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Educação popular em saúde mental e práticas integrativas grupais: amorosidade e empoderamento na produção de cuidado entre mulheres do Seridó Potiguar

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Academic year: 2021

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DO TRAIRI PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA

RENATA C. DANTAS DA SILVA

EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE MENTAL E PRÁTICAS INTEGRATIVAS GRUPAIS: AMOROSIDADE E EMPODERAMENTO NA PRODUÇÃO DE

CUIDADO ENTRE MULHERES DO SERIDÓ POTIGUAR

SANTA CRUZ-RN 2020

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2 RENATA C. DANTAS DA SILVA

EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE MENTAL E PRÁTICAS INTEGRATIVAS GRUPAIS: AMOROSIDADE E EMPODERAMENTO ATRAVÉS DOS CÍRCULOS DE

CUIDADO COM MULHERES DO SERIDÓ POTIGUAR

EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE MENTAL E PRÁTICAS INTEGRATIVAS GRUPAIS ATRAVÉS DOS CÍRCULOS DE CUIDADO COM MULHERES DO SERIDÓ

POTIGUAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Área de concentração: Trabalho, educação e a produção social do processo saúde-doença.

Orientadora: Ana Kalliny de Sousa Severo

Co-orientadora: Mercês de Fátima dos Santos Silva

SANTA CRUZ-RN 2020

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3 Este trabalho foi realizado com Apoio Financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (Bolsa de Mestrado) – Código 001.

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4 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi – FACISA

Silva, Renata Cristina Dantas da.

Educação popular em saúde mental e práticas integrativas

grupais: amorosidade e empoderamento na produção de cuidado entre mulheres do Seridó Potiguar / Renata Cristina Dantas da Silva. - 2020.

120f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Santa Cruz, RN, 2020.

Orientador: Ana Kalliny de Sousa Severo.

Coorientador: Mercês de Fátima dos Santos Silva.

1. Saúde Mental Coletiva - Dissertação. 2. Mulheres -

Dissertação. 3. Práticas Integrativas - Dissertação. 4. Grupo - Dissertação. 5. Educação Popular - Dissertação. I. Severo, Ana Kalliny de Sousa. II. Silva, Mercês de Fátima dos Santos. III. Título.

RN/UF/FACISA CDU 616.89 Elaborado por José Gláucio Brito Tavares de Oliveira - CRB-15/321

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RENATA C. DANTAS DA SILVA

EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE MENTAL E PRÁTICAS INTEGRATIVAS GRUPAIS: AMOROSIDADE E EMPODERAMENTO NA PRODUÇÃO DE

CUIDADO ENTRE MULHERES DO SERIDÓ POTIGUAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva.

Área de concentração: Trabalho, educação e a produção social do processo saúde-doença.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Presidente da banca (orientadora)

Profª. Drª. Ana Kalliny de Sousa Severo (UFRN/FACISA)

________________________________________________ Profª. Drª. Nubia Maria Freire Vieira Lima

Examinadora interna (UFRN/FACISA)

_________________________________________________ Profª. Drª. Mercês de Fatima dos Santos Silva

Examinadora interna (UFRN/FACISA)

________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Vladimir Félix da Silva

Examinador externo (UFPI)

________________________________________________ Profª. Drª. Michele de Freitas Faria de Vasconcelos

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6 Dedico esta dissertação a todas as mulheres do meu sistema familiar, às que vieram antes de mim, às que ainda virão, e à todas que dançaram comigo nesta pesquisa.

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7 AGRADECIMENTOS

Às mulheres que pisaram neste chão de palavras, que compuseram comigo esta coreografia de afetos e subjetividades me ensinando a revisitar com novo olhar, os espaços de saber e não-saber que eu achava que já conhecia.

A todas e todos que abriram os braços para girar nessa ciranda, me ensinando sobre abertura e confiança.

Agradeço primeiramente, a todas as mulheres e a todos os homens do meu sistema familiar, à minha mãe Rejane Maria e ao meu pai José Eduardo, sem o encontro de vocês eu não estaria aqui.

Agradeço em especial, a todos os ventres das minhas parentes da região seridoense, que sangrando, contaram histórias de resistência e superação.

Em memória, e saudades, à minha avó Francisca, agricultora e professora, que é inspiração para me fazer prosseguir em todos os momentos em que penso em desistir.

Com muito carinho, agradeço à minha orientadora, Profª. Drª. Ana Kalliny, em sua paciência e sabedoria acolheu a minha inexperiência acadêmica e soube me conduzir pelos caminhos do ‘vir a ser’ pesquisadora. Agradeço por ter caminhado ao meu lado, e por me soltar, para que eu também pudesse me encontrar, por despertar em mim, um encantamento pela docência que hoje me faz desejar continuar.

À Profª. Drª. Mercês de Fatima, minha co-orientadora, pela força feminina e negra que os seus olhos expressam. Sou grata pelo acolhimento e pela escuta nos momentos em que pensei não conseguir, em que achava estar no caminho errado, quando nada parecia ter sentido, você dizia nas entrelinhas: persista!

Ao Prof. Dr. Vladimir Félix pelas contribuições na qualificação, por acolher a minha emoção transbordando em lágrimas, sua poesia e sua sensibilidade me ajudaram a compor esta escrita. Agradeço ainda, por aceitar fazer parte da banca na defesa desta dissertação.

À Profª. Drª. Nubia Maria Freire pela militância feminista que me inspira, e por aceitar o convite de trazer mais uma vez suas contribuições, agora na defesa.

À Profª. Drª. Michele de Freitas pelo encontro sensível que tivemos no Encontro de Pesquisa e Extensão sobre Política, Produção de Subjetividade e Práticas de Resistência na UFRN, suas contribuições naquele momento me impulsionaram a continuar acreditando neste trabalho. Também agradeço sua disponibilidade para compor a banca de defesa desta dissertação.

Agradeço às terras de Currais Novos-RN onde trabalhei e realizei esta pesquisa, às gestoras e aos gestores de saúde pela compreensão quando ingressei no mestrado, e pela confiança em permitir que a pesquisa pudesse ser feita.

Às amizades que construí neste lugar, Maria Emília, Paula Érica e Iara Fernandes, vocês são especiais, o apoio e a amizade, foram fundamentais para que eu não desistisse desse sonho.

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8 das ações do InsPiração, quero agradecer pela força criativa de resistência em tempos difíceis que vocês me ofereceram. Sem arte e criatividade nas minhas práticas de saúde, eu não teria suportado os momentos de dificuldade que se apresentaram.

Agradeço também, às terras de Santa Cruz-RN, onde se localiza o Campus da UFRN/FACISA que me acolheu nestes dois anos de mestrado. Por todos os afetos que pude vivenciar durante esse tempo, e pela oportunidade de aproximação da minha família paterna que vive em uma cidade vizinha, na mesma região do Trairi.

Aos meus colegas da turma de mestrado do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva, em especial à Eslia Maria, com quem pude dividir momentos difíceis e alegres nesse caminhar, espero estar por perto, e continuar te apoiando em sua pesquisa.

A todas as professoras e todos os professores que deixaram suas marcas de ensino através das disciplinas vivenciadas, e por tudo que o programa me oportunizou. A saúde coletiva me fez sentir o que eu buscava quando me imaginava pesquisadora, estou feliz em deixar as minhas contribuições.

