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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MÔNICA DO CORRAL VIEIRA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MÔNICA DO CORRAL VIEIRA

AS MULHERES CHORADEIRAS:

LITERATURA E CINEMA

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MÔNICA DO CORRAL VIEIRA

AS MULHERES CHORADEIRAS:

LITERATURA E CINEMA

Dissertação submetida à banca examinadora do Curso de Mestrado em Letras da UFPA para a obtenção do grau de Mestre em Letras – Estudos Literários.

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MÔNICA DO CORRAL VIEIRA

AS MULHERES CHORADEIRAS

LITERATURA E CINEMA

APROVADO EM: __ / __ / 2011

Dissertação de mestrado submetida à avaliação da banca examinadora aprovada pelo colegiado do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Federal do Pará e julgada adequada para obtenção do grau de Mestre em Letras na Área de Estudos Literários.

Banca Examinadora:

_________________________________ Prof., Dr. Luis Heleno Del Castilo

Orientador – UFPA

________________________________ Prof., Dr. Fábio Castro

Membro – UFPA

_________________________________ Profª., Drª. Lilia Chaves

Membro – UFPA

Visto:

_____________________________________________________________ Prof. Dr. Sílvio Holanda

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores deste Mestrado que me possibilitaram aprender a enxergar mais além e compreender mais do que se pode ver, estes sim foram verdadeiros Mestres da Vida, mostrando que sempre podemos aprender além do que imaginamos ser capazes de aprender.

Agradeço, em especial, ao meu orientador (Luís Heleno Montoril) que teve paciência com a minha produção um tanto conturbada, ao princípio, com trocas de tema, de linhas de pesquisa e de possíveis orientadores. Agradeço porque ele me proporcionou “pedaços de „Mundo de Sofia‟ ” a cada orientação, a cada conversa, podendo assim me fazer perceber a vida sempre mais interessante e deixar a vontade de pesquisar cada vez mais ávida.

Agradeço a Valéria Augusti pelas indispensáveis observações e sugestões na orientação dessa dissertação, por indicar livros de grande relevância para essa escritura e por ser a grande amiga que ela é, sempre respondendo em tempo hábil os meus e-mails desesperados. Agradeço a Fábio Castro e Jorane Castro pelas informações acerca do trabalho que aqui realizo e também por produzirem, respectivamente, o conto e o curtametragem

Mulheres Choradeiras.

Agradeço aos meus amigos que foram fiéis escudeiros das Letras e do bom caráter, da dignidade humana e dos princípios éticos. As conversas e troca de idéias e impressões sempre me motivaram a buscar conhecimento, explicações, novos pontos de vista e maneiras de compreender a sociedade, a Amazônia e o mundo. Um obrigada especial a Luiz Guilherme, amigo este que me foi apresentado no último ano de Mestrado e “me tirou do limbo” (parafraseando uma grande amiga de Mestrado) quando fiquei sem escrever essa dissertação por longos dois meses e precisei de um empurrãozinho para seguir. Sem ele, provavelmente eu não teria concluído esta pesquisa a tempo.

Agradeço aos professores da antiga universidade de graduação (Unama) que me permitiram sempre adentrar as portas daquela universidade como haviam permitido em tempos de estudo inicial. Assim, possibilitando que eu ali me sentisse como sempre me senti: em casa e rodeada de boas companhias portadoras de mentes tão interessantes.

Agradeço aos meus pais (o “Perfeitoso” e a “Gostosinha”); também a “hermana” (minha abelhinha); a mãe do coração (“Zoca”) e claro, a tia-e-mãe (“Dó”) que seguiram me motivando, incentivando e levantando minha cabeça sempre que eu desanimava com algum tropeço ao longo do caminho.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a compreensão e estudo de cultura da Amazônia, visando a produzir conhecimento qualificado sobre Literatura e Cinema na Amazônia e suas relações com estratégias artísticas para interpretá-las.

Para atingir este objetivo, utilizo o conto „As Mulheres Choradeiras‟, de Fábio Castro, e o curta homônimo, de Jorane Castro, permitindo assim um estudo focado em material de análise específico voltado para os costumes, as crenças, o mito, a hibridização e as traduções interculturais que se desenham nessa obra.

O objetivo dessa pesquisa é estudar o conto e o curtametragem, enfatizando assim a diferença de linguagens por ele apresentadas e mostrar a leitura universal que se pode fazer a partir de cada uma dessas expressões artísticas. Essa pesquisa pretende apresentar leituras universais de um conto paraense com temática voltada para a realidade amazônica e ressaltar o estudo dos mitos e da oralidade que envolve a criação do conto de Fábio Castro e sua propagação.

Os mitos e a oralidade possibilitam uma (re)construção e desenvolvimento de conhecimentos que permeiam a atividade da leitura (conhecimentos artístico, cultural, social, filosófico e histórico) além de enriquecer e (re)afirmar a identidade latino-americana. Por isso, esse trabalho tem o intuito de relacionar a história do conto a outras leituras, tais quais sua aproximação e semelhança aos mitos, oralidade e outras literaturas em geral.

Entende-se, portanto, que todos estes elementos constituem uma literatura rica e de grande importância para o mundo, e não apenas para a região onde foi produzida.

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ABSTRACT

This work aims to understand and study the Amazon culture and also to produce qualified knowledge on Literature and Cinema in the Amazon, as well as its relation to artistic strategies attempting to interpret them.

To achieve this objective I use the tale „The keeners', by Fabio Castro, and the homonym short film, by Jorane from Castro, allowing a focused study on a specific material of analysis focused on the customs, beliefs, myth, hybridization and intercultural translations which emerge from this work.

The purpose of this research is to study the tale and the short film, emphasizing the difference in distinct used languages and show the “universal reading” that is possible to withdraw from each of these artistic expressions. This research intends to present a “universal reading” from a paraense tale themed on the Amazon reality and emphasize the study of myths and oral traditions which involve the creation and spreading of Fabio Castro‟s tale.

The myths and oral traditions allow a (re)construction and development of knowledge that underlie the activity of reading (such as artistic, cultural, social, philosophical and historical knowledge) as well as enrich and (re)assert the Latin American identity. Therefore, this research aims to relate the story of the tale to other readings, such as their approach and similarity to myths, oral traditions and other literature in general.

It is understood, therefore, that all these elements constitute a rich literature of great importance to the world, not just to the region where it was produced.

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SUMÁRIO

Introdução --- --10

Capítulo 1 1 LITERATURA (LEITURA) COMPARADA: PERSPECTIVA TEÓRICA --- 12

1.1 INTERARTÍSTICO, INTERSEMIÓTICO --- 22

1.2 LITERATURA: PALAVRA --- 27

1.3 CINEMA: IMAGEM --- 30

1.4 LITERATURA E CINEMA --- 34

Capítulo 2 2 TERRA DOS CABEÇUDOS: AS MULHERES CHORADEIRAS --- 41

2.1 TEXTO E CONTEXTO: INTERTEXTOS --- 44

2.2 GÓRGONAS, GRANDE MÃE, ANTROPOFAGIA E FEITIÇARIA --- 52

2.3 O CANTO DA SEREIA --- 62

2.4 “AS ESTRANHAS”--- 71

Capítulo 3 3 AMÉRICA LATINA: RELAÇÕES INTERCULTURAIS, INTERLITERÁRIAS E INTERARTÍSTICAS --- 78

3.1 REALISMO, MAGIA E A ARTE DA ADAPTAÇÃO --- 89

CONCLUSÃO --- 97

REFERÊNCIAS ---100

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Introdução

Toda obra sobrevive graças às interpretações. Essas interpretações são na verdade ressurreições: sem elas não haveria obra. Ela transpõe sua própria história para se inserir em outra.

