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A atuação da OMC frente aos desafios de concretização dos Direitos Humanos, em especial no tocante aos direitos trabalhistas: uma perspectiva desde os países em desenvolvimento (BRICS)

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A ATUAÇÃO DA OMC FRENTE AOS DESAFIOS DE

CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, EM ESPECIAL

NO TOCANTE AOS DIREITOS TRABALHISTAS: UMA

PERSPECTIVA DESDE OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

(BRICS)

Renata Alvares Gaspar1 Mônica Nogueira Rodrigues2

Resumo: Com o advento da globalização, a relação entre comércio e direitos trabalhistas ultrapassou as fronteiras dos Estados, motivo pelo qual é necessária a sua regulamentação. De tal forma que a inclusão da cláusula social nos acordos comerciais passa a ser indispensável não só à proteção dos direitos de cidadania no interior dos estados e o consequente desenvolvimento social, mas também para o desenvolvimento econômico, uma vez que o capital livre de regulações resultará no empobrecimento social e insustentabilidade do próprio sistema. Daí a importância de diálogo entre a OIT e OMC, sendo aquela responsável pela regulamentação dos padrões trabalhistas e esta pela apuração de descumprimento através do Órgão de Solução de Controvérsias, uma vez que possui mecanismos de cumprimento forçado de suas decisões. Ademais, em um contexto de governança global, a atuação do BRICS e outros grupos regionais exerce papel fundamental, motivo pelo qual a inclusão da cláusula social em seus acordos resultaria em avanços sociais e econômicos para tais países, além de ser um modo de pressionar a OMC a regulamentar a questão.

1 Pós-Doutoranda do PPGD da Universidade Federal de Uberlância, com Bolsa CNPq. Doutora em

Direito pela Universidade de Salamanca-España (2008) e mestre em Estudios Latinoamericanos (menção Ciências Políticas/Direitos Humanos) pela mesma Universidade (2005). Ambos os títulos revalidados pela USP - Universidade de São Paulo. Consultora Jurídica para do MERCOSUL no Projeto Focem Base de dados Jurisprudencial (2008). Vice-Presidenta de Comunicação e Publicações da ASADIP - Associação Americana de Professores de Direito Internacional (2017-2019). Pesquisadora integrante da Rede de Pesquisa de Processo Civil Internacional (UFU, Coordenador Professor Dr. Thiago Paluma). Autora de livros e artigos científicos. Desenvolve projetos de pesquisa no âmbito do Direito Processual Civil Internacional. Líder do Grupo de Estudo Direito, Globalização e Cidadania. Membro da Academia Brasileira de Direito Internacional. Consultora jurídica atuante na área de Direito Internacional Privado e Cooperação Jurídica Internacional.

2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC-Campinas, na linha de pesquisa

Cooperação Internacional e Direitos humanos. Membro do grupo de pesquisa "Direito num mundo globalizado" (CNPq/PUC Campinas). Pesquisadora do OSC da OMC do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais - Faculdade de Direito da USP (2015-atual). Coordenadora do subgrupo ICSID/CPA do Núcleo de Estudos de Tribunais Internacionais (2018-atual). Pós-graduada (especialização) em Direito Público na Escola Paulista da Magistratura. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2011/2015). Assistente Judiciária no Tribunal de Justiça de São Paulo, Comarca de Campinas (2016 - atual)

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Palavras-chave: Comércio internacional, cláusula social, desenvolvimento social e econômico, OMC e OIT.

Abstract: With the advent of globalization, the relationship between trade and labor

rights beyond the borders of states, which is why their rules are necessary. Such that the inclusion of a social clause in trade agreements is now essential not only to the protection of citizens' rights within the states and the consequent social development, but also for economic development, since the free capital adjustments result in social impoverishment and unsustainability of the system itself. Hence the importance of dialogue between the ILO and WTO, with those responsible for the regulation of labor standards and that the determination of non-compliance by the Dispute Settlement Body, since it has forced compliance mechanisms of their decisions. Moreover, in a global governance context, the role of the BRICS and other regional groups plays a fundamental role, which is why the inclusion of the social clause in its agreements would result in social and economic advances for such countries, as well as being a way of pressing the WTO to regulate the issue.

Keywords: International trade, social clause, social and economic development, WTO

and ILO.

1. Introdução

O presente trabalho pretende analisar os desafios e contradições da Organização Mundial do Comércio (adiante OMC) na concretização dos direitos humanos, aqui considerados em especial os direitos e garantias do trabalho e do trabalhador a partir da situação dos países emergentes na sociedade internacional. Nas sociedades capitalistas e globalizadas, o comércio internacional exerce papel fundamental na arrecadação de recursos para o desenvolvimento interno, de modo que sua atuação deve ser voltada ao desenvolvimento econômico, social e sustentável de todos os países.

Daí a importância em enfrentar questões como não só como o dumping comercial, mas o dumping social; este no caso do presente estudo, ligado à efetivação dos direitos trabalhistas (proteção do trabalho e do trabalhador) desde a ótica dos países em desenvolvimento. Isso porque, se percebe que no cenário atual, as medidas adotadas pelos países desenvolvidos não podem somente garantir proteção a atividade econômica; têm ademais, senão sobretudo, garantir o real desenvolvimento dos cidadãos, do contrário violará diretamente o direito humano ao desenvolvimento. Nesse sentido, a participação ativa da Organização Internacional do Trabalho (adiante OIT) na

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OMC resultaria em ganhos para todos os atores do comércio internacional e para a expansão do comércio internacional.

Neste cenário, à OIT seria garantida a imposição dos padrões trabalhistas e dever da fiscalização, enquanto à OMC, através do Órgão de Solução de Controvérsias (adiante OSC), caberia a apuração das práticas e a imposição de medidas compensatórias no caso de descumprimento, pois é onde se decidem as questões controvertidas entre os diferentes Estados e interesses no âmbito do comércio internacional, não podendo os debates sobre a proteção dos direitos humanos ficar de fora.

Isso porque, a proteção dos direitos trabalhistas no âmbito do comércio internacional se faz importante para a própria manutenção do desenvolvimento econômico, uma vez que o sistema capitalista livre de regulamentação resultaria em um empobrecimento social e consequente paralização do crescimento econômico. Nessa perspectiva, o desenvolvimento social compreende os índices de desenvolvimento econômico, mas é analisado sob a ótica da efetivação dos direitos de cidadania.

Por fim, será analisada a inclusão da cláusula social nos acordos comerciais do BRICS como uma iniciativa de proteção dos direitos de cidadania dentro dos países, bem como o modo de empoderamento desses países perante os países desenvolvidos, tendo como inspiração o caso da União Europeia e dos acordos bilaterais.

2. Organização Mundial do Comércio e Globalização

2.1. Direito ao Desenvolvimento e OMC

Na pós-modernidade3 todas as relações – públicas ou privadas- devem ser analisadas sob a ótica dos direitos humanos, aí incluídas as relações do comércio

3“A pós-modernidade, na acepção que se entende cabível, é o estado reflexivo da sociedade ante suas

próprias mazelas, capaz de gerar um revisionismo de seu modus actuandi, especialmente considerada a condição de superação do modelo moderno de organização da vida e da sociedade. Nem só de superação se entende viver a pós-modernidade, pois o revisionismo crítico implica praticar a escavação dos erros do passado para a preparação de novas condições de vida. A pós-modernidade é menos um estado de coisas, exatamente porque ela é uma condição processante de um amadurecimento social, político, econômico e cultural, que haverá de alargar-se por muitas décadas até sua consolidação. Ela não encerra a modernidade, pois inaugura sua mescla com os restos da modernidade. Do modo como se pode compreendê-la, deixa de ser vista somente como um conjunto de condições ambientais para ser vista

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internacional, indispensáveis numa sociedade capitalista, uma vez que constitui importante meio de captação de recursos para o desenvolvimento interno dos países.