Às meninas do Grupo de Pesquisa e Extensão Sobre Gênero, Violência e Saúde Mental da UFRN/FACISA, pelo espaço de aprendizagem e crescimento que vocês me proporcionaram, e mais que isso, pelos afetos compartilhados. Recordo do dia em que acolhi algumas de vocês na minha casa, e da partilha em roda no meio da noite, vocês me abasteceram em vários momentos.

Ao grupo de Pesquisa e Extensão: Política, Produção de Subjetividade e Práticas de Resistência ‘GENTELEZA’, no Campus da UFRN de Natal, pelo acolhimento afetivo, e as possibilidades de novos agenciamentos e produção de conhecimento, minha perspectiva e minha escrita se transformaram desde que nos encontramos.

Agradeço ainda, às mulheres que estiveram comigo nas rodas do sagrado feminino e florais da lua, em cada encontro que eu cuidava e era cuidada, que partilhávamos nossas angústias e dificuldades, nos risos e alegrias, algo em mim se renovava e me fortalecia para continuar a caminhada de pesquisa e escrita dessa dissertação, vocês estão aqui.

À graça de poder residir em um lugar chamado Vila Feliz. No silêncio de uma casinha em meio aos cajueiros e mangueiras, encontrei tranquilidade para mergulhar nessa experiência de pesquisa e escrita, tão viva para mim.

Aos amigos e vizinhos que me apoiaram nos momentos em que o corpo adoeceu, em que a mente já não conseguia raciocinar tão bem, por me fazer sair do transe da escrita acadêmica, respirar e agradecer pela vida que continuava pulsando do lado de fora. Em especial, pelos dias de ‘terapia do riso’, em que me deixava transbordar.

À Sayonara Bomtempo, minha analista, por cuidar da minha alma com carinho e atenção, por ajudar a olhar para as minhas potências e sustentar os meus desejos.

À CAPES, pelo apoio através da bolsa de mestrado, que me permitiu dedicação e entrega a esta pesquisa.

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9 Eu-Mulher

Uma gota de leite

me escorre entre os seios. Uma mancha de sangue me enfeita entre as pernas. Meia palavra mordida me foge da boca.

Vagos desejos insinuam esperanças. Eu-mulher em rios vermelhos inauguro a vida.

Em baixa voz

violento os tímpanos do mundo. Antevejo.

Antecipo. Antes-vivo

Antes – agora – o que há de vir. Eu fêmea-matriz. Eu força-motriz. Eu-mulher abrigo da semente moto-contínuo do mundo. Conceição Evaristo

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10 RESUMO

A política de saúde mental no Brasil institui a necessidade de uma prática de cuidado de base territorial e comunitária que supere a lógica manicomial de isolamento e exclusão da loucura. Neste contexto, o debate sobre a saúde mental das mulheres ainda é incipiente, o que nos impulsionou a buscar, por meio do exercício da coletividade e da amorosidade nas práticas de saúde, ampliar a discussão do cuidado, dando visibilidade as mulheres em sofrimento psíquico, em suas interseccionalidades de gênero, raça e classe. Assim, o objetivo da pesquisa é analisar a repercussão das Práticas Integrativas e Complementares Grupais (PIC’s Grupais) entre essas mulheres a partir de um grupo de dançaterapia com usuárias do Espaço TERAPICS em Currais Novos-RN, região do Seridó Potiguar. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, lançando mão da pesquisa intervenção e perspectiva metodológica da Análise Institucional e da Educação Popular, que dialogam entre si por partirem de uma prática transversal de pesquisa, centrada nas ações e nos discursos dos atores envolvidos. Utilizamos o diário de pesquisa, a análise documental e os Círculos de Cultura, adaptados aos que chamamos de Círculos de Cuidados para construção dos dados que, analisamos pelo olhar da Análise de Implicação. Entendemos que pesquisa e intervenção são inseparáveis, e o campo é feito pelos sujeitos da pesquisa e também pelo pesquisador. Alçamos assim, alguns questionamentos no tocante à produção de vida em um grupo de mulheres em sofrimento psíquico, a partir de ações pautadas no referencial teórico da educação popular, no diálogo, na amorosidade e no incentivo à autonomia. Incitamos a discussão sobre o impacto das PIC’s Grupais e dos novos modos de cuidado na relação entre feminino e saúde mental. A partir de alguns conceitos da Análise Institucional, apresentamos cinco categorias analíticas, organizadas com base nos analisadores e no movimento de análise ao decorrer da leitura e transcrição dos diários de pesquisa, das falas das participantes e do referencial teórico utilizado. Identificamos a potencialidade das atividades que promovem relações interpessoais e apoio mútuo, como foi o caso do grupo de dança, agenciando novas configurações de cuidado para além dos espaços de saúde, dos profissionais e dos atendimentos individuais. Além disso, o desafio de desconstrução das cenas de opressão e preconceito entre as mulheres na sociedade seridoense, que, carregam uma herança de preconceito racial, social e de gênero, em especial na relação com a doença mental. Consideramos que as PIC’s Grupais estudadas aqui, respondem à questão da pesquisa e aos objetivos apresentados com relação ao cuidado de si e do outro. A Análise Institucional nos ensinou sobre a importância de provocar movimentos instituintes, de analisar nossas implicações na pesquisa e considerar o campo do sensível, sem deixar com isso, o compromisso ético da produção científica. Por fim, conscientes de sermos seres inconclusos e da necessidade de contínuo aprendizagem, deixamos um fio solto para novas produções de diferença, de subjetividade, de práticas de saúde que sejam críticas, políticas e reflexivas, e de ampliação das possibilidades de se fazer e acessar as pesquisas científicas.

Palavras-chave: Mulheres. Saúde Mental Coletiva. Práticas Integrativas. Grupo. Educação Popular.

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11 ABSTRACT

The mental health policy in Brazil institutes the need for a territorial and community based care practice that overcomes the mental asylum of isolation and exclusion from madness. In this context, the debate on women's mental health is still incipient, which impelled us to seek, through the exercise of collectivity and loving care in health practices, to expand the discussion of care, giving visibility to women in psychological distress, in their intersectionality of gender, race and class. Thus, the objective of the research is to analyze the repercussion of Group Integrative and Complementary Practices (PIC’s Group) among these women from a dance therapy group with users of the TERAPICS Space in Currais Novos-RN, Seridó Potiguar region. This is a qualitative study, using intervention research and a methodological perspective of Institutional Analysis and Popular Education, which dialogue with each other for starting from a transversal research practice, centered on the actions and speeches of the actors involved. We used the research diary, the documentary analysis and the Culture Circles, adapted to what we call Care Circles for the construction of the data that we analyzed through the eyes of the Implication Analysis. We understand that research and intervention are inseparable, and the field is made by the research subjects and also by the researcher. Thus, we raised some questions regarding the production of life in a group of women in psychological distress, based on actions based on the theoretical framework of popular education, in dialogue, in love and in encouraging autonomy. We encourage discussion about the impact of Group PICs and new modes of care in the relationship between women and mental health. From some concepts of Institutional Analysis, we present five analytical categories, organized based on the analyzers and the movement of analysis during the reading and transcription of the research diaries, the speeches of the participants and the theoretical framework used. We identified the potential of activities that promote interpersonal relationships and mutual support, as was the case for the dance group, providing new care configurations beyond health spaces, professionals and individual care. In addition, the challenge of deconstructing scenes of oppression and prejudice among women in Seridan society, which carry a legacy of racial, social and gender prejudice, especially in relation to mental illness. We consider that the Group PICs studied here, answer the research question and the objectives presented in relation to the care of oneself and the other. Institutional Analysis taught us about the importance of provoking instituting movements, of analyzing our implications in research and considering the field of the sensitive, without leaving with it, the ethical commitment of scientific production. Finally, aware of being unfinished beings and the need for continuous learning, we leave a loose thread for new productions of difference, subjectivity, health practices that are critical, political and reflective, and for expanding the possibilities of doing and accessing scientific research.