(Octavio Paz)

Mulheres Choradeiras é um conto de Fabio Castro presente no livro Terra dos Cabeçudos, de 1987, o conto Mulheres Choradeiras possui um curta homônimo, de Jorane Castro, e explora a cultura e realidade amazônica, além de apresentar a situação da literatura latinoamericana de forma literário-cinematográfica, situação esta que, aqui, será estudada e desvelada a partir de estudiosos (e grandes pensadores) como Tania Carvalhal, Julio Cortázar, Tzvetan Todorov e Irlemar Chiampi

Fábio Castro é Doutor em Comunicação pela Universidade de Paris. O conto que será analisado -“As Mulheres Choradeiras”- está presente em sua obra intitulada “Terra dos Cabeçudos” que se compõe de outros nove contos: “A Rua de Trás”, “O Dia Sem Noite de Um Náufrago”, “Ifigênia, a Mulher de Duas Cores”, “A Terra dos Cabeçudos”, “A Tempestade”, “A Menina-Noiva”, “Rol-de-Roupa e Rum”, “A Sala dos Pássaros Perdidos”

e “O Rio Dono da Terra”.

No primeiro capítulo de minha dissertação apresento os estudos de Literatura Comparada no que tange a uma perspectiva teórica; abordo os conceitos interartístico e

intersemiótico, além da Literatura e do Cinema enquanto palavra e imagem. Já no segundo capítulo, explano diretamente sobre o conto de Fábio Castro no que diz respeito ao texto e

contexto da América latina e suas relações interculturais, interliterárias e interartísticas.

Ainda nesse capítulo abordo os intertextos presentes em minha leitura do conto e do curtametragem Mulheres Choradeiras e suas relações com mito e oralidade. Finalmente, no terceiro capítulo, discuto as noções de realismo mágico, realismo maravilhoso, realismo fantástico, surrealismo e ficção, e, por fim, apresento a conclusão do estudo.

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(conhecimentos artístico, cultural, social, filosófico e histórico) e enriquecem, ou mesmo, (re)afirmam, no caso específico desse trabalho, a identidade latino-americana.

Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo tecer uma reflexão comparativa para a compreensão e estudo de como a cultura da Amazônia é interpretada, construída, representada através da obra literária de Castro e expressa também no curtametragem de Jorane, visando assim produzir conhecimento qualificado sobre Literatura e Cinema na Amazônia e suas relações com estratégias artísticas para interpretá-las.

Pretende-se, não apenas relatar o que já se conhece desta região e a literatura que nela já foi produzida, mas sim destacar e justificar a sua importância e a cultura representada na literatura e cinema, estudar como se constrói certa perspectiva e representação dessa cultura ou de alguns de seus aspectos na obra literária e na obra fílmica, além de destacar que Amazônia é esta presente nessas obras. Este percurso far-se-á sem a intenção de medir o grau de valor entre literatura e cinema, e sim viabilizar um diálogo com ambas as manifestações artísticas, no sentido de refletir sobre possíveis aproximações e distanciamentos existentes entre essas duas modalidades do ato de se expressar através da arte.

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Capítulo 1

1 LITERATURA (LEITURA) COMPARADA: PERSPECTIVA TEÓRICA

A distinção entre Literatura e as demais artes vai operar-se nos seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo.

(Alceu Lima)

(Se faz necessário) penetrar nas tantas camadas significativas passíveis de serem desprendidas, camadas capazes de ajustar –com harmonia−

realidade, ficção e História. (Amarilis Tupiassu)

A expressão “literatura comparada” pode ser usada no singular, lidando apenas com uma literatura (uma obra literária) ou no plural, confrontando duas ou mais literaturas. Os estudos literários comparados acabam por designar investigações bem variadas que adotam diferentes metodologias e que pela diversificação dos objetos de análise concedem à literatura comparada um amplo campo de atuação.

Neste trabalho utilizo os estudos da literatura comparada e a livre adaptação do curtametragem de Jorane Castro do conto literário de Fábio Castro; com isto, tenho o intuito de destacar as características de uma literatura produzida na Amazônia, porém que não se limita a ser uma literatura de cunho “regional” e sim que contribui com a literatura de forma “universal”, sendo tal conto e a sua adaptação fílmica ricos em possibilidades de desdobramentos artísticos e leituras intertextuais. Pretendo dialogar com ambas as linguagens artísticas visando possibilidades de aproximações e possíveis distanciamentos entre elas, e levando em consideração a ficcionalização narrativa presente nos dois textos.

Na “literatura comparada”, percebe-se que o método (ou métodos) não antecede(m) à análise −como algo prefabricado− mas dela decorre. Aos poucos, torna-se mais claro que literatura comparada não pode nem deve ser compreendida simplesmente como “sinônimo de comparação”. É sim um ato logicoformal do pensar diferencial (processualmente indutivo) paralelo a uma atitude totalizadora (dedutiva).

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Pode-se dizer, então, que a literatura comparada compara não pelo procedimento em si, mas porque, como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho e o alcance dos objetivos a que se propõe. Em síntese, a comparação -mesmo nos estudos comparados- é um meio e não um fim1

Comparar é o meio para descobrir algo, portanto, com a comparação abre-se a possibilidade de análise de uma ou mais obras literárias podendo ser comparadas -ou não- a outras manifestações artísticas e, só então, pode-se desenvolver conclusões e estratégias de estudo e compreensão destas literaturas. A comparação pura e simplesmente feita pelo ato de comparar, não conclui; ela leva a conclusões depreendidas de métodos de pesquisa com base nas comparações feitas pelo estudioso de literatura.

No que tange a comparação, pode-se dizer que em Mulheres Choradeiras as comparações começam já no título do livro em que este conto se faz presente. O nome “Terra dos Cabeçudos”, segundo a própria introdução do livro de Fábio Castro, em antigo português, remete aos gigantes, mais que homens, ferozes e irritáveis. Já em nosso idioma, são mais gigantes na imaginação e no pensamento do que o são em altura física. Cabem aqui algumas frases de Fabio Castro de parágrafos introdutórios de seu livro:

Os seres destas estórias são habitantes da Amazônia. Vivem como o amazônida, numa realidade inexplícita e mística, não fazendo muita distinção entre o real e o fantástico e vivendo em permanente delírio de formas e intenções. Seu universo é mágico porque vivem na idade religiosa do pensamento. Hão ainda de passar por idades outras até que cheguem a um pensamento mais sistematizado2

Mais do que definir o universo no qual os amazônidas vivem, o livro de Castro nos fala também acerca da maneira como eles vivem. Isto nos leva a refletir, segundo Castro, sobre a característica incontestável do amazônida de que, em sua essência, jamais busca uma cientificidade para viver, construindo seu dia a dia à base de crenças, desejos e até mesmo de impossibilidades, há momentos em que o fantástico pode ser natural.

Pode-se destacar a questão do pensamento como percepção evolutiva, da imaginação para a razão, tal qual nos indicam os estudos de Claude Lévi-Strauss sobre o pensamento selvagem. Lévi-Strauss nos diz em seu livro O Pensamento Selvagem, de 1962, que os mitos não são uma coleção de histórias absurdas, mas sim um sistema. Ele adotou uma postura

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metodológica de cientista e se debruçou sobre a mitologia de vários povos, especialmente os povos ameríndios, para revelar a lógica que se oculta por detrás de sua aparente irracionalidade. Uma lógica que, embora diferente da lógica clássica, é, à sua maneira, tão rigorosa quanto um silogismo. Este estudo resultou a Lévi-Strauss a publicação de livros como O Totemismo Hoje, O Pensamento Selvagem, e os quatro volumes enciclopédicos acerca de Mitologia: O Cru e o Cozido (1964), Do Mel às Cinzas (1967), A Origem dos Modos à Mesa (1968) e O Homem Nu (1971).