Nesse sentido, a OMC encontra nos direitos humanos não apenas um norteador, mas o próprio limite para sua atuação, de modo que suas práticas devam ser ser pautadas no respeito a tais direitos, sob pena de descumprimento das normas de direito internacional. A partir dessa perspectiva se estabeleceu o diálogo entre desenvolvimento econômico, social e sustentável.

A busca pela efetivação do desenvolvimento entendido em sua tríade no âmbito internacional teve início com a descolonização dos países após a Segunda Guerra Mundial através do movimento pelo Direito Internacional do Desenvolvimento;todavia, restou reconhecido apenas em 1986 com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento4, sendo considerado um direito humano sob a ótica econômica, social e ambiental.

Não obstante tratar-se de uma declaração, com tudo o que implica juridicamente tal assertiva, ela foi importante por reconhecer formalmente a existência do direito do desenvolvimento;entretanto, somente na Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena em 19935 foi pensada a sua materialização através de medidas concretas, resultando no Programa de Ação de Viena6. Além disso, reconheceu a responsabilidade dos Estados, das sociedades e das organizações internacionais no cumprimento de tal direito, assim como dos demais direitos humanos7.

como certa percepção que parte das consciências acerca da ausência de limites e de segurança, num contexto de transformações, capaz de gerar uma procura (ainda não exaurida) acerca de outros referenciais possíveis para a estruturação da vida (cognitiva, psicológica, afetiva, relacional etc.) e do projeto social (justiça, economia, burocracia, emprego, produ- ção, trabalho etc.) ( BITTAR, 2008, p.07).

4Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso em 10/02/2016.

5Disponível em: <

http://www.cedin.com.br/wp-content/uploads/2014/05/Declara%C3%A7%C3%A3o-e-Programa-de-A%C3%A7%C3%A3o-de-Viena-Confer%C3%AAncia-Mundial-sobre-DH.pdf>. Acesso em 10/02/2016.

6“Desta Conferência Mundial de Viena resultou claro o entendimento de que os direitos humanos

permeiam todas as áreas da atividade humana, cabendo, assim, doravante, assegurar sua onipresença, nas dimensões tanto vertical, a partir da incorporação da normativa internacional de proteção no direito interno dos Estados, assim como horizontal, a partir da incorporação da dimensão dos direitos humanos em todos os programas e atividades das Nações Unidas (monitoramento contínuo da situação dos direitos humanos em todo o mundo)” (TRINDADE, 2006, p.11).

7“Tal Conferência foi um marco na proteção de direitos humanos no mundo, uma vez que reuniu mais de

180 Estados, bem como foram credenciadas como observadoras oficiais mais de oitocentas organizações não governamentais e cerca de duas mil reuniram-se no “Fórum das ONG’s”. Ao longo de quinze dias, aproximadamente dez mil indivíduos, com experiência na proteção de direitos humanos ou representando

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Embora tenha incorporado os acordos do GATT: General Agreement on Tariffs and Trade,8 a OMC foi criada em 1994, após a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento e a Conferência Mundial de Direitos Humanos, de modo que é possível afirmar a responsabilidade de promoção do desenvolvimento em sua atuação desde o seu surgimento. Entretanto, esse compromisso ficou evidente apenas com a Rodada de Doha em 2001, ocasião em que a própria organização afirmou sua responsabilidade na efetivação do desenvolvimento econômico, social e sustentável, dando especial atenção aos países em desenvolvimento.

Em 2000 houve a publicação dos Objetivos do Milênio das Nações Unidas9, tendo como um dos principais objetivos a serem alcançados o direito ao desenvolvimento; ocasião em que se reafirmou a responsabilidade de todos os Estados e Organizações Internacionais na efetivação dos direitos humanos.

Nesse contexto ocorreu a Rodada de Doha em 2001, conhecida como a rodada para o desenvolvimento, já que nela se levantou importantes debates que levaram à imposição de responsabilidades aos Estados e à OMC na efetivação e perseguição para a concreção direito ao desenvolvimento. Dessa rodada resultou o Programa de Doha para o Desenvolvimento10, que ampliando o reconhecimento de direitos, trouxe importantes avanços para a consolidação deste direito humano, ao reconhecer a existência de desigualdades entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A partir da obrigatoriedade de as organizações internacionais promoverem o direito desenvolvimento, bem como considerando o próprio reconhecimento dessa obrigação pela OMC no Programa de Doha, não só é legítima a exigência de que se pense a questão do dumping social sob a perspectiva de efetivação do direito ao

seus Estados, dedicaram-se exclusivamente à discussão do tema.[10] O resultado foi a elaboração de uma Declaração e um programa de ação para a promoção e proteção de direitos humanos, que contou com o reconhecimento claro do universalismo, da indivisibilidade e da interdependência dos direitos protegidos”( CARVALHO RAMOS, 2012, p.14).

8O GATT foi criado em 1947 com a finalidade de derrubada de barreiras alfandegárias sob a iniciativa

dos principais players internacionais da época, sob liderança estadounidense, fortalecendo as potências liberais, e se desenvolveu através de rodadas.Com o fortalecimento dos países em desenvolvimento, estes passaram a aderir ao GATT e colocar seus interesses em disputa, de modo que o consenso ficou cada vez mais difícil, uma vez que não possuiam poder econômico, porém, estavam em maioria nas votações. Assim, não restou alternativa senão a criação de uma organização internacional capaz de lidar com tais conflitos, nascendo a OMC.

9Disponível em: <http://www.pnud.org.br/Docs/declaracao_do_milenio.pdf>. Acesso em 16/02/2016. 10Disponível em: <https://www.wto.org/spanish/tratop_s/dda_s/dda_s.htm#development>. Acesso em

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desenvolvimento social como é legal, considerando a teia do sistema normativo internacional em que está inserida, pois sua consideração e observância permitirão o enfrentamento democrático da tensão arquiconhecida entre capital e trabalho11. E não se pode obviar que tal obrigatoriedade, todavia, resultou do processo de afirmação histórica dos direitos humanos.

2.2. Desenvolvimento social e a relação entre capital e trabalho

Sob a perspectiva de efetivação do direito ao desenvolvimento social, um dos maiores desafios da OMC está no regramento do conflito entre capital e trabalho, uma vez que seus reflexos atingirão diretamente o exercício da cidadania no interior dos Estados.

A tensão entre capital e direitos trabalhistas teve seu marco na formação do direito moderno no pós-Revolução Industrial, momento em que se deu com a implementação do sistema capitalista de produção12.

Até a Revolução Industrial as relações sociais eram fundamentadas em Deus ou na força, como no escravagismo e no feudalismo, de modo que não havia um Estado sistematizado com direitos e deveres, como ensina Mascaro (2013).

Com o advento do capitalismo, o direito substitui Deus e a força, impondo um sistema de direitos e deveres baseado na igualdade formal entre todos, o que é necessário para legitimar as relações contratuais. E sob esta ótica, o trabalhador é livre para vender sua mão de obra13.

Nesse sentido, o direito se tornou um instrumento fundamental de legitimação das desigualdades sociais, pois declara a igualdade formal entre trabalhadores e donos dos meios de produção. A partir desse momento histórico a tensão entre capital e

11Embora o direito ao desenvolvimento deva ser entendido em sua tríade, o enfoque deste trabalho será

entre as contradições e relação do desenvolvimento econômico e social através da disputa entre capital e direitos humanos.

12Segundo Silva (2013, p. 12), um pouco antes da Revolução Industrial já era possível enxergar a tensão

entre capital e trabalho.“As primeiras conexões entre o comércio internacional e os direitos trabalhistas remontam a 1788 quando Jacques Necker, banqueiro e ministro francês, já mencionava a possibilidade de serem obtidas vantagens em relação a outros países, abolindo-se o descanso semanal dos trabalhadores”.