Keywords: Women. Collective Mental Health. Integrative Practices. Group. Popular Education.

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12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Ação de saúde mental na praça promovida pelo CAPS e Espaço TERAPICS ...24

Figura 2 - Registro de um dos encontros de dançaterapia no Espaço TERAPICS ...39

Figura 3 - Registro do Primeiro Círculo de Cuidado ...43

Figura 4 - Registro do Segundo Círculo de Cuidado ...45

Figura 5 - Registro do Terceiro Círculo de Cuidado ...47

Figura 6 - Ação de saúde mental na praça promovida pelo CAPS e Espaço TERAPICS ... 55

Figura 7 - Lava pés no primeiro encontro do Círculo de Cuidado ...75

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13 LISTA DE ABREVIATURAS

CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CAPS II – Centro de Atenção Psicossocial Tipo II

CAPS III – Centro de Atenção Psicossocial Tipo III

CAPS ad – Centro de Atenção Psicossocial álcool e outras drogas

EMCM/UFRN – Escola Multicampi de Ciências Médicas

ESP/CE – Escola de Saúde Pública do Ceará

IMS/UERJ – Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

MTSM – Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental

OP – Observação Participante

PIC’s – Práticas Integrativas e Complementares de Saúde

PNEPS/SUS - Política Nacional de Educação Popular em Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde

RAPS – Rede de Atenção Psicossocial

RIS - Residência Integrada em Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

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14 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

1. PRIMEIRO GIRO DE APRENDIZAGEM – A TROCA DA RODA E A ESCOLHA DOS CAMINHOS METODOLÓGICOS ...24

1.1.No caminho da pesquisa intervenção “teorias e práticas são sempre práticas” para traçar novas rotas de investigação ...25

1.2.Aproximações entre Educação Popular em Saúde e Análise Institucional ...26

a. Local de pesquisa ...30

b. Dos Círculos de Cultura ao agenciamento dos Círculos de Cuidados ...31

c. Um encontro desviante na rota pré-definida da pesquisa científica ...32

d. Análise de Implicação...35

e. Procedimentos e Instrumentos ...37

1.3. Apresentação da pesquisa de campo: os círculos de cuidado no aprendizado meu e teu ... 39

a. Primeiro Encontro – Cuidar do outro, cuidar de mim ...41

b. Segundo Encontro – Se perceba, reconheça, você é linda ...43

c. Terceiro Encontro – Medos e enfrentamentos ...45

d. Quarto Encontro – Empoderamento Feminino ...47

e. O encontro desviante ...49

2. SEGUNDO GIRO DE APRENDIZAGEM – REFORMA PSIQUIÁTRICA E LUTA ANTIMANICOMIAL: ONDE ESTÃO AS MULHERES? ...55

2.1. Desinstitucionalizar os manicômios mentais ... 56

2.2. Loucura, sociedade e movimentos sociais: corpos em busca de voz e liberdade ...58

2.3.O orgânico louco nas mulheres ...62

2.4. Silenciamento da mulher: mulher louca, mulher negra, mulher pobre, mas mulher que pode ...63

2.5. A resistência feminina na abertura dos “currais” de preconceitos ...67

2.6. Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial no Seridó Potiguar ...69

2.7. Um corpo informe transitando e expandindo entre o ser/trabalhadora e o ser/pesquisadora ...71

3. TERCEIRO GIRO DE APRENDIZAGEM – SUPERAR O PARADIGMA CIENTÍFICO NO CUIDADO EM SAÚDE COM PRÁTICAS INTEGRATIVAS GRUPAIS ...75

3.1 Das potências criativas no cuidado em saúde mental ...76

3.2. Saúde de mãos dadas: cirandando o cuidado na coletividade ...78

2.3. Racionalidades Médicas e Epistemologias do Sul: reflexões frente ao paradigma científico ...79

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15 4. QUARTO GIRO DE APRENDIZAGEM – CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS E

MOVIMENTO DE ANÁLISES ...86

4.1. Dançando nos giros das análises ...87

a. “Somos todas iguais, ninguém é melhor que ninguém” ...88

b. Territorialidade feminina e seus enredamentos ...92

c. “Esconder o rosto para ele não perceber que dói” ...95

d. Para ter o respeito do outro, tem que se respeitar em primeiro lugar ...98

e. Modos de resistência à determinadas organizações ...103

CONSIDERAÇÕES EM MOVIMENTO ... 107

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16 INTRODUÇÃO

Ao longo da história no campo da saúde mental, diversos avanços foram alcançados por meio dos movimentos sociais, da militância, da luta por direitos e por uma saúde pública de qualidade. Contudo, nos últimos anos, estes avanços vêm sendo fragmentados, observamos sonhos e conquistas serem destruídos, e vivenciamos retrocessos significativos no contexto das políticas públicas, de desmonte e de ameaça à democracia e aos direitos humanos.

Arriscamos aqui, resgatar e sustentar a ideia de saúde pública que acreditamos no campo da saúde mental, comprometida com o humano, reacendendo à consciência dos e das trabalhadoras, familiares e usuários/usuárias a importância de transformação das práticas de cuidado e da mobilização coletiva de luta em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica.

Partimos neste debate pelo viés de uma saúde mental coletiva, prática de cuidado social e democrática, que luta por uma sociedade sem manicômios, por uma rede de atenção à saúde de base territorial e comunitária, que respeite os direitos humanos, o direito a um cuidado que se faça em liberdade. Assim como propõem a Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001 (BRASIL, 2001) que dispõe sobre a política de saúde mental no Brasil e institui a necessidade de uma atenção à saúde mental que supere a lógica da exclusão e do isolamento imposta historicamente à loucura.

Ainda que, diante dos retrocessos, dos avanços e das lutas na história da saúde mental brasileira, Campos e Zanello (2017) apontam que pouco se tem progredido quanto a oferta de espaços de voz, visibilidade e escuta qualificada para mulheres em sofrimento psíquico, por vezes associado a outras dores, como a violência de gênero, por exemplo.

Desse modo, buscamos ampliar o debate permitindo que a voz das mulheres que fizeram parte desta pesquisa, possa se inscrever nas linhas dessa dissertação. Contando as histórias que emergiram nos encontros que se deram em um grupo de dançaterapia e Práticas Integrativas e Complementares (PIC’s) com mulheres de uma região do Seridó Potiguar, no interior do Rio Grande do Norte.