Segundo Lévi-Strauss, mitos são fatos mentais. Os mitos são responsáveis por constituir a tradução e o reflexo através de uma narrativa simbólica que é projetada sobre a realidade exterior a fim de introduzir ordem e significado no caos da nossa experiência bruta de mundo. É importante destacar que nenhum dos elementos que compõem o mito é arbitrário ou está lá por acaso. Deuses, heróis, animais e plantas são agrupados em função de relações de simetria, afinidade e oposição, e as ações do mito são uma transposição dessas relações em termos de narrativa, mais ou menos à maneira dos sonhos, que também geram histórias a partir das estruturas inconscientes da psique.

Os mitos, de acordo com os estudos de Lévi-Strauss, desempenham papel ordenador em diversos níveis da vida humana: na organização da sociedade, nas estruturas de parentesco, nas manifestações culturais, entre outras. Tomados em conjunto, os mitos são uma linguagem através da qual os indivíduos e os grupos sociais exprimem e dão forma à sua visão de mundo.

Por sua vez, a Amazônia é real e absoluta para si mesma, o que não nos leva de forma alguma ao conceito de ilogicidade, elementos como a imaginação e a escolha de como cada ser decide enxergar o mundo são plausíveis de explicações bastante lógicas tais quais as apresentadas acima por Lévi-Strauss. O Homem e sua existência representam um tema maravilhosamente vão, diverso e ondulante e, para esse pesquisador belga, a antropologia devia buscar por trás da diversidade da espécie humana o que ela possui de universal. Para essa busca, entretanto, não se pode partir do princípio de que as sociedades ditas primitivas representam estágios ultrapassados pelo Ocidente no caminho do progresso, devem-se comparar as mais variadas sociedades em busca das chamadas invariantes, ou seja, aquilo que todas tem em comum (ex.: o tabu do incesto, a comunicação, a preparação dos alimentos e a interação com a natureza).

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sociedades como frases ou modos de falar que podem ser diferentes entre si, mas obedecem a um mesmo código ou sistema universal. A cultura, portanto, passa a ser vista como uma produção da natureza. Ele herdou, de Sigmund Freud, as teses de que a combinação de elementos mais incomum, como os mitos ou os sonhos, é sempre passível de interpretação. A realidade verdadeira nunca é a mais patente, pois a natureza do verdadeiro já transparece no zelo que este emprega em se ocultar.

Lévi-Strauss afastou de vez da antropologia o etnocentrismo, a presunção de superioridade ocidental, instituindo a perspectiva relativista, segundo a qual é necessário entender as outras culturas sem impor-lhes os valores da cultura ocidental. Como pode-se observar no seguinte trecho de seu livro:

A ânsia de conhecimento objetivo constitui um dos aspectos mais

negligenciados do pensamento daqueles que chamamos “primitivos”. Cada civilização tende a superestimar a orientação objetiva de seu pensamento; é por isso, portanto, que ela jamais está ausente. Quando cometemos o erro de ver o selvagem como exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas ou econômicas, não percebemos que ele nos dirige a mesma censura e que, para ele, seu próprio desejo de conhecimento parece melhor equilibrado que o nosso3

Ele apregoou, nesse mesmo livro, que os traços culturais de uma sociedade (mitos, rituais, práticas alimentares...) só podem ser compreendidos se analisados em conjunto. O que distingue o ser humano dos outros animais é o uso de símbolos para se comunicar. Quanto aos mitos, mais especificamente, ele defendeu que não podem ser estudados isoladamente, uma vez que o mito é composto de todas as suas variantes. Era preciso pesquisar como as narrativas tradicionais eram passadas de geração a geração, de uma sociedade a outra e, assim, se transformando.

Ao mostrar as possíveis semelhanças entre as culturas “primitivas”, que ele denomina como sociedades “frias”, e as culturas “modernas”, chamadas de sociedades “quentes”, ele conseguiu perceber que o mito se define como uma tentativa de explicação e compreensão da realidade natural e social por meio de um esquema, um sistema de oposições e correlações binárias que, no pensamento selvagem, se expressa por meio de uma montagem de imagens registradas em uma narrativa, uma manifestação de toda uma filosofia e concepção de mundo. As imagens narradas pelo mito são montadas com fragmentos de imagens e narrativas, motivo pelo qual Lévi-Strauss compara o mito ao bricolage, em antropologia sendo uma expressão usada para descrever uma ação espontânea, além de estender o termo para incluir padrões

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característicos do pensamento mitológico, o qual não obedece ao rigor do pensamento científico. A razão é que, já que o pensamento mitológico é gerado pela imaginação humana, é baseado na experiência pessoal, sendo gerado pelo surgimento de coisas pré-existentes na mente do imaginador. Desse modo, a mitologia descreve o mundo através de narrativas. Esse sistema tem por função oferecer ao pensamento um sentido para o mundo. Se, por um lado, se distingue da arte e da ciência, por outro, o mito também se aproxima delas por seu caráter sistemático e lógico.

Lévi-Strauss exemplifica com vários estudos etnográficos os sistemas classificatórios criados por estas sociedades para identificar animais e vegetais, não apenas na medida em que eles podem ser úteis para a vida prática dos "primitivos", mas igualmente para fins puramente especulativos e intelectuais. Há também divisões da própria sociedade em seções e subseções como sistemas de classificação que possuem uma função importante para a conservação destas sociedades, organizando grupos sociais dentro de uma totalidade.

Ao procurar desvendar a lógica interna dos mitos, o antropólogo compara a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os membros da orquestra, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber que não possui a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver à distância.

Os mitos, então, são compreendidos como maneiras de pensar, a distinção maior é entre a lógica construída a partir dos dados sensoriais da experiência de uma ciência do concreto e a lógica que privilegia categorias abstratas, como sinais matemáticos e classificações biológicas. Do lado selvagem, há uma atenção maior ao específico. Do lado domesticado, buscam-se as totalidades e os grandes sistemas explicativos. O pensamento selvagem, portanto, não é restrito aos povos primitivos, ainda que entre eles seja dominante. Assim, o que era antes visto como atraso ou vestígio passou a ser entendido como um dos modos possíveis do homem organizar sua relação com o mundo. É como se o pensamento primitivo trabalhasse diretamente com as coisas que o ser humano tem ao alcance dos cinco sentidos do seu corpo, se expressa através do mito. Já o pensamento científico trabalha com teorias e conceitos, que servem de mediadores entre o ser humano e o mundo, corresponde ao pensamento cultivado que encontra a sua realização na ciência e na arte das sociedades modernas.

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nunca independente do seu ponto de vista. Por isso, a história não pode pretender alcançar uma verdade objetiva.4

Para além dessa abordagem de Lévi-Strauss, há a abordagem acerca da literatura comparada, literatura essa que os franceses muitas vezes denominam “literatura comparada” a “literatura geral”, com a qual até hoje é frequentemente associada. Estão ambas, por exemplo, nas denominações de Associações Comparativistas (ex.: Société Française de Littérature Générale et Comparée) ou de publicações especializadas (ex.: Cahiers de Litterature Générale et Comparée) caracterizando uma atuação conjunta de estudiosos das duas disciplinas. A diferença entre as duas expressões constitui ponto de discussão permanente, alguns autores consideram a literatura geral como um campo mais amplo que abarcaria o dos estudos comparados; outros, como René Wellek e o francês Etiemble, não estabelecem diferença entre elas.5

A designação “literatura geral” também estabelece correspondência com “literatura mundial” (mais conhecida como Weltliteratur, termo este forjado por Goethe, em 1827). Embora se tenha prestado às mais distintas explanações, esse termo foi utilizado por Goethe6 em objeção à expressão “literaturas nacionais” para elucidar seu ponto de vista acerca de uma literatura de “fundo comum” constituída pela soma das grandes obras, ou seja, uma espécie de biblioteca de obras primas. No entanto, além dessa acepção, podemos entender a Weltliteratur

como a possibilidade de interação das literaturas entre si, e também com a possibilidade de complementarem-se umas às outras. Mais tarde trataremos também da questão da antropofagia.