13O direito moderno estabelece a universalidade da igualdade e da liberdade. Todos são igualmente

proprietários e, portanto, podem negociar entre si. Além disso, são livres para vender o que quiserem, inclusive a própria mão de obra. O Estado atua como agente imparcial, que apenas reconhece a todos como sujeitos de direito.

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trabalho e, contemporaneamente, entre capital e direitos humanos, está presente nas relações sociais.

Os direitos trabalhistas são considerados direitos humanos por excelência porque a busca pelo seu reconhecimento foi a primeira forma de contenção da ambição capitalista. Se em uma sociedade capitalista trabalhar não é opção, reconhecer a dignidade do trabalhor é condição essencial para se falar em exercício de cidadania através dos demais direitos.

O avanço capitalista teve no liberalismo econômico um importante aliado, de modo que o Estado se abstinha de intervir nas relações sociais, sob o fundamento de que todos eram iguais e livres, naturalizando a exploração do trabalhador.

Todavia, a ausência do Estado resultou em grandes tragédias sociais advindas da exploração sem limites, gerando o que se denominou de “questão social”. Segundo NASCIMENTO (2011, p.15), a questão social é o retrato da mais absoluta miséria, uma vez que os trabalhadores não possuem condições básicas de saúde e segurança no trabalho além de viverem nas cidades rodeados de sujeira e poluição sem acesso à alimentação, vestuário ou habitação. Em razão disso, houve um empobrecimento extremo da classe operária e um desnível social.

De acordo com SILVA (2013, p.12-13), a partir de 1890 é possível notar as primeiras medidas intergovernamentais para harmonização do comércio internacional e do trabalho, principalmente por já existir a redução da jornada de trabalho, probição do trabalho infantil e normatização do trabalho da mulher na Europa. Buscaram padrões internacionais em razão do cenário internacional de livre comércio, uma vez que temiam a perda de vantagens comparativas alcançadas pelos países que adotassem essas medidas.

Diante desse cenário socialmente debilitado, bem como através da busca e regulamentação intergovernamental, que se intensificou após a Primeira Guerra Mundial, foi elaborado o Tratado de Versalhes em 191914, reconhecendo a importância da justiça social para o desenvolvimento do mundo, declarando expressamente que

14O Tratado de Versalhes, produto da Conferência de Paz de Paris, de 1919, obrigava os signatários a

envidar esforços para assegurar e manter condições justas e humanas de trabalho na produção dos bens que integram o comércio internacional (AMARAL JUNIOR, 1999, p.12).

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trabalhador não é mercadoria. Nesse mesmo momento surgiu a OIT, afirmando a importância da proteção dos trabalhadores no âmbito internacional, por se tratar de responsabilidade de todos os Estados15.

Nesse mesmo período, houve as constituições do México16 e da Alemanha17, em 1917 e 1919, marcando os primeiros passos do Estado Social, reconhecendo sua obrigação de intervir socialmente para assegurar direitos sociais e buscar a igualdade material, o que foi interrompido pela Segunda Guerra Mundial. Segundo Comparato (2003, p.107), essa foi a primeira fase da internacionalização dos direitos humanos, tendo como destaques o reconhecimento do direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos do trabalhador. No pós Guerra, o discurso dos direitos humanos ganhou força, especialmente após o Tribubal de Nuremberg, trazendo a dignidade humana para o centro do ordenamento jurídico18.

Esta evolução histórica se faz importante, uma vez que traz uma mudança de paradigmas no direito, fazendo dele um instrumento de emancipação e efetivação dos direitos humanos.

15“A Constituição da Organização, em seu preâmbulo, afirma que as partes contratantes estão movidas

por sentimentos de justiça e de humanidade e pelo desejo de assegurar paz mundial duradoura, razão pela qual todas as nações devem adotar regime de trabalho realmente humano, sob pena de frustrar os esforços daqueles países que buscam melhorar as condições de seus trabalhadores” (SILVA, 2013, p.13).

16“A Carta Política mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos direitos trabalhistas a qualidade de

direitos fundamentais, juntamente com as liberdades individuais e os direitos políticos (arts. 52 e 123). A importância desse precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência de que os direitos humanos têm também uma dimensão social só veio a se afirmar após a grande guerra de 1914-1918, que encerrou de fato o "longo século XIX’”(COMPARATO, 2003, p.107).

17“A Constituição de Weimar exerceu decisiva influência sobre a evolução das instituições políticas em

todo o Ocidente. O Estado da democracia social, cujas linhas-mestras já haviam sido traçadas pela Constituição mexicana de 1917, adquiriu na Alemanha de 1919 uma estrutura mais elaborada, que veio a ser retomada em vários países após o trágico interregno nazi-fascista e a 2ª Guerra Mundial. A democracia social representou efetivamente, até o final do século XX, a melhor defesa da dignidade humana, ao complementar os direitos civis e políticos - que o sistema comunista negava - com os direitos econômicos e sociais, ignorados pelo liberal-capitalismo” (COMPARATO, 2003, p.115-116).

18“O passo decisivo para a internacionalização da temática dos direitos humanos foi a edição da Carta de

São Francisco em 1945, que, além de mencionar expressamente o dever de promoção de direitos humanos por parte dos Estados signatários, estabeleceu ser tal promoção um dos pilares da Organização das Nações Unidas (ONU), então criada. No preâmbulo da Carta, reafirma-se a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres. Os artigos 55 e 56, por seu turno, explicitam o dever de todos os Estados de promover os direitos humanos. É a Carta de São Francisco, sem dúvida, o primeiro tratado de alcance universal que reconhece os direitos fundamentais dos seres humanos, impondo o dever dos Estados de assegurar a dignidade e o valor de todos. Pela primeira vez, o Estado era obrigado a garantir direitos básicos a todos sob sua jurisdição, quer nacional ou estrangeiro” (CARVALHO RAMOS, 2012, p.12)..

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Se o direito no Estado Moderno surge como legitimador de desigualdades socias a fim de justificar o sistema capitalista, a pós modernidade e a centralidade da dignidade da pessoa humana faz com que o direito possa se tornar um instrumento de promoção dos direitos humanos.

E é a partir desta mudança de paradigmas que se desenvolveu o reconhecimento dos direitos humanos no âmbito internacional, resultando nos tratados internacionais que reconheceram o direito ao desenvolvimento, e por sua vez, na obrigatoriedade da OMC promover o desenvolvimento social e o respeito a padrões trabalhistas dignos em seus acordos, enfrentando a questão do dumping social, uma vez que o direito não serve apenas para assegurar o desenvolvimento econômico.

3. OMC e dumping social

3.1 Dumping econômico e dumping social

O que interessa ao presente trabalho é o dumping social, todavia, é necessário tecer algumas considerações sobre o dumping econômico para que não sejam confundidos, principalmente por tratar de interesses diversos.

A distinção se faz importante, uma vez que analisar a lesão aos direitos trabalhias apenas sob a ótica econômica, “seria equipará-la a expedientes econômicos voltados ao aumento da competitividade, graças ao desvirtuamento das regras de mercado, e não visualizá-la como obstáculo à realização da dignidade humana” (AMARAL JUNIOR, 1999, p.17).

O dumping econômico ou simplesmente dumping é tão antigo quanto as primeiras tentativas de expansão comercial para além das fronteiras, amplamente entendido como sendo a prática desleal de um Estado em detrimento de outro a fim de conseguir ampliar o seu mercado, diminuindo o preço final para que não haja concorrência em razão da disparidade de preços.

Para combater estas práticas, surgiram as legislações antidumping, cujo objetivo era proteger o mercado interno dos países, em especial os desenvolvidos. Segundo ANTUNES e CASA GRANDE (2014, p.02-03), ainda no século XIX o Canadá adotou o Act to Amend the Customs Tariffs (1904) com a finalidade de proteger suas indústrias

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das empresas norteamericanas. Estava sendo construída uma ferrovia transcontinental no país, quando os investidores dos Estados Unidos começaram a vender aço aos fabricantes de estradas a preços díspares emrelação às fábricas internas.

A fim de resolver a questão, a lei previa “a imposição de taxas equivalentes à diferença entre o preço praticado no Canadá e o preço do produto similar no país exportador” (ANTUNES, CASA GRANDE, 2014, p.03).

A partir daí, outros países passaram a adotar essas medidas antidumping19, que atualmente são vistas como protecionistas, uma vez que não comprovada a intenção dos países exportadores de prejudicar o mercado interno.

Logo após o acordo de Bretton Woods, ocasião em que foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, bem como restou inviável a criação da Organização Internacional do Comércio (adiante OIC)20 em razão da resistencia norteamericana em aceitar uma organização de regulasse o comércio, surgiu GATT em 1947, cujo objetivo era a redução das barreiras tarifárias e o fortalecimento dos países desenvolvidos.

O GATT se desenvolveu através de rodadas de negociações21. Em relação ao tema, ocorreu a Rodada Kennedy que se dedicou ao Código Antidumping de 1967, revisado na Rodada de Tóquio, resultando no Código Antidumping de 1979.

Por fim, a Rodada Uruguai resultou no Acordo Andiumping (AARU), especificando os procedimentos de investigação do dumping pelas autoridades nacionais e aplicação das medidas necessárias, sendo a atual legislação aplicável. Esta rodada marcou, ainda, o nascimento da OMC.

19Os Estados Unidos adotaram o Revenue Act em 1916 de natureza penal e a US Andiumping Act de

natureza administrativa em 192 também de natureza protecionista1. A Crise dos Anos Trinta intensificou a adoção de medidas protecionistas. Assim, somente em 1944 com o acordo de Bretton Woods é que foi possível repensar estas práticas e a legislação a fim de assegurar o livre comércio (ANTUNES, CASA GRANDE, 2014).

20Embora não tenha sido aprovada a sua criação, mencionar a OIC é relevante para este trabalho, uma vez

que em seu artigo 7º previa a necessidade de respeito à padroes justos de trabalho. “Reconheceram também, que as condições injustas de trabalho, particularmente na produção para a exportação, criam dificuldades aos comércio internacional e, por esse motivo, cada Membro deveria realizar todas as ações necessárias para eliminá-las de seu território (ANTUNES, CASA GRANDE, 2014, p.16).

21As rodadas foram Genebra, Suiça (1947); Annecy, França (1949); Torkay, Reino Unido (1950-1951);

Genebra (1956); Dillon, Genebra (1960-1962); Kennedy, Genebra (1964-1967). Tóquio, Japão (1974-1979) e Punda del Este, Uruguai (1986-1993).

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Segundo ANTUNES e CASA GRANDE (2014, p.07), as medidas antidumping surgiram inicialmente como medidas de proteção de mercado dos países economicamente fortes, porém, com a criação da OMC passou-se a ter critérios objetivos de configuração22.

O dumping social, por sua vez, pode ser conceituado como as práticas de concorrência desleal em que se reduz o preço do produto final através da diminuição dos gastos com mão de obra em razão do desrespeito a padrões mínimos de proteção da dignidade dos trabalhadores (SILVA, 2013, p.16).

A sua prática resulta em prejuízos para os trabalhadores, sejam eles pertencentes aos países em desenvolvimento ou aos países desenvolvidos. Para aqueles, o prejuízo redunda na precarização do trabalho e para estes, redunda no aumento do desemprego, em razão do deslocamento de empresas para países com custos trabalhistas reduzidos, práticas recorrentes nas sociedades globalizadas em que se transfere a produção das empresas para os países que não possuem direitos trabalhistas ou o possuem de forma precária.

É importante ressaltar que “não significa necessariamente, que o preço praticado no mercado externo seja inferior ao praticado no mercado interno, já que a mão de obra subremunerada pode ser contratada para produzir ambos” (ANTUNES, CASA GRANDE, 2014, p.14).

Nesse sentido, é possível que se configure o dumping social sem que resulte na ausência de competitividade entre os produtos internos e externos. Todavia, sendo um problema resultante diretamente das práticas comerciais, deve ser também combatido pela OMC, ainda que sob o viés da livre comércio – entendido aquele sem distorções.

Enquanto o combate ao dumping é mercado por inúmeras legislações antidumpings no comércio internacional, não há legislação específica no âmbito da OMC acerca do dumping social, sendo um assunto que começou a ser levantado pelos países desenvolvidos, sob liderança dos Estados Unidos, buscando a inclusão da cláusula social nos tratados do comércio internacional.

22A fim de analisar o conceito de dumping, as autoras estabelecem três elementos indentificadores da

prática do dumping, quais sejam: venda de produtos abaixo do preço utilizado no país exportador, comprovação do dano ou ameaça de dano a este país e o nexo de causalidade entre a atuação de um país e o prejuízo a outro.

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Os países desenvolvidos alegam que os países em desenvolvimento possuem baixo custo de mão de obra por descumprirem normas trabalhistas23. Os países em desenvolvimento, por sua vez, alegam que a cláusula social é uma medida protecionista disfarçada a fim de proteger os interesses dos países desenvolvidos24.

Considerando-se que estabelecer regras que garantam o desenvolvimento econômico - consideradas as diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento -, sem relativizar os direitos trabalhistas, direitos humanos por excelência, é uma das funções da OMC, resta discutir os meios de sua efetivação.

3.2 Cláusula social: diálogo entre OMC e OIT

De acordo com SILVA (2013, p. 35), cláusula social é a inclusão em tratados internacionais de padrões laborais mínimos, que devem ser respeitados por todos os países e suas empresas, tendo por finalidade proteger os trabalhadores da vontade dos empresários em reduzir custos mercantis. A inclusão dessa cláusula permitiria que um país restringisse a importação de produtos de outro país que não respeitasse esses padrões.

Segundo AMARAL JUNIOR (1999, p.06-07), a discussão acerca da cláusula social envolve quatro questões: as práticas desleais de comércio, a busca de redução do desemprego resultante do processo de globalização, a violação dos direitos humanos e o temor de que os argumentos favoreçam o protecionismo e afete as exportações dos países em desenvolvimento.

É inegável o interesse protecionista dos países desenvolvidos, todavia, a questão deve ser analisada sob a perspectiva de efetivação do desenvolvimento social, de modo que é preferível que um país cresça aos poucos com respeito à dignidade de seus

23“A União Européia e os EUA têm acusado vários países subdesenvolvidos e e m desenvolvimento de

praticarem 'dumping social" ao infringir Direitos Trabalhistas básicos na tentativa de elevar a competitividade externa. Alega-se, sob esse aspecto, que a vantagem derivada da redução do custo de mão-de-obra é injusta, desvirtuando o comércio internacional. Sustenta-se, ainda, que a harmonização do fator trabalho é indispensável para evitar distorções nu m mercado que se globaliza” (AMARAL JUNIOR, 1999, p.07).

24“Eles questionam o motivo de países como os Estados Unidos, que não ratificaram a maioria das

Convenções da OIT e cujos trabalhadores apresentam baixo grau de sindicalização, estarem tão interessados em empregar retaliações comerciais como arma para garantir padrões trabalhistas” (ANTUNES, CASA GRANDE, 2014, p.19).

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trabalhadores a ter um crescimento surpreendente à custa de seus trabalhadores, que são seus próprios cidadãos.

Ademais, como explica SILVA (2013, p.14), também houve pressão por parte das organizações sindicais internacionais acerca da necessidade de inclusão da cláusula social nos acordos de livre comércio para harmonização da legislação social e proteção dos trabalhadores dos países em desenvolvimento.

Embora alguns países defendam que a discussão acerca das questões trabalhistas devam ser restritas à OIT, é possível – e necessário – exigir seu diálogo com OMC, como demonstrado ao longo deste texto, para coibir lesão aos direitos trabalhistas e promover os direitos humanos.

Na Reunião Ministerial de Cingapura entre os membros da OMC em 1996, ocasião em que resultou na Declaração de Cingapura, foi determinada que a competência para lidar com os padrões trabalhistas fundamentais era da OIT, cabendo à OMC o papel de colaborar. “Não obstante essa decisão, como a OIT não dispõe de poder coercitivo, o posicionamento adotado em Cingapura deixou muitos inconformados” (SILVA, 2013, p 09).

Segundo SILVA (2013, ibidem), no encontro da OMC em Seattle em 1999, milhares de pessoas, inclusive ligadas a sindicatos de trabalhadores protestaram nas ruas, argumentando que a globalização associada a política de comércio internacional resultaram no desemprego dos trabalhadores no mundo todo, pois a a redução de barreiras tarifárias e não tarifárias teria contribuído para que os parques industriais se mudassem para países com mão de obra mais barata, através do dumping social.

Na Rodada de Doha em 2001, a OMC simplesmente manteve o posicionamento adotado em 1996, deixando a questão a cargo da OIT, não tecendo considerações específicas sobre o assunto.

Embora a OMC não tenha se posicionado expressamene sobre a inclusão da cláusula social após 1996, o OSC sofreu alterações substanciais em seu procedimento através da interpretação nos paineis e órgão de apelação, uma vez que foi aceita a

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intervenção de terceiros através da figura do amicus curiae, demonstrando uma abertura do sistema a dialogar com temas e partes externas.

De acordo com JUNQUEIRA (2010, p.98), no OSC, o termo amicus curiae deve ser entendido como uma manifestação de terceiros sobre um tema específico objeto de análise por um painel ou pelo órgão de apelação. Embora não haja previsão expressa, a intervenção tem sido aceita sob o fundamento de busca de informação, nos termos do artigo 13 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (adiante ESC).

A partir dessa perspectiva, é possível afirmar que a OMC tem se aberto a novos diálogos, ainda que timidamente, não restringindo a participação no OSC aos Estados membros, indo ao encontro da sua possível utilização para análise dos padrões trabalhistas nos acordos comerciais. De qualquer forma, não nos parece equivocado que a OMC deixe a cargo da OIT tais questões, pois retirar dela tal prerrogativa, transferindo para a OMC, condicionaria, inexoravelmente, sua apreciação – o lugar e estrutura condicionam o resultado -; o que se pretende então é que OMC e OIT estabeleçam uma relação, de modo que nesta sejam adotados os padrões mínimos de proteção, que aquela deverá observar em seus painéis de solução de controvérsias adotados pelo comércio internacional, bem como que ela seja a; desta forma a OMC ficaria de alguma maneira responsável pela fiscalização do cumprimento daqueles padrões25.

Assim se afirma, porque em caso de descumprimento destes padrões, a OMC, através do seu OSC, analisaria a questão, com a participação da OIT, a fim de determinar a adoção de medidas reparadoras aos Estados, que, se não cumpridas, darão ensejo ao poder coercitivo da OMC.

A importância da inclusão da OMC no cumprimento dos direitos trabalhistas encontra-se na necessidade evidente, nesta altura do processo de expansão comercial, de

25“Historicamente, portanto, é a OIT a responsável pelo estabelecimento de monitoramento de padrões

trabalhistas. No entanto, principalmente em razão da ausência de poder coercitivo, sua capacidade para estabelecer vínculos entre esses padrões e o comércio internacional é posta em xeque. Ainda que ciente do papel primordial que a garantia de direitos fundamentais aos trabalhadores desempenha no processo de eqüitativa distribuição dos ganhos advindos da liberalização comercial, a própria Organização reconhece apenas de modo bastante tímido a possibilidade de vincular padrões trabalhistas a sanções comerciais, visto que, para tanto, seria necessário mudar sua própria natureza” (SILVA, 2013, p. 38).

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um diálogo entre o comércio internacional e seus reflexos sociais; em assim ocorrendo, seria viabilizada, por meio do sistema de solução de controvérsias da OMC, um equilíbrio mínimo para evitar a degradação humana e, portanto, social, que gera a expansão comercial sem regulação alguma.

De acordo com PIKETTY (2013), quando a taxa de remurenação do capital é superior à taxa de crescimento da produção e de renda - ao exemplo do que ocorreu no século XIX com a questão social e que segundo o autor; há chances de ocorrer no século XXI - o capitalismo gera desigualdades insustentáveis e arbitrárias ao próprio sistema, ameaçando os valores da meritocrácia que alimentam as sociedades democráticas.

Nesse sentido, é possível afirmar que o capitalismo tem na desigualdade a sua própria essência, todavia, a própria desigualdade precisa de limites, sob pena de ruptura do próprio sistema por se tornar insustável em razão da degradação profunda do tecido social.

Esta proposta de inclusão da cláusula social não é recente. AMARAL JUNIOR já em 1999 (p.311) apresentou uma ideia defendida que foi defendida por DANIEL S. EHRENBERG em 1996; naquele então já se afirmava que um regime muiltilateral com a participação de ambas as organizações internacionais, seria importante para a defesa da cidadania, em especial no âmbito do direito do trabalho, competindo a OIT a cooperação técnica e supervisão, enquanto a OMC utilizaria o seu sistema de solução de controvérsias e implementação das decisões.

Esta proposta de um regime multilateral se desdobraria em duas fases: na primeira seria analisada a ocorrência de violação dos direitos trabalhistas no comércio internacional e, a na segunda, seriam determinadas as medidas e procedimentos de certificação e penalidades para eliminar as violações, fixando prazo para o seu cumprimento.

De acordo com essa proposta, poderiam promover as reclamações tanto os Estados, como os sindicatos patronais e trabalhistas. As reclamações seriam analisadas por um comitê formado por nove membros, sendo quatro da OIT, quatro da OMC e um indicado por ambas as organizações.

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Admitida a reclamação, seria instalado um painel de solução de controvérsias constituído por sete membros, sendo estes escohidos nos mesmos critérios do comitê, que seria o responsável por determinar o cumprimento das recomendações. Persistindo o descumprimento, seria estabelecido novo prazo para os governos cumprirem as providencias e a execução de contramedidas e sanções econômicas.

SILVA, em 2013, retomou as propostas acerca da cláusula social e da competência para sua fiscalização e implementação. A autora fez três propostas: competência exclusiva da OIT ou da OMC, além da competência conjunta, sendo esta última, em resumo, a mesma proposta tratada por AMARAL JUNIOR.

A atuação conjunta nesses moldes, com a criação de grupos de admissibilidade e de paineis com membros das duas organizações atuando conjuntamente se enfraquece na medida em que se faz necessário a criação de um novo sistema para competência comum.

A força política necessária para criação desse sistema o torna pouco viável, uma vez que incluiria “julgadores” da OIT com a força da OMC, ou seja, com a prerrogativa de utilização das medidas compensatórias.

Considerar a competência exclusiva da OIT para fiscalização do cumprimento da cláusula social, embora seja a organização internacional criada para proteção dos direitos trabalhistas26, teria como principal problema a ausência de coerbilidade desta organização internacional em razão da falta de medidas de implementação. A efetividade desta proposta dependeria de uma alteração da própria organização para que houvesse previsão de medidas coercitivas e adoção obrigatória de seus tratados, sendo, portanto, pouco viável.

Ao se considerar o tratamento exclusivamente pela OMC há diversas vantagens, a começar pelos mecanismos de coercibilidade e efetividade que lhe são inerentes.

26Muitos dos que defendem essa posição lembram que nem por isso a OIT dispensa alguns ajustes,

principalmente no que se refere à implementação das medidas adotadas, visto que a falta de poder coercitivo é o principal fator limitante da eficácia dos direitos trabalhistas na seara internacional. Assim sendo, faz-se necessário prover a OIT com um sistema sancionador mais efetivo, voltado primordialmente à promoção da ética e dos direitos humanos dos trabalhadores e não ao respeito a práticas leais de comércio e ao aumento de competitividade internacional. Ademais, é preciso fortalecer os programas de cooperação técnica já existentes, pois viabilizam o maior cumprimento dos tratados firmados no âmbito da Organização, além de reunir esforços em prol da estipulação de sanções que sejam ao mesmo tempo politicamente viáveis e exeqüíveis, o que exige negociações e apuração entre os Estados-membros sobre que tipos de sanção eles estariam dispostos a aceitar (SILVA, 2013, p.42).

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Ademais, conforme já exposto, os membros desta organização seriam obrigados a aceitar toda normatividade advinda dos acordos comerciais, diversamente do que ocorre na OIT. Por fim, “tendo em conta que benefícios econômicos apenas são alcançados por meio da eficiente aplicação de capital e trabalho, seria a OMC a instituição capaz de melhor harmonizar esses dois elementos e contribuir para o alcance dos benefícios desejados” (SILVA, 2013, p.44).

De acordo com Silva (2013, p.44), há, ainda, dois argumentos que favorecem o tratamento pela OMC, quais sejam: a possibilidade de acomodação da cláusula social nos acordos já existentes, bem como o tratamento dos padrões trabalhistas sob a ótica dos princípios da reciprocidade, tratamento nacional, transparência, equilíbrio de direitos e obrigações entre outros. Todavia, não há como atribuir a competência exclusivamente à OMC e afastar a proteção dos direitos trabalhistas da OIT, uma vez que esse é o próprio fundamento de existência da organização, sob pena de esvaziar e deslegitimar esta organização. Ademais, a questão deve ser analisada mais sobre a ótica do desenvolvimento social do que como impecilho ao livre comércio.

Feitas essas considerações, pretende-se analisar a possibilidade de diálogo entre embas as organizações sem a criação de um novo sistema, motivo pelo qual se pretende analisar uma nova proposta.

Nesse sentido, a OIT seria responsável por estabelecer os padrões trabalhistas, o que já ocorre atualmente, bem como por fiscalizar o seu cumprimento.

No caso de descumprimento desses padrões, os Estados, Organizações Não Governamentais (adiante ONGs) e Sindicatos poderiam informar à OIT para que houvesse a sua apuração, ressaltando que a obrigatoriedade de fiscalização e proteção dos interesses trabalhistas seria da organização. A OIT não julgaria a questão, mas faria uma primeira análise antes de encaminhar o caso à OMC.

A OMC, por sua vez, seria responsável por implementar as cláusulas sociais em seus acordos comerciais, fazendo menção aos tratados da OIT, bem como pela análise do decumprimento das cláusulas em questão.

No tocante à análise do descumprimento, a OMC receberia a reclamação da OIT ou de algum Estado Membro, prosseguindo-se no rito processual da própria OMC, qual

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seja: tentativa de conciliação através do reconhecimento pelo Estado das práticas precárias em afronte aos direitos trabalhistas e o comprometimento de mudança em determinado prazo, e, não sendo possível, a instauração de um painel.

Os painelistas seriam escolhidos nos exatos termos de qualquer painel, podendo a OIT participar como amicus curiae. O painel analisaria a questão e concluiria se houve desrespeito às cláusulas sociais ou não.

No caso de persistência do descumprimento após o prazo para adoção das medidas necessárias, seria facultado à OIT, além dos Estados, informar o descumprimento para adoção de medidas compensatórias.

Assim, as organizações atuariam em conjunto sem que uma interferisse diretamente na função da outra, sendo necessárias poucas alterações no funcionamento de ambas, com exceção da inclusão das cláusulas nos tratados comerciais.

4. Proteção trabalhista e desenvolvimento econômico nos Estados em desenvolvimento

4.1. A importância da cláusula social para o desenvolvimento econômico e social

A inclusão da cláusula social nos tratados comerciais não resultará apenas em ganhos para os trabalhadores ao terem padrões mínimos de dignidade respeitados, e, consequentemente ao desenvolvimento social, mas também ao desenvolvimento econômico ao empoderar os cidadãos dos Estados, por exemplo, com poder de compra.

Sob essa perspectiva, o RELATÓRIO de DESENVOLVIMENTO HUMANO das NAÇÕES UNIDAS de 2015 teve como tema "o trabalho como motor do desenvolvimento humano". Segundo o relatório, o desenvolvimento humano significa “alargar as escolhas humanas atribuindo maior destaque à riqueza da vida humana e não simplesmente a riqueza das economias”. O trabalho, por sua vez, é indispensável ao desenvolvimento, “na medida em que mobiliza, de formas diferentes, pessoas de todo o mundo e ocupa uma parte importante das suas vidas" (2015, p.01).

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O trabalho permite não apenas o desenvolvimento humano27, mas também segurança econômica, ao crescimento equitativo e redução da pobreza.

Segundo os dados trazidos pelo relatório, entre 1990 e 2015 a pobreza de rendimentos nos países em desenvolvimento foi reduzida em mais de dois terços. O número de pessoas que vive em situação de extrema pobreza no mundo caiu de 1,9 mil milhões para 836 milhões. Além disso, a taxa de mortalidade infantil caiu mais da metade, o número de morte de criaças com menos de cinco anos caiu de 12,7 milhões para 6 milhões, mais de 2,6 mil milhões de pessoas conseguiram fonte melhorada de água potável e 2,1 mil milhões conseguiram melhores estruturas de saneamento, mesmo tendo havido um aumento populacional de 5,3 mil milhões para 7,3 mil milhões. Todos esses progressos tiveram influencia direta do trabalho de acordo com o relatório28.

Mesmo com os avanços conquistados, o relatório informou que em 2015 havia 204 milhões de pessoas sem trabalho, sendo 74 milhões de jovens; aproximadamente 830 milhões de trabalhadores pobres vivendo com menos de dois dólares por dia e mais de 1,5 mil milhões de pessoas com empregos vulneráveis, sem condições dignas, sem voz ativa e sem segurança social.

Esses dados ilustram a importância da proteção do trabalho para a melhoria das condições de vida nos países em desenvolvimento. “Uma das graves privações humanas é não utilizar, utilizar mal, ou subutilizar o enorme potencial humano dos indivíduos para reforçar o desenvolvimento humano através do trabalho” (2015, p.05).

27“O desenvolvimento humano é um processo que permite alargar o leque de escolhas das pessoas, na

medida em que adquirem mais capacidades e gozam de mais oportunidades para as usar. Contudo, o desenvolvimento humano é também um objetivo, pelo que é simultaneamente um processo e um resultado. O desenvolvimento humano traduz-se na possibilidade real de as pessoas influenciarem os processos que moldam as suas vidas. Considerando todo este contexto, o crescimento económico é um meio importante para o desenvolvimento humano, mas não é um fim em si” (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2015, p.2).

28Perto de mil milhões de pessoas que trabalham no setor agrícola e mais de 500 milhões de explorações

agrícolas familiares são responsáveis por mais de 80 por cento dos alimentos de todo o mundo, o que tem efeitos positivos na nutrição e na saúde.À escala global, 80 milhões de trabalhadores na área da saúde e da educação têm contribuído para reforçar as capacidades humanas. Mais de mil milhões de trabalhadores no setor dos serviços têm contribuído para o progresso humano. Na China e Índia, 23 milhões de postos de trabalho ligados às energias não poluentes são um contributo para o aumento da sustentabilidade ambiental.4 O trabalho produz um ganho social que vai além dos proveitos auferidos pelos trabalhadores individuais (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2015, p.04).

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Nesse sentido, de acordo com os dados analisados29 associados à ideia trazida por PIKETTY, é possível estabelecer a relação entre proteção trabalhista, comércio internacional e desenvolvimento, o que reafirma a importância de estabelecimento de padrões trabalhistas nos tratados do comércio internacional pela OMC.

Tanto é assim, que a cláusula social bem, como as regras antidumping social devem estar presentes em outros acordos que envolvam comércio e desenvolvimento; em especial, aqueles realizados entre os BRICS, uma vez que criado para impulsionar o financiamento do desenvolvimento nos países emergentes, o que será tratado a seguir.

4.2. Inclusão de padrões trabalhistas nos acordos comerciais do BRICS O BRICS30 é uma sigla utilizada para representar os países Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul que juntos são responsáveis por parcela significativa da população, bem como da econômia mundial, sendo conhecida como uma entidade político-diplomática formada por países emergentes, sendo um importante foro de debate em um cenário de governança global, uma vez que não possui natureza jurídica de organização internacional31.

29 O relatório trata, ainda, da externalização do trabalho, que ocorre quando as empresas deslocalizam

parte ou a totalidade da produção de suas sedes para países com custos mais baixos, ou seja, configurando-se o dumping social. A esse processo de externalização das empresas dá-se o nome de cadeia de valores mundiais. “Por exemplo, a Apple emprega apenas 63 mil dos mais de 750 000 indivíduos em todo o mundo que trabalham na conceção, venda, fabrico e montagem de seus produtos” (RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, 2015, p.08). A externalização pode ser benéfica aos países em desenvolvimento, ao menos num primeiro momento, quando há aumento de emprego, mas em contraposição, há perda desses empregos nos países desenvolvidos. Essas perdas variam entre 0 e 55% nos países desenvolvidos, segundo o estudo. Todavia, quando são analisadas a qualidade do trabalho e a expansão das capacidades humanas dos trabalhadores, há preocupação com os níveis de proteção laboral, bem como sobre as oportunidades de melhoria de suas competência. “Não bastasse isso, os trabalhadores sofrem com a pressão exercida pelo mercado, quer nos salários (mais reduzidos em virtude da concorrência mundial), quer na menor formalidade e insegurança contratual (através de múltiplas cadeias de subcontratação), quer nas reduções ou suspensões da prestação de trabalho –layofs (durante as recessões).” (2015, p.11). Daí a importância de estabelecer proteção em âmbito global.

30 Mais sobre o tema em: <http://funag.gov.br/loja/download/851-Catalogo_Bibliografico_-_BRICS.pdf>.

Acesso em 10/04/2016.

31 “O acrônimo "BRICs" foi inicialmente formulado em 2001, pelo economista Jim O'Neill, do banco

Goldman Sachs, em estudo com prognósticos sobre o crescimento das economias de Brasil, Rússia, Índia e China – por representarem, em seu conjunto, parcela significativa do produto e da população mundial. Essa interação exitosa levou à decisão de que o diálogo deveria ser continuado no nível de Chefes de Estado e de Governo, por meio de Cúpulas anuais. A partir da I Cúpula, realizada em Ecaterimburgo, em 2009, o diálogo entre os Membros do BRICs – que se transformou em BRICS com o ingresso da África do Sul, em 2011 – foi ganhando profundidade e abrangência”. Disponível em : <http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/sobre-o-brics/informacao-sobre-o-brics>. Acesso em 10/04/2016.

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Ao todo foram realizadas cinco Cúpulas entre os membros. “Nesse período, o BRICS evoluiu de modo incremental, tendo sido possível reforçar seus dois pilares principais: (i) a coordenação em foros multilaterais, com ênfase na governança econômica e política; e (ii) a cooperação entre seus membros” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016)32.

Segundo o site oficial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, os países juntos buscam reformar a estrutura do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e o G20 em seus planos econômico-financeiros, bem como questões políticas no âmbito das Nações Unidas a fim de empoderar os países em desenvolvimento. Entre os membros do BRICS foi construído um conjunto de ações voltadas para as áreas de finanças, agricultura, economia, comércio, combate a crimes transnacionais, ciência e tecnologia, saúde, educação, além das áreas empresariais e acadêmicas.

De acordo com ANDRADE (2014, p.11-12), ao destacar a ideia de NIETO, o BRICS surge como um importante agente, uma vez que o mundo está passando por um reequilíbrio de forças e realinhamento dos Estados em uma ordem que não é unipolar, o que fundamenta a aproximação dos países emergentes e a cooperação desses países. Ademais, em um momento de sucessivas crises, o BRICS mostrou a sua força e passou quase ileso pelo vendaval que varreu a Europa e os EUA.

A principal ação do BRICS ocorreu na VI Cúpula, quando foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento33, cujo objetivo é o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustantável entre os países membros e outros em desenvolvimento, sendo uma importante medida de empoderamento no cenário internacional, tendo como capital inicial subcrito de US$ 50 bilhões. O Novo Banco de Desenvolvimento ainda não está em funcionamento, mas deve surgir com uma

32 Disponível em:<http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/sobre-o-brics/informacao-sobre-o-brics>. Acesso

em 10/03/2016.

33 “Com 25,91% da superfície terrestre do mundo, 43,03% da população do planeta, 18% do PIB mundial

(25% do PIB per capita), com aproximadamente 15% das trocas comerciais de todo mundo e 46,3% do crescimento econômico global de 2000 a 20082 , os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm perspectivas promissoras com o desenvolvimento de iniciativas rumo à criação institucional do Banco de Desenvolvimento dos BRICS” (ANDRADE, 2014, p. 02).

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personalidade autônoma de Direito Internacional Público (adiante DIPú), exatamente por suas características. 34

Para o que importa a este trabalho de pesquisa, além da criação do Banco de Desenvolvimento, a VI Cúpula teve como temas centrais a inclusão social e o desenvolvimento social na contribuição do desenvolvimento econômico e redução da pobreza35. Além disso, no PLANO DE AÇÕES DE FORTALEZA (2014), expressamente constou entre as áreas de cooperação a serem exploradas o trabalho e emprego, seguridade social e políticas públicas de inclusão social. Embora o BRICS possua em sua composição membros política e culturamente diferentes, possuem um denominador comum que os une: a condição de países emergentes dispostos a alterar as relações no cenário internacional para que possam competir em posição de igualdade com os países desenvolvidos. Além disso, afirmaram o seu compromisso com o desenvolvimento inclusivo e sustentável. Nesse sentido, seria de grande importância a inclusão da cláusula social entre os seus acordos econômicos, uma vez que vai ao encontro de tais objetivos36.

34 “Com fundamento em princípios bancários sólidos, o Banco fortalecerá a cooperação entre nossos

países e complementará os esforços de instituições financeiras multilaterais e regionais para o desenvolvimento global, contribuindo, assim, para nossos compromissos coletivos na consecução da meta de crescimento forte, sustentável e equilibrado. O primeiro presidente do Conselho de Governadores será da Rússia. O primeiro presidente do Conselho de Administração será do Brasil. O primeiro Presidente do Banco será da Índia. A sede do Banco será localizada em Xangai. O Centro Regional Africano do Novo Banco de Desenvolvimento será estabelecido na África do Sul concomitantemente com sua sede. Instruímos nossos Ministros das Finanças a definir as modalidades para sua operacionalização” (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2016).

35 “Além de coadunar-se com as políticas sociais realizadas pelos membros do foro, o tema “crescimento

inclusivo, soluções sustentáveis” realça a necessidade de enfrentar desafios nos campos social, econômico e ambiental e cria novas oportunidades para o BRICS em níveis diferentes, inclusive no tocante às negociações para a conformação de uma agenda de desenvolvimento pós-2015”. Disponível em : <http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/sobre-o-brics/informacao-sobre-o-brics>. Acesso em 10/04/2016.

36 “6. Durante o primeiro ciclo de Cúpulas do BRICS, nossas economias consolidaram coletivamente suas

posições como os principais motores para a manutenção do ritmo da economia internacional que se recupera da recente crise econômica e financeira mundial. O BRICS continua a contribuir significativamente para o crescimento global e para a redução da pobreza em seus próprios países e em outros. Nosso crescimento econômico e nossas políticas de inclusão social ajudaram a estabilizar a economia global, fomentar a criação de empregos, reduzir a pobreza, e combater a desigualdade, contribuindo, assim, para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Nesse novo ciclo, além de sua contribuição para o estímulo de crescimento forte, sustentável e equilibrado, o BRICS continuará exercendo papel significativo na promoção do desenvolvimento social e contribuirá para a definição da agenda internacional nessa área, baseando-se em sua experiência na busca de soluções para os desafios da pobreza e da desigualdade” (DECLARAÇÃO E PLANO DE AÇÃO DE FORTALEZA, 2015. Disponível em: <http://brics.itamaraty.gov.br/pt_br/categoria-portugues/20-documentos/224-vi-cupula-declaracao-e-plano-de-acao-de-fortaleza> Acesso em 10/04/2016.

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Não bastasse isso e aqui se repete por ênfase, o desenvolvimento meramente econômico nos países em desenvolvimento resultaria em um empobrecimento social de sua população, uma vez que se trata de consequência inevitável do capitalismo desregulado, colocando em xeque a própria manutenção do sistema capitalista e o desenvolimento econômico.

Nesse sentido, PIKETTY (2013) defende que a regulamentação do capital se faz necessária para controlar os índices de desigualdade social37, uma vez que o capital não possui limite nem moral. Ao analisar a crise de 2008, por exemplo, reconheceu na desregulamentação do capital e no crescimento da desigualdade suas causas estruturais. O endividamento das famílias associado ao mercado desregulado em razão da busca de lucros ainda mais expressivos resultou na crise, cujos efeitos se estendem até hoje para a sociedade, em especial os trabalhadores, além de ter irradiado seus efeitos a quase totalidade dos países.

Além disso, o BRICS reafirmou seu apoio ao sistema multilateral de comércio e aos princípios da Rodada de Doha da OMC, se comprometendo com as questões do desenvolvimento. Reconheceu, ainda, a importância dos acordos comerciais regionais abertos, inclusivos e transparentes38.

37 “De maneira mais geral, parece-me importante insistir na conclusão sobre o fato de que um dos grandes

desafios do futuro é, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento de novas formas de propriedade e de controle democrático do capital. A fronteira entre o capital público e o privado está longe de ser tão clara como às vezes imaginamos desde a queda do Muro de Berlim”(PIKETTY, 2013, p.689). Além disso, o autor defende que a transparência é fundamental na circulação do capital, motivo pelo a regulamentação se faz ainda mais importante, ante a previsibilidade e segurança fundamentais para o próprio desensolvimento capitalista.

38 “21. Acreditamos que todos os países devem desfrutar de seus devidos direitos, igualdade de

oportunidades e participação justa nos assuntos econômicos, financeiros e comerciais globais, reconhecendo que os países possuem diferentes capacidades e se encontram em níveis diferenciados de desenvolvimento. Empenhamo-nos por uma economia mundial aberta com alocação eficiente de recursos, fluxo livre de mercadorias e concorrência leal e ordenada para o benefício de todos. Ao reafirmar nosso apoio a um sistema comercial multilateral aberto, inclusivo, não discriminatório, transparente e baseado em regras, daremos seguimento a nossos esforços para a conclusão bem-sucedida da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), na sequência dos resultados positivos da IX Conferência Ministerial (MC9), realizada em Bali, Indonésia, em dezembro de 2013. Nesse contexto, reafirmamos nosso compromisso de estabelecer, até o final deste ano, um programa de trabalho pós-Bali para a conclusão da Rodada Doha, com base no progresso já alcançado e conforme o mandato estabelecido na Agenda de Desenvolvimento de Doha. Afirmamos que esse programa de trabalho deverá priorizar questões em que resultados juridicamente vinculantes não puderam ser alcançados na MC9, incluindo Estoques Públicos para Fins de Segurança Alimentar. Manifestamos expectativa quanto à implementação do Acordo sobre Facilitação do Comércio. Conclamamos os parceiros internacionais a apoiar os membros mais pobres e vulneráveis da OMC, de modo a permitir-lhes implementar o referido Acordo, que deverá apoiar seus objetivos de desenvolvimento. Apoiamos firmemente o sistema de solução de controvérsias da OMC como pedra angular da segurança e previsibilidade do sistema multilateral de comércio e

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Nesse cenário, o BRICS poderia seguir o exemplo da União Europeia, bem como dos acordos bilateriais existentes como modelo de inclusão dos padrões trabalhistas em seus acordos comerciais.

Isso porque a União Européia é um exemplo de sucesso na regulamentação e combate ao dumping social39. Em 1957, através do Tratado de Roma, foi criada a Comunidade Econômica Europeia (CEE), cujo artigo 117 reconhecia a necessidade de harmonização da legislação trabalhista, redução das disparidades no mercado de trabalho e condições de concorrência dentro do bloco com a finalidade promoção de melhores condições de vida aos trablhadores. Os países membros foram obrigados a promover a proteção do ambiente do trabalho, saúde e segurança dos empregados, conforme explica SILVA (2013, p.66).

Além disso, em 1989 foi assinada a Carta da Comunidade sobre Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores. “Fruto da iniciativa da Comissão Européia, que entendia necessário um instrumento eminentemente social a fim de contrabalancear o conteúdo econômico caracterísitico dos demais acordos até então firmados” (SILVA, 2013, p.67).

Posteriormente, o Tratado de Amsterdã, em 1997, incorporou a Carta Social à Comunidade Europeia, sendo de sua competência o fortalecimento da economia e da coesão social, exigindo para tanto o respeito as padrões trabalhistas fundamentais.

Ademais, a partir de 1992 nas negociações comerciais fora do bloco europeu, “todos os acordos concluídos com terceiros países obrigatoriamente incorporam uma cláusula definindo os direitos humanos como um elemento básico e abordando os direitos trabalhistas nos moldes em que estipulados pelas oito convenções fundamentais da OIT (SILVA, 2013, p.69).

ampliaremos nosso atual diálogo sobre questões substantivas e práticas a ele relacionadas, incluindo as negociações em curso sobre a reforma do Entendimento sobre Solução de Controvérsias da OMC. Reconhecemos a importância dos Acordos Comerciais Regionais, que devem complementar o sistema multilateral de comércio, e que devem ser mantidos abertos, inclusivos e transparentes, bem como abster-se de introduzir cláusulas e padrões exclusivos e discriminatórios”.

39 É importante ressaltar, todavia, que quando da aprovação desta proteção, a Europa vivia um momento

econômico de liderança no cenário mundial, estando entre os principais players do comércio. Atualmente, essa proteção serve como proteção fundamental das investidas capitalistas, ante o momento de crise. Nesse sentido, se tal proteção não existisse, dificilmente haveria consenso para sua aplicação, mas certamete a situação social seria mais crítica.

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