. Tempera-se com camarão seco, sal e azeite-de-dendê.

Galo, porco, bode.

Rio de Janeiro

Obá Lelé ou lelê: Prato preparado com milho e leite de coco. Utiliza-se o milho miudinho,

Cabra, galinha, pato.

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vindo do chamado milho vermelho, e o tempero é à base de canela, cravo, sal, e açúcar. Todos os ingredientes vão ao fogo, tornando-se uma massa consistente, adicionando-se sempre um pouco de leite de coco. O lelé, depois de esfriar, fica bem durinho, pronto para ser oferecido.

Janeiro

Iemanjá

e Oxum Manjar do céu: acrescentando-se leite de coco, suco de Prato à base de maisena, maracujá e canela.

Iemanjá: carneiro, pato, galinha, cabra.

Oxum: cabra amarela, galinha, patos

Mara-nhão

Iemanjá, Oxum e Iansã

Moqueca de peixe: Peixe preparado com os condimentos comuns, à base de coentro, cebola, sal e limão, além do vinagre. O peixe é colocado para cozinhar com pimenta malagueta, tomate e azeite-de-dendê, sendo também comum e de tradição preparar a moqueca de peixe com dois tipos de azeite, o de oliva, ou doce, e o de cheiro, ou de dendê.

Iemanjá: carneiro, pato, galinha, cabra.

Oxum: cabra, galinha, patos.

Iansã: cabra marrom, galinha, pomba.

Bahia

Vários

Orixás Molho nagô:

Molho que se usa para acompanhar alimentos como o acarajé, abará, arroz de hauçá, entre outros. O molho é preparado com azeite-de-dendê, cebola, camarões secos e boa quantidade de pimenta malagueta. Assim, adquire uma consistência que lembra uma pasta, exalando cheiro peculiar e tentador.

Bahia, Rio de Janeiro

Xangô Omalá: Prato predileto do cardápio ritual desse orixá. O omalá é preparado com quiabos cortados em rodelas bem finas, temperados com cebola, camarão seco e azeite-de-dendê. É de preceito e tradição colocar 12 quiabos inteiros na gamela de madeira onde é servido o omalá, guarnecendo com acaçá, sem folhas de bananeira. É assim recebido no peji de Xangô o seu prato principal, condicionado às lendas desse orixá guerreiro e justo, forte pelos seus princípios vitais de controle dos elementos meteorológicos da natureza. O dirigente da cerimônia oferece o omalá em honra a Xangô, devendo o alimento ficar no santuário de seis

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a doze dias.

Exu Padê: É alimento ritual que caracteriza o início das cerimônias dos terreiros de candomblé, servindo de alimento votivo, que condiciona a ação do mensageiro dos deuses, bem como suas propriedades mágicas. O padê é feito de farofa-de-dendê, colocada em recipiente especial, farofa branca, quartinha contendo água, podendo, ainda, ter o complemento de acaçá e mesmo de acarajé.

Galos e bode

preto. Bahia e Rio de Janeiro

Oxum Quindim: Alimento dedicado a Oxum, provavelmente por ser um doce amarelo, feito com açúcar, ovos e coco.

Cabra amarela, galinha, patos.

Rio Grande do Sul Vários

orixás

Vatapá: Prato dos mais populares da mesa baiana, integra-se ao cardápio ritual religioso dos terreiros. Pães, camarões secos, camarões frescos, peixe, amendoim, gengibre, cebolas, e dendê, entre outros ingredientes, fazem essa papa saborosa e de aspecto dourado e perfume peculiar.

Bahia

As comidas oferecidas ao orixá geralmente, não podem ser comidas pelas pessoas. Esses alimentos devem ser colocados após o período de três a sete, ou mais dias, em determinado lugar, que tenha algum vínculo com o orixá alimentado. É tabu oferecer pimentas, comidas salgadas, etc. Os alimentos possuem as mesmas forças culinárias, como se fossem consumidas pelas pessoas, por isso os utensílios devem estar sempre transbordando com as comidas, constituindo-se em um verdadeiro tabu colocá-las em pouca quantidade (LODY, 1998).

Como os alimentos, as bebidas possuem um significado de real importância para a manutenção dos valores religiosos nos terreiros. Elas ocupam nos pejis, seus potes ou quartinhas, que são substituídos de acordo com as cerimônias e os cardápios.

Consequentemente, as bebidas industrializadas já estão ocupando os pejis e o distanciamento de identidade das raízes tradicionais, vai se alargando no processo cultural dos terreiros, mesmo assim ganhando a tradição.

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outras criadas no Brasil. Todas importantes. Todas definidoras do caráter sensual, mágico e nutritivo dos cardápios dos terreiros (LODY, 1998, p.58).

A cerveja, o vinho e a cachaça estão presentes, entrando em muitos rituais privados, a utilização dessas bebidas acontece, principalmente, no ajeum (banquete), onde predomina a cerveja, em seguida a cachaça e, raramente, o vinho. A utilização de bebidas fermentadas é comum em utensílios de barro, e possui o aluá como principal representante. O aluá, bebida das mais comuns, é preparado pela fermentação, em água, de ingredientes como milho vermelho, rapadura e gengibre. É servido como acompanhamento dos pratos sagrados. O aluá é a bebida de todas as festas, ocupando lugar de destaque naquelas do ciclo junino ou nas cerimônias dedicadas aos Ibejis e a Xangô.

Nas cerimônias de sacrifícios dos animais, é comum observarmos o preparo de bebidas feitas com parte do sangue dos animais sacrificados, mel de abelhas e vinho. Essa bebida é servida aos participantes das matanças, formando-se em significativo elo entre os adeptos e os orixás. A bebida é também colocada no peji, sendo de grande importância, visto o significado do sacrifício dos animais.

Do dendezeiro apareceu também uma bebida em forma de vinho, o vinho-de-dendê, que era servido pelas negras de tabuleiro. Era servido em canecas, acompanhando o acarajé, o abará e outros quitutes. O vinho-de-dendê, hoje não é mais encontrado.

Como percebemos, nas religiões afro-brasileiras, principalmente no candomblé, o ato de comer é, antes de tudo, se relacionar com e através do sagrado. O que é oferecido é codificado na complexa organização do terreiro, assim circulando e se renutrindo, por isso, há sentido e função em cada ingrediente, como significados nas quantidades, nos procedimentos, nos atos das oferendas, nos dias e horários próprios, no som de cânticos, no toque dos atabaques. Enfim, nos terreiros tudo possui uma grande importância para ser daquele jeito (LODY, 1998).

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animais aos orixás, mostra que existe um grande respeito entre os adeptos e os elementos da natureza, que são os próprios orixás. As pessoas treinadas especialmente para desempenhar o papel de sacrificador, realizam tal ocupação com grande respeito, procurando seguir o rigor que esses rituais merecem. Sacrificar animais quadrúpedes e aves é função masculina, no entanto, em algumas práticas, as mulheres realizam tal obrigação (LODY, 1998).

Os animais escolhidos para os sacrifícios e para servirem de alimento para os orixás têm imensa identificação com a divindade escolhida, pois são escolhidos para o sacrifício pelas cores, característica racial, tamanho e sexo, e deverão estar em perfeitas condições de saúde. Assim selecionados, poderão integrar o conjunto de oferendas nos ritos de renovação, iniciação, fúnebres, limpeza mágica, entre outros. Assim, os animais sacrificados não são apenas alimentos que irão ampliar e reforçar os elos do axé em sua concepção propiciatória e invocativa. Os animais dos sacrifícios são emblemas de ordem hierárquica, de conteúdo ético e, especialmente, religioso (LODY,1998).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As religiões de matriz africana foram marcadas durante muito tempo, por perseguições, destruições dos templos e, principalmente, pelo preconceito sofrido pelas pessoas da elite. Pesquisar sobre o processo histórico e a formação dessas religiões não é uma tarefa fácil. Primeiro porque foram perseguidas durante muito tempo e, com isso, muitos documentos a seu respeito foram destruídos, restando poucos registros históricos e livros sobre elas. Sabemos também que as religiões afro-brasileiras possuem suas características próprias, cujos princípios e práticas são, em geral, transmitidas oralmente. Com o tempo, pesquisadores, antropólogos, sociólogos, historiadores, começaram a se interessar por esse povo, seus costumes e crenças. Os quais, mesmo com tantas dificuldades, conseguiram preservar sua cultura, sua tradição. Esses pesquisadores começam escrever sobre essas religiões, principalmente o candomblé e, com isso, as religiões de matriz africana, começaram a ganhar e se tornar mais conhecidas em todo o Brasil e fora dele.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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