A atitude comparativa foi central para que a literatura e a cultura latinas (com suas relações e especificidades) fossem pensadas em relação à literatura e cultura gregas. Foi essa mesma atitude comparativa que, na Idade Média, integrou e reformulou a herança clássica grega diversificando-a através das direções que viriam a constituir as literaturas nacionais. Também ela nos ajuda a compreender a forma como problemas de antigos e modernos reaparecem sob formulações diferenciadas, no Renascimento, no início do Iluminismo e mesmo no interior do pensamento modernista no início do século XX.

É somente no final do século XIX que se pode perceber a disciplina devidamente estabilizada em suas formas acadêmica e institucional, graças a Louis Paul Betz e Joseph

4 LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem, 8ª edição. Campinas: Papirus, 1989.

5 WELLEK, René. Teoria da literatura. São Paulo: Europa-América, 1949.

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Texte que lançam as bases do que foi, mais tarde, reconhecido como o futuro dentro dos estudos literários (reconhecimento este dado em 1921, por Fernand Baldensperger).7

A metodologia utilizada para os estudos literários insiste nas “relações literárias internacionais”. Essa designação servirá muitas vezes para constituir um cânone não expresso (mas nem por isso menos poderoso) no interior das literaturas, jogando-se na distinção implícita entre “literaturas maiores” (que, por via de uma maior força quantitativa e qualitativa −falsamente considerada como real, ou seja, hipostasiada− funcionariam como verdadeiros modelos e/ou fontes) e “literaturas menores” (que se limitariam a um papel secundário, periférico, de integração de influências provenientes dos modelos). Esta tendência é, entretanto, mitigada por aqueles estudiosos que, a exemplo de Baldensperger, defendem o comparatismo como lugar de uma possível relativização da hierarquia, no sentido que permitiria contrariar um nacionalismo à outrance, considerado como pernicioso.

As características mais facilmente perceptíveis dessa fase da relativização da hierarquia na disciplina são: a) a preocupação em definir o seu objeto tendo como base as relações internacionais estabelecidas em fatos, b) a dependência diante de uma história literária ainda compreendida de acordo com um modelo positivista (que sugere a observação científica da realidade) e a insistência no estudo de fontes e influências a que se junta a chamada “imagologia”, ou seja, o estudo das imagens culturais que um determinado povo provoca em uma outra literatura nacional.

A dependência ou submissão à área da história literária associa-se, ainda, a um outro campo que surge como preferencialmente escolhido para uma investigação de base comparatística: trata-se da tematologia (Stoffgeschichte) que se apresenta de algum modo como alternativa de conteúdo a um comparatismo de configuração histórico-factual. Através da tematologia os estudos literários abrem-se progressivamente a uma reflexão que encara os fenômenos literários não tanto a partir de dados históricos factualmente concebidos, mas, sobretudo, a partir dos temas e motivos que os constituem. Faço minhas as palavras de Helena Carvalhão Buescu sobre este assunto:

Tratando-se de uma área cuja importância no momento se deveu precisamente a tais razões que podemos, aliás, considerar de inspiração paralela às orientações textológicas -por exemplo- do New Criticsm, o certo é que a sua implantação trouxe para o seio da disciplina outro tipo de

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problemas metodológicos, sobretudo relacionados com a indefinição epistemológica e teorética dos fenômenos literários assim constituídos8

Por um lado, tal indefinição explicitada na citação acima deixa bastante claro que a tematologia foi alvo de um evidente descrédito, e ressurge mais tarde com a possibilidade de uma reflexão de cunho teórico. Por outro lado, a diferença proposta pelo comparatista francês Paul Van Tieghem9 entre “literatura geral” e “literatura comparada” (diferença esta que aborda problemas de índole mais genérica e de síntese relativos concomitantemente a várias literaturas nacionais, constituindo assim uma confrontação binária do problema) pode ser entendida como uma manifestação que desemboca num certo esgotamento dos princípios que até aí tinham sido considerados como básicos para a investigação comparatista.

O problema ao qual se referia Van Tieghem era oriundo de uma clara insatisfação com os moldes historicista e textológicos que pareciam dividir o campo dos estudos literários, praticamente obrigando a optarmos por orientações que privilegiassem os “fatos” literários (ou seja, de conformação histórica) e aquelas que incidissem sobre os “objetos” literários (os textos propriamente ditos). A integração do leitor no sistema literário, juntamente com o reconhecimento dos seus direitos de cidadão, ou seja, o envolvimento do cidadão para com os seus direitos políticos, inclusive o direito de ser letrado (que, obviamente, tem a ver com a integração de leitura) permitiram uma formação histórica dos problemas comparatistas entendidos, aqui, a partir de um ponto de vista de recepção sócio-cultural de um dado fenômeno literário, ou seja, as relações comparatistas envolvendo o “homem x meio” e sua interação social.

Entretanto, é importante ressaltar que não devemos confundir a área dos estudos de recepção com o estudo de fontes e influências, e isto não só porque a tônica não é mais a da produção (autor) e sim a da recepção (leitor e suas diversas configurações), mas também porque se passa a insistir na dinamicidade do contexto histórico e nas relações culturais que o literário pressupõe.

A vida literária oferece um campo de investigação muito fértil para a análise das relações e seus efeitos entre diversas literaturas nacionais. Ela reflete também outro processo epistemológico no qual a visibilidade é significativa para os estudos comparados, trata-se da afirmação, passo a passo, de um modelo culturológico, ou seja, ao invés de pesquisar os efeitos ou as funções da mídia, procura definir a natureza da cultura das sociedades

8BUESCU, Helena Carvalhão, em Literatura Comparada,

http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/literatura_comparada.htm.

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contemporâneas. Conclui assim que a cultura de massa não é autônoma e sim parte integrante da cultura nacional, religiosa e humanística. Entende-se portanto que a cultura de massa não impõe a padronização dos símbolos, mas utiliza a padronização desenvolvida espontaneamente pelo imaginário popular.

A cultura de massa atende assim a uma demanda dupla, por um lado cumpre a padronização industrial exigida pela produção artística, por outro, corresponde à exigência por individualização por parte do espectador. É o que se define como sincretismo, a tendência a unificar idéias ou doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis. Os produtos da mídia, por exemplo, transitam entre o real e o imaginário, criando fantasias a partir de fatos reais e transmitindo fatos reais com formato de fantasia.

Mesmo não podendo dizer que o modelo culturológico está em vias de substituição total e definitiva da inclinação textológica, esse modelo já se cruza com a definição dos problemas que dizem respeito ao fenômeno literário. Por tal modelo, se realçam as zonas mistas e, por essa razão, comparatistas por excelência, que são as zonas de fronteira e de

passagem entre discursos e/ou problemas de origem diversificada, ressaltando como o “ texto-em-si” é uma abstração do real, ou seja, é um objeto falsamente considerado como real enquanto objeto absoluto. Diante de tal afirmação, não será difícil perceber como a orientação culturológica oferece campos de indagação frutíferos e promissores aos estudos comparados.

Isso também diz respeito ao papel que um bom leitor, ou segundo a estética da recepção, o leitor ideal desempenha diante do texto. O leitor ideal, segundo Alberto Manguel, em seu livro À mesa com o Chapeleiro Maluco –Ensaios sobre corvos e escrivaninhas− é:

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exatidão histórica, com a precisão topográfica. O leitor ideal não é um arqueólogo. O leitor ideal é um cumpridor implacável das regras e normas que cada livro cria para si mesmo. Os leitores ideais quase nunca são sentimentais. O leitor ideal não liga para os gêneros10

O que Manguel quer nos dizer é o que Goethe já havia percebido em suas Conversas com Eckermann, em relação à atividade da leitura, que “As pessoas não sabem quanto tempo e esforço são necessários para aprender a ler. Trabalho nisso há oito anos, e ainda não posso dizer que consegui” (Goethe, Conversas com Eckermann, Apud Alberto Manguel. P. 38, 2009), pois uma vez que partimos da idéia que ler não é apenas decifrar códigos numa página, compreendemos a importância do ato da leitura em nossas vidas enquanto percepção de si, do outro, da sociedade e do mundo. O leitor ideal é uma meta utópica, é entrar em perfeita conexão com os pensamentos do escritor e perceber todas as suas intenções. Já o bom leitor é um leitor real, que pode traçar estratégias a seguir que o levem a extrair o melhor do texto.

