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215445205 a Mensagem de 1 Corintios David Prior

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Academic year: 2021

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(1)

A BÍBLIA FALA HOJE

A Mensagem de

1 Coríntios

A vida na igreja local

David Prior

ABU Editora S/C

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Outros livros desta série:

A Mensagem de Rute - David Atkinson A Mensagem de Eclesiastes - Derek Kidneí A Mensagem de Daniel - Ronald S. Wallace

A Mensagem de Oséias - Derek Kidner

A Mensagem de Amós (O Dia do Leão) - J. A. Motyer A Mensagem do Sermão do Monte - Johr ^ W. Stott A Mensagem de Atos (em prepa^-ção) . ^ ^ .Stott A Mensagem de Romanos 5-P john R ] - ■ A Mensagem de Gálatas - Jo, si R. W. Stoti A Mensagem de Efésios - John R. W. Stott

A Mensagem de 2 Timóteo (Tu, Porém) - Job W. Stott A Mensagem de Apocalipse - Michae’ 1

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A Bíblia Fala Hoje

Editores da série: J. A. Motyer (AT)

John R. W. Stott (NT) A MENSAGEM DE 1 CORÍNTIOS

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A Mensagem de 1 CORÍNTIOS

Traduzido do original em Inglês TH E M ESSA G E OF 1 CO RIN TH IA N S Inter-V arsity Press, Leicester, Inglaterra C opyright © D avid Prior, 1985

D ireitos reservados pela A BU Editora S /C Caixa Postal 7750 01064-970 - São Paulo - SP

Tradução de Yolanda M irdsa K rievin

Revisão de Solange D om ingues da Silva, Lucy Yam akam i, N orio Yam akam i e M ilton A zevedo A ndrade

O texto bíblico utilizado neste livro é o da Edição Revista e A tualizada no Brasil, da Sociedade Bíblica do Brasil, exceto quando outra versão é indicada. Com entários do autor quanto às diferentes versões inglesas foram , sem pre que possível, adaptados às principais versões da Bíblia em português.

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A Bíblia Fala Hoje constitui uma série de exposições, tanto do Antigo como do Novo Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bíblico, relacioná-lo com a vida contemporânea e proporcionar uma leitura agradável.

Esses livros não são, pois, "comentários", já que um comentário busca mais elucidar o texto do que aplicá-lo, tende a ser uma obra mais de referência do que literária. Por outro lado, esta série também não apresenta aquele tipo de "sermões" que, pretendendo ser contemporâneos e de leitura acessível, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.

As pessoas que contribuíram nesta série unem-se na convicção de que Deus ainda fala através do que já falou, e que nada é mais necessário para a vida, o crescimento e a saúde das igrejas e dos cristãos do que ouvir e atentar ao que o Espírito lhes diz através da sua Palavra, tão antiga e, mesmo assim, sempre atual.

J. A. Motyer J. R. W. Stott

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Para Rosemary,

que compartilha a minha vida na igreja local, que sabe a fundo o quanto isso custa,

e sem a qual eu não poderia suportar adequadamente as suas tristezas nem apreciar as suas alegrias.

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índice

Prefácio Geral 5 Prefácio do Autor 8 Principais Abreviaturas 10 Introdução 11 1. A Igreja Perfeita (1:1-9) 20 2. Partidos em Corinto (1:10-17) 29

3. A Verdadeira Sabedoria e a Falsa (1:18 - 2:16) 41 4. Loucos por Amor a Cristo (3:1-4:21) 58 5. Fugi da Fornicação (5:1-13; 6:9-20) 74 6. Soluções Fora dos Tribunais (6:1-8) 112 7. Casamento e Celibato: Dons de Deus (7:1-40) 121 8. Liberdade e Sensibilidade Diante dos Outros (8:1-13) 149 9. Liberdade para Limitar a Própria Liberdade (9:1-27) 160 10. A Liberdade e Seus Perigos (10:1 — 11:1) 177 11. A Comunidade Cristã no Culto (11:2-34) 191

12. Os Dons Espirituais (12:1-31) 205

13. Se Eu Não Tiver Amor... (13:1-13) 241

14. Profecia e Línguas (14:1-40) 252

15. Ressurreição: Passado, Presente e Futuro (15:1-58) 274 16. Uma Igreja Internacional (16:1-24) 298

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A carta de Paulo à igreja de Corinto tornou-se real para mim pela primeira vez na Cidade do Cabo — uma cidade, tal como Corinto, dominada por uma montanha; um porto cosmopolita e heterogêneo; e um ponto de encontro de muitas e diferentes culturas, credos e cultos. Tal como Corinto nos anos cinqüenta do primeiro século, a Cidade do Cabo presenciava um notável derramamento do Espírito de Deus em sua igreja, nos anos setenta deste século.

Nos primeiros meses do ano de 1974, o povo de Deus na igreja de Wynberg, um subúrbio da Cidade do Cabo, estudou o texto de 1 Coríntios em uma escola bíblica semanal. A medida que o poder renovador do Espírito de Deus se infiltrava na igreja, todos nós lutávamos com as tensões e as alegrias inerentes a qualquer situação desse tipo. E surgiram muitas oportunidades para partilharmos os estudos e a vida em outros contextos: com colegas em um retiro da diocese; com um grupo de cristãos, heterogêneo em todos os sentidos, na cidade universitária de Grahamstown; com uma outra congregação em Durban. Então, em 1976, veio-me a oportunidade de conhecer uma igreja renovada num ambiente totalmente diferente da Inglaterra ou da África do Sul: passei um mês experimentando uma vida diferente na igreja do Chile e entre o povo de Deus em Buenos Aires.

Houve também outros contextos (Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Jamaica, Zimbábue, Uganda e África do Sul), onde os temas de 1 Coríntios têm sido discutidos, geralmente durante conferências ou campanhas evangelísticas — com destaque especial para o período entre outubro de 1979 e março de 1980, quando estive na igreja de St. Aldate, em Oxford.

Em outras palavras, este livro é o resultado de uma vida e um ministério dentro do que foi (de forma conveniente, mas enganosa) chamado de Renovação com "R" maiúsculo, numa grande diversidade de ambientes culturais.

Dessa experiência tão rica, desenvolvida nos últimos 17 ou 18 anos, surgiu a convicção sempre crescente de que não somente a "Bíblia fala hoje", mas que 1 Coríntios é, de maneira singular, um tratado para

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todos os tempos. Talvez devêssemos dizer 1 e 2 Coríntios, pois a correspondência coríntia, como um todo, sustenta, de modo muito bem equilibrado, a dupla vocação do povo de Deus: a glória e o sofrimento.

C. K. Barret, cujos dois esplêndidos comentários na série de A. & C. Black iluminaram com muita propriedade o texto de Coríntios, o expôs de maneira notável:

Creio que a igreja da nossa geração tem a necessidade de redescobrir o evangelho apostólico; e para isso precisa da Epístola aos Romanos. Ela também tem a necessidade de redescobrir a relação entre esse evangelho e a sua ordem, a sua disciplina, o seu culto e a sua ética; e para isso precisa da Primeira Epístola aos Coríntios. Se a igreja fizer essas descobertas, poderá perceber que está quebrada; e isso viria a ser o significado da Segunda Epístola aos Coríntios. (1967)

...Mas um vaso de barro que contém tal tesouro não precisa temer ser quebrado. A vocação apostólica consiste em proclamar a morte de Jesus, e aqueles que a aceitam costumam descobrir que o funeral transformou-se em triunfo, quando aprendem a confiar não mais em si mesmos, mas naquele que ressuscita os mortos.

(1972)

Tenho uma dívida imensa para com Anne Johnson e Betty Ho Sang, que foram incansáveis na datilografia deste manuscrito. Sou muito grato a John Stott, pelo seu incentivo e pelos seus comentários incisivos, e também a Frank Entwistle e aos membros do Conselho Editorial da IVP, pelo julgamento inteligente do estilo e do conteúdo.

É inevitável que qualquer exposição de 1 Coríntios não satisfaça ou até desagrade alguns leitores. Minha oração é que este livro capacite muitas igrejas, direta e indiretamente, a reconhecer e a enfrentar os problemas inerentes ao povo de Deus no mundo de hoje.. E bom lembrar que "Deus é fiel", especialmente em todas as nossas provações e tribulações. "A graça do Senhor Jesus esteja com todos vocês."

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Principais Abreviaturas

Dentre os muitos comentários sobre a correspondência coríntia, os seguintes foram consultados com maior freqüência:

Alio Le P. E. - B. Allo, Saint Paul, Première Épître aux

Corinthiens (J. Gabalda, Paris, 1956).

Barclay W. Barclay, The Letters to the Corinthians (The Daily Study Bible, The Saint Andrew Press, 1954).

Barrett C. K. Barrett, A Commentary on the First Epistle to the

Corinthians (Black's New Commentaries, A & C. Black,

1968).

Bruce F. F. Bruce, 1 and 2 Corinthians (The New Century Bible Commentaries, Eerdmans and Marshall, Morgan & Scott, 1971).

Conzelmann Hans Conzelmann, 1 Corinthians (Hermeneia, Fortress Press, 1975).

Dods Marcus Dods, The First Epistle to the Corinthians (The Expositor's Bible, Hodder & Stoughton, 1889). Godet F. Godet, Commentary on St Paul's First Epistle to the

Corinthians (T. & T. Clark, 1889), 2 volumes.

Goudge H. L. Goudge, The First Epistle to the Corinthians (Westminster Commentaries, Methuen, 1903). Hodge Charles Hodge, A Commentary on the First Epistle to the

Corinthians (Geneva Series, Banner of Truth, 1958).

Morgan G. Campbell Morgan, The Corinthian Letters o f Paul (Oliphants, 1947).

Morris L. Morris, 1 Coríntios (Série Cultura Bíblica, Vida Nova e Mundo Cristão, 19893).

Ruef John S. Ruef, Paul's First Letter to Corinth (Pelican New Testament Commentaries, Penguin, 1971).

Além desses, usamos de maneira considerável Gifts and Graces (Dons e Graças) de Arnold Bittlenger (Trad, inglesa, Hodder & Stoughton, 1967), um comentário exegético sobre os capítulos 12 a 14.

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Introdução

Corinto localizava-se em um istmo estreito de apenas seis quilômetros de largura, que liga o sul da Grécia com o restante do país e com os países ao norte. Nessa importante posição, Corinto tomou-se, inevitavelmente, um próspero centro comercial: por terra, todos passavam por ela; pelo mar, os marinheiros geralmente preferiam usar os portos de Lequeu e Cencréia, que flanqueavam a cidade nos dois extremos do istmo, para não circunavegar as perigosas águas do Cabo Malea no extremo sul da Grécia (um percurso de mais de 320 quilômetros). Para os grandes navios, era uma questão de descarregar em um porto para que a carga fosse transportada por carregadores até um outro navio. Os navios pequenos podiam ser colocados sobre cilindros e arrastados através do istmo, sendo relançados ao mar, no outro lado. Nero, imperador romano de 40 a 66 d.C., fez uma tentativa fracassada de construir um canal nesse istmo. O canal de Corinto só veio a ser completado em 1893.

~ Como a maioria dos portos marítimos, Corinto tornou-se tão próspera quanto licenciosa. A evidência disso era que os gregos tinham esta palavra para designar uma vida de libertinagem:

korinthiazein, isto é, viver como um coríntio. Homero1 fala da "rica

Corinto" e Tucídides2 se refere à sua importância militar devido ao controle que exercia sobre os portos de Lequeu e Cencréia. Os Jogos ístmicos, que só perdiam em importância para os Jogos Olímpicos, eram realizados em Corinto.

— Dominando a cidade estava o "Acrocorinto", uma montanha de mais de 560 metros de altura, sobre a qual se encontrava o grande templo de Afrodite, a deusa grega do amor. As mil sacerdotisas do templo, que eram prostitutas sagradas, desciam à cidade ao cair da tarde para oferecer os seus serviços pelas ruas.

O culto era dedicado à glorificação do sexo.3 A adoração prestada a Afrodite era paralela à de Astarote (uma imitação do culto sírio a Astarte) na época de Salomão, Jeroboão e Josias.4

Ao pé do Acrocorinto realizava-se o culto a Melicertes, deus patrono da navegação — o mesmo que Melcarte, o deus principal ou

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"baal" da cidade de Tiro (cujo culto também foi introduzido em Israel no século nono a.C., quando Acabe casou-se com Jezabel, filha do rei de Tiro e Sidom).5 Assim, Astarte e Melcarte, a deusa e o deus de Corinto, eram o resultado direto da influência oriental.

Além disso, havia dentro da própria cidade o Templo de Apoio. Apoio era o deus da música, do canto e da poesia; também simbolizava o ideal da beleza masculina. Estátuas e frisos de Ad oIo

nu, em diversas posturas que exibiam sua virilidade, inflamavam seus adoradores masculinos a prestarem devoção através de demonstrações físicas com os belos rapazes a serviço da divindade. Corinto era, portanto, um centro de práticas homossexuais.6

Diversos fatores históricos também desempenharam um papel significativo na formação da civilização de Corinto, onde Paulo esteve em 50 d.C. pela primeira vez. Em 146 a.C., a Liga das Cidades-estados Gregas da Acaia, que desafiou a expansão romana durante algum tempo, entrou em colapso, e Corinto (que liderava a oposição a Roma) foi arrasada; seus cidadãos foram mortos ou vendidos como escravos. O lugar estratégico continuou assim por um século, até que Júlio César (que tinha visão para um bom negócio) voltou a edificar a cidade coríntia como uma colônia romana. V ^

Uma colônia romana era uma pequena Roma plantada em terras habitadas por outros povos, para ser um centro de vida romana e manter a paz. Ao longo das grandes estradas romanas - rodovias militares que partiam de Roma, chegando às diversas fronteiras do Império - essas colônias de cidadãos romanos eram implantadas como pontos estratégicos e desempenhavam um importante papel na organização do império.7

A partir de 46 a.C., Corinto emergiu para uma nova prosperidade, adquirindo um caráter cada vez mais cosmopolita. Na qualidade de colôhia romana, Corinto recebeu a sua cota de veteranos do exército romano, que ganharam terras para ali se fixarem como colonizadores. Essa poderosa minoria garantiu um sabor romano à nova cidade, mas logo surgiu uma miscelânea de raças, línguas e culturas. Aqueles que tinham interesses comerciais, investidores e vários outros, entre eles muitos judeus, começaram a se fixar ali. Farrar descreve Corinto da seguinte maneira:

Essa população híbrida e heterogênea de gregos aventureiros e romanos burgueses, com uma mistura marcante de fenícios; essa

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m assa de judeus, ex-soldados, filósofos, m ercadores, marinheiros, escravos, libertos, comerciantes, vendedores ambulantes e promotores de todas as formas de vícios.8

Barclay caracterizou-a como uma colônia "sem aristocracia, sem tradição e sem cidadãos bem-estabelecidos".9

Corinto era um lugar turbulento e cheio de violência na metade do primeiro século. Não é difícil imaginar sua reputação e realidade. Não estaríamos exagerando se disséssemos que as cidades modernas como S. Francisco, Rio de Janeiro ou a Cidade do Cabo são réplicas daquele mesmo desafio urbano ao evangelho apostólico.

Pollock expõe assim a situação que Paulo enfrentou:

Corinto era a maior cidade que Paulo já visitara, uma metrópole comercial nova e impetuosa ... Comprimia quase um quarto de milhão de pessoas numa área relativamente pequena, sendo uma grande parte delas constituída de escravos ocupados com o movimento incessante de mercadorias. Escravos ou livres, os coríntios eram gente sem raízes, arrancadas de seus países e culturas, oriundas de todas as raças e províncias do império ... um paralelo curiosamente próximo com a população dos centros urbanos do século X X ...

Paulo já vira a igreja cristã crescer e florescer em cidades de médio porte na Macedônia. Se o amor de Cristo Jesus pudesse enraizar-se em Corinto, a cidade mais populosa, rica/ comercialmente próspera e obcecada pelo sexo na Europa Oriental, poderia mostrar-se poderoso em qualquer outro lugar.10 Paulo em Corinto

Em vista desses fatores, não nos surpreende descobrir que Paulo descreve sua chegada a Corinto como cheia de "temor e tremor"11 — ele estava realmente muito assustado. Por mais confiante que estivesse no poder do evangelho, qualquer que fosse a devida interpretação da natureza e do impacto de sua pregação aos atenienses, que ocorrera imediatamente antes de sua vinda a Corinto; por mais abalado que se encontrasse por causa do tratamento selvagem que recebera algumas semanas antes, na Macedônia - Paulo não seria normal se deixasse de ficar consideravelmente perturbado com a reputação de Corinto no mundo mediterrâneo. O fato de ele destacar o seu "temor e tremor" deveria indicar que ele considerava Corinto uma cidade

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notavelmente, se não excepcionalmente, assustadora.

Em Atos 18:1-18, encontramos uma narrativa dos 18 meses em que Paulo ficou em Corinto (mais-tempo do que ficou em qualquer outro lugar, com exceção de Éfeso). A partir disso podemos destacar alguns fatos sobre o seu ministério. Como em Éfeso, ele exerceu a sua profissão de fabricante de tendas, pelo menos nas primeiras semanas de sua estada, até se adaptar à situação, e ser conhecido como pregador e mestre. Uma oferta de amor das igrejas da Macedônia e Filipos, trazida mais tarde por Silas e Timóteo, também lhe deu liberdade para concentrar-se no ministério de pregação e ensino. Se a sua agenda em Éfeso pode ser usada como referência, Paulo deve ter dedicado cerca de oito horas diárias ao trabalho manual, deixando talvez o período das 11 às 16 horas para o ministério da palavra.12 Nos meses quentes de um clima mediterrâneo, isto representa uma rotina rigorosa para um homem que, ao que tudo indica, não era dotado de uma saúde muito boa.

Um estudo mais detalhado da narrativa de Lucas sobre o p e r ío d o que Paulo passou em Corinto trará à luz o relacionamento do apóstolo com os cristãos daquela cidade.

Comparado ao rude tratamento que recebeu nas mãos dos macedônios, especialmente em Filipos, o período que Paulo passou em Atenas foi relativamente tranqüilo - a costumeira combinação de zombaria e interesse, mas não muitos convertidos. Contudo, uma igreja foi fundada em Atenas. Paulo seguiu para Corinto sentindo-se fraco em todos os aspectos: fisicamente abatido, espiritualmente frustrado com a experiência ateniense, emocionalmente carente, sem a companhia de Silas e Timóteo e, naturalmente, um pouco receoso de enfrentar, face a face, a cidade do amor livre.

Podemos deduzir que Paulo chegou a-Corinto por volta de março do ano 50 e ficou lá até setembro de 51 (as datas podem sofrer uma diferença de cerca de um ano). A data mais provável para a Epístola de 1 Coríntios é o começo de 54 ou talvez o final de 53 (isto é, mais ou menos no meio de sua estada de dois anos e meio em Éfeso).

Andando pelas ruas, Paulo foi inevitavelmente atraído pelos comerciantes da sua própria ocupação, a confecção de tendas (ou, de maneira mais ampla, trabalhos em couro). Aparentemente, como rabi, Paulo sentia a necessidade de ter uma outra fonte de renda, porque os rabis deviam realizar suas funções religiosas e legais sem cobrar honorários. Uma das manufaturas locais da província, na Cilicia, era a fabricação de tendas, com um tecido feito de pêlo de cabras (conhecido como cilicium). Naturalmente ele dçvia ter se sentido

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atraído por essa habilidade nativa, encontrando nela a satisfação e o prazer do trabalho criativo, da mesma forma que, sem dúvida, Jesus encontrou na carpintaria. Entre os cidadãos, ele reconheceu um compatriota judeu, Aqüila, e não é preciso ter muita imaginação para deduzir como foi a conversa inicial entre eles. Aqüila e Priscila já estavam acostumados a freqüentes mudanças de um lugar para outro e, prontamente, devem ter oferecido a hospitalidade de sua casa a esse pregador solitário, que também encontrara a vida plena e o shalom em Jesus.

Não é difícil imaginar o grande conforto que esse encontro deve ter proporcionado a Paulo em sua "fraqueza". Parece que Deus realmente lhe deu um encorajamento muito significativo durante todos os 18 meses em que permaneceu em Corinto. Primeiro, através de Aqüila e Priscila; depois chegaram Silas e Timóteo, não apenas trazendo boas notícias das igrejas macedônicas, mas também formando uma poderosa equipe de cinco pessoas para infiltrar o evangelho nesta importante capital da província. Um ministério assim compartilhado é fundamental: precisa ser baseado em sólida amizade e parceria, não apenas na realização das atividades "cristãs" em conjunto, mas no compartilhamento de toda a vida. Áqüila e Priscila tornaram-se companheiros achegados de Paulo e estavam prontos para mudar de casa e de trabalho sob a convocação do Espírito, para a propagação do evangelho.

Como de costume, Paulo concentrou-se inicialmente na sinagoga e, apesar da oposição direta e, mais tarde, planejada da comunidade judaica, recebeu grande estímulo com a conversão de Crispo, responsável pela direção da sinagoga.13 Na verdade, parece muito provável que também Sóstenes, o substituto de Crispo, tenha se convertido a Jesus. Esse nome incomum aparece, junto com Paulo, como o co-autor de 1 Coríntios.15 Não foi por menos que os judeus ficaram tão enfurecidos com o impacto da pregação de Paulo.

Quando foi proibido de entrar na sinagoga, Paulo decidiu realizar suas reuniões na casa ao lado. O proprietário da casa era Tício Justo (com certeza um gentio), que provavelmente tinha um terceiro nome, Gaio, mencionado em 1 Coríntios 1:14 e Romanos 16:23.

Assim Paulo conseguiu um local ideal, onde podia fazer contatos com os coríntios, tanto judeus como gentios. De fato, muitos "criam e eram batizados".16

A igreja crescia a passos acelerados. Havia muitos motivos para Paulo estar confiante e animado, mas parece que ele continuava sentindo-se abatido, cheio de incertezas e propenso à depressão.

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Como John Pollock sugere:

Ele nunca mais ganharia outro coríntio para Cristo, não veria o brilho da vida nova nos olhos de um homem. E ele temia a agonia física de outro apedrejamento ou espancamento com varas; o desconsolo de ser expulso novamente, com o inverno avançando sobre eles, o mar turbulento, e nenhum lugar por onde levar as suas juntas duras e envelhecidas, a não ser as trilhas montanhosas do Peloponeso. Ele queria desistir, deixar de pregar, retirar-se para viver com sossego e paz, voltando para o Taurus, para a Arábia, para qualquer lugar.17

Então o Senhor, que entendia as pressões, a depressão, o desejo de fugir, falou diretamente a Paulo em uma visão, reanimando o seu espírito, garantindo-lhe muito mais frutos em Corinto e acabando com o medo de mais castigos físicos, quando ele sabia que Paulo já recebera o bastante. Paulo teria lembranças muito preciosas daqueles cristãos em Corinto; eles se tornaram a prova viva da fidelidade de um Deus que cuida dos seus servos fatigados e os encoraja.

O restante do tempo que passou em Corinto parece ter sido relativamente sem incidentes; nesse período, Paulo ia "lhes ensinando a palavra de Deus”,18 edificando firmemente a igreja, unificando-a e expandindo suas fronteiras. Houve, porém, um pequeno suspense quando um novo procônsul romano assumiu a direção da província: Gálio, cunhado de Sêneca, tutor de Nero e filósofo. Os judeus vislumbraram uma chance de ver Paulo preso, e acabar assim com a ameaça cristã. Mas Gálio sabia como manter os perturbadores judeus à distância, e Paulo nem sequer precisou responder processo. Se Sóstenes já era cristão nessa ocasião, ele foi espancado por causa do nome de Jesus. Para Paulo, devia ser difícil ficar observando, mas certamente isso os uniu ainda mais na comunhão dos sofrimentos de Cristo.

Paulo deixou Corinto, junto com Aqüila e Priscila, depois de 18 meses de um ministério eficaz. Ele sempre se lembrou desse período em Corinto com grande satisfação. Chegara ali nada sentindo além de fraqueza; mas ao sair tinha experimentado o segredo de todo o ministério cristão: que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza.19 É sempre difícil deixar uma comunidade do povo de Deus onde aprendemos lições profundas como essas. A partida se assemelha muito a um funeral, é como perder uma parte de si. Foi isso que Paulo sentiu em relação à igreja de Corinto. Os cristãos de lá eram parte dele

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mesmo e, quando escreveu a eles, escreveu a irmãos e irmãs em Cristo que tinham sido um refrigério e um estímulo para si, num período de verdadeira depressão. Deus dissera: "Tenho muito povo nesta cidade"20, e todas aquelas pessoas tomaram-se para Paulo "o selo do seu apostolado no Senhor".21

Foi em Corinto que Paulo aprendeu a fundo a lição que usa para concluir o ensinamento principal desta carta: "Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão".22 A correspondência coríntia

Por causa desse profundo apego aos cristãos de Corinto, Paulo sentiu- se na obrigação de fazer uso da pena e do papel, quando doutrinas estranhas começaram a dividir a igreja. Como C. K. Barrett o expressa:

Muitos ventos de doutrina sopraram nos portos e ao longo das ruas de Corinto, e deve ter sido muito difícil para os cristãos recém-convertidos manterem-se num caminho reto ... Sem dúvida, Corinto deve ter recebido outros visitantes cristãos além de Paulo, e alguns deles pregavam o mesmo evangelho, mas outros não ... Alguns daqueles que Paulo tinha em mente entregavam-se à teologia especulativa baseada nos temas do conhecimento (gnosis) e da sabedoria (sophia)... Poderíamos até dizer que em Corinto já se via uma forma precoce dessa confluência das correntes helenista, oriental, judaica e cristã, que formaram o gnosticismo maduro...

Paulo estava lidando com homens que desejavam ficar no centro de sua própria religião, controlando-a, e não haviam aprendido o que seria andar pela fé, não pelos sentidos...23

C. K. Barrett faz uma discussão completa dos detalhes complexos que permeiam a correspondência mantida entre Paulo e a igreja de Corinto. O guia mais seguro no meio de tantas dificuldades é William Barclay.24 O fato básico a ser lembrado é que as duas cartas aos Coríntios, como nós as temos atualmente, não compõem (segundo elas mesmas testificam) toda a correspondência. Faz-se menção25 de uma carta anterior a 1 Coríntios. No final de 2 Coríntios,26 Paulo fala em fazer uma terceira visita aos coríntios. A primeira é aquela descrita por Lucas em Atos 18, mas a segunda é desconhecida. Em 2 Coríntios

(18)

7:8, Paulo fala de outra carta tão severa que quase desejaria nunca tê- la enviado. Essa não poderia ser 1 Coríntios, e os primeiros nove capítulos de 2 Coríntios certamente não são severos: na verdade, talvez sejam os capítulos mais carinhosos, cordiais e pacíficos de toda a sua correspondência. Resta 2 Coríntios 10-13 que, segundo o próprio Paulo admite, contém material muito traumático, podendo muito bem ser a carta que ele desejaria nunca ter despachado. Eis a possível seqüência de acontecimentos, conforme exposta por Barclay:

a) A "Carta Prévia", que pode estar contida em 2 Coríntios 6:14-7:1 (N.B. a transição de 6:13 para 7:2 é muito natural).

b) Os "da casa de Cloe" (1 Co 1:11) vão a Éfeso, levando para Paulo as notícias da divisão em Corinto.

c) 1 Coríntios, capítulos 1-4, é escrita em resposta e Timóteo deve ser o portador dessa carta (1 Co 4:17).

d) Três homens (Estéfanas, Fortunato e Acaico: 1 Co 16:17) chegam com mais notícias e uma carta de Corinto: Paulo imediatamente escreve os capítulos 5 e 6 e, em resposta a essa carta, redige os capítulos 7 a 16. Timóteo leva toda a carta de 1 Coríntios aos destinatários.

e) A situação piora e Paulo faz uma desastrosa visita a Cormto, depois da qual as coisas ficam ainda mais dolorosas para ele (cf. 2 Co 2:1).

f) Então ele envia a "Carta Severa" (2 Co 10-13) através de Tito (2 Co 2:13; 7:13).

g) Paulo fica tão preocupado que não consegue esperar a volta de Tito; parte para encontrá-lo na Macedônia (2 Co 7:5-13), e então escreve 2 Coríntios 1-9, a "Carta de Reconciliação".

Notas:

1. Ilíada, 2.570. 2. T u cíd id es8.7.

3. J. C. Pollock, The Apostle (H odder & Stoughton, 1969), pág. 120. 4. Cf. 1 Rs 11:1-9,33; 2 Rs 23:13.

5. Cf. 1 Rs 17ss. 6. Cf. Rm l:26ss.

7. F. F. Bruce, The Spreading Flam e (Paternoster, 1958), pág. 13. 8. C itado por Barclay, pág. 4.

9. Ibid.

10. J. C. Pollock, The Apostle, pág. 121. 11. 1 Co 2:3.

(19)

12. Cf. A t 19:9, juntamente com a descrição do seu estilo de vida cotidiano, contido em seu discurso de despedida aos anciãos da igreja em Éfeso, em A tos 20:18­ 35, especialm ente o versículo 34. Veja tam bém 1 Ts 2:9.

13. A t 18:8. 14. A t 18:17. 15. 1 Co 1:1. 16. A t 18:8.

17. J. C. Pollock, T heA postle, pág. 124. '

18. A t 18:11. 19. Cf. 2 Co 12:7-10. 20. A t 18:10. 21. 1 Co 9:2. 22. 1 Co 15:58. 23. Barrett, págs. 36ss. 24. Barclay, págs. 6-9. 25. 1 Co 5:9. 26. 2 Co 12:14 e 13:1-2.

(20)

1 Coríntios 1:1-9

1. A Igreja Perfeita

Antes de examinarmos a descrição que Paulo faz da igreja de Corinto do ponto de vista divino, vale a pena termos uma visão geral das principais características dessa igreja, conforme apresentadas nas duas cartas.

Essa era uma igreja grande — muitos coríntios se converteram a Cristo. Estava repleta de divisões; cada grupo seguia uma personalidade diferente. Muitos cristãos eram esnobes: nas refeições de confraternização, os ricos mantinham-se à parte, deixando os pobres sozinhos. Havia pouca disciplina na igreja: muita permissividade, tanto na moral como na doutrina - uma combinação muito comum. Não queriam submeter-se a nenhum tipo de autoridade, e a própria integridade do apostolado de Paulo era freqüentemente posta em dúvida. Havia uma visível falta de humildade e de consideração entre eles; alguns estavam prontos para levar seus irmãos cristãos aos tribunais, enquanto outros celebravam a recém-descoberta liberdade em Cristo sem a menor preocupação com os companheiros mais fracos, dotados de consciências menos sólidas. De maneira geral, eram muito entusiasmados com os dons espirituais mais dramáticos, faltando-lhes o amor enraizado na verdade. Esta é a igreja que Paulo saúda.

1. Paulo saúda a igreja em Corinto (1:1-3)

Paulo, chamado pela vontade de Deus, para ser apóstolo de Jesus Cristo, e o" irmão Sóstenes, 2à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: 3Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

Paulo se descreve quase da mesma maneira como faz no começo de Romanos, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios e Colossenses; isto é, como um apóstolo comissionado por Deus. Assim, desde o princípio, ele deixa

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^explícita a sua vocação apostólica para os coríntios que dela duvidavam.

A saudação obedece à fórmula convencional grega e hebraica, com um conteúdo especificamente cristão: em vez de chaire ("saudações"), Paulo usa charis ('graça"); e ele usa o shalom hebraico, dando ênfase à pessoa de Jesus Cristo, o Senhor.

No versículo 2, Paulo usa algumas frases pungentes para descrever a igreja em Corinto. Uma investigação mais detalhada revela o que parece ser um jogo de palavras deliberado com a raiz kaleín ("chamado"), um tema que é central no pensamento de Paulo, particularmente nestes parágrafos iniciais da carta, 1:9: "Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor"; 1:23-24: "mas nós pregamos a Cristo crucificado... para os que foram chamados... Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus"; 1:26: "Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento."

Evidentemente, essa idéia de chamado predomina na mente de Paulo quando ele comenta o seu relacionamento com a igreja coríntia e quando recorda as circunstâncias em que a comunidade cristã foi formada em Corinto. No fundo, Paulo está ciente de que o seu próprio chamado e o dos cristãos de Corinto, tanto em nível individual como corporativo, resultam da iniciativa de Deus. O apóstolo parece estar dizendo o seguinte: "Deus me chamou para ser apóstolo e Deus chamou cada um de vocês para serem santos, para desfrutarem a comunhão do seu Filho, Jesus." Se Deus não os tivesse assim chamado, Paulo não seria um apóstolo e eles não teriam descoberto em Jesus Cristo a sabedoria e o poder de Deus, muito menos teriam se tomado 0 seu povo especial, os seus santos. Essa repetição quase constrangedora da vocação divina indica que Paulo, ao usar a palavra

ekklesia (literalmente, "um grupo chamado para fora") para descrever

a igreja em Corinto, também não o fez acidentalmente.

Assim, Deus chama cada indivíduo pelo nome, e a pessoa responde invocando o nome do Senhor (cf. v.2). A existência desses coríntios e inúmeros outros que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus

Cristo é uma prova positiva de que Deus já tornou o seu chamado

suficientemente claro para que o ouvissem e lhe respondessem. Todos aqueles que assim ouvem a convocação de Deus e respondem são membros da ekklesia de Deus. Eles são separados por 1 )eus nesse chamamento e são reservados para Jesus Cristo

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é tão íntima quanto a que existia entre Paulo e oí> cristãos de Corinto naquele único lugar.

Paulo não fala da "minha igreja", mas da igreja de Deus. Ele foi tão responsável pelo nascimento e vida dessa igreja em Corinto quanto seria possível para um ser humano; mas ela pertencia a Deus, não a Paulo. Muitas vezes usamos com liberdade excessiva a expressão "minha igreja” ou "nossa igreja". Seria muito saudável observarmos o exemplo de Paulo. De fato, muitos problemas na igreja giram em torno de uma dominação egoísta, do pastor e da congregação , em relação à vida e às atividades do corpo. Também é preciso dizer que nenhum cristão ou grupo de cristãos tem qualquer posição privilegiada junto a Jesus: ele é Sejihor deles e nos$o.

Para Paulo, provavelmente não havia nenhuma diferença no tempo entre o seu chamado para ser santo, juntamente com todos os demais crentes, e o seu chamado para ser apóstolo. Um incluía o outro: o primeiro era um chamado partilhado com os outros, e o último, algo que o diferenciava dos outros cristãos.

Um resumo conciso do que estava envolvido no apostolado especial confiado a Paulo, bem como aos primeiros discípulos de Jesus, pode ser encontrado em Gospel and Spirit ("O Evangelho e o Espírito"), publicado pela primeira vez em 1977,1 que diz: "Através da revelação e da inspiração divina, esses homens foram porta-vozes autorizados, testemunhas e intérpretes de Deus e seu Filho. Sua autoridade pessoal como mestres e guias - concedida e garantida pelo Cristo ressurrecto — era final, e não se permitia que ninguém questionasse o que eles diziam."

Quando Deus chamou Paulo, tirando-o da feroz perseguição contra a igreja cristã, ele o convocou para o ministério apostólico. Essa vocação apostólica não era um segundo chamado, depois do inicial. Da mesma forma, cada cristão recebe um chamado duplo: o ministério que nos é designado faz parte do que significa ser salvo. Talvez leve algum tempo para descobri-lo, e (com certeza) para se encaixar nele; mas não resta dúvida de que cada cristão também é chamado para servir.2

É claro que o chamado de Paulo para ser apóstolo, embora sob muitos aspectos fosse visivelmente diferente do chamado dos outros apóstolos,3 era crucial para o estabelecimento de suas credenciais diante da igreja coríntia, que estava sendo contestada por outros que se diziam não simplesmente apóstolos, mas apóstolos com muito mais autoridade e eficiência do que ele.4 Paulo viu-se obrigado a fazer indagações penetrantes e dolorosas sobre o seu próprio chamado 22

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apostólico. Talvez não tenhamos de enfrentar esse tipo particular de luta, mas precisamos lembrar que o chamado para a salvação é necessariamente um chamado para o seviço.

Paulo não diz que a comunidade do povo de Deus em Corinto era

parte da igreja, mas a igreja de Deus que estava em Corinto. Da mesma

forma, numa carta provavelmente escrita mais tarde em Corinto, ele fala da igreja que está na casa de Áqüila e Priscila.5 Em outras palavras, quer pensemos em cristãos reunidos numa área geográfica ou na casa de alguém, a diferença é apenas numérica. A igreja está presente como um todo, em um microcosmo. Realmente, há boas justificativas bíblicas para considerar a igreja reunida na casa de alguém como o fundamento e o resultado dessa unidade básica.6

A presença de uma pessoa chamada Sóstenes como co-autor da primeira carta de Paulo aos coríntios é interessante. Embora Sóstenes não fosse de maneira nenhuma um nome desconhecido na época, era incomum o suficiente para presumirmos que ele seja o mesmo Sóstexves que subsfeU\i\\ Q dspo co«\o chefe da smagoga cm Cwiwto, quando este aceitou a Cristo.7 O fato de Paulo incluir o nome de Sóstenes sem comentários indica que ele era bem conhecido entre os cristãos de Corinto. A conversão de dois líderes da comunidade judaica, um após o outro, deve ter gerado alguma confusão. Uma situação semelhante surgiu na Universidade de Oxford, no começo da década de 60, no apogeu da Sociedade Humanista. O presidente do grupo converteu-se a Cristo, o que exigiu uma reunião extraordinária da Sociedade. A pessoa então eleita também se converteu dentro de poucas semanas, exigindo assim outra reunião extraordinária. O caso de Sóstenes, portanto, deve nos incitar a apresentar Jesus Cristo àqueles que parecem mais entrincheirados numa oposição oficial. 2. A confiança de Paulo na igreja de Corinto (1:4-9)

Sempre dou graças a meu Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; 5porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda palavra e em todo o conhecimento; 6assim como o testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós; 7de maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo; so qual também vos confirmará àté ao fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. 9Fiel ê Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor.

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O fato que a maioria das pessoas tem na ponta da língua em relação à igreja coríntia é que ela era uma grande confusão: cheia de problemas, pecados, divisões, heresias. Nesse sentido, ela não diferia de nenhuma igreja da atualidade. A igreja é uma congregação de pecadores antes de ser uma congregação de santos. Mesmo quando têm uma reputação brilhante, os seus própios membros e pastores reconhecem que são repletas de fraquezas e pecados. O triste é que os membros insatisfeitos muitas vezes têm o pensamento ingênuo de que uma outra igreja na região seria uma opção um pouco melhor. Dessa inquietação surge o hábito comum do "troca-troca" de igrejas. Talvez um dos melhores antídotos para esta espécie de enfermidade seja examinar novamente o que Paulo diz em 1:4-9, sobre a igreja de Corinto, notoriamente imperfeita.

Convém observarmos esta verdade importante: antes de considerar qualquer outro aspecto da igreja coríntia, Paulo a vê como estando em

Cristo. Tal declaração rigorosa de fé é raramente feita nas igrejas locais.

Os defeitos são examinados e lamentados, mas na maioria das vezes não há uma visão daquilo que Deus já operou por meio de Cristo. Se os nove primeiros versículos desta carta fossem extraídos do texto, seria impossível que qualquer leitor tivesse uma visão da igreja em Corinto que não fosse completamente pessimista. As declaraçãoes de fé, esperança e amor, que aparecem no texto a intervalos freqüentes, não teriam nenhum contexto; degenerariam em sonhos piedosos. Atualmente, o povo de Deus está perecendo em muitos lugares pela falta dessa visão apresentada nos versículos 4-9: ou fingem ser uma igreja sem expectativas reais de verdadeiro crescimento em direção à maturidade; ou insistem desesperadamente uns com os outros para que se esforcem mais, orem mais e tenham mais fé e mais atividades - porque acreditam serem essas as coisas certas.

Se a única coisa que falta a uma igreja pequena reunida numa casa ou numa determinada área é um número maior de membros, então o que Paulo diz a respeito da igreja de Corinto em Cristo é uma descrição exata dessa e também de cada igreja de Deus. A confiança que Paulo tinha na igreja em Corinto baseia-se na generosidade e fidelidade de Deus.

a) A igreja está plenamente habilitada com todos os dons da graça de Deus (4-7)

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vos falte nenhum dom" — são três declarações que falam da generosidade abundante de Deus para com aqueles pecadores remidos em Corinto. É importante destacar de imediato que essas declarações se referem à igreja de Deus em Corinto, não a indivíduos que crêem. Se quisermos conhecer a plenitude da bênção divina e experimentar todos os dons de sua graça que são nossos em Cristo, precisamos estar em comunhão uns com os outros. Não há cristão que possa, individualmente, proclamar que "nenhum dom espiritual" lhe falta - como os capítulos 12 e 14 de 1 Coríntios expõem claramente.

A igreja local tem potencialmente todos os dons espirituais em sua vida corporativa e deve esperar em oração que Deus os conduza a uma expressão madura. Quando Deus nos deu o seu Filho Jesus, ele nos ofereceu tudo o que possuía; ele não pode nos dar mais; temos todas as coisas nele.Para tornarmos esses dons gradativamente reais em nossa vida comunitária, precisamos penetrar mais profundamente nas riquezas da sua graça; e também ficarmos alertas à sua revelação (v. 7), sua manifestação. Essa esperança tem dentro de si o seu próprio incentivo para nos levar adiante como aqueles que foram destinados a ser a esposa de Cristo, porque somente a partir daí alcançaremos a plena realidade de tudo o que é nosso em Cristo.

Ao falar dos dons da graça de Deus,8 Paulo destaca especificamente que a igreja foi enriquecida em toda palavra e em todo o conhecimento. Os vocábulos empregados aqui são logos e gnosis, verdadeiras cargas de dinamite na igreja primitiva. É muito provável que Paulo se concentrasse nesses dois grupos de dons porque os coríntios se especializaram neles.9 Também há, sem dúvida, uma referência precoce aos ensinamentos penetrantes do gnosticismo: a confusão herética do segundo século (já perceptível pelos meados do primeiro século), acerca da qual ainda é difícil ser preciso, mas que criou uma elite espiritual que alegava ser a única possuidora do verdadeiro conhecimento, a única capaz de colocá-lo em palavras e a única com a devida autoridade para dirigir e controlar a vida da igreja.10

Paulo mostra-se inflexível ao dizer que Deus capacitou plenamente toda a congregação com esses dons do conhecimento e da palavra e, sem dúvida, está pensando em amigos específicos de Corinto agraciados com diferentes dons. No que se refere à palavra, estariam inclusos dons como profecia, ensino, pregação, evangelização, falar em línguas e interpretação de línguas, e qualquer uso do dom da palavra que contribua para a edificação da igreja. No que se refere ao conhecimento, a igreja como corpo tem acesso a toda a sabedoria, percepção, discernimento e verdade de que necessita;11 não precisa de

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gurus especiais para recebê-lo.12

Dois pontos importantes acerca das pregações são colocados (de forma um tanto criptográfica), na frase bastante obscura do versículo 6: assim como o testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós. O significado provável é o seguinte: à medida que o próprio Paulo proclamava "as insondáveis riquezas de Cristo"13 à igreja de Deus em Corinto, durante aqueles dezoito meses muito atarefados, eles começaram a apreciar e a experimentar gradualmente as riquezas de sua herança como filhos de Deus. Em outras palavras, eles foram enriquecidos na proporção da qualidade e clareza da pregação de Paulo. Os dois pontos aqui sobre a pregação são, portanto, estes. Primeiro, o privilégio e a responsabilidade do pregador é desvendar e explicar tudo o que é nosso em Cristo; segundo, uma simples pregação não é suficiente: ela precisa ser confirmada (mais literalmente, "assegurada") nas vidas dos ouvintes, e isso exige a obra do Espírito de Deus,14 que traz convicção, iluminação e fé.

A igreja fica assim plenamente habilitada com todos os dons da graça de Deus. E preciso descobri-los, explicá-los e apropriar-se deles. Para que isso aconteça, a pregação deve dar testemunho das insondáveis riquezas de Cristo. Tal pregação exige o poder do Espírito para garantir aquelas riquezas na vida da comunidade cristã.

b) A igreja será completamente sustentada pela fidelidade de Deus (8-9)

Além de ser muito positivo quanto aos recursos da igreja de Deus em Corinto, Paulo também confia totalmente no Senhor quanto ao seu futuro. Sejam quais forem os altos e baixos que possam vir a enfrentar, Paulo tem certeza da fidelidade de Deus: ele os chamou para a comunhão do seu Filho, ele os confirmará (esta é a mesma palavra do versículo 6, e significa "tornar firme") até o final. A frase do versículo 9, koinonia de Jesus Cristo, poderia significar que a igreja é a comunidade de Jesus Cristo, isto é, o grupo de pessoas que pertencem a Jesus e o chamam de Senhor; ou que Deus nos chama para nos associarmos com o seu Filho, Jesus. Esta última interpretação é mais provável, especialmente porque esta verdade é retomada mais tarde, para destacar o pecado da divisão com base na fidelidade àqueles que são simplesmente "servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um".15

Se, por iniciativa do próprio Deus, fomos chamados para nos associarmos com o seu Filho, Jesus Cristo, então Deus não nos

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abandonará nem retrocederá em suas promessas. Esta é a força da palavra pistos ("fiel"). Podemos depender totalmente de Deus: ele não é homem, ele não pode negar-se a si mesmo, ele manterá a sua palavra. A igreja está sob a sua reponsabilidade: ele está comprometido com "o aperfeiçoamento dos santos".16

O ponto final da história para Deus não é simplesmente o fim da vida de cada indivíduo, o que certamente ele guarda com cuidado especial, mas o dia de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 8). Se buscarmos o ensinamento sobre esse assunto nessa carta, descobriremos que esse dia marcará a revelação plena (literalmente, "desvendamento") de Jesus Cristo como ele realmente é, e da qualidade exata de nosso serviço prestado a Cristo (3:10-15), como também dos propósitos e das motivações íntimas de nossos corações (4:5). E o dia, gozado antecipadamente em cada celebração da Ceia do Senhor (11:26), quando os mortos em Cristo serão ressuscitados (15:23,52) para uma vida incorruptível em um corpo que Paulo chama "um corpo espiritual” (15:44). É um dia, portanto, pelo qual Paulo anseia conforme a oração que conclui a carta (16:22): Maran atha ("Vem, nosso Senhor!”).

A fidelidade de Deus se estende até aquele dia e além dele, até a plenitude da eternidade. Ele conservará o seu povo livre de culpa naquele dia quando os segredos dos corações dos homens forem revelados e nós ficarmos com um medo legítimo de sermos finalmente declarados culpados diante dele. Deus vai garantir que absolutamente nenhuma culpa ou acusação seja levantada contra o seu povo, seja pelos seres humanos, seja por Satanás, o grande "acusador dos irmãos".17 Naquele dia ficará claro para todos que é Deus quem justifica, e que àqueles que ele justificou, também, naquele mesmo ato, glorificou.18 E Jesus que importa naquele dia; é o seu dia; ele estará no comando; ele determinará as questões. Uma vez que fomos chamados para sermos unidos a Jesus, participaremos de sua supremacia naquele dia e não seremos julgados pelo pecado. Não só isso, o Novo Testamento ensina que nós exerceremos o juízo junto com Jesus Cristo.19

Se fomos chamados para sermos unidos a Jesus, vamos permanecer nele20 - a única maneira de nos tomarmos gradualmente semelhantes a ele. Quando nos tomarmos semelhantes a ele, por meio da graça de Deus que continuamente opera em nós, será impossível a existência de qualquer culpa, ou até mesmo motivo de culpa. Deus se comprometeu com esse propósito radical quando nos chamou para termos comunhão com o seu Filho.

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As implicações práticas desta "gloriosa esperança" em termos de visão para a igreja local são relativamente simples. Certamente isso deve significar que estamos comprometidos sem reservas com a igreja de Deus, em que ele nos colocou; que estamos resolutamente confiantes quanto ao desejo de Deus e a sua capacidade para tomar a igreja local semelhante a Jesus Cristo; e que temos uma certeza inviolável de que fomos chamados para sermos santos, como ele é santo. São essas as implicações que Paulo desenvolve no restante da carta.

Notas:

1. D eclaração conjunta do Concílio Evangélico da Igreja A nglicana e da "Fountain Trust", publicada como suplem ento n° 1, do Theological Renewal,

a b ril/m a io de 1977. •

2. Cf. A t2 6 :1 5 s s e G l l:15ss. 3. Cf. 1 Co 15:8-9.

4. Cf. 1 Co 4:18-19 e os dados em 2 Co 10—13. 5. Rm 16:5.

6. Veja outras implicações desta perspectiva no livro do autor, The Church in the

H om e (M arshalls, 1983).

7. Veja A t 18:8 e 17.

8. N. B.: charis (graça) e charism a (dom) vêm da m esm a raiz. 9. Cf. capítulos 12—14.

10. Convém consultar C. K. Barrett sobre 2 Coríntios, págs. 36-42, onde há um bom resum o sobre o tipo de gnosticismo existente em Corinto, até onde podem os acompanhar o seu desenvolvimento nessas cartas. Em The M essage

o f Colossians and Philemon: Fullness and Freedom (IVP, 1980), D ick Lucas

identifica sete aspectos do que tem sido cham ado de "heresia colossense", m uitos dos quais provavelm ente estavam em brionariam ente presentes em Corinto (págs. 22-24). « 1 1 . Cf. Cl 2:3. 12. Cf. I jo 2 :2 0 e 2 7 . 13. Cf. E f3:8. 14. 1 Ts 1:5. 15. 1 Co 3:5. 16. Cf. Rm 8:28-30. 17. Ap 12:10. 18. Cf. Rm 8:33. 19. Cf. 1 Co 6:2-3. 20. Cf. 1 Jo2:28ss.

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1 Coríntios 1:10-17

2. Partidos em Corinto

Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa, e que não haja entre vós divisões; antes sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer. nPois a vosso respeito, meus irmãos, fu i informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. nRefiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu de Apoio, e eu de Cefas, e eu de Cristo. 13Acaso Cristo está dividido? fo i Paulo crucificado em favor de vós, ou fostes porventura, batizados em nome de Paulo? u Dou graças (a Deus) porque a nenhum de vós batizei, exceto Crispo e G aio;15 para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. 16Batizei também a casa de Estéfanas; além destes não me lembro se batizei algum outro. 17Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho; não com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo.

A opinião elevada que Paulo tinha sobre a igreja, de Corinto e as outras em geral, destaca a tristeza que ele deve ter sentido ao ouvir a notícia das divisões que existiam entre os cristãos coríntios: Pois a vosso

respeito, meus irmãos, fu i informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós (v. 11). Tudo indica que Paulo considerou essa

notícia extremamente dolorosa. Ele sabia o suficiente acerca das realidades da vida da igreja para não se surpreender. Mas, mesmo assim, ficou profundamente ressentido. Isso se verifica pela dupla ocorrência da palavra irmãos, nos versículos 10 e 11. A fraternidade cristã é o fundamento do apelo de Paulo à união: se Jesus Cristo, pela sua graça, tornou-os um, e se eles participam de Jesus Cristo, então devem "se transformar no que já são": Rogo-vos... pelo nome do nosso

Senhor Jesus Cristo... _

Qual o motivo exato dessa divisão em Corinto? Podemos ver as causas explícitas e implícitas nos versículos 12-17. É evidente que estavam surgindo cultos às personalidades, centralizados em três figuras importantes da igreja primitiva. Tais cultos certamente não contavam com o apoio de Paulo, Apoio ou Cefas (Pedro). Mas é bem

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provável que existissem outros motivos para o surgimento das divisões, segundo vemos na argumentação de Paulo nos versículos 13­ 17, onde ele fala, por exemplo, como se o batismo estivesse se tomando um problema. Também é possível que houvesse alguma heresia incipiente que separava "o Jesus da história" do "Cristo da fé".1 Seja qual for a causa dessas divisões que estavam se desenvolvendo, a situação provocou rivalidade: contendas (v .ll) talvez seja uma tradução imprecisa. Vale a pena explicar detalhadamente aqui os diferentes estágios na rota para a divisão. Em 1 Coríntios 11:18­ 19, Paulo se refere novamente a essas divisões. Nessa passagem ele lamenta que tenham permitido o surgimento de inevitáveis "partidos" no corpo de Cristo, produzindo "divisões". Em outras palavras, sempre haverá diferentes ênfases e idéias dentro da igreja local: a palavra traduzida por "partidos" em 11:19 é haireseis (da qual procede a nossa palavra "heresia"), e o significado de seu radical é "escolher". Todos os cristãos apegam-se a aspectos diferentes da verdade, em diferentes ocasiões, gerando determinadas ênfases. É inevitável que tal seleção afaste o foco dos outros aspectos da verdade, para se concentrar em urna ou duas questões específicas. Isso é permissível, se não necessário, contanto que se reconheça que está havendo uma seletividade. Quando um cristão ou um grupo de cristãos fica totalmente absorvido por um aspecto da verdade, negligenciando, excluindo ou até mesmo negando o todo da verdade que está em Jesus, então atinge-se o ponto crítico. Nesse momento, a seletividade se transforma em heresia e rapidamente percebemos quem é "genuíno" (11:19) e quem é falso.

Paulo deseja que a igreja em Corinto aprenda o jeito certo de lidar com o que chamamos de "seletividade". Quando alguns cristãos começam a enfatizar um aspecto da verdade, precisam tomar consciência do que estão fazendo, e os demais devem se recusar a reagir negativamente. Os coríntios permitiram que tais ênfases levassem à formação de partidos, cujos componentes estavam se recusando a ter comunhão com os outros irmãos. A seletividade produziu grupos dissidentes (a palavra grega traduzida por divisões

é schismata, da qual procede o termo "cisma", que significa literalmente

"seccionar"), havendo luta aberta entre eles. 1. Os quatro grupos

O problema principal era que esses "partidos" haviam desviado os seus olhos do Senhor Jesus Cristo. Cada grupo reunia apoio a

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determinada personalidade.2 Cada grupo tinha os seus próprios lemas. É importante entendermos a natureza de cada divisão, porque elas ocorrem regularmente na igreja. Na verdade, é interessante (apesar de triste) descobrir que Clemente de Roma, escrevendo em cerca de 95 d.C., fala da existência dos mesmos tipos de "partidos" e divisões em Corinto, embora ele não mencione o "partido de Cristo". De modo que, quarenta anos mais tarde, o problema ainda não fora erradicado. Isso mostra que devemos esperar tendências divisórias e nos resguardar contra elas em qualquer tempo. Vamos examinar cada grupo.

a) O partido de Paulo

"Pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus" (4:15). Obviamente havia muitas pessoas em Corinto que, por este motivo fundamental, sentiam-se fortemente ligadas a Paulo. Ele as levara à fé, e elas tinham uma dívida eterna para com ele. A transformação total que Deus efetuara em suas vidas, das trevas do paganismo absoluto para a maravilhosa luz do evangelho, fez com que se sentissem duplamente gratas pelo trabalho de Paulo em favor delas. Assim, tudo o que Paulo dizia, ou que imaginavam ter dito, essas pessoas aceitavam verbatim. Provave I mcTrtF roffild^ãvam q ue todos os outros irmãos pertenciam a uma segunda categoria. É verdade que Paulo tinha ido embora há vários anos, mas a sua lembrança continuava viva. Provavelmente não existe nenhum pastor de uma igreja com alguma história que não tenha descoberto um partido de Paulo como esse, em sua congregação. Ao longo dos anos, eles foram desviando os olhos do Senhor e, conseqüentemente, sempre querem voltar aos "bons tempos de outrora".

Barclay sugere que o partido de Paulo enfatizava a liberdade cristã e o fim da lei. O fato de Paulo mencionar especificamente os nomes das personalidades, e não os assuntos teológicos, dá a entender que esta interpretação é pouco provável. Geralmente, o que acontece numa igreja local hoje é que as diferenças crescem em torno de; personalidades (de dentro da igreja local ou da comunidade mais ampla) e, depois, se articulam ao redor de polêmicas doutrinárias. Talvez haja uma divergência teológica genuína, mas a "briga" surge porque as relações pessoais não são boas. Quando o amor de Deus controla verdadeiramente os relacionamentos dentro de uma igreja, as áreas de divergência encontram a sua devida perspectiva e não

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precisam de "brigas", muito menos de "cismas".3

Geralmente, as chamadas "diferenças de personalidade", não passam de uma desculpa. Na realidade, não conseguimos ou não queremos permitir que o amor de Deus modifique as nossas atitudes uns para com os outros. Deixamos que as diferenças teológicas (e não o amor de Deus) determinem a qualidade, a franqueza e a profundidade de nossos relacionamentos. Por exemplo, nossa tendência ocidental de sermos neutros e objetivos quando discutimos uma situação capacita-nos a analisar as diferenças na igreja de um modo que nós cremos ser cuidadoso e bíblico. Podemos discutir tais assuntos reunidos na mesma sala que os nossos opositores — e nunca nos encontramos como pessoas, muito menos como irmãos e irmãs em Cristo. Nós nos despedimos, então, convencidos de que o

verdadeiro problema é teológico, quando na verdade conseguimos,

com a nossa própria neutralidade, impedir que o amor de Deus produza a harmonia e a aceitação mútua. E ainda pensamos que são N _as_diferenças teológicas que causam as divisões que existem entre nós.

Parece que foi este caso clássico que surgiu na Inglaterra nos anos 60 e 70, quando a igreja se dividiu em relação à renovação carismática. Quinze anos de divergência doutrinária precederam qualquer tentativa séria em nível nacional de se estabelecer um relacionamento de amor. Do debate doutrinário surgiu a divisão, mas da criação de pontes entre as pessoas surgiu um notável grau de confiança e aceitação mútuas.4 Se (como Paulo diz em 1 Co 13) o amor é fundamental e tem importância preeminente, então torna-se imperativo criar e incentivar bons relacionamentos em que possamos discutir as diferenças teológicas no amor de Deus.

É quase certo que o partido de Paulo surgiu em reação aos outros grupos formados em Corinto, em torno das outras pessoas mencionadas aqui. Antes do surgimento desses dois pregadores, é provável que todos apoiassem Paulo. Em outras palavras, aqueles que apoiavam Paulo reagiram do mesmo modo, formando o seu próprio grupo. É fácil reagir ao comportamento carnal (como Paulo o chama em 3:1-4) dentro da igreja, utilizando métodos igualmente carnais, ao invés de tomar a armadura de Deus no poder do Espírito.

b) O partido de Apoio

Apesar de termos relativamente pouca informação sobre Apoio, o que sabemos nos dá um retrato nítido e uma explicação satisfatória,

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embora especulativa, para o fato de ele ter se tomado o centro de uma divisão em Corinto. De acordo com Atos 18:24-19:7, Apoio viera de Alexandria do Egito, provavelmente a ridade universitária mais respeitada e criativa do Mediterrâneo. Tarso era uma cidade "não desprezível", mas estava longe de Alexandria: quando Apoio veio a Corinto com a sua capacidade intelectual, sua oratória excelente, sua capacidade de expor as Escrituras do Antigo Testamento, seus ensinamentos corretos sobre Jesus, seu entusiasmo fervoroso, sua poderosa confrontação pública com os judeus e sua pregação ousada, sem dúvida começou a atrair discípulos para si.

Áqüila e Priscila o acolheram em Éfeso e cuidadosamente redirecionaram o seu ministério.5 Apoio exerceu, então, um ministério valioso junto a cristãos recém-convertidos. Lucas observa particularmente que Apoio "auxiliou muito àqueles que mediante a graça haviam crido",6 tanto proclamando Jesus como o Messias, como dando-lhes um ensino mais completo para fortalecer os cristãos em seus embates com os judeus hostis.7

Alguns acham que Apoio, com tais antecedentes, deve ter sido involuntariamente responsável pela criação de uma espécie de elite intelectual na igreja de Corinto. Os cristãos jovens na fé certamente podem ser atraídos por um líder, chegando a cultuá-lo por causa dos seus dons e de suas pregações impressionantes, especialmente quando seu ensino edifica e ajuda as pessoas. Apoio provavelmente não ficou muito tempo em Corinto, mas o prazo foi suficiente para que alguns começassem a compará-lo favoravelmente com Paulo, que não perdia no fervor, na capacidade de expor as Escrituras do Antigo Testamento ou na capacidade intelectual, mas que - segundo suas próprias palavras — não tinha grande eloqüência.8 Certamente não convém acusar Apoio de intelectualização do cristianismo, como sugere Barclay. Ao mesmo tempo, quando um erupo de cristãos começa a receber ensinamentos d_e__apena_s um guru^escolhido, a divisão não estálonge.9

c) O partido de Pedro

Parece que, de um modo geral, todos concordam que "de alguma forma, o grupo de Cefas representava o cristianismo judaico".10 Talvez Pedro tivesse visitado Corinto, o que explicaria o surgimento de tal partido. Alguns dos seus seguidores também poderiam ter estado lá incentivando a criação desse partido. Temos amplos indícios de

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tendências legalistas na igreja em Corinto, especialmente no debate sobre comer ou não a carne oferecida aos ídolos, nos capítulos 8 a 10. Basta ler a narrativa da discussão de Paulo com Pedro acerca das leis dietéticas (em G1 2), para perceber que a questão dos alimentos permitidos pela lei (kosher) deve ter permanecido como um fogo latente entre o apóstolo dos gentios e aquele que recebera a responsabilidade do "evangelho da circuncisão".11 Desde o início houve conversões significativas entre os judeus coríntios, e a tentação de retomar ao legalismo devia ser muito forte, especialmente na vida notoriamente dissoluta da sociedade coríntia.

O viço inicial de uma vida nova no Espírito pode, muitas vezes, dar lugar a um legalismo muito negativo e restritivo, sobretudo na vida familiar de cristãos convertidos das fileiras do paganismo para a liberdade do evangelho. Quando o fogo do entusiasmo se apaga, surge uma alternativa "segura": geralmente, a letra sem o Espírito. Essa tendência reflete o nosso desejo natural de termos regras explícitas de fé e comportamento, em vez de andarmos na corda bamba da obediência ao Espírito, entre os dois extremos da licenciosidade e do legalismo.

Atualmente, são muitos os exemplos de uma renovação genuína no Espírito escorregando para este tipo de legalismo, no qual certos mestres enfatizam a importância de determinados padrões externos de comportamento, de deveres rigorosos para com a igreja e de estruturas específicas de supervisão pastoral. Muitos cristãos sentem- se seguros em tais camisas-de-força. Chega-se ao ponto de avaliar a verdadeira espiritualidade através de tais evidências externas.12 Pode- se discutir se chamadas indiscriminadas para a igreja retomar à prática apostólica primitiva, registrada em Atos dos Apóstolos, não representariam uma tendência similar, uma "volta a Jerusalém". O que está claro é que precisamos vigiar constantemente contra qualquer redução da vida cristã a uma série de regras ou proibições: "Faça isto. Não faça aquilo."

d) O partido de Cristo

À primeira vista, a existência de um partido com o lema "Eu pertenço a Cristo" parece estranho e inverossímil.13 A experiência de hoje, contudo, sublinha fortemente a exatidão imutável das palavras de Paulo. Onde quer que o Espírito de Deus opere, sempre surgem pessoas que não dão muita importância à liderança humana. A

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presença de três grupos em Corinto, cada uma dando excessiva atenção a um determinado líder, provocaria, por si só, o surgimento de um quarto partido, para o qual todo esse "culto aos heróis" seria anátema. Embasados em uma forte dose de anti-autoritarismo, utilizariam um argumento que parece bem lógico: "Quem precisa de um líder? Cristo é o nosso líder. Ele é a cabeça do corpo. Dependemos apenas dele e vamos diretamente a ele. Ele nos diz o que fazer e, quando esperamos nele, sua vontade nos é revelada.”

Todos os três grupos pareciam lógicos em suas posições, mas este grupo é o mais difícil de avaliar. Sua ênfase e sua linguagem geralmente estão acima de qualquer censura, e sua "linha direta" com Deus pode ser muito intimidante. O resultado da presença desse quarto partido na igreja é que quase todos os outros sentem-se espiritualmente inadequados: "Nós não recebemos mensagens claras do Senhor; não sentimos a mesma intimidade com Deus na oração; não podemos falar de uma certeza assim tão inabalável acerca da vontade do Senhor." Sempre há um ar de superioridade espiritual, vago, mas perceptível, quando os membros desse grupo estão presentes. Não é fácil enfrentar comentários do tipo: "O Senhor me disse que..."

Geralmente a base psicológica para esse tipo de ênfase está em uma mistura de forte mdividualismo com umajnsegurançaJatente. Isso leva a uma resistência interior contra as linhas de ação ditadas por outras pessoas e se manifesta na necessidade de proteger a incerteza com declarações que expressem a validade de experiências fortes e subjetivas. Tais pessoas sustentam que suas experiências não podem ser avaliadas, muito menos ser consideradas erradas, porque estão acima de qualquer análise. Afirmam que não é relevante nem justo avaliar tais experiências, porque elas não podem ser discutidas.

É bem possível que esse partido de Cristo tenha dado um ímpeto considerável às tendências gnósticas em Corinto. Se o grupo de Apoio foi responsável pela introdução de uma elite intelectual naquela igreja, este grupo teria rapidamente gerado uma elite superespiritual. As duas tendências perpetuaram-se na igreja cristã ao longo dos séculos. Imaginamos que este partido de Cristo tenha sido um reflexo das religiões de mistério de Corinto, com sua ênfase nas experiências espirituais que ultrapassam todo e qualquer entendimento humano.

lim relação a esse partido de Cristo, é interessante observar que os seus integrantes tendem (mais cedo ou mais tarde) a sair e a formar ,i sua própria "igreja", principalmente porque acabam sentindo que as igrejas locais em geral não são suficientemente espirituais. Essa pode

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