A proposta de investigar a produção de vida entre essas mulheres, parte do meu encantamento pela temática e pela região, por ser de família seridoense e ter atuado na rede das políticas públicas dessa região em um período da minha caminhada. Sendo assim, é enquanto trabalhadora e pesquisadora, que fui conduzida à indagação que apresento nesse estudo: como as práticas integrativas grupais potencializam a expansão dos territórios de vida entre mulheres

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17 em sofrimento psíquico e estimulam a prática do cuidar de si e do outro em grupo?

A experiência aconteceu no município de Currais Novos-RN, em quatro encontros que foram distribuídos nos meses de setembro a dezembro de 2018, após intervalo de nove meses, houve um quinto encontro em setembro de 2019. O município faz parte da região do Seridó Potiguar que apresenta aspectos culturais, ambientais e sociais relacionados entre o “fazer, dizer, mandar e obedecer do homem branco colonizador, mas especialmente com forte herança e representação, também, da cultura e das tradições indígenas e africanas que tecem o amálgama das relações da sociedade que aí se identifica [...]” (AZEVEDO, 2016, p.103).

O Seridó se apresenta como uma região que historicamente possui fortes arranjos de solidariedade entre as famílias, afirma Macêdo (2009). Para o autor, essa característica persiste até os dias de hoje, provavelmente influenciada pela mistura cultural e práticas societárias típicas da região. Neste sentido, a solidariedade e a coletividade emergiram como eixos na dinâmica do grupo de mulheres, ao qual nos referimos neste estudo.

Ancorados na perspectiva de solidariedade, de cuidado compartilhado e inovação das possibilidades de produção de vida no sofrimento psíquico, apresentamos uma experiência em saúde mental por meio de PIC’s Grupais que envolveu responsabilização e afeto coletivo, reafirmando a ideia de cuidado trazida por Leonardo Boff (2000), como envolvimento afetivo e preocupação com o outro.

A partir desta experiência com mulheres, refletimos com relação a produção de uma saúde não hegemônica, baseada no diálogo e na construção coletiva de novas possibilidades de cuidado. Uma prática que seja amorosa e emancipatória, essencial no campo da saúde mental, onde a opressão, o preconceito e a exclusão se instauram até hoje.

As reflexões aqui colocadas surgem de uma construção coletiva entre pesquisadora e participantes. Por isso, trata-se de uma pesquisa participante com base no referencial da análise institucional que se propõe a transformação de si e da sociedade pela coletividade, e da proposta freiniana de círculo de cultura, por onde o saber circula em reflexão crítica, sem hierarquia entre os participantes.

Neste sentido, esta dissertação é produto de encontros de cuidado, afetos e reflexões entre mulheres pesquisadoras e participantes que transitaram nestes lugares por algo em comum: o ser mulher. Portanto, em alguns momentos a escrita do texto se deu no singular, em outros, na primeira pessoa referindo-se a apontamentos muito pessoais no meu caminhar como autora e pesquisadora. Contudo, a construção da dissertação foi coletiva, mesmo que de forma indireta, estão impressos os movimentos dos corpos, as histórias, os risos e as lágrimas das

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18 participantes, estão compondo também, os apontamentos e as contribuições das mulheres que me orientaram, Kalliny minha orientadora e Mercês, co-orientadora.

Foi em roda que compomos este estudo, e em roda, ele será apresentado. Como dançar ciranda, onde uma ensina a outra o próximo passo, onde os corpos apoiados uns aos outros, caminham com mais firmeza, onde as pernas andam mais e o peso nos braços se torna mais leve. Desse modo, a nossa apresentação foi distribuída em quatro Giros de Aprendizagem:

Os caminhos metodológicos são apresentados logo no primeiro Giro, é nele que construímos o alicerce desta dissertação, onde anunciamos o território que acolheu os movimentos da pesquisa, e as mulheres, participantes e dançantes de cada Giro de Aprendizagem. Além disso, propomos fazer algumas aproximações entre a Análise Institucional e a Educação Popular em Saúde na construção metodológica. Utilizamos a pesquisa intervenção, por entender que para escrever sobre um campo de pesquisa constituído por sujeitos, encontros e afetos, é impossível manter o distanciamento e a neutralidade exigidos em outras perspectivas teórico-metodológicas. Comprometidas com os aspectos éticos e políticos da produção científica tratamos ainda de contextualizar a análise de implicação utilizada na apreciação dos resultados, os instrumentos e procedimentos que nos auxiliaram na construção dos dados e a adaptação feita aos Círculos de Cultura para o que chamamos de Círculos de Cuidados.

Ainda neste Giro, nos debruçamos sobre a apresentação da pesquisa de campo e o procedimento metodológico de investigação, detalhando como aconteceu cada Círculo de Cuidado e como se deu o quinto momento com o grupo de mulheres participantes da pesquisa, que ocorreu um ano depois da finalização dos quatro Círculos de Cuidado. Neste momento, começamos a dar voz e nomes às mulheres que compuseram este estudo. Preservando a identidade de todas as participantes, utilizamos nomes que fazem menção às suas próprias histórias durante os encontros.

O segundo Giro, apresenta uma breve contextualização da história da loucura e a construção da Reforma Psiquiátrica no Brasil e no contexto do Seridó Potiguar. Ampliamos a perspectiva sobre promoção de saúde mental, e entendendo esta como produção de vida. Trazemos o debate acerca do preconceito contra a pessoa em sofrimento psíquico, que é também, ético e político, e suas interseccionalidades, ou seja, um preconceito que passa também, pelas relações de gênero, raça e classe. Dessa forma, contribuímos com uma temática que necessita, cada vez mais, de visibilidade. Nesta perspectiva, fizemos um recorte territorial, explanando a realidade das mulheres seridoenses, justificando assim, a relevância de estudar a

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19 temática com este público.

Ao entrar no terceiro Giro, iniciamos a conversa sobre práticas de cuidado em grupo, construindo possibilidades de pensar a promoção de cuidado por outras vias, que não as habituais, comumente oferecidas pelas práticas hegemônicas de saúde. Traçamos uma reflexão acerca das PIC’s, entendendo estas, como práticas que rompem o modelo biomédico clássico de cuidado. Alargamos o debate sobre as práticas grupais, trazendo o conceito de PIC’s Grupais e sua potência enquanto exercício de cuidado de si e do outro na atenção psicossocial.

A construção dos resultados e o movimento de análise da pesquisa, está apresentado no quarto e último Giro. Como mencionamos, é neste ponto que contemplamos os resultados obtidos partindo da análise de implicação. Neste caso, não existe neutralidade entre pesquisadora e participantes, e concordamos ao que Coimbra e Nascimento (2008) alertam sobre a necessidade de um olhar atento e implicado ao fazer pesquisa, justamente, para repensar o lugar de “saber-poder” do pesquisador. Pretende-se com essa ideia, acolher e analisar as produções de sentimentos, dificuldades e afetos que surgem ao longo da pesquisa e podem, muitas vezes, se não forem consideradas, comprometer o bom andamento do estudo.

Lançando mão de alguns conceitos da Análise Institucional, apresentamos cinco categorias analíticas, organizadas a partir dos analisadores identificados e do movimento de análise ao decorrer da leitura e transcrição dos diários de pesquisa, das falas das participantes e do referencial teórico utilizado.