Em algumas sociedades, o primeiro passo para nos transformarmos em cidadãos é aprender a ler, ou seja, aprender o código da escrita na qual está codificada a memória de uma sociedade. Depois, faz-se necessário o aprendizado da sintaxe que comanda esse código e, por fim, deve-se obter o aprendizado de como as inscrições nesse código servem para conhecer de maneira profunda, imaginativa e prática nossa identidade e a do mundo que nos cerca. Parece simples, orem é um trabalho árduo e de grande recompensa. No entanto, há sociedades em que a oralidade foi, e ainda é, de grande importância, tal como na Grécia. Porém, de fato, o que é mais importante é aprender a valorizar ambos, tanto a leitura quanto a oralidade, uma vez que uma complementa e enriquece a outra e vice-versa.

Não é a toa que a leitura é uma atividade pela qual alguns governos tendem a manifestar um limitado entusiasmo. Nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, aprovaram-se leis, no Brasil, proibindo que se ensinasse os escravos a ler até mesmo a Bíblia, posto que qualquer um que pudesse ler a Bíblia poderia ler também um panfleto abolicionista11. Os esforços e os estratagemas que os escravos idealizaram para aprender a ler são prova suficiente da relação entre liberdade civil e o poder do leitor, e também do medo que essa liberdade e esse poder infundiram em todo tipo de governante. No entanto, essa realidade não condizendo com o fomento que governos da Europa Ocidental, por exemplo, dão aos livros e

10MANGUEL, Alberto. À mesa com o Chapeleiro Maluco –Ensaios sobre corvos e escrivaninhas− P. 33, 2009.

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ao ato da leitura para seus cidadãos. Essa é uma situação que não se pode generalizar nem para o fomento nem para o descaso e mesmo repressão.

É verdade que, na sociedade brasileira, os livros muitas vezes não recebem o valor que merecem, uma vez que as necessidades básicas do cidadão não são atendidas e os livros tampouco dão conta de “alimentar” numerosos estômagos famintos. Porém, mais difícil ainda se torna concretizar o ato da leitura quando suas interpretações, muitas vezes, são associadas à dificuldade, e a dificuldade adquiriu um sentido negativo que nem sempre teve. A expressão latina “per ardua ad astra” (“pelas dificuldades alcançamos as estrelas”) se torna quase incompreensível para nossos dias, já que −atualmente− se espera que tudo possa ser obtido com o mínimo de esforço possível; a sociedade não encoraja essa necessária busca da dificuldade, esse incremento da experiência.

Aprender a ler consiste não apenas em obter meios para se apropriar do texto, mas também em participar das apropriações de outros; nesse campo ambíguo entre a posse e o reconhecimento, entre a identidade imposta por outros e a identidade descoberta por si mesmo, reside o ato de ler. Assim, faz-se imprescindível sair dos modos “sensatos e bons” da sociedade, para entrar em modos mais amplos, mais ricos e mais ambíguos, em não contentar-se com os lugares-comuns e a linguagem dogmática. Este outro reino de palavras e significados, no qual devemos nos inserir, não tem limites e é um equivalente do pensamento, da emoção e da intuição. Imaginar é dissolver barreiras, ignorar fronteiras (as conotativas e as denotativas), subverter a visão de mundo que nos foi imposta e, manter sempre viva a ideia de que toda crise da sociedade é, definitivamente, uma crise da imaginação.

1.1 INTERARTÍSTICO, INTERSEMIÓTICO

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Fig.1 Capa do livro Terra dos Cabeçudos, de Fábio Castro (Fonte: Foto de arquivo pessoal)

Fig.2 Cena do curta metragem Mulheres Choradeiras, de Jorane Castro (Fonte: http://aracajueiro.blogspot.com/as-mulheres-choradeiras.html)

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progressivamente substituídas por um questionamento mais radical no que diz respeito à interdisciplinaridade e à intersemioticidade.

Com isto, o destaque volta a ser relacionado não tanto para aquilo que as separa, mas para as diferenças e especificidades que parecem, de algum modo, corresponder ao que lhes estaria oculto ou subentendido. Nesse contexto, a perspectiva comparatista oferece um campo particularmente fértil, permitindo a relação entre diversas manifestações da prática artística, como, por exemplo, as várias artes visuais, a música, a dança, o teatro, o cinema ou a própria literatura.

A partícula “inter”, do latim, quer dizer posição intermediária; reciprocidade; interação. Sua associação com o termo “artístico”, relativo às artes nos leva a depreender que o campo interartístico deve manter uma relação de interação entre uma e outra arte. No nosso caso, a integração desse estudo se dará entre literatura e cinema. Já o termo “semiótico” diz respeito a algo que é pertencente ou relativo à semiótica. “Semiótica”, por sua vez, é uma palavra que deriva do grego semeiotiké (téchne), ou ainda 'a arte dos sinais'. É uma denominação utilizada, principalmente pelos autores norte-americanos, para a ciência geral do signo, para a semiologia. O que, igualmente, nos leva a depreender que o campo intersemiótico deve manter uma relação de interação entre os signos, sejam eles literários, visual-imagéticos ou ambos amalgamados; como é o caso deste estudo, no qual um conto ganhou livre adaptação através de um curta metragem, ou seja, diferentes signos entraram em interação.

Percebe-se que a Literatura Comparada surge como espaço de reflexão para um despertar de consciência do caráter histórico, teórico e cultural do fenômeno literário. Tal despertar é promovido pelas aproximações dos fenômenos transtemporais/supranacionais, e também por acentuar uma dimensão cultural visível, por exemplo, em áreas dos estudos de tradução e estudos intersemióticos.

Daqui decorrem três tendências centrais para a compreensão das perspectivas atuais do comparatismo: 1) tendência multidisciplinar (e eventualmente interdisciplinar); 2) tendência interdiscursiva (visível no desenvolvimento das relações com áreas tais como a história, a filosofia, a sociologia e a antropologia); 3) e, finalmente, tendência intersemiótica (tenta situar o fenômeno literário no quadro mais amplo das manifestações artísticas humanas).12 Estas três tendências possuem um aspecto comum: o de que a Literatura Comparada se situa na “fronteira” entre línguas, nações, práticas artísticas, discursos, problemas e formações

12 BUESCU, Helena Carvalhão. Grande Angular. Comparatismo e Poéticas de Comparação. Lisboa: Fundação

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culturais. A comparação tenta apreender a realidade da experiência não de maneira direta, mas com uma distância de primeiro ou de segundo grau, como Perseu fez para ver a face da Górgona através do reflexo da Medusa em seu escudo. A realidade, o lugar onde estamos, não pode ser visto enquanto estamos nele. É o processo de “primeiro ou de segundo grau” que se dá por meio das imagens, da alusão e da trama que nos permite ver onde estamos e quem somos.

Por sua vez, o valor atribuído aos narradores reside na forma como eles expõem suas narrativas e, consequentemente, na forma como também nele imprimem suas individualidades. Lembrar e/ou esquecer tornam-se valores de significação de igual importância na criação textual e no fazer artístico, conforme Jerusa Ferreira nos confirma com o trecho a seguir:

Poderíamos dizer que o esquecimento seria responsável pela continuidade, pela memória e até pela lembrança. Segundo Lévi-Strauss, é o esquecimento que vem quebrar uma certa continuidade na ordem mental, sendo responsável pela criação de uma outra ordem13

Existe um tempo que se faz necessário para o período de compreensão, articulação e composição do pensamento. O ato de esquecer faz parte deste processo da narrativa de estar aberto ao novo, à criação da palavra e ao preenchimento de lacunas, possibilitando assim uma nova ordem.

