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Entre a Natureza e o Homem : o extremo do vínculo geométrico

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Academic year: 2020

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Olga Sofia Reis Pereira

Entre a Natureza e o Homem:

o extremo do vínculo geométrico

O lg a S of ia R ei s P er ei ra M in h o | 2 0 1 2 E n tr e a N a tu re z a e o H o m e m : o e x tr e m o d o v ín c u lo g e o m é tr ic o

Universidade do Minho

Escola de Arquitectura

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Tese de Mestrado

Ciclo de Estudos Integrados Conducentes ao

Grau de Mestre em Arquitectura

Cultura Arquitectónica

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Ana Luísa Jardim Martins Rodrigues

Olga Sofia Reis Pereira

Entre a Natureza e o Homem:

o extremo do vínculo geométrico

Universidade do Minho

Escola de Arquitectura

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Agradecimentos

Aos meus pais, tão empenhados e desejosos quanto eu;

À professora Ana Luísa Rodrigues, orientadora desta tese, pela con-fiança, liberdade e entusiasmo com que acompanhou todo o percur-so e pelas sinceras e rigorosas palavras que estimularam o resultado final;

Ao Chaves, por tudo, por absolutamente tudo;

Ao professor Paulo Cruz, pela disponibilidade e contributo científico fundamentais ao arranque desta tese;

À Fofi, à Daniola e à Marta pelas intermináveis conversas, pelo gene-roso apoio e pela reconhecida e terna amizade;

À Figueiras, ao Jojo, à Maria, ao Mimes e à pequena Inês, pela (es-tonteante) companhia no delírio que o enredo final garantiu;

À Lucinda, pela disponibilidade e prontidão burocrática;

Ao Louis Monnot, que com as rezas árabes tornou possível o impos-sível;

À freaky, ao Rui, ao Magalhães e ao Mota; Ao Chapa 5 e à Escala Reduzida.

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Resumo

Entre a Natureza e o Homem é um ensaio sobre a essência da arquitectura enquanto vínculo natural e humano. Pretendendo o enlace da Natureza e do Homem, incide-se no revigorar da arquitectura, através da percepção humana das “forças em espirro” e “forças exactas”, concretizando um ex-tremo geométrico que coarcta os protagonistas no trabalho comummente laborado.

Na percepção da complexidade dos intervenientes, a conquista pelo objectivo adivinha-se extremosa pela prática. Assim, desenvolve-se uma proposta protótipo, capaz de albergar Natureza e Homem, num momen-to realçado no caos e na beleza e, quantificado em instinmomen-tos naturais e razões humanas que transparecem em referências alusivas para a finali-dade. Neste sentido, a formalização de uma base arquitectónica assenta num desenho experimental de uma geometria humana, embrionária na Natureza. Aproveitando as causas naturais para a racionalidade humana, transforma-se no vínculo que evidencia a essência geométrica. A Natureza é a harmonia que outorga vida embrionária à matéria. O Homem é a razão para o extremo geométrico da relação. A matéria é geometrizada no traba-lho das forças que, Natureza e Homem, acenam pelo diálogo que se mostra terno e sincero na essência da arquitectura.

Em suma, Entre a Natureza e o Homem: o extremo do vínculo geo-métrico procura o limite de uma geometria num momento específico, onde os protagonistas comunicam uma relação sincera, para evidenciar a es-sência da arquitectura, enquanto “agrafo” entre Natureza e Homem. Mais do que Natureza; mais do que Homem; a geometria é o extremo de um vínculo que supera os dois, na conexão que lhes garante, superando-se na sua essência.

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Abstract

Between Nature and Man is an essay about the essence of architecture as a natural and a human bond. Intending to link Nature and Man, it focuses on the invigoration of architecture, through the human perception of “sneeze forces” and “exact forces”, materializing in a geometrical extreme that cur-tails the protagonists in the commonly labored work.

In the consciousness of the characters’ complexity, the conquest of the objective appears unwearying by practice. Thus a prototype proposal is developed, capable of housing both Nature and Man, in a moment driven by chaos and beauty and quantified in natural instincts and human reasoning, which are ghosted in allusive-to-goal references. In this sense, the formaliza-tion of an architectural basis leans on the experimental design of a human, embryonic of Nature type of geometry. The natural causes being taken into consideration for the human rationality, it transforms into the bond that highlights the geometrical essence. Nature is the harmony that bestows em-bryonic life to matter. Man is the reason for the geometrical extreme of this relation. The matter is turned into geometry through the working process of the forces, to which Nature and Man refer via their dialogue, tender and sincere in the essence of architecture.

In short, Between Nature and Man: the extreme of the geometrical bond seeks the limit of a given geometry in a specific moment, wherein the protagonists speak a sincere connection, in order to highlight the essence of the architecture whilst the “staple” between Nature and Man. Beyond Nature; beyond Man; the geometry is the extreme of a bond that overcomes both, in the connection granted to them, thus overcoming its own essence.

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Índice

| Preâmbulo 3

1| Protagonistas 9

1.1| Natureza 13

1.2| Homem 17

| Enlace dos protagonistas 19

2| Prática das forças 21

2.1| Água 23

2.2| Arquitectura 27

2.3| Manifesto dos extremos 31

| Método do enlace 37

3| Geometria da água 39

3.1| Momento 43 3.2| Proporção 49 3.3| Concepção geométrica 58 3.4| Organização geométrica 62

| O extremo do vínculo geométrico 94

| Entre a Natureza e o Homem 104

Bibliografia 110

Índice de Figuras 124

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“a Força Exacta é violência.

a Força em espirro, ao acaso, não é violência, é existência.

O mal é Fixar a Força (direccioná-la) porque a natureza espontânea não o FAZ.

Natural é ser FORTE, isto é, avançar.

Violento é o Percurso que antecede o viajante. Antes dos pés; Sapatos; a estrada. A Força Exacta é violência.

A natureza não tem, nunca teve, Forças EXACTAS. E tudo o que o homem faz é tornar exacta a FORÇA. Ser violento é construir; todo o Edifício é violência,

O homem é o Exacto da Natureza; a falha NATURAL; o Erro. Deus errou: fez o homem EXACTO.”

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| Preâmbulo

“The essential truth is that, in the process of the creation of architecture, there must first be a moment in which each individual must ask himself what he wants to do, and there must also be a moment when that same individual asks nature how to do it. Architecture, therefore, is part of the bridge between nature and man.” (Kristopher Mark Stuart, 1992)

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Na busca pela compreensão da arquitectura, a necessidade de procurar, na sua essência, os seus fundamentais princípios, surge como impreterível. No cerne da prática, apenas um dos motivos é fulcral para essa essência: a defesa do Homem perante as atrocidades da Natureza, ou seja, o abrigo

como uma “extensão dos mecanismos (…) do nosso corpo”1. É através

deste conhecimento que se pretende um caminho capaz de traduzir, num ensaio, a arquitectura como a materialização do extremo da relação entre Homem e Natureza; como ponte entre ambos.

Neste sentido, almeja-se a percepção da geometria, quer natural quer humana, que ambos desenham no espaço. O entendimento do poder que cada um tem; da racionalidade e emotividade que ambos emanam nas suas geometrias; do lugar de um perante o outro; da posição de cada um nas suas limitações e nos seus poderios. Para com isto, entender Natureza e Homem como um conjunto equilibrado, onde se respeitam um ao outro. Extremar uma geometria dos dois onde, através dos mesmos, eles se potenciem reciprocamente.

A envolvência fantasiosa faz-se sentir: o sonho, o desvario. A quimera carece de realidade: o questionar do que se pretende. A percepção da fantasia. Este momento, de conflito pessoal, permite a sobriedade que

outorga o quesito: como aplicar a “força exacta”2 do Homem na “força em

espirro”3 da Natureza, para que se conciliem na essência geométrica que

se deseja?

O Homem quer. A Natureza dita as regras aquando do como fazer.

O Homem interpreta-as e, com intenção de responder (com sucesso) a

todas as premissas e problemas levantados, experimenta-se, através de um projecto protótipo com uma área de intervenção “roubada” à Natureza

(de aproximadamente 300.000 m2), numa linha que entrelaça a exactidão

e o espirro, intervir num ponto onde a Natureza domina o Homem e o

Homem controla a Natureza4. Num lugar onde os extremos, quer natural

quer humanos, se tocam, se experimentam nas “forças” através de um programa que vive da Natureza para o Homem e, do Homem para a Natureza. Um artefacto que se geometriza pela exactidão humana e pelo acaso natural num minucioso gesto de equilíbrio e respeito mútuo: um

1. Marshall McLuhan, Compreender os Meios de Comunicação, extensões do Homem. 2008, p. 135. 2. Termo usado por Gonçalo M. Tavares (citado na epígrafe desta tese de mestrado).

3. Termo usado por Gonçalo M. Tavares (citado na epígrafe desta tese de mestrado).

4. Ou parte dela, uma vez que o Homem não consegue entender todas as regras da Natureza: a “força exacta” não alcança a “força em espirro”. Neste sentido nunca o Homem consegue controlar toda a Natureza.

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perante o outro.

Em suma, pretende-se o ensaio de um desenho que, com base na investigação de geometrias, estruture o lugar de contacto extremo, na busca da satisfação humana e natural (através do Homem). Um ensaio que agrafe Natureza e Homem numa geometria como embrião. Geometrizar a vontade humana com a fantasia natural, através de um limite do Homem na Natureza.

“Não duvida o autor das suas limitações para tratar assunto de tal envergadura; atreve-se a fazê-lo apenas pela consciência que possue da necessidade de tal tema ser tratado, pois julga que uma das grandes batalhas a travar nos nossos dias é exactamente a da organização harmónica daquele espaço com que a natureza nos prodigalizou, batalha essa cuja vitória constitui um “sine qua non” da felicidade do Homem.” (Fernando Távora, 2006)

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1| Protagonistas

“Homme libre, toujours tu chériras la mer! La mer est ton miroir; tu contemples ton âme Dans le déroulement infini de sa lame, Et ton esprit n’est pas un gouffre moins amer. Tu te plais à plonger au sein de ton image; Tu l’embrasses dés yeux et dés bras, et ton cœur Se distrait quelquefois de sa propre rumeur Au bruit de cette plainte indomptable et sauvage. Vous êtes tous les deux ténébreux et discrets: Homme, nul n’a sondé le fond de tes abîmes; Ô mer, nul ne connaît tes richesses intimes, Tant vous êtes jaloux de garder vos secrets! Et cependant voilà des siècles innombrables Que vous vous combattez sans pitié ni remords, Tellement vous aimez le carnage et la mort, Ô lutteurs éternels, ô frères implacables!” (Charles Baudelaire, 1857)

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No desenrolar infinito pela finalidade da enunciação, vários são os desvarios e sonhos que se mantêm despertos na certeza, ainda não encontrada, da capacidade de acertar. Múltiplos os acenos de cumplicidade e os instantes de azáfama. O percurso não se adivinha terno. Mas o desejo de erudição faz-se emergir num sentimento aprazível que não outorga a perplexidade. É no barulho deste fulgor que se vagueia na indagação dos “lutadores eternos”. Dos “irmãos implacáveis”.

Num olhar primordial, a inevitabilidade da enunciação submete para a célere identificação dos protagonistas. Uma identificação focada, à partida, no vínculo entre os mesmos e, direccionada à vontade de a evidenciar numa extensão que ostenta o acaso e a exactidão. Porém, intricada nas suas definições plurais e multidisciplinares, alenta o princípio da prática para tornar acessível o seu fundamento. É nestas circunstâncias que Natureza e Homem revelam a sua essência. Uma essência que advém da relação entre ambos e, que remete a essência da prática pela essência dos protagonistas.

Assim, Natureza e Homem são elucidados enquanto geradores de

harmonia5. Da razão e da emoção. Enquanto protagonistas para a prática da

arquitectura. Enquanto forças combinadas no seio uma da outra. Enquanto essências que se relacionam e se sustentam. E, é através destes trâmites que são elucidados, para a posterior explanação da arquitectura enquanto “agrafo” instintivo e racional. Enquanto batalha. Enquanto fraternidade.

5. (…) Considerando que harmonia é a palavra que traduz exactamente equilíbrio, jogo exacto de consciência e de sensibilidade, integração hierarquizada e correcta de factores. (Fernando Távora, Da organização do espaço. 2006, pág. 14).

FIG. 2 – Running Fence, Christo and Jeanne-Claude Christo. Sonoma and Marin Counties, California, 1972-76, Installation, Segment 1.

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1| Natureza

“A ideia da Natureza é a ideia de um poder e de uma arte divinos inexprimíveis, sem comparação ou medida com o poder e a indústria do homem, que imprime nas suas obras um carácter próprio de majestade e graça, que opera todavia sob o domínio de condições necessárias, que tende fatal e inexoravelmente a um fim que nos ultrapassa, de maneira contudo que essa cadeia de finalidade misteriosa, da qual não podemos demonstrar cientificamente nem a origem, nem o termo, aparece a nós como um fio condutor com a ajuda do qual a ordem é introduzida nos factos observados e que nos coloca no rastro dos factos a pesquisar.” (A. Cournot, 1946)

A Natureza (como tudo) é a ideia que se tem dela. A ideia que nos é transmitida pela percepção, subjectivamente rigorosa e harmoniosa, da mesma, no olhar conciso e incessante dos contínuos antecedentes. Uma percepção humana que tenta (mas não consegue) abstrair-se da sua existência para melhor a caracterizar. Porém, a Natureza é uma “força em espirro” que o Homem não consegue alcançar na sua plenitude. Só controla uma fracção do seu ciclo contínuo. A Natureza é a ideia que a exactidão do Homem consente percepcionar perante o seu “acaso”.

Assim, a Natureza é o mote para tudo o que acontece. É entendida como a regra e a harmonia que permitem a existência de todos os elementos, potenciando a ordem e união do todo como o conhecemos. “La nature est ordre et lois, unité et diversité illimitée, finesse, force et harmonie”6. É a

genetriz de todo o universo físico.

Poderosa no seu jeito de ser, a Natureza age de acordo com as suas regras, propondo uma melodia e beleza presentes em tudo o que cria. Contudo, os seus ciclos potenciam, aos olhos dos seus descendentes, “que

a fazem existir e agir tal como existe e age”7, momentos de raiva e de

fulgor, que a tornam indomesticável. É nesta conexão de amor e ódio que a Natureza exprime o seu poderio perante toda a sua criação. Tornando-a inalcançável. Superior a tudo. Com uma força inestimável. Eis a essência. Tudo começa e acaba na Natureza e, com a Natureza. Não há poder superior. Não há controlo. Mas há criações. (Re)Interpretações no seio dela. Extensões que lhe reconhecem a sua plenitude, sem nunca a conhecerem.

6. Le Corbusier, Le modulor: Essai sur une mesure harmonique a l’echelle humaine applicable universellement à l’architecture et à la mécanique, pág. 25.

7. Marilena Chauí - Natureza, Cultura, Patrimônio Ambiental, Meio Ambiente: Patrimônio Cultural da USP, pág. 47.

FIG. 3 – Giant’s Causeway, Ireland.

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Criações com capacidades sensoriais e cognitivas. Onde “o desenvolvimento científico e tecnológico não é o oposto da natureza, mas a própria natureza que, através do seu estado lúcido – que somos nós – revela o lado oculto (…)”8. A Natureza como genetriz. Como controladora do

todo; do Homem. O ser humano como extensão9 natural. A extensão que a

Natureza pretende. Anseia. Uma continuidade exacta de uma essência ao “acaso”. Uma criação com o papel de poder natural na exactidão: a luta da Natureza; a fraternidade do Homem.

8. Lúcio Costa. Lúcio Costa: registro de uma vivência, pág. 397.

9. Este termo é aqui utilizado como definição de prolongamento, continuidade; como parte integrante de um todo; como algo necessário para a essência e para o revigorar de um todo.

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.2| Homem

“O animal não se esquece que é humano: mede, quantifica, procura a verdade.

O humano não se esquece que é animal: pressente, entusiasma-se, exalta-se: procura o belo.” (Gonçalo M. Tavares, 2003)

Natural e criado pela Natureza, o Homem nasce com o carácter de extensão da mesma. Limitado na sua fraqueza corporal é libertado nos sentidos e no intelecto. Com capacidades únicas enquanto criação, é um “fabuloso mecanismo de que resultou – intransferível – a lucidez e a consciência (…)”10. É o manifesto da Natureza. Mas precisa das suas habilidades físicas

e psicológicas para sobreviver. Necessita tornar-se capaz de se encaixar em toda a melodia que o rodeia. Observar. Percepcionar a Natureza. Aprender a racionalidade do instinto. E assim, tornar-se a continuidade da Natureza. O ser exacto. O ser natural.

Olha em seu torno: já não consegue despegar-se. “The sense of harmony that men instinctively seek is nurtured by the world of nature. Man is moved by the creations of nature because he himself is a part of nature’s

lineage.”11 O “cordão umbilical” não lhe permite o afastamento. Deseja a

Natureza. Mas tem medo. É impotente perante ela. Não consegue, com as suas proporções físicas e temperamentos psicológicos, proteger-se por si só. É frágil. Não há-de transcendê-la. Mas presencia: deixa-a continuar o seu ciclo. Extrai o que consegue. O que a Natureza lhe permite. Atenua o conflito pelo igualar das forças.

Com atitudes racionais e instintivas pretende compreender toda a magia natural que o rodeia. Apercebe-se das suas capacidades. Da sua exactidão. Quer abraçar a Natureza. Mas é, fisicamente, fraco. Sem extensões não consegue. Tem que a negar. Precisa adaptar-se para conseguir a harmonia que sente. Não pode viver no mundo natural, mas não consegue afastar-se da Natureza para viver. Precisa dele. Precisa dela.

Habilidoso: deseja a criação. Uma extensão que torna o seu mundo real, habitável. Que o torna capaz não de sobreviver, mas de viver na sobrevivência. O Homem encontra o seu poder. A sua força. Uma “força exacta” para a coexistência com a “força em espirro”. Encontrou a verdade. Encontrou o belo. A criação com o papel de poder exacto na Natureza: a luta do Homem; a fraternidade da Natureza.

10. Lúcio Costa, Lúcio Costa: registro de uma vivência, pág. 407. 11. Architecture and Water Spaces: Process, pág. 155.

FIG. 5 – Koh Panyee. Phang Nga Province, Thailand.

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| Enlace dos protagonistas

“Le travail est de prime abord un acte qui se passe entre l’homme et la nature.” (Karl Marx, 1872)

Num reconhecimento dos intervenientes, pela percepção humana, torna-se clara a relação intrínseca que ambos parecem nutrir. Natureza e Homem coabitam o mesmo espaço. Conhecem-se. Tocam-se. Amam-se. O fascínio da Natureza induz o Homem para ela. A sua calma aconchega-o na protecção do medo que a fúria lhe transmite. Vivem coarctados um ao outro. Mas, ao mesmo tempo, a luta pelo poder liberta-os. Liberta o Homem na conquista do domínio da Natureza e liberta a Natureza no seu poder sobre o Homem. A luta incessante de um perante o outro.

Medo e fascínio alertam a Natureza e o Homem. O confronto não acaba. A força de um traduz-se incompatível com a do outro. A regra e

bravura alentam a Natureza; a fantasia; a harmonia; o trabalho12. A razão

e o instinto transmitem a sobriedade ao Homem; o pensar; a percepção. O trabalho que ambos fazem, separadamente verificado no mesmo resultado. A Natureza trabalha a “força em espirro”. Forte e vigorosa, amedronta. E abençoa. O Homem trabalha a “força exacta”. Sensível e amedrontado descobre-se.

“Força em espirro” e “força exacta” combinam o instinto da Natureza e a racionalidade do Homem na essência do vínculo que os une. O encontro da solução. O trabalho de ambos. O fascínio de um na harmonia do outro. O medo na fúria. A protecção na calma. A exactidão no instinto. A descoberta da extensão: a arquitectura – uma luta; uma fraternidade.

12. “Trabalho” é aqui utilizado como definidor do resultado da acção dos protagonistas (individual ou simulta-neamente).

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2| Prática das forças

“We cannot live in the natural world and we cannot live without nature. We cannot build a world without altering nature, nor can we build without nature’s blessing.” (Kristopher Mark Stuart, 1992)

Despojados da ambiguidade que carregam na sua enunciação, Natureza e Homem coabitam entrelaçados um no outro. Perdidos na fantasia: amam-se na convivência e combatem-se pela força. Manifestam instintos e emoções; forças e razões. Porém é num vínculo de respeito e equilíbrio que ambos se relacionam.

A conexão é harmoniosa. A fantasia da Natureza conjuga-se com o desejo do Homem. O Homem, num sentido apreço, observa; percepciona; concretiza. Num jogo sedutor, entre medo e encanto, acolhe a Natureza na sua criação. A Natureza, por sua vez, aceita a criação do Homem na sua imagem. Os dois se conjugam num gesto de respeito e ternura. Onde os receios de um são ultrapassados na fantasia do outro. Um aceno entre os dois: um lugar natural; um olhar humano. A finalidade. Um sábio trabalho entre Natureza e Homem: o coarctar das extensões na impossibilidade humana; na bênção natural.

O trabalho das forças impresso na harmonia que Natureza e Homem fazem ressoar: “força em espirro” e “força exacta” como modos de actuarem nas criações. O instinto natural: a água. A racionalidade humana: a arquitectura. Um método da prática para o avultar da relação: a conexão das forças no revigorar do trabalho.

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.1| Água

“L’eau, c’est l’élément le plus cher à la vie: un danseur cosmique, une voix faite de tous les sons, avec tous les sentiments.” (Alev Lytle Croutier, 1992)

A intenção de trabalhar uma geometria da Natureza e do Homem conduz aos elementos naturais – terra, água, ar e fogo – de modo a tornar-se mais incisiva a busca da essência. Desta forma, o elemento água é o que se pretende, uma vez que também labora como fragmento da essência do Homem. Assim, a água é o elemento natural capaz de se tornar elemento do Homem.

Apesar de não ter uma forma própria, a água é capaz de gerar tensões de projecto devido à sua consistência física. É um elemento natural corpóreo, que transporta consigo a força da Natureza. Impulsiona o Homem na sua interminável tentativa de domar a água; de a racionalizar, sendo esta substância da sua própria existência. E, nesta tentativa humana, a água é geradora de matéria na exactidão da sua percepção.

Para a Natureza, a água é um recurso natural gerador de vida. “Liquide, incolore, transparente, l’eau est un miroir cosmique, qui renvoie toute chose à sa source: êtres vivants, minéraux, nuées.”13 O físico encontra

o metafísico, e vice-versa, tornando-a na Mãe de todos os seres vivos. É um elemento que potencia a “força em espirro” natural: manifesta-a.

Para o Homem, a água é um bem essencial à sua existência. (…) “L’élément qui inspire le rêve et qui guérit les corps (…)”14. Inspira

o sonho pela beleza da sua “força em espirro”. Cura o corpo pelas suas características naturais. É parte do Homem. É um elemento que potencia o seu bem-estar físico e psicológico. Permite a sua vida. Potencia-a.

Enquanto matéria – a água “emporte ou dépose, creuse ou élève, arrache ou édifie, comble ou vide, monte ou s’enfonce, rapide ou calme, parfois dispensatrice de vie ou cause de mort, d’accroissement ou de

privation”15, gerando uma elasticidade instrumental, alargada e complexa,

para a prática. Colabora para a sobrevivência humana. Para a organização16

do “vazio” que o Homem trabalha. O elemento que permite a existência; que permite sensações físicas e psicológicas ao Homem. Sensações essas,

13. Alev Lytle Croutier, Les Trésors de L’eau, pág. 15. 14. Alev Lytle Croutier, Les Trésors de L’eau, pág. 1. 15. Alev Lytle Croutier, Les Trésors de L’eau, pág. 13-14.

16. A água foi a responsável pelos primeiros assentamentos de existência elementar com disposição organizada.

FIG. 9 – Estruturas para a prática da mitilicultura (cultura dos mexilhões).

FIG. 10 – Moinho: um engenho de moer movido a água. Museu Moinho de papel da autoria de Álvaro Siza, 2009.

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que se pretendem para a prática: uma geometria reconhecida pela Natureza e pelo Homem no seio da água.

A água é a “bailarina cósmica” que permite o trabalho humano no “vazio” natural. Potenciando a Natureza, transporta o Homem para o extremo da relação que ambos sustentam. Criada por vários componentes, produz a melodia que se pretende para o trabalho das forças. A matéria instintiva trabalhada pela regra humana, onde “força em espirro” se entrelaça com “força exacta” numa geometria extrema da Natureza e do Homem.

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.2| Arquitectura

“(…) Quanto mais próximo da natureza o homem se encontrasse, mais aumentaria e se expandiria o seu bem-estar pessoal, espiritual e até físico, em consequência directa dessa associação.” (Peter Gössel e Gabriele Leuthäuser, 1993)

A Natureza domina. E o Homem é dominado. Mas precisa de sobreviver, de se proteger das atrocidades naturais. Através das suas capacidades cognitivas e sensoriais olha a Natureza. Toda a harmonia sobrevém numa capacidade perceptiva de encanto. Vê nela a essência para a prática de uma função. Limitado pela autoridade natural, o Homem deseja a extensão, para recriar a sua existência, à imagem da Natureza. Nasce a necessidade do espaço humanizado, potenciado pela Natureza e aplicado, à escala do Homem, pelo mesmo. Uma arquitectura do Homem que busca a Natureza,

na (parte da) Natureza17 que ele consegue domar.

A arquitectura dá ao Homem o equilíbrio que ele precisa para viver na harmonia natural. Transforma a sua envolvência e recria “vazios”: conquista-os e transforma-os; prolonga-os; reformula-os. “Vazios” humanos que proporcionam o Homem na Natureza. Que lhe são necessários. Que se encaixam no grande “vazio” da Natureza. E, que lhe permitem a sua segurança; a sua organização perante todo o conjunto harmonioso envolvente. Assim, a arquitectura torna-se um extremo do Homem na Natureza e, da Natureza no Homem aquando da sua bênção.

A Natureza potencia a arquitectura através do seu poderio e das capacidades com que formou o Homem. “Kahn considered architecture not as man’s invention, but as man’s discovery, which is to say, his realization

of nature’s possibilities.”18 Assim, o Homem encontra na arquitectura a

satisfação das suas necessidades – físicas e psicológicas – perante o (des)controlo da Natureza. Conseguindo, desta forma, dominar parte da Natureza onde intervém. O Homem incapacitado na sua defesa perante a Natureza, usa a arquitectura como extensão do seu corpo para dela se proteger. Contudo, é através da percepção da Natureza que consegue a ordem e a fantasia necessária para essa extensão.

O Homem é dominado pela Natureza. Mas, através da arquitectura

17. (Parte da) Natureza é aqui utilizado para evidenciar o facto de o Homem não domar todo o conjunto da Natureza, mas sim parte dela. A parte que a Natureza permite ao Homem de ser domesticada e que ele tem capacidade de domar.

18. Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 91.

FIG. 11 – Petra, Jordânia.

FIG. 12 – Sete presas do Canal de Briare, Rogny, França.

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transcende os seus poderes; controla fragmentos da Natureza. Os fragmentos que precisa para sobreviver. Os fragmentos que lhe dão poder perante a Natureza. O poder de se defender dela; de a dominar (em parte).

“Construir foi, para o homem, primeiramente, construir sua

habitação. Alojar-se no espaço, dominá-lo como parte da natureza.”19

Natureza e Homem vivem, através da arquitectura, conectados. O Homem com incapacidade perante a Natureza apropria-se dela. Transforma-a e racionaliza-a para a poder habitar. E a Natureza potencia toda a racionalização ao Homem, através da sua harmonia. A arquitectura é, desta forma, o “filtro” para o Homem, a “coroa” para a Natureza e, o “agrafo” da relação entre ambos. Filtra as não-humanidades da Natureza, permitindo o Homem. Coroa a Natureza no seu poder, uma vez que o Homem não consegue viver sem ela. Confere-lhe autoridade enquanto genetriz do todo. E, agrafa os dois numa relação de harmonia original da Natureza e, desta forma, compreendida pelo Homem.

“A arquitetura existe em função do homem. Ele é o centro de todas

as preocupações e o módulo a que se relacionam todas as medidas.”20 E,

a Natureza é o mote pelo qual existe a arquitectura. Assim, a arquitectura é a melodia que o Homem percepciona do conjunto natural. É a geometria de um “vazio” concretizada pela força dos dois.

A arquitectura supera a Natureza e o Homem: ultrapassa o acaso da natureza na sua exactidão, e o Homem na sua defesa pela extensão. Num gesto de primazia que ambos souberam acenar, é um extremo da relação de ambos. Um limite que geometriza os dois na conexão que lhes garante.

19. Ana Isabel Ribeiro, Vilanova Artigas, Arquitecto. 11 textos e uma entrevista, pág. 68.

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.3| Manifesto dos extremos

“The human spirit is a catalyst for the creation of that which nature does not create, but the spirit of nature determines how it is made.” (Kristopher Mark Stuart21, 1992)

No explicitar da arquitectura e da água como extensões dos protagonistas, adivinha-se o extremo que se pretende. Um limite provocado pelas forças que cada um exerce e onde se denota a conexão das mesmas.

Através da arquitectura e da exactidão que esta promete, o Homem impõe um controlado ensejo às potencialidades naturais. A Natureza não consegue a racionalidade humana. Porém, outorga também o seu limite ao Homem através da água. O Homem não percepciona todo o instinto que a água carrega. É aqui que os limites se impõem aos protagonistas, limitando-os nas suas forças.

Num trabalho, onde se deseja a conexão das forças para o enlace dos protagonistas, é inevitável o confronto com a prática das mesmas. Água e arquitectura conduzem aos estímulos que o enlace antevê. Estímulos inscritos no mesmo âmbito para a elevação das (in)certezas. A água potenciada pela “força em espirro” traduz o Mar. A arquitectura conseguida pela “força exacta” expressa uma formação balnear, geometrizada em bacias de água.

21. A propósito da inspiração arquitectónica de Louis Kahn.

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.3.1| Mar

“La mer, en réalité, est cet état de chaos, de désordre dont émerge la civilisation, et dans elle risque sans cesse de tomber, à moins d’un effort surhumain.” (Alev Lytle Croutier, 1992)

Num trejeito imagético da “bailarina cósmica”, o Mar faz raiar o seu alento: sobrevém como manifesto da “força em espirro” que a Natureza domina. Revela-se como matéria capaz de abrigar esta força e de sobreluzir as potencialidades naturais: a fantasia e a crueldade do modo como se mostra ao Homem.

O Mar torna-se o fio condutor para a busca da finalidade da meta. É matéria natural. É instinto; caos. É o medo do Homem; o extremo. Um extremo imposto pela Natureza e que o Homem não domina. A luta humana: o percepcionar do instinto natural, para chegar mais próximo da Natureza e se tornar, aos seus olhos, mais forte. Assim, e através do seu lado inteligível, o Homem consegue domar parte do Mar. Entende-o no respeito de quem tem medo da crueldade, mas quer chegar mais longe na sua fantasia. O manifesto natural torna-se um desafio humano: alcança o limite e trabalha-o na busca pelo extremo das forças no trabalho de ambos.

FIG. 14 – Staffa, Fingal’s Cave, por Joseph Mallord William Turner, 1832.

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.3.2| Formação balnear

“Mais la proximité d’un cours d’eau demeure indispensable. L’eau, prélevée dans le cours d’eau, traverse des filtres à sable avant de se déverser dans les bassins.” (Karin Artho, 2000)

No entendimento preciso pela intenção de harmonizar, uma formação balnear brota numa geometria que se manifesta humana na “força exacta” que deixa transparecer. É na proximidade com o Mar que esta matéria criada pelo Homem transcende a sua força na capacidade de albergar não só a força humana mas também a natural.

A formação balnear aproxima-se momentaneamente da água, com o intuito humano, de potenciar o instinto natural na exactidão da geometria do Homem. É um avanço do Homem no extremo que a Natureza lhe impõe. A luta natural: a comoção da racionalidade humana, para dominar o Homem na sua força. Assim, o Mar, no instinto que carrega da Natureza, consegue desafiar a exactidão do Homem. Consente-a no respeito que o Homem nutre. Porém, a Natureza impõe-se no caso do Homem extravasar este respeito. O manifesto humano torna-se o desafio natural: a conquista da formação balnear no desrespeito humano; a ternura na relação respeitante de um perante o outro.

FIG. 15 – Piscina Marítima de Kastrup, (vista geral), White Arkitekter. Kastrup, Dinamarca, 2005.

FIG. 16 – Piscina Marítima de Kastrup, (vista da bacia), White Arkitekter. Kastrup, Dinamarca, 2005.

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| Método do enlace

“This architecture does not imitate nature, but his work embodies the essence of nature, and the essence of man.” (Kristopher Mark Stuart, 1992)

Natureza e Homem, no cultivar do enlace que mantém, laboram numa finalidade: a conexão das forças na criação de um extremo entre ambos. Um extremo evidenciado nas incapacidades de um alcançar o domínio da força do outro. A “força em espirro” acaba na racionalidade humana e a “força exacta” restringe-se no instinto natural. Ambas as forças se tornam mais fortes nas suas extensões; nas suas avultadas criações pronunciadas através da água e da arquitectura.

Na vontade da conexão, torna-se necessário concretizar as criações em manifestos, para um evidenciar prático do trabalho que se pretende. A água transporta, na força natural, proveitos que o Homem pretende usufruir. Porém a incapacidade humana de alcançar o domínio natural, conduz o Homem à arquitectura como extensão. Constrói a satisfação da sua necessidade: um espaço que explora as proficiências naturais que deseja, conduzindo, até si, um trecho de água. Aqui, abrigado das intempéries prometidas, o Homem encontra a graça do benefício. Delicia-se. Usufrui. E, respeitosamente, volta a libertar o trecho de água no seu ciclo natural. Assim, o trabalho da Natureza e do Homem revela-se terno aquando do respeito de um perante o outro; revela-se o filtro apaziguador das atrocidades que ambos emanam nas suas forças contraditórias. A solução do vínculo.

Em suma, anseia-se a conexão da Natureza e do Homem numa

geometria22 que se aproxime de um extremo dos dois; que os unifique; que

os exalte. Uma geometria que extreme o limite entre ambos num unificar dos protagonistas; das forças; dos elementos, para o trabalho da relação que não conseguem estancar. Uma geometria que reconheça nos dois uma vontade de extrapolar os seus limites. Que os extravase na relação que mantém, através do conjugar das forças. Do vínculo no trabalho. Uma geometria que se pretende praticada em banhos de Mar, conjugando as forças da arquitectura -- enquanto extensão do Homem -- e da água -- enquanto elemento da Natureza --, num respeitante e estimulador trabalho dos protagonistas.

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3| Geometria da

água

“De l’harmonie de l’eau et son instrument, il naît une grande œuvre de l’art et de la nature, qui nous rappelle avec Goethe que «celui, à qui la nature tend à révéler ses secrets est saisi d’un irrépressible désir pour son plus digne interprète, l’art.»” (Alev Lytle Croutier, 1992)

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O conhecimento dos preceitos que fazem da arquitectura o mote da relação entre a Natureza e o Homem conduz, fugazmente, à prática da mesma. Uma prática que, evidenciada na agnição do trabalho da Natureza e do Homem, procura o momento de ambos como mote para a exaltação. Um momento concretizado num lugar. Um momento onde a desordem e o caos estão alicerçados; mas onde o encanto e a magia lhe dão alento. Um momento no qual as forças actuam; os extremos estão contíguos e o trabalho da Natureza é simultâneo ao do Homem. Porém, unificam-se através da arquitectura, concebendo um momento que procura maximizar um extremo no coarctar dos dois.

A geometria faz-se com o desejo do momento. E, com ele, o trabalho fluirá, de um para o outro, num jogo de forças que se figura em geometrias que ambos prometem expressar. Uma geometria que sobrevém num momento organizado pela fantasia da Natureza e pelo rigor do Homem e que se concretiza no unificar dos dois.

Através do entendimento das premissas, a compreensão da relação entre a Natureza e o Homem sobressai enquanto método para o trabalho:

água enquanto elemento, artefacto natural23 enquanto lugar e arquitectura

como o meio. A primeira como recurso para a prática de uma função, o segundo como metodologia de um exercício e a arquitectura como regra, ordem, estruturação e organização do Homem; como equilíbrio, beleza e fantasia da Natureza.

“Je dis donc que l’architecture, comme tous les autres arts, étant une imitation de la nature, ne veut rien admettre qui soit contraire ou seulement éloigné de l’ordre que la nature a prescrit aux choses.”24 É neste sentido

que se pretende unificar o trabalho da Natureza e do Homem, numa única geometria. Tornando-os num só. A arquitectura como prática capaz de os entrelaçar no caos e desordem encontrados. Extremar Natureza e Homem no lugar, na geometria e no momento. Um extremar que conduz à essência. A arquitectura no seu fundamental princípio: o equilíbrio do Homem na Natureza – a regra, a organização, a beleza, a fantasia – a harmonia do todo.

23. “En effet, ce qui distingue les artefacts de l’homme dês formations de la nature, tient en ceci que les premiers expriment une finalité instrumentale (…) alors que les seconds traduisent un enchaînement causal (…).” (Vincent Mangeat, 2004). Entao, aquando do trabalho simultâneo da Natureza e do Homem que os unifica, assume-se que se está perante um artefacto natural.

24. Académie dês Beaux-Arts, Dictionnaire de L’académie dês Beaux-Arts, pág. 57.

FIG. 19 – Ilustração das Termas de Caracalla, Banhos Romanos, 212-217.

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.1| Momento

“(…) O espaço existencial não pode ser compreendido somente por causa das necessidades do Homem, mas antes unicamente como resultado da sua interacção e influência recíproca com um ambiente que o rodeia, que tem de compreender e aceitar.” (Amílcar de Gil e Pires, 2008)

Com a ideia no bolso25, a descoberta do lugar faz-se sentir no desejo pelo

momento. Anseia-se um lugar que transpareça como um extremo entre

a Natureza e o Homem. Formações naturais26 e artefactos humanos27

aparecem como aspirantes ao lugar. Porém, o momento suplica algo mais: a permissão do trabalho dos dois numa geometria que os respeita mutuamente na discórdia e no conflito que transparecem.

Um artefacto humano28 sobressai nas suas potencialidades

enquanto lugar. Sente-se a Natureza na sua luta e na sua força. Sente-se o Homem e a sua defesa perante as impetuosidades. Sente-se o extremo. E com ele, a vontade de harmonizar as forças de ambos numa só geometria. De um lado a Natureza, do outro o Homem, na união dos dois: o artefacto tornado lugar.

O diálogo entre os dois é manifestado num artefacto humano que, seguro no seu traçado e cauteloso na fúria natural, avança para o Mar. Penetra-o. Protege o Homem das impetuosidades do Mar, num gesto delicado pela defesa, mas austero na sua imposição. Do Homem, mas

exposto à Natureza: um molhe29 sobrevém como o lugar que provoca o

momento.

Apesar do diálogo que o molhe proporciona aos protagonistas, é contrário à “força em espirro”. Impõe-se no Mar com a exactidão do Homem. É um traçado contrário à harmonia natural: quebra a raiva das ondas e a sua força. Contudo, “A natureza só me interessa quando é operada

pelo homem. Uma paisagem virgem não me comove.”30 Neste sentido,

25. Inspirado no texto de Le Corbusier “Une Petite Maison”. 26. Ver Anexo 1| Formações Naturais.

27. Ver Anexo 2| Artefactos Humanos.

28.“À escala do homem, e com todas as limitações que uma classificação sempre implica, é possível, talvez, distinguir fundamentalmente os casos-tipo de formas naturais – isto é, aquelas em cuja definição ou criação o homem não participa – e formas artificiais ou aquelas em cuja existência o homem toma parte activa.” (Fernando Távora, Da organização do espaço, pág. 13).

29. Molhe: s.m., paredão (em forma de cais) para abrigo de embarcações, que quebra a impetuosidade das vagas, desvia ou dirige uma corrente, etc. (www.priberam.pt).

30. Eduardo Souto de Moura, Eduardo Souto de Moura: O local para o arquitecto é uma ferramenta [entrevista em suporte digital].

FIG. 20 – Rochas em Peniche, textura provocada pela erosão da água – formação natural.

FIG. 21 – Spiš castle, Eslováquia, 1445-1457. Artefacto humano.

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o Homem proporciona, através de um molhe, a natureza transformada, transmutada31 para a sua defesa.

Assim, o molhe32 apresenta o momento. Um momento do Homem,

no qual ele criou a matéria para se proteger das impetuosidades marítimas e, onde o Mar, na força das suas persistentes ondas o vai arruinando: desgasta a matéria; corrói-a. E, no seio desta erosão obriga o Homem a (re) trabalhá-lo continuamente.

“O acto fundamental da arquitectura é compreender a “vocação” do

lugar”33. O molhe transparece como o extremo que proporciona o trabalho

dos protagonistas; como artefacto humano em contacto directo com o Mar e com o Homem. “Para que lo nuevo pueda encontrar su lugar nos

tiene primero que estimular a ver de una forma nueva lo preexistente.”34

Assim, pretende-se intensificar a relação que os protagonistas anunciam no molhe, através de uma geometria que se deseja com o mesmo papel, mas redesenhada num programa de banhos que racionalize a necessidade do Homem e permita o respeito da Natureza.

“Cruzando el medio físico y el medio social el lugar toma la forma de un campo funcional radiante, en el que las líneas de fuerza son las formas físicas del lugar y, a la vez, los posibles itinerarios funcionales que permite este

lugar.”35 Assim, Mar e Homem desenham o lugar. Trabalham com a “força

em espirro” e com a “força exacta” no momento criado na preexistência do lugar. Retratam o trabalho, “assumindo assim o compromisso de relevar suas especificidades, qualificando e particularizando o sítio”36. A

arquitectura assume o papel fundamental na formalização do trabalho do Mar e do Homem; no extremo dos limites de ambos numa geometria. Na recriação do lugar para ambos, compreende a Natureza e o Homem; constrói o lugar; constrói o Homem e a Natureza no lugar. Relaciona-os. Reformula a matéria para extremar o limite entre ambos, permitindo assim, a interacção natural e humana num lugar tornado da Natureza e do Homem, através da arquitectura comummente trabalhada.

É neste “barulho” entre Mar e Homem que se encontra o momento para o trabalho de ambos: a necessidade do artefacto no Homem; a

31. “Trabalhar na transmutação, na transformação, na metamorfose é obra própria nossa” (Herberto Helder, O Corpo. O luxo, A Obra).

32. O molhe aparece definido no sentido de ser especificamente o lugar artefacto molhe. Contudo não se espe-cifica nenhum molhe, uma vez que se pretende um protótipo.

33. Carlos Felipe Albuquerque Dantas, A “transformação do lugar” na arquitectura contemporânea, pág. 19-20. 34. Peter Zumthor, Pensar la arquitectura. Peter Zumthor, pág. 17.

35. Josep Muntañola Thornberg, La arquitectura como lugar, pág. 55.

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brutalidade da Natureza no artefacto; a conquista do respeito simultâneo no (re)desenhar do artefacto na magia e no rigor que os protagonistas expressam.

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.2| Proporção

“A arquitectura procura o verdadeiro, o belo e o justo — tese clássica. Isto é: ao número não basta ser exacto, terá de ser também belo e justo. Quantidades belas e quantidades morais. Atribuir adjectivos fortes a não-qualidades como são as quantidades: eis a dificuldade do arquitecto e de qualquer artista ou escritor.” (Gonçalo M. Tavares, 2008)

No consolidar da geometria da Natureza e do Homem, as “quantidades” desejam-se libertinas no trabalho da “força em espirro” e da “força exacta”. Porém, assertivas no estabelecimento de uma célula, enquanto determinante arquitectónico, capaz de criar uma geometria desenvolvida de um embrião.

A Natureza transporta consigo uma harmonia que o Homem deseja conseguir. Uma harmonia racionalizada na interpretação humana da Natureza, na qual se procuram as “quantidades exactas e belas” para a matéria desejada. A percepção humana e o instinto natural definem quantidades nos seus trabalhos que traduzem um encadeamento na harmonia a que se assiste.

No consolidar da geometria, a Natureza com a sua “força em espirro”

desenha quantidades belas mas não (racionalmente)37 exactas. O Homem,

por sua vez, desenha quantidades rigorosas, na sua “força exacta”. Para o desenho da geometria, pretendem-se quantidades que transportem a beleza da Natureza e a proporção do Homem; quantidades apropriadas ao desenho da formação balnear, que exprimam a Natureza e o Homem.

37. As medidas da Natureza são exactas na sua existência. Contudo, neste estudo, consideram-se, não exactas, uma vez que a racionalização humana não consegue quantificar, na exactidão, a Natureza. O Homem não alcan-ça a elementaridade, a forma pura, a forma base da Natureza.

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.2.1| Divina Proporção. Le Modulor

“Nous nous arrêtons, sensibles à tant de liaison naturelle et nous regardons, émus par tant de concordance orchestrant tant d’espace et nous mesurons alors que ce que nous regardons irradie.” (Le Corbusier, 1983)

A divina proporção38 é considerada a mais agradável e harmoniosa

proporção visível pelo Homem. Presente na Natureza, o número de ouro despertou curiosidade ao Homem, que o racionalizou e aplicou em seus artefactos. “(…) nature is not only the source, but the measure.”39 Assim,

várias são as formações naturais e os artefactos humanos que têm na base da sua composição a divina proporção.

Le Corbusier, na tentativa de buscar as proporções humanas, procurou em várias das suas obras (escultura, pintura e arquitectura) as proporções das composições. Nos seus vários estudos, a razão áurea era a responsável pela harmoniosa composição: ordenada por regras percepcionadas pelo Homem, conseguia a beleza natural.

A necessidade de encontrar as proporções humanas40 conduziu Le

Corbusier ao estudo das mesmas. Presente a harmonia da composição dos seus estudos, desenvolve uma série de medidas, através da proporção divina, que definem a estatura humana. Assim, Le Modulor identifica no seu âmago quantidades belas da Natureza racionalizadas na exactidão do Homem. Transparece a escala humana na sua representação.

“Todo puede representarse mediante «números»; las proporciones son las relaciones de los números que constituyen un cuadro. Un cuadro es una ecuación. Cuanto más exactos son entre sí los elementos, más tiende a aumentar el coeficiente de belleza.”41

As quantidades, belas e exactas, transparecem, num “continuo

juego conjunto de sentimiento y razón”42, na harmonia da Natureza e na

racionalidade humana das proporções de Le Modulor. Definindo assim,

38. Também conhecida por razão áurea.

39. Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 89.

40. O desenvolvimento das máquinas para o Homem, aquando do movimento maquinista, desenvolveu a ne-cessidade do conhecimento das proporções do corpo. (informação retirada de: Le Corbusier, Le Modulor: Essai sur une mesure harmonique a l’échelle humaine applicable universellement à l’architecture et à la mécanique, pág. 17-18).

41. Amédée Ozenfant; Charles Edouard Jeanneret (Le Corbusier). Acerca del purismo: Escritos 1918-1926, pág. 42.

42. Peter Zumthor, Pensar la arquitectura, pág. 19.

FIG. 26 – Esquema de construção do rectângulo de ouro.

FIG. 27a – Esquema da teoria de Fibonnaci, representativo do crescimento biológico que defende e que tem por base a divina proporção.

FIG. 27b – Concha de um Nautilus, as câmaras formam uma espiral logarítmica semelhante ao esquema da teoria de Fibonnaci.

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22.6 7.0 11.3 18.3 36.6 54.9 73.2 0.0m 91.5 109.8 128.1

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a ordem natural43 e a escala humana44 para a geometria. Uma ordem

enquanto ferramenta para a prática da arquitectura, que desenha a métrica do lugar e, com a qual se pretende unificar o trabalho natural e humano.

“Order is this harmony.”45 Mais do que exacta, mais do que bela é através

dela que se pinta a equação de beleza entre o Mar e o Homem, na formação balnear que ambos desenham.

43. “The order created an internal logic based on geometry – a natural law so to speak.” (Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 58).

44. Através de Le Modulor consegue-se (a representação do) espaço construído/natural à escala do Homem. 45. Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 126.

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FIG. 31 – Molhe Norte da Barra do Douro, projecto e obra do Eng. Fernando Silveira Ramos e do Arq. Carlos Prata, Foz do Douro, Porto – Portugal, 2009. No Molhe Norte da Barra do Douro “a terra entra pelo mar dentro” (F. Silveira Ramos; C. Prata, Sebentas d’Obra. Ciclo de construção, do projecto à obra, pág. 5): O molhe prolonga o Passeio Alegre até ao Mar. Assim, o molhe é retratado enquanto artefacto humano, no meio da Natureza. Um desenho que interpreta a necessidade do Homem – protegê-Lo da força do Mar, para segurança na navegabilidade – com um gesto que o relaciona com a Natureza. Ou seja, para além de cumprir a função a que se propõe, ainda é permitido, ao Homem, um contacto directo com as aventuras que o Mar proporciona. O Molhe Norte da Barra do Douro é, desta forma, uma obra que permite o Homem no meio do Mar e, por sua vez, o Mar por entre o molhe – por entre o Homem.

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3

.3| Concepção geométrica

“Integration is life. It is the first principle of any growth that the thing grown be no mere aggregation. Integration as entity is first essential. And integration means that no part of anything is of any great value in itself except as it be integrate part of the harmonious whole.”46

(Kristopher Mark Stuart, 1992)

O Homem prolonga-se até ao Mar. Estende a cidade47 até à Natureza.

Como um prolongamento do Homem surge, no centro do Mar, o artefacto humano rodeado de água. Num traçado, firme e recto, aponta o momento; a formação balnear como “agrafo” entre a Natureza e o Homem. Assim o desenhar do molhe, através das quantidades belas e exactas, acontece,

a priori, como ferramenta embrionária capaz de criar48 e organizar uma

formação balnear coesa e coerente nas suas finalidades.

“O homem deve gozar a natureza, porém uma natureza organizada, controlada segundo uma ordem preestabelecida.”49

No Molhe Norte da Barra do Douro entende-se a estratégia de intervenção no momento: delinear um traçado adelgaçado e rectilíneo que penetre o Mar; um traçado que prolonga o Homem, num percurso contemplativo, desde a cidade até ao centro da tempestade. Na Piscina de Marés acolhe-se o diálogo que Natureza e Homem enredam no seu enlace: as forças evidenciadas num desenho terno e respeitador, trabalhado por ambos. E, com os dois tem-se a recta, o plano e o rigor geométrico que o Homem principia na Natureza; que a Natureza completa no Homem.

Assim, o paredão50 é a matéria que realça o Mar no Homem e o

Homem no Mar; que ambos trabalham na conquista de um pelo outro

através do desenho que traçam na geometrização51 da água. É o trabalho

expressado pelas forças: madeira no fortuito natural e betão na consolidação

humana52. De um lado: o Mar-violento53 trabalha a geometria criada pelo

46. Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 61.

47. O termo “cidade” é aqui entendido como um local do Homem; onde o Homem vive.

48. “The process of growth is nature’s means of creation.” (Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), acerca da arquitectura de Frank Lloyd Wright, pág. 88.

49. Rosa Artigas; José Tavares Correia de Lira, Vilanova Artigas – Caminhos da Arquitectura, pág. 36. 50. Paredão é um termo utilizado para a definição de molhe. Contudo, aqui retrata o resultado do trabalho que se pretende sobre o molhe.

51. Termo criado (pela autora) para definir o acto ou efeito de geometrizar. (Derivação de geometrizar). 52. Tal como na Piscina de Marés de A. Siza Vieira, pretende-se betão no exterior e madeira nos interiores. 53. Definição atribuída à porção de Mar que reage contra um molhe; que está do lado perigoso para o Homem – não protegido pelo molhe.

FIG. 32 – Piscina de Marés, projecto e obra de Álvaro Siza Vieira. Leça da Palmeira, Portugal, 1961-66. Em Leça da Palmeira, na Piscina de Marés , “a piscina propriamente dita estava projectada antes da intervenção de A. Siza” (José Salgado, Álvaro Siza em Matosinhos, pág. 114). Numa “área aonde as rochas existentes já formavam um pequeno lago, utilizado para a criação de lagostas” (Álvaro Siza Vieira, Swimming pool on the beach at Leça da Palmeira Schwimmbad am strand von Leça da Palmeira Piscina na praia de Leça da Palmeira 1959-1973, pág. 19), Bernardo Ferrão (que era, em 1959, co-proprietário da empresa de construção à qual foi encomendado um estudo de viabilidade para a piscina de marés. (informação baseada em Álvaro Siza Vieira, Swimming pool on the beach at Leça da Palmeira Schwimmbad am strand von Leça da Palmeira Piscina na praia de Leça da Palmeira 1959-1973, pág. 10-19))aproveita a formação natural e implanta um tanque: a piscina de marés. Posto isto, Siza Vieira, (convidado para a obra devido a implicações urbanísticas) olha o lugar como uma pré-existência: uma formação natural (rochosa) com um tanque desenhado já pelo Homem. Neste sentido, trabalha o artefacto humano – o tanque – através da formação natural. Ou seja, manipula o tanque tendo em conta as rochas, o Mar e a cidade (nas costas). Capacita o local natural para o Homem: Abriga o bem-estar humano entre o Mar e a cidade. Entre a Natureza e o Homem.

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Homem. Do outro: o Homem trabalha, na “transformation of natural material from a state of chaos into a state of order”54, a essência do Mar-brando55.

Ao centro: o Homem retira matéria exacta à geometria e, o Mar desgasta-a até à geometria natural. Recriam a matéria da Natureza e do Homem numa geometria que promove o coarctar dos dois na formação balnear. Com o Mar-violento, o betão é trabalhado pela “força em espirro” na criação de texturas: a força das vagas desenha uma “rocha” corroída, desgastada na reincidência dos ciclos. No Mar-brando, a matéria é trabalhada pelo Homem: subtrai (partes da) matéria para acrescentar a água; subtrai fragmentos geométricos de betão substituindo-os por vazio, por fragmentos racionalizados de Mar.

O paredão torna-se a geometria que agrafa Natureza e Homem nas suas “força em espirro” e “força exacta”. A geometria que transporta o Homem até à água, numa matéria expressa em três fases distintas e conectadas no diálogo entre elas. O nível do Homem – cota superior – que se apresenta num percurso de contemplação (pré-) existencial provocado. O nível entre o Homem e o Mar – cota intermédia – que manifesta, aconchegado na matéria humana, o imaginário do espectáculo que se adivinha na beleza natural observada. O nível do Mar – cota inferior – que anuncia as bacias mergulhadas num dialogo directo com o Mar.

54. Kristopher Mark Stuart, On architecture, nature, and man (Frank Lloyd Wright, Louis I. Kahn), pág. 87.

55. Definição atribuída à porção de Mar que não reage contra o molhe; que está do lado seguro para o Homem – protegido pelo molhe.

FIG. 35 – Capadócia, Turquia.

FIG. 36 – Percursos de Amarante. Da cidade (com uma topografia acentuada) até ao rio, por apertados e sinuosos caminhos, conduzem as pessoas através dos enfiamentos visuais quer para o rio quer para a cidade. Estes percursos foram o alento à criação do desenho dos caminhos dos pescadores (caminhos que conduzem o Homem do eixo do paredão até ao Mar-violento).

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FIG. 37 – Banhos de Bellinzona, Bellinzona, Suiça. “Un’immagine forte, che riassume perfettamente il loro concetto di Bagno: un percorso pubblico ancorato al territorio, solidamente costruito per durare nem tempo e offrire una tribuna da cui spaziare lo sguardo sul magnifico paesaggio, prossimo e lontano.” (Nicola Navone e Bruno Reichlin, Il Bagno di Bellinzona – di Aurelio Galfetti, Flora Ruchat-Roncati, Ivo Trümpy, pág. 10) Organizam-se em três patamares: “passerella, spogliatoi, prato e piscine” .” (Nicola Navone e Bruno Reichlin, Il Bagno di Bellinzona – di Aurelio Galfetti, Flora Ruchat-Roncati, Ivo Trümpy, pág. 15). O tocar na água faz-se de forma gradual. Assim, o nível mais alto é o nível do Homem, de contemplação da água e o nível mais baixo do contacto com a água.

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.4| Organização geométrica

“A construção de uma enorme muralha dentro do mar (…). Combater a Natureza, respeitando-a é o eterno desafio que o Homem tem quando constrói, mas fazer frente à força do mar quando encontra o rio construindo uma barreira, mais do que um desafio é uma provocação à Natureza.” (Fernando Silveira Ramos e Carlos Prata, 2011)

Numa transição do Homem para o Mar, o paredão desmaterializa um no outro: funde-os e entrelaça-os, numa geometria capaz de os traduzir no trabalho. Uma geometria que, à medida que se prolonga para o meio da Natureza, esvanece o Homem e protagoniza o Mar, através de um gesto faseado pela formação balnear.

Numa sucessão geométrica que transfere o Homem, da matéria até à água, o paredão denota três tipologias sequentes de banhos: olímpicos, lúdicos e terapêuticos. Os primeiros acontecem mais próximos ao Homem

– na imediação da cidade56 – num rígido e disciplinado desenho da regra

que exigem. Os segundos assentes entre o Homem e o Mar, advêm da liberdade do Homem no Mar num desenho que dialoga nas forças de ambos. Os terceiros, adivinham “o imaginário da tenebrosa descida ao

centro da tempestade”57 no seio do Mar, com um intenso desenho, corroído

pela Natureza e devorado pelo Homem, que expressa a emoção do extremo. A passagem para (e entre) as tipologias faz-se sempre com uma peça idêntica: pousada na serenidade do Mar comunica o transitar para a experimentação da relação que, à medida que se percorre, fica mais intensa. O culminar do percurso figura num farol que abarca a profundidade do Mar no Homem e a segurança do Homem no Mar.

Assim, a organização harmónica, do espaço que a Natureza consagrou ao Homem, é conseguida numa gradação programática que desvanece o Homem para o intensificar natural e dissipa a Natureza no intensificar humano. A matéria conjuga-se com a água num desenho geométrico pelo Homem e corroído pela Natureza. Contudo o respeito é mútuo: o Mar permite a geometria e, a geometria permite o Homem. O Mar

56. Por uma questão de precisão na concretização da finalidade do trabalho, optou-se por não trabalhar o molhe no seu todo. Ou seja, para o desenvolvimento do tema que se pretende, só se torna necessário evidenciar o molhe aquando do contacto, de ambos os lados, com o Mar. (Ver planta incial: estudo da ligação do projecto com a cidade no Anexo 7).

57. Fernando Silveira Ramos; Carlos Prata, SBO – Sebentas d’Obra. Ciclo de construção, do projecto à obra, pág. 7.

FIG. 38 – Planta do Molhe Norte da Barra do Douro.

(76)

22.6 7.0 11.3 18.3 36.6 54.9 73.2 91.5 109.8 128.1 E D C B A

i

i

0.0m

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(81)

conquista o Homem para o seu interior e, o Homem existe na matéria que o Mar lhe permitiu. É na matéria que o Homem sente protecção do perigo do Mar e, o Mar ganha poderio sobre o Homem.

(82)

22.6 18.3 36.6 7.0 11.3 54.9 B 0.0m Bacia Olímpica Bacia Livre Bacia Livre

(83)
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Corredor de distribuição (balneários e serviços) Bacia semi-Olímpica

Bacia semi-Olímpica Bacia de Salto Ornamental Bacia Olímpica

Bacia Livre Bacia Livre

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Bacia de Salto Ornamental Bacia Livre

Percurso de Contemplação

(87)

3

.4.1| Disciplina

“Because discipline is more powerful than numbers, and discipline, that is, perfect co-operation, is an attribute of civilization.” (John Stuart Mill, 1867)

O Homem apropria-se da água e, o Mar permite a disciplina que o

Homem deseja – a natação58. A água é a essência; a disciplina é o

mote; a experimentação das bacias olímpicas é o ensaio de segurança e rigidez humano que consente o Mar e a observação às suas permissões e potencialidades.

Numa composição regrada para a prática desportiva, os banhos olímpicos acontecem no desmaterializar rigoroso que o Homem perfaz na anuência do Mar-brando: retira matéria; cria o vazio; permite a água na ocupação do vazio. E, na recriação desse vazio, a geometria manifesta a regra olímpica nas suas três fases: no nível do Homem contempla a regra que percorre; no nível entre o Homem e o Mar expõe as exigências da prática num conjunto de balneários, serviços e bacias que apreciam o espectáculo da disciplina; no nível do Mar anuncia a regra na proximidade à quietude do Mar que, sem impedimentos admite a água não filtrada.

Assim, numa ocupação organizada, geometrias puras e exactas dão lugar às sequentes bacias dispostas para a prática: duas bacias livres que o Mar-brando compõe na sua afável imensidão; uma bacia olímpica (50m x 25m x 2m) e duas semi-olímpicas (25m x 12,5m x 2m), cobertas e voltadas para a concentração da técnica humana, numa regra que a água ancorou em rasgos voltados para a cidade; e uma bacia para salto ornamental (30m x 25m x 7m) onde a água liberta o Homem para o espectáculo da força humana numa melodia conquistada ao Mar.

Implementadas numa representação teatral da força humana no meio da água, o Homem apropria-se do Mar, explorando a sua permissão. Num gesto de respeito do Homem pelo Mar – e vice-versa – a disciplina humana é geometrizada na matéria que os dois trabalham. Assim, os banhos olímpicos resultam na matéria que o Homem colocou sobre o Mar e, à qual retirou massa para dar lugar à água. A matéria conquista o Mar: encaixa-se nele e, é aqui que a Natureza e o Homem a desenham na disciplina requerida pelo Homem e permitida pela Natureza.

58. A natação, através da sua prática, oferece ao Homem o bem-estar físico. Neste sentido, fala-se de necessida-de. Necessidade do bem-estar físico, que pode ser alcançado pela prática da natação.

FIG. 44 – Banhos de Bellinzona, Bellinzona, Suiça. Piscina de saltos ornamentais e olímpica.

FIG. 45 – Banhos olímpicos: Piscinas Municipais de Montjuic, vista sobre a envolvente aquando do momento do salto.

Bacia de Salto Ornamental Bacia Livre

Percurso de Contemplação

(88)

22.6 18.3 36.6 7.0 11.3 54.9 Bacia de crianças

Bacia de adultos (interior) Bacia de bebés

Bacia de nadadores Bacia de não-nadadores

C

0.0m

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(90)

Bacia de adultos Bacia de bebés Bacia de crinças Bacia de adultos Bacia de não-nadadores Bacia de nadadores

Corredor de distribuição (balneários e serviços)

FIG. 47 – Planta dos banhos lúdicos: nível do Mar, nível entre o Homem e o Mar, nível do Homem.

(91)
(92)

Bacia de nadadores

Percurso de Contemplação

(93)

3

.4.2| Liberdade

“Ele [o arquitecto] tem o sonho poético, que é bonito, de uma arquitectura que dá um sentido de liberdade. A arquitetura é profundamente ligada com a vivência, na medida que ela é tudo.” (Lina Bo Bardi, 1993)

Nos banhos lúdicos, o Homem apropria-se do Mar, num gesto de liberdade que o mesmo permite, para a ousadia do seu lazer. A água é o assentamento; o lazer é o mote; a geometria das bacias é a confiança do Homem na alforria que o Mar lhe consegue transmitir.

Numa organização libertada no prazer do Homem, os banhos lúdicos advém da conquista da água pela matéria humana extraída, num jogo regozijado que o Homem soube interpretar no Mar. Assim, a geometria manifesta a manumissão na recreação das três fases: no nível do Homem contempla toda a liberdade que (re)cria na ternura do Mar; no nível entre o Homem e o Mar declara o entretenimento na autonomia dos serviços, balneários e das bacias que se conjugam no amparo humano e na beleza libertada do Mar; no nível do Mar anuncia a libertinagem de uma afectividade acolhida no prazer dos dois.

Assim, numa ocupação descomprometida do lazer, geometrias suavizadas no deleite do Homem pelo Mar sobrevêm em bacias para crianças, para não-nadadores e nadadores e bacias de contemplação e observação. Desobrigadas da regra, organizam-se em socalcos que experimentam, aquando da proximidade da água, a força do Mar no seu jeito revoltoso. Conectadas entre si, as bacias jogam a curiosidade humana na descoberta pelas potencialidades do Mar.

Fomentadas no movimento do Mar, o Homem contempla a sua magia num claro gesto de experimentação da liberdade geométrica. Uma liberdade da “força em espirro” que a “força exacta” trabalha para a sua conexão. A manumissão da matéria num diálogo terno e veemente que ambos murmuram na busca um do outro.

FIG. 48 – Banhos de Bellerive.

FIG. 49 – Piscina da Quinta da Conceição.

Referências

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