Por se tratar de uma pesquisa intervenção, nos comprometemos ao encontro, e consideramos tudo o que nele insurge, tratamos com um olhar atento à produção de vida na perspectiva da saúde coletiva e não apenas de atenção aos aspectos biológicos do sujeito. Neste sentido, entendemos que as práticas e os espaços de saúde, devem estar comprometidos com responsabilidade ética e política, ser espaço democrático de reflexão crítica frente aos processos individuais e coletivos de saúde, adoecimento e cuidado.

Posto isso, chegamos aos nossos objetivos, apresentando como objetivo geral: Analisar a repercussão das PIC’s Grupais entre mulheres em sofrimento psíquico a partir de um grupo de usuárias do Espaço de Terapias e Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (TERAPICS) em Currais Novos-RN, e como objetivos específicos: Caracterizar as PIC’s Grupais desenvolvidas no grupo de dançaterapia para mulheres no Espaço TERAPICS; Identificar potencialidades e desafios no processo de cuidado e gestão da vida entre mulheres da rede de saúde mental de Currais Novos-RN; Investigar o impacto das PIC’s Grupais na produção de vida, e no cuidado de si e do outro.

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20 Intencionamos com este trabalho, despertar uma prática amorosa, política e crítica de cuidado em saúde mental com mulheres. Utilizando ações pautadas no referencial teórico da educação popular, no diálogo, na amorosidade e no incentivo a autonomia dos sujeitos, incitamos a discussão sobre o impacto das PIC’s Grupais.

A ideia do estudo, foi também promover o diálogo entre pesquisadora e participantes por considerar que, quando trazemos os saberes e os atores para a roda, sem hierarquia ou competitividade, todos contribuem para reflexões e avanços quanto a promoção de uma saúde mental autônoma e integrada. Lembrando Freire: “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação- reflexão” (1987, p.78).

A partir dos diversos encontros afetivos entre arte, saúde mental, educação popular e práticas integrativas, na militância pelo SUS e pela Reforma Psiquiátrica, o projeto dessa pesquisa foi idealizado, e se justifica, ganhando corpo no meu encontro de trabalho com grupos de mulheres.

Um sonho que começou a ser tecido faz muito tempo, emaranhado em afetos que circundam desde as histórias de vida de mulheres do meu sistema familiar, às minhas próprias histórias, e o meu fazer profissional na saúde mental, que por meio da arte, me conduziu às terras nordestinas da minha família materna, na região do Seridó Potiguar, interior do Rio Grande do Norte, onde se fez possível acontecer esse sonho de pesquisadora.

Construí a minha caminhada na saúde mental desde que iniciei a graduação em psicologia no ano de 2008, e quando realizei estágio em um hospital psiquiátrico na cidade de Natal-RN, onde desenvolvi ações de cuidado por meio de atividades artísticas. Nesse período as inquietações começaram a surgir, eu me questionava sobre o formato de atenção à saúde mental que se apresentava naquele momento de estágio, em um modelo de cuidado hospitalocêntrico e manicomial, onde acompanhava pessoas em sofrimento psíquico sendo privadas de sua liberdade.

Diante dessa realidade me perguntava: Seria possível romper esse modelo manicomial de cuidado? Após a formação em psicologia eu seria capaz de fazer diferente daquele padrão que me cercava?

Foi então, que busquei a residência em saúde mental para vivenciar o serviço sem deixar a reflexão crítica e a formação teórica sobre o assunto. Ingressei no ano de 2013 na Residência Integrada em Saúde Mental Coletiva (RIS), vinculada à Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), onde pude exercitar diversas práticas de promoção à saúde mental em espaços abertos como praças e praias, com práticas como a terapia comunitária entre mulheres, danças,

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21 expressões artísticas e trabalhos pautados na educação popular em saúde.

Tendo assim a oportunidade de experimentar o ‘Trabalho Vivo’ do qual cita Merhy (2013), um ato de trabalho humano na produção de saúde, que ocorre, quando nos permitimos vivenciar encontros de cuidado em um espaço relacional, por meio da fala, da escuta, de toques e olhares, uma via possível para planejar e executar outros modos de cuidado integrado em saúde.

Nesse tempo, entre a graduação e a residência, tive a oportunidade de conhecer a experiência do Hotel da Loucura no Rio de Janeiro, dentro da perspectiva de inclusão da arte na saúde. Neste contexto, vivenciei uma imersão de arte, cultura e saúde em um hospital psiquiátrico, onde ocupamos algumas alas de psiquiatria que estavam desativadas no Instituto Nise da Silveira1. Os espaços livres, eram preenchidos com pinturas e poesias nas paredes, oficinas de dança, música, teatro, pintura, e ações nas praças e feiras livres. Alguns pacientes, que preferimos chamar de moradores do instituto, embarcavam conosco nesta proposta ousada de cuidado. Foi nesta experiência, que então percebi a potência para o cuidado em saúde mental que pulsava na coletividade, nas ruas e nos espaços abertos a comunidade.

Atravessada pela experiência de práticas distintas de atenção à saúde mental, eu trago diversos afetos que se expressam na teia de sonhos que teci e me fez chegar a esta pesquisa. O modelo manicomial da vivência de estagiária no hospital psiquiátrico, o modelo de atenção psicossocial e comunitário que a RIS me ofereceu, a perspectiva artística e cultural no cuidado que o Hotel da Loucura possibilitou, e a última experiência profissional antes de ingressar no mestrado, que foi em Currais Novos-RN no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e no Espaço TERAPICS.

De tal modo como mencionei, a tessitura desta pesquisa de mestrado passou por longos caminhos, mas ganhou força para se estruturar, no contexto do CAPS de Currais Novos-RN desde julho de 2016, quando comecei a atuar no município, e no ano de 2017 com a implantação do Espaço TERAPICS.

Foi através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) municipal que, eu e mais duas profissionais da equipe do CAPS, idealizamos o projeto do Espaço TERAPICS, com finalidade de oferta de PIC’s individuais e grupais, como reiki, shiatsu, auriculoterapia, yoga e dançaterapia. As ações eram voltadas para mulheres, trabalhadoras e idosas, em especial as que apresentavam sofrimento psíquico e uso abusivo de psicotrópicos.

1 Neste prédio, ainda que algumas alas estivessem desativadas, que foram as ocupadas pelo movimento que

participei, outras, ainda funcionavam na lógica asilar e manicomial de cuidado, privando os sujeitos de sua liberdade.

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22 Em maio de 2018, iniciamos o grupo de dançaterapia para mulheres, conduzido por mim, enquanto profissional de psicologia e terapeuta integrativa contratada pelo município. O grupo foi lançado a partir da impossibilidade de atendimento individual a todas as mulheres em sofrimento psíquico que, necessitavam de um espaço terapêutico de escuta e cuidado para suas questões, ou que precisavam de PIC’s individuais quando não havia mais horários disponíveis. Algumas mulheres que compuseram o grupo de dança já estavam sendo atendidas individualmente de modo esporádico, enquanto outras nem haviam conseguido agendar o primeiro atendimento, de modo que, o grupo proporcionaria maior frequência de atendimento e abertura para outras participantes.