Maurice Halbwachs14 foi o primeiro sociólogo a resgatar o tema da memória para o campo das interações sociais. Rejeitando a ideia corrente em sua época de que a memória seria o resultado da impressão de eventos reais na mente humana, ele estabeleceu a tese de que os homens tecem suas memória a partir das diversas formas de interação que mantêm com outros indivíduos. A memória individual revela apenas a complexidade das interações sociais vivenciada por cada um. Portanto, a memória individual não pode ser distanciada da memória coletiva, uma vez que não é o indivíduo isoladamente que tem o controle do resgate sobre o passado. A memória é constituída por indivíduos em interação, por grupos sociais, sendo as lembranças individuais resultado desse processo. Ou seja, ainda que o indivíduo pense que sua memória é estritamente pessoal, sabendo que ela pode resgatar acontecimentos nos quais só ele esteve envolvido ou fatos e objetos que só ele presenciou e viu, ela é coletiva, pois o indivíduo ainda que esteja só é o resultado das interações sociais, portanto, coletivas.

13 FERREIRA, Jerusa. Armadilhas da memória e outros ensaios, p. 94, 2003.

14 HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Felix Alcan, 1925.

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Paul Ricoeur15, filósofo francês, soube não só contextualizar, mas entrelaçar com maestria memória, história e esquecimento. Para o filósofo, a memória seria um trabalho contínuo sempre capaz de se sobrepor a processos estruturais pré-estabelecidos.

Nos últimos anos, a historiografia contemporânea tem procurado responder à questão colocada por Georges Bataille16 no que diz respeito a construir um espaço, no interior da narrativa histórica, de valorização da subjetividade, dos sentimentos e da experiência humana. Esta preocupação tem se traduzido, por um lado, no esforço constante de desvendar as mais sutis e camufladas relações de dominação entre os homens, estabelecidas muitas vezes a partir do processo social de construção de memória(s); e, por outro, na intenção de resgatar memórias, experiências e vivências ocultadas e silenciadas.

A nova historiografia dá voz àqueles que não aparecem no registro documental, proporcionando a recuperação da história dos grupos em pequena escala. Ela procura pelos relatos construídos ao longo do trajeto pessoal de cada indivíduo, os quais, embora parciais, tem profundidade e contornos morais ligados à subjetividade, elementos que escapam às demais análises, como diria Thompson17. Afinal, não se pode fazer uma história dos homens ignorando sua subjetividade.

Para manter o funcionamento dos mecanismos sociais, um livro pode vir a ser considerado restrito e mesmo banido. Pode-se banir toda uma língua, pode-se subverter certos vocabulários, distorcer ou esvaziar o sentido de uma palavra, canalizar a linguagem para modelos literários viciados ou limitá-la a usos dogmáticos no meio da política, do comércio, da moda e da religião. Em todos esses casos, o objetivo em vista consiste em impedir que se contem e se leiam determinadas histórias, determinadas literaturas.

Toda sociedade busca uma definição tanto por meio de uma visão complexa de si mesma, como por oposição a uma outra sociedade, e faz isto através da linguagem. A linguagem, por sua vez, não somente reconta como também representa. As histórias que criamos podem representar não um conhecimento imediato e concluso de quem somos, mas ao menos, dizem respeito à consciência de que existimos. É aí que nos cabe estudar os mitos, que também são formas de se explicar e de explicar os outros, os fenômenos naturais e os acontecimentos que não conseguimos compreender em sua totalidade, e estudar também sua permanência, evolução, tradução e ressignificação em cada cultura, em cada sociedade.

15 RICOEUR, Paul. La mémoire, l’histoire, l’oubli. Paris: Seuil, 2000.

16 BATAILLE, George. Concerning the Accounts Given by the Residents of Hiroshima, in Trauma: Explorations in Memory. Londres: The John Hopkins University Press (221-235), 1995.

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A linguagem dá voz aos narradores, ela constrói com palavras a realidade e seus habitantes, providencia histórias que contam mentiras e verdades, a linguagem evolui conosco, ela torna-se débil ou poderosa e, por sua vez, sobrevive ou morre.

1.2 LITERATURA: PALAVRA

A definição de literatura, de acordo com Márcia Abreu18 “não é algo objetivo e universal, mas sim algo cultural e histórico. Cada grupo social, e, principalmente, cada grupo cultural tem um conceito sobre o que seja literatura, e tem critérios de avaliação próprios para examinar histórias, poesias, encenações, músicas, etc. [...] Literatura não é apenas uma questão de gosto: é uma questão política” E falando um pouco sobre a definição de Literatura e Cinema (consequentemente de seus representantes: a palavra e a imagem, que são termos de complementaridade); pode-se dizer que Literatura foi vista até meados dos anos setecentos, pela Enciclopédia francesa, como:

LITERATURA (Ciências, Belas-Letras, Antiq.) termo geral que designa a erudição, o conheicmento das Belas-Letras e das matérias que com ela têm relação. Veja o verbete LETRAS, em que, fazendo seu elogio, se demonstra sua íntima união com as Ciências propriamente ditas19

Com este excerto, percebe-se que Literatura era conhecimento e não um conjunto de escritos. Fazia-se uma sutil distinção entre os campos ao mesmo tempo que se separavam Belas-Letras e Ciências. Literatura utiliza-se da palavra. Palavra é a unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado, constituir uma forma livre. Palavra é a alta expressão do pensamento, do verbo; é o modo de ver, é a maneira de falar, é opinião, afirmação, oração e discurso (do escritor, no caso).

Segue o verbete Letras, sugerido pela definição supracitada de Literatura:

LETRAS essa palavra designa em geral as luzes advindas do estudo, e em particular aquela das Belas-Letras ou da literatura. Nesse último sentido, distinguem-se os homens de letras que cultivam somente uma erudição variada e plena de amenidades, daqueles que se apegam às ciências abstratas e àquelas de uma utilidade mais sensível. Mas não se pode adquiri-las em um grau eminente sem o conhecimento das letras [...] Mas se as letras servem de chave para as ciências, as ciências, por seu lado, concorrem para o aperfeiçoamento das letras [...] Para torná-las florescentes, é necessário que o espírito filosófico e, consequentemente, as ciências que o produzem,

18 ABREU, Márcia. Cultura letrada. Literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2006. P. 109.

19DIDEROT, Denis e D‟ALEMBERT, Jean le Rond. Encyclopédie, ou dictionnaire raisonée des sciences, des

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encontrem-se no homem de letras, ou ao menos no corpo da nação [...] A Gramática, a Eloquência, a Poesia, a História, a Crítica, em uma palavra, todas as partes da Literatura seriam extremamente defeituosas, se as ciências não as reformassem e não as aperfeiçoassem: elas são necessárias, sobretudo, às obras didáticas de retórica, de poética e de história. Para ter sucesso nesse gênero de obras é necessário ser filósofo assim como homem de letras20

Pode-se analisar através da definição de Letras que, três personagens dividiam o papel de letrado: aquele que se apegava a ciência, o que se associava às letras e o que se dedicava à filosofia. Mas, dentro dessa discussão da definição de literatura e letras, o importante mesmo é ressaltar que, desde estas citações até os dias atuais, o estabelecimento de um acordo a respeito do que fosse literatura e da maneira de se escrever sua história tarda a se produzir. E talvez ainda não se tenha produzido, segundo Márcia Abreu21. Márcia afirma que:

No início do século XXI não há consenso sobre o que é ou não a literatura [...] Ainda que algumas das primeiras histórias literárias anunciassem a existência de regras objetivas para a avaliação dos escritos, o que se fez ao longo dos dois últimos séculos foi uma seleção e hierarquização de obras e autores em função de critérios não explicitados e, na maior parte das vezes, não centrados no exame de textos –obras foram excluídas por serem escritas por mulheres, por exemplo22

Em parte, a eficiência e qualidade do conceito de literatura está em que as aceitações ou recusas de uma dada literatura são apoiadas por valores morais, políticos ou filiações estéticas não explicitadas, herança ainda marcante em boa parte dos trabalhos atuais, criando a impressão de uma literariedade própria a essas obras e ausente nas demais. Passou-se, assim, de uma significação ampla, tanto de literatura como de conjunto produzido, para um conceito bastante restritivo, o de literatura como grupo de obras e autores consagrados.

Apesar de possuir definições inconclusas e contrastantes, é necessário discutir o que é literatura, pois ela é um fenômeno cultural e histórico e, portanto, passível de receber diferentes definições em diferentes épocas e por diferentes grupos sociais. Ler um livro é cotejá-lo com nossas convicções acerca de tendências literárias, paradigmas estéticos e valores culturais. É perceber a posição do autor no campo literário, é contrastá-lo com nossas idéias sobre ética, política e moral.

20DIDEROT e D‟ALEMBERT op. cit.

21 ABREU, Márcia. Letras, Belas-Letras, Boas-Letras. In: História da Literatura. O Discurso Fundador.

Campinas: Mercado de Letras, 2003.

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Escrever obras literárias é trabalhar com a linguagem. Os gêneros literários, por sua vez, são as maneiras distintas de trabalhar a linguagem e de registrar a história, fazendo com que essa linguagem seja um instrumento de ligação entre os diversos contextos literários que estão dispersos ao redor do mundo. Os gêneros podem ser não-ficcionais ou ficcionais. Enquanto os gêneros não-ficcionais tem como base a realidade, os gêneros ficcionais apropriam-se da realidade para criar um mundo próprio.

Mulheres Choradeiras é um conto ficcional, tal qual o curtametragem homônimo também o é, e ambos partiram das palavras (da linguagem) para atingir o imaginário do leitor, o mundo mítico e a visão individual de cada um dos leitores/espectadores através do mundo criado pelo escritor/cineasta para provocar as ideias dos indivíduos que entrassem em contato com suas obras. Na verdade, todos os contos são ficcionais, mesmo os que tem como base a realidade, afinal, todos são recriações dessa realidade. O que muda entre estas duas formas distintas de arte aqui estudadas –Literatura e Cinema− é basicamente a forma como elas montam estratégias diferentes justamente por possuírem linguagens diferentes para falar acerca de um mesmo assunto. Existe a retórica da palavra e também a retórica da imagem. Retórica é nada mais que a oratória; o uso persuasivo da linguagem, e neste caso, também da imagem.

Sobre a retórica, pode-se afirmar que um texto, ou uma sequência de imagens, é capaz de alcançar a consciência social como se representasse uma sociedade inteira focada pela lente de um potente microscópio, ou pela caneta do escritor diante do papel. A função do artista é acreditar na importância máxima da arte que ele exerce, proporcionando assim, através dela, o conhecimento de mundo e da condição humana.

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Os escritos, de uma maneira geral, ocultam o conhecimento da coerência do universo; para analisá-los, devemos ler estes escritos, conferir-lhes significado, colher instruções, deduzir formas narrativas e perceber que, neste sentido, cada texto é um palimpsesto, letra sobre letra, desenho sobre desenho, estação após estação. E, como um palimpsesto, o texto original nunca desaparece totalmente. O processo de construção escrita é também resultado do processo de leitura, assimilação e imitação (no sentido de identificação de influências) a outros textos, apropriando-se deles de alguma forma, como num rito antropofágico-literário, como diz Carvalhal:

A proposta antropofágica é, sem dúvida, fascinante. Mas dela o que parece ser mais rentável para os estudos literários não é apenas a reversibilidade do processo; portanto, não é a devoração (assimilação) vista no seu sentido mais superficial, mas compreendida no seu caráter seletivo, como capacidade crítica de selecionar o alheio o que lhe interessa23

Toda repetição está repleta de intencionalidade, uma vez que renova e atualiza o texto anterior, seja lhe dando continuidade e modificando-o ou, até mesmo, subvertendo-o e ressignificando-o.

1.3 CINEMA: IMAGEM

A palavra “imagem”, de acordo com Antonio Vicente Pietroforte, “vem do latim imago, que quer dizer semelhança, representação, retrato. Com essa etimologia, „imagem‟, tomada como representação, pode se referir ao que se vê, ouve-se ou imagina”24. A palavra

“imagem” é polissêmica, e desta polissemia partem ambigüidades no discurso científico. Os registros escritos das línguas naturais, por exemplo, também são imagens. Qualquer palavra própria das semióticas verbais, quando escrita, é antes vista que ouvida, o que faz desse registro lingüístico uma semiótica em que se combinam palavra e imagem escrita. Saussure fala de imagem acústica ao referir-se ao significante verbal, e a teoria da literatura fala em construção de belas imagens por meio da palavra. No caso de Saussure, “imagem” diz respeito ao plano de expressão da ordem fonológica; concerne à semiótica verbal, antes audível que visível. A teoria da literatura, por sua vez, refere-se ao plano do conteúdo, portanto, aos domínios do texto em que o plano de expressão verbal pode ser desconsiderado, pois essas belas imagens são conceituais, não são vistas nem ouvidas, mas imaginadas.

23 CARVALHAL, Tânia. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1998.

24 PIETROFORTE, Antonio Vicente. Análise do texto visual, a construção da imagem.São Paulo: Contexto,

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Cinema é a arte de compor e realizar filmes cinematográficos; é a projeção cinematográfica; é a técnica de projetar imagens para criar a impressão de movimento; são feixes luminosos projetados em movimento. Mas a definição para por aí? Não. O filme traduz o intraduzível. Entende-se imagem como algo que depende da produção de um sujeito; imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou reconhece. Na maioria das vezes, as imagens registradas (fotografia, vídeo e filme) assemelham-se ao que representam, porém obviamente não o são, uma vez que são registros feitos a partir de ondas emitidas pelos próprios objetos, lugares, pessoas.

O cinema é um artefato cultural criado pelas culturas do mundo todo para refleti-las e/ou representá-las; e, por sua vez, estas representações também as podem afetar, em retorno. O cinema é considerado uma importante forma de arte, uma fonte de entretenimento popular e um método poderoso para educar ou doutrinar os cidadãos. Lanço mão aqui de um parágrafo de Sergei Eisenstein, retirado do livro A Forma do Filme:

O cinema, sem dúvida, é a mais internacional das artes. Não apenas porque as platéias de todo o mundo vêem filmes produzidos pelos mais diferentes países (e diferentes pontos de vista); mas, particularmente, porque o filme

─com suas potencialidades técnicas e abundante invenção criativa─ permite

estabelecer um contato internacional com as idéias contemporâneas25

A universalidade da imagem é corroborada pelo fato de o homem ter (re)produzido imagens no mundo todo ─desde a pré-história até os nossos dias─ e também pelo fato de nós nos acreditarmos capazes de reconhecer uma imagem figurativa em qualquer contexto histórico e cultural. Inclusive, esse tipo de constatação nos fez pensar que o cinema mudo era uma linguagem universal e que o aparecimento do cinema falado poderia particularizá-lo e isolá-lo. Porém, deduzir que a leitura da imagem é universal revela um certo nível de confusão (tendo em vista que percepção e interpretação são atividades distintas, percebe-se que reconhecer este ou aquele motivo não significa que se esteja compreendendo a mensagem da imagem na qual o motivo pode ter uma significação bem particular, vinculada tanto a seu contexto interno quanto ao de seu surgimento, às expectativas e conhecimento do receptor). Ainda em nossos dias, reconhecer motivos nas mensagens visuais e interpretá-los são duas operações mentais complementares, mesmo que tenhamos a impressão de que são concomitantes.

Mas é interessante destacar que o próprio reconhecimento do motivo exige aprendizado, porque reconhecer um equivalente da realidade, integrando as regras de

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transformação e esquecendo as diferenças ─a profundidade, a bidimensionalidade, a alteração das cores, a ausência de movimento, de cheiros, de temperatura, entre outros─ é trabalho de aprendizado com prazo de tempo específico para fazer-se efetivo (há um limite de idade além do qual, se não for iniciado a leitura e compreensão de imagens, isso se torna impossível). Observemos o trecho de Lucien Malson citado por Martine Joly em seu livro Introdução à análise da imagem:

Cf. Lucien Malson. Les enfants sauvages. UGE, 1959. Acontece de certas pessoas adultas jamais terem visto imagens, porque vivem em áreas isoladas de regiões onde a tradição cultural não emprega a imagem figurativa. As imagens figurativas permanecem, então, para essas pessoas, arranjos de cores e de formas que não remetem em caso algum a elementos da realidade26

É esse aprendizado ─e não a leitura da imagem─ que é feito de maneira ”natural” na nossa cultura, na qual a representação pela imagem figurativa tem tanta importância que, muitas vezes, as próprias imagens servem de suporte para o aprendizado da linguagem. A mensagem está aí para que nós a contemplemos, a examinemos, a comparemos com outras interpretações e compreendamos o que ela suscita em nós.

Cinema utiliza-se da imagem. Imagem é a representação gráfica, plástica ou fotográfica de uma dada pessoa ou objeto. É a reprodução invertida, desta pessoa ou objeto, numa superfície refletora. É, ainda, a representação dinâmica ou cinematográfica de algo ou alguém; é uma representação exata ou analógica; é aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica. É a representação mental, a lembrança ou a recordação. É produto da imaginação, consciente ou inconsciente; é a visão. Imagem é a manifestação sensível do abstrato ou do invisível. É o conjunto de pontos no espaço, para onde convergem −ou de onde divergem− os raios luminosos que, originados de um objeto luminoso, ou iluminado, passam através de um sistema óptico.

Pode-se dizer que a imagem é um meio de expressão e de comunicação que nos vincula às tradições mais antigas e ricas de nossa cultura. Mesmo uma leitura ingênua e cotidiana mantém em nós uma memória que só precisa ser (re)ativada para se tornar uma ferramenta de autonomia; para entendê-la mais amplamente, é preciso levar em conta contextos da comunicação, da historicidade de sua interpretação e de suas especificidades culturais. A leitura da imagem, enriquecida pelo esforço da análise, pode se tornar um momento privilegiado para o exercício de um espírito crítico que, consciente da história da

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representação visual na qual ela se inscreve, poderá dela tirar a energia de uma interpretação criativa. Interessar-se pela imagem é também interessar-se por toda a nossa história, tanto pelas nossas mitologias, quanto pelos nossos diversos tipos de representações.

No caso do cinema, é como se a lente da câmera fosse o próprio cinema refletindo sobre os acontecimentos da vida de cada ser, daí a visão de esta arte ser uma aventura da linguagem, tecendo e constituindo o próprio filme como personagem. O olhar que se tem é um “olhar de fora” das situações, é um olhar de quem reflete sobre um acontecimento que, assim como na literatura –no livro− é um acontecimento do passado, do irremovível, é um acontecimento do irrecuperável, emoldurado na parede do tempo, já pertence ao passado e, desta forma, torna mais fácil sua análise, compreensão e catarse. É mais fácil julgar os acontecimentos (tanto da nossa vida quanto da vida dos outros) quando os analisamos através de um “plano externo”. Este tipo de manifestação artística obriga o homem a trabalhar com a dúvida; a trabalhar a partir de questionamentos, comparações e possibilidades reais ou ficcionais, utilizando assim sua imaginação; por sua vez, tal qual o conto que está sendo aqui analisado.

Eisenstein27, por sua vez, defendeu o uso de métodos de montagem modernos essenciais para que o cinema se colocasse à altura do desafio posto pelos poderes da literatura em trabalhar também a subjetividade, o drama interior dos personagens e seus pensamentos. Ele concluiu que não há nenhuma incompatibilidade entre o método pelo qual o poeta escreve, o ator forma sua criação dentro de si mesmo, o mesmo ator interpreta seu papel dentro do enquadramento de um único plano, e o método pelo qual suas ações e toda a interpretação fulguram nas mãos do diretor através da mediação, da exposição e da construção em montagem do filme inteiro. Na base de todos estes métodos residem, em igual medida, as mesmas qualidades humanas vitais e fatores determinantes inerentes a todo ser humano e a toda arte vital.

Diante de um texto literário, é preciso entender que há distinção entre contar (tell) e mostrar (show). Da mesma forma que dizemos que a câmera “mostra”, há inúmeros textos voltados a dizer que, na verdade, a câmera narra (tell) e não apenas mostra (show). A câmera tem as mesmas funções de um narrador que faz escolhas, distinguir entre o que se representa explicitamente e o que é apenas sugerido é apenas uma das muitas funções do cineasta. Durante esse processo de criação e elaboração do discurso fílmico, pode-se destacar que o realismo na criação artística, segundo Bella Jozef28, passa por dois planos, o da observação

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que resulta no realismo documental, e o da invenção. O realismo criador apresenta a soma das possibilidades para o comportamento do homem, a partir do seu condicionamento pelas estruturas. A linguagem como mediadora da realidade é veiculada ao nível da ficção ou apresentada metalinguisticamente. Jozef afirma que:

O autor comunica a realidade representada através da sua própria arquitetura ficcional e verbal, na visão que possui dos fatos. E através da representação ficcional que indaga a verdade. [...] Realiza-se em vários níveis como prática de escritura que se concretiza num jogo que pode ir até a ambigüidade, entre várias formas de enunciação. Dentro da realidade estruturada, a criação literária cria seu próprio real, onde a irrealidade é condição obrigatória29

A “verdade” do texto é o próprio texto onde se entrecruzam outros textos e coexistem vários discursos em tensão, uma intertextualidade que consiste no diálogo com todos os textos culturais. Por isso, o texto, em seu espaço literário, abarca a totalidade. O espaço do texto é a dimensão na qual a significação se articula. E o mundo ficcional, por sua vez, é dotado de independência com relação à realidade empírica, mas nunca deixará de referir-se simbolicamente a essa realidade, seja baseado na verossimilhança ou nas formas em que a realidade se distorce.

1.4 LITERATURA E CINEMA

(...) e...o paradoxo da obra ─seja ela literatura ou cinema─ reside no fato de

só ser literatura ou cinema no exato momento de seu começo, na página ainda em branco, quando nada foi escrito ou projetado na sua superfície. O que faz com que a linguagem escrita em um livro seja literatura [e que a linguagem de um filme seja cinema] é uma espécie de ritual prévio que traça o espaço da consagração das palavras e das imagens. Portanto, quando a página/tela em branco começa a ser preenchida, cada palavra, cada imagem, se torna de certo modo absolutamente decepcionante em relação à literatura e ao cinema, pois não há nenhuma palavra que pertença, por essência, à literatura; assim como não há nenhuma imagem capaz de corresponder ao imaginário de um cinema; que traça seu espaço da consagração

das imagens na imaginação. (Luiz Fernando Carvalho)

A relação entre palavras e imagens foi discutida durante séculos, pelo menos desde a época da Grécia e de Roma, mas, especialmente, na Idade Média e no Renascimento. Na Idade Média, por exemplo, as imagens eram fundamentais para aqueles que não sabiam ler, uma vez que eram poucas as pessoas que dominavam a cultura da escrita na Antiguidade.

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