Neste contexto, acerca das PIC’s Grupais com mulheres em sofrimento psíquico e da produção de cuidado na coletividade, surgem as questões iniciais desta pesquisa. O que nos conduziu ao projeto de mestrado aqui apresentado, sendo edificado no tempo em que se inaugurava o grupo de dançaterapia, o mesmo onde realizamos a os Círculos de Cuidado para a construção dos dados.

A proposta de cuidado em saúde mental que aconteceu no Espaço TERAPICS, em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município, tentava cumprir ao que Paulo Amarante (2007) chama a atenção: “os serviços de atenção psicossocial devem procurar desenvolver ao máximo suas habilidades em atuar no território que [...] não se reduz ao espaço geográfico” (p. 84-85). Para o autor, quanto mais os serviços forem capazes de estabelecer relações com outros equipamentos e recursos existentes, mais podem ser considerados de base territorial.

Neste sentido, percebemos um movimento dos equipamentos de saúde mental em direção a novas configurações para suas práticas. Contudo, as reflexões sobre mulheres em sofrimento psíquico, como já mencionamos, ainda aparecem pouco nas produções científicas, e nos incita ao aprofundamento do tema.

Daí advém os questionamentos que nos impulsionaram a esta pesquisa: Qual o lugar da mulher em sofrimento psíquico na realidade de Currais Novos? Como as relações com o feminino historicamente construídas no Seridó Potiguar interferem na saúde mental das mulheres e no cuidado de si? Que efeitos as práticas integrativas grupais entre mulheres em sofrimento psíquico têm no cuidado de si e do outro?

Diante da ausência de estudos que façam um recorte territorial acerca das mulheres em sofrimento psíquico no contexto do Seridó Potiguar e ainda, debatam a relação com as práticas integrativas grupais na saúde mental, este estudo se mostra imprescindível. Sendo assim, um convite para refletir sobre um assunto que não se esgota aqui e oferece a possibilidade de pensar

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23 sobre o impacto das práticas integrativas grupais e os novos modos de produção de vida e cuidado em saúde mental entre mulheres.

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24 1. PRIMEIRO GIRO DE APRENDIZAGEM – A TROCA DA RODA E A

ESCOLHA DOS CAMINHOS METODOLÓGICOS

Estou sentado à beira da estrada, o condutor muda a roda. Não me agrada o lugar de onde venho. Não me agrada o lugar para onde vou. Por que olho a troca da roda com impaciência? (Bertolt Brecht)

Figura 1: Ação de saúde mental na praça promovida pelo CAPS e Espaço TERAPICS Fonte: Arquivos do CAPS

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1.1. No caminho da pesquisa intervenção “teorias e práticas são sempre

práticas” para traçar novas rotas de investigação

Os caminhos metodológicos que nos guiam nesta pesquisa tomam como norte as abordagens qualitativas, entendendo que o exercício de pesquisar vai além de comprovar algo que já existe, mas provocar um movimento de intervenção e criação de novos saberes no campo das ciências. Nesta perspectiva, não há um traço fechado por onde a pesquisa passará, por isso mesmo, surgem incômodos essenciais ao decorrer do caminho, são eles que nos conduzem a uma discussão profunda dos resultados da pesquisa e a descoberta de novos conhecimentos. Entende-se que o trabalho qualitativo segue por duas vias: “numa, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa, ratifica seu caminho, abandona certas vias e toma direções privilegiadas” (MINAYO E SANCHES, 1993, p. 245). Nesta dissertação, ambos os caminhos, se cruzam, se misturam e se criam.

Dialogamos com a abordagem qualitativa no contexto da pesquisa social, nos debruçamos sobre as relações humanas, os fenômenos sociais e a produção de subjetividade que se deu nos encontros com as mulheres participantes do estudo. Quanto a pesquisa qualitativa no campo das Ciências Sociais, Minayo (2016) destaca que o objeto dos estudos qualitativos envolve as relações humanas, suas representações e intencionalidades, e que dificilmente se pode quantificar os resultados deste tipo de pesquisa.

Trabalhamos com o sensível do ser humano, com a imprevisibilidade que faz emergir novos conteúdos a cada encontro: “o ser humano se distingue não só por agir, mas também por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e compartilhada com seus semelhantes” (MINAYO, 2016, p.20). Neste sentido, ao permitir que os sujeitos da pesquisa possam se colocar, e facilitar a análise crítica das relações e implicações do processo da pesquisa, mais enriquecido tornam-se os resultados e novos rumos podem se dar.

A escolha deste caminho metodológico surge da compreensão de que para escrever sobre um campo de pesquisa constituído por sujeitos, encontros vivos e relações afetivas, é impossível manter o distanciamento e a neutralidade exigidos em outras teorias, por isso, propomos aqui uma pesquisa intervenção:

Lapassade e Lourau propuseram a pesquisa intervenção, onde as noções de sujeito e objeto, de pesquisador e campo de pesquisa são colocadas em análise. Segundo tal formulação, essas noções se criam ao mesmo tempo, num plano de imanência, onde as práticas produzem os sujeitos, os objetos, os pesquisadores e os campos de pesquisa, não havendo determinações causais

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26 de uns sobre os outros. Assim sendo, teorias e práticas são sempre práticas. (COIMBRA, NASCIMENTO, 2008, p.2)

Para Coimbra e Nascimento (2008) citadas acima, este tipo de pesquisa convoca a uma escuta sutil na convivência com as singularidades de todos os sujeitos envolvidos, estando o pesquisador atento ao surgimento de acontecimentos que tendem a ser ocultados ou não considerados nas pesquisas tradicionais, como por exemplo, aspectos que emergem dos encontros afetivos, aqueles que transpassam a relação técnica entre pesquisador e sujeito ou grupo pesquisado. Neste entendimento de pesquisa, o conhecimento é tecido em um movimento de interferências constantes na relação entre pesquisador e realidade pesquisada, onde todas as interferências ou produtos destes encontros devem ser considerados e analisados.

A pesquisa intervenção permite uma imersão do pesquisador em seu campo de pesquisa e guia a repensar e reestruturar os modelos tradicionais de investigação científica. Exatamente por esta abertura, nos faz atentar aos: “acontecimentos do cotidiano, pois eles são capazes de alterar a compreensão/percepção do que vem a ser: o sujeito/indivíduo; a relação; o lugar e o espaço; o papel social; a instituição e o instituinte” (GALVÃO, GLAVÃO, 2017, p.62).

Nessa compreensão de pesquisa, não cabe uma postura de saber colonizador, verticalizado e impositivo do pesquisador para com as outas pessoas que compõem a pesquisa. A ideia é pensar um modo de investigação democrática, que inclua o respeito às singularidades, à participação popular, instigando os sujeitos ao debate e a reflexão crítica, dos seus problemas e sofrimentos cotidianos e das situações de opressão.

Tais concepções são extremamente relevantes, contudo, ainda enfrentam o mesmo desafio há décadas, de críticas e questionamentos dentro de um modelo reducionista e fragmentado de investigação científica.

1.2. Aproximações entre Educação Popular em Saúde e Análise Institucional

Enquanto construíamos um caminho metodológico para nortear esta pesquisa e estruturar as nossas reflexões, atentamos que se tratava de uma pesquisa intervenção onde a pesquisadora esteve também, no lugar de trabalhadora. Com isso, se deu a importância de aprofundar neste estudo, os processos de educação em saúde que envolvem o fazer cotidiano dos trabalhadores da área.

O contexto da saúde mental na realidade de Currais Novos-RN, onde esta pesquisa aconteceu, expressa marcas de resistência e reinvenção frente a situações diversas, de opressão

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27 e preconceito, como iremos aprofundar a seguir, mostrando que o fazer de alguns profissionais, delinearam mudanças significativas na estrutura da RAPS, instituindo outras possibilidades de cuidado e produção de vida.

A partir disto, podemos refletir com o estudo de José Ivo Pedrosa (2007) que faz o diálogo da educação popular em saúde com alguns conceitos da análise institucional, apontando neste sentido, a uma dialética entre o instituído, o instituinte e o processo de institucionalização. Para o autor, a proposta de educação em saúde, que se insere pela política do Ministério da Saúde para formação dos profissionais, é entendida como momento instituinte – isso diante do momento já instituído da formação que os profissionais carregam tradicionalmente – e a educação popular estaria como processo de institucionalização, dispositivo de promoção da autonomia para profissionais e usuários.

E no caso dos profissionais de saúde, explicita Pedrosa (2007) que a educação popular proporciona a desconstrução de “vínculos e processos pedagógicos de assujeitamento dos atores à lógica racional e organizacional dos serviços de saúde” (p.1), tecendo assim, linhas de fuga para uma atuação profissional com novos olhares e práticas.

Este momento da institucionalização, ou momento da singularidade como aponta L’Abbate (2004), pode ser definido em decorrência da articulação entre o instituído e o instituinte: “que tensiona o cotidiano das práticas dos sujeitos, produzindo algo que não se constitui num caráter meramente reprodutor e repetitivo, mas, ao contrário, aponta para uma certa atualização, um ‘vir a ser’ em contínua transformação” (p.7).

Propomos tais reflexões, por entender, a partir do pensamento de L’Abbate (2004) que, atualmente, a sociedade tende a se preocupar bem mais com reformar ou dissolver as instituições já existentes, e segue por um processo quase que imediato de criação de novas estruturas, levando ao risco de reproduzir os mesmos erros das instituições passadas. Desse modo, mais uma vez alertamos ao campo da saúde mental, o cuidado para não estarmos construindo novos manicômios com outros nomes ou glamurosas estruturas.

Sendo nesta perspectiva que, a educação popular em saúde, institucionaliza transformações para a formação profissional, inserindo novos modos de subjetivação e singularização:

Dessa forma, a educação popular se insere como metodologia dialógica, problematizadora e reflexiva, avançando para além da transmissão de conhecimentos, criando possibilidades para a produção de saberes, apresentando uma intencionalidade sociopolítica na busca de uma sociedade mais justa e mais ética e propiciando o encontro de saberes distintos, embora complementares – o popular e o técnico-científico – na busca de soluções que sejam o produto de uma construção coletiva (PEDROSA, 2007, p. 11).

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28 O autor mostra a necessidade de se fazer uma saúde polifônica, ou seja, uma saúde múltipla de sentidos, diversa em cada um dos seus processos, seja na promoção ou no cuidado em saúde, mas sempre sensível à escuta singular dessa polifonia. A ideia é viver verdadeiramente essa subjetividade: “singularizando-se enquanto atores com potência para desencadear movimentos rebeldes e resistência aos impulsos externos paralisantes que a racionalidade técnico-científica e a lógica organizacional imprimem à saúde” (PEDROSA, 2007, p. 8).

Seguimos refletindo acerca da educação popular em saúde e das contribuições de alguns conceitos da análise institucional neste diálogo, e compomos com Solange L’Abbate (2004) sobre como alguns destes conceitos podem auxiliar no processo de educação em saúde. O primeiro, diz respeito modos de subjetivação, conceito desenvolvido por Félix Guattari, e compreende a múltipla e complexa subjetividade humana, ao mesmo tempo, a sensibilidade de estar atento e ouvinte a toda essa diversidade. O segundo conceito, é o de singularidade, desenvolvido por Gilles Deleuze, este complementa o conceito anterior, compreendendo que a subjetividade compõe um espaço singular, para além do individual, singularidades, enquanto potências em movimento de vir a ser. A autora aponta um outro conceito importante, o de implicação, desenvolvido por Barbier e Lourau. A implicação diz do nosso envolvimento, com o estado de presença, que deve ser compreendida e analisada. “Isto porque, se estivermos “desimplicados”, ou seja, alienados em relação às atividades que estamos realizando, provavelmente, nada acontecerá” (L’ABBATE, 2004, p. 8).

Sendo assim, esta pesquisa se propôs a construção de um espaço de produção de subjetividades e singularidades, não estamos preocupados com a produção científica que encontra respostas e enquadra conceitos, mas sim, com a produção da diferença, dos questionamentos e inquietações, com a desintegração dos conceitos e a reinvenção da própria vida. Isso tudo, gera movimento interno e externo a essa engrenagem da ciência, algo que não se faz sem a participação de todos os envolvidos, com pesquisadores e participantes, campo de pesquisa e instituição de ensino, docentes e discentes na horizontalidade dos encontros e na produção de novos sentidos.

Com isso, recordemos Paulo Freire (1981) que nos alerta acerca da necessária mudança de posição no fazer científico, decentralizando o saber dos profissionais pesquisadores, para uma compreensão de pesquisa emancipatória, onde: “a pesquisa como ato de conhecimento, tem como sujeitos cognoscentes, de um lado os pesquisadores profissionais; de outro, os grupos populares e, como objeto a ser desvelado, a realidade concreta” (p.35).

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29 Lembrando ainda que, tanto a educação popular como a análise institucional, brotam de um movimento de resistência social e política. A educação popular começa a se estruturar no final da década de 1950, inspirando resistência nos movimentos sociais contra o regime de ditadura militar que, vai se instaurar em praticamente todo o país entre os anos 1960 e 1970 (VASCONCELOS, 2011). Por outro lado, na França, no mesmo período dos anos 1960, a análise institucional surge, a partir de uma crise político ideológica e científico intelectual. Uma década mais tarde, ganha espaço no Brasil em plena ditadura militar. Ou seja, a constituição histórica de ambas as abordagens conceituais se toca profundamente, e nos toca atualmente, na realidade sócio-política que o Brasil vivencia e consequentemente, a saúde pública e o campo científico.

Sendo esta, uma pesquisa intervenção, estamos comprometidos com a produção científica que questiona a nossa atitude como pesquisadores, os procedimentos e os próprios resultados da pesquisa. Buscamos uma ciência transformadora da realidade e libertadora de tudo o que distancia teorias e práticas, pesquisador e campo de pesquisa. Segundo Lourau, na Análise Institucional, a ideia de pesquisa deve se voltar para a transformação de si mesmo e do seu lugar na sociedade, por meio de estratégias coletivas das experiências e análises (LOURAU, 1993, p. 85).

Assim, buscamos aqui, uma “atitude comprometida – e não neutra – diante da realidade que buscamos conhecer” (FREIRE, 2007, p.114). Compreendendo com isso, que o conhecimento acontece em um processo que implica a ação e a reflexão do ser humano sobre o mundo. Nesta atitude de ação-reflexão, toda intervenção realizada na pesquisa está direcionada a uma intervenção na realidade de vida de todos os envolvidos, além de uma reflexão crítica sobre a realidade, uma transformação pessoal e coletiva da mesma.

Ressaltamos que esta compreensão, sobre a ação-reflexão, não compromete a cientificidade da pesquisa, pois como expressa Freire (2007): “o caráter teleológico da unidade ação-reflexão, isto é, da práxis, com que o homem, transformando o mundo, se transforma, não pode prescindir daquela atitude comprometida que, desta forma, em nada prejudica nosso espírito crítico ou nossa cientificidade” (p.114).

A partir da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (BRASIL, 2012) notamos que: “No campo da saúde a característica de práxis da Educação Popular, no sentido da ação-reflexão-ação, coloca-a como estratégia singular para os processos que buscam o cuidado, a formação, produção de conhecimentos, a intersetorialidade e a democratização do SUS.” (p.12).

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30 Sendo assim, falar de cientificidade na perspectiva da educação popular, e mais, trazendo a ideia de amorosidade, pode parecer desafiador, pois esta, permite que a dimensão afetiva se incorpore como elemento estruturante, aos processos de promoção e recuperação da saúde. Desse modo, ampliamos as possibilidades de diálogo nas trocas de cuidado e ações educativas, ultrapassando a linguagem preocupada apenas com argumentações lógicas e comprovações científicas (BRASIL, 2012). Na escuta do outro, com abertura para o diálogo nesta perspectiva de inclusão de diversos conhecimentos, construímos algo mais coletivo e menos prescritivo: “O diálogo não torna as pessoas iguais, mas possibilita nos reconhecermos diversos e crescermos um com o outro; pressupõe o reconhecimento da multiculturalidade e amplia nossa capacidade de perceber, potencializar e conviver na diversidade” (BRASIL, 2012, p.16).

Com isso, avançamos no comprometimento ético e político, dialogando com conceitos que nos impulsionam a atos de valentia, na ciência e na saúde:

O afeto e a humildade, constituintes da amorosidade, diferenciam-se das situações de submissão presentes nas relações de dependência emocional, não podendo ser confundidos com sentimentalismo ou infantilização das relações de cuidado. Ao contrário, fortalece o compromisso com a superação de situações de sofrimento e injustiça. Enquanto referência para a ação política, pedagógica e de cuidado, a amorosidade amplia o respeito à autonomia de pessoas e de grupos sociais em situação de iniquidade, por criar laços de ternura, acolhimento e compromisso que antecedem às explicações e argumentações. Assim, traz um novo significado ao cuidado em saúde, fortalecendo processos inovadores já em construção no SUS como a humanização, o acolhimento, a participação social e o enfrentamento das iniquidades em saúde (BRASIL, 2012, p.16-17).

A partir deste entendimento, diálogo e amorosidade estiveram presentes em cada encontro afetivo, durante a pesquisa de campo, e na escrita desta dissertação: “Como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, se não gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor” (FREIRE, 1987, p.45).

Construímos assim, o caminho metodológico desta pesquisa, guiados pelos ensinamentos de Paulo Freire e da educação popular em diálogo com conceitos da análise institucional.

a. Local de pesquisa

Todas as linhas traçadas nesta metodologia, se dão por acreditar serem as mais apropriadas para ancorar a experiência vivida nesta pesquisa, analisar os dados e produzir reflexões críticas para o estudo. Antes de assumir o lugar de pesquisadora, eu já atuava no

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31 campo, e possuía relação de vínculo e confiança com o grupo de mulheres participantes da pesquisa. Estava a quase três anos trabalhando no CAPS e no Espaço TERAPICS, e desse modo, seria impossível uma relação de neutralidade e distanciamento entre pesquisadora e campo de pesquisa exigidos em outros métodos investigativos.

O estudo com estas mulheres se caracterizou como uma pesquisa intervenção de caráter qualitativa, lançando mão da análise de implicação para produzir reflexões acerca dos resultados vivenciados. Se deu no período de abril de 2018 a setembro de 2019 no município de Currais Novos-RN, localizado na região do Seridó Potiguar, parte do Nordeste brasileiro.

O Seridó está situado na Mesorregião Central do Rio Grande do Norte, composto por 23 municípios onde vivem cerca de trezentas mil pessoas com aspectos culturais, identitários e geográficos bem específicos se comparados a outras partes do estado (AZEVEDO, 2016). Segundo dados do censo 2010, Currais Novos possui 42.652 pessoas, destas, 37.777 residentes em área urbana e apenas 4.875 na área rural, o município apresenta 52% de sua população do sexo feminino (IBGE, 2019).

O projeto de pesquisa foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número de parecer 3.204.560 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 07084819.2.0000.5568.

b. Dos Círculos de Cultura ao agenciamento dos Círculos de Cuidados Nesta experiência propusemos o uso dos Círculos de Cultura para a fase de investigação no campo de pesquisa, com a intenção de ampliar as possibilidades de intervenção e investigação, possibilitando um espaço para que os sujeitos envolvidos pudessem ser ativos e participativos em todos os processos da pesquisa.

Sistematizados por Paulo Freire, os Círculos de Cultura, surgem na década de 1960, formado por trabalhadores populares que se encontravam em grupo, juntamente com um educador que exercia papel de coordenador na construção de um espaço para discussão de temáticas que eram escolhidas pelos próprios participantes.

Ainda que não tenha sido, a alfabetização, o objetivo central dos círculos, a experiência se desenvolve através da alfabetização de adultos nos estados do Rio Grande do Norte e de Pernambuco. A intenção de Paulo Freire sempre foi: “contribuir para que as pessoas assumissem sua dignidade como seres humanos e se percebessem detentores de sua história e de sua cultura, promovendo a ampliação do olhar sobre a realidade” (DANTAS, 2010, p.39).

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32 modos de pesquisa que tragam os sujeitos para o centro, ativos e participativos, deixando as ideias de sujeitos passivos e neutralidade, para o entendimento de que o trabalho do pesquisador se faz em diálogo e reflexão crítica com o todo.

Contudo, diante da realidade das mulheres participantes da pesquisa, de suas demandas e do contexto de cuidado em saúde mental em que se deu o estudo, os Círculos de Cultura precisaram ser ajustados, ao que nomeamos como Círculos de Cuidados, lançando mão de outras propostas metodológicas para agregar ao trabalho de grupo, e assim, responder ao que se apresentava como demanda pelas participantes.

Ainda que o cuidado tenha surgido como tema central, não deixamos de considerar as bases do Círculo de Cultura, enquanto espaço de reflexão crítica e política para emancipação dos sujeitos: “o ponto de partida para o trabalho no círculo de cultura está em assumir a liberdade e a crítica como o modo de ser do homem” (FREIRE, 1967, p.7).

A noção de Círculo de Cuidado que propomos aqui, não surgiu antecipadamente, até a qualificação desta dissertação utilizamos o termo Círculo de Cultura, sendo a partir das ponderações de um dos leitores da banca de qualificação, o professor Dr. Vladimir Félix, que pudemos agenciar uma nova expressão que melhor definia o que realmente foi esse momento de encontro com as mulheres participantes da pesquisa.

Embasados não apenas na proposta freiniana de Círculo de Cultura, fomos inspirados por outras propostas metodológicas para efetivação dos Círculos de Cuidado. A noção de PIC’s Grupais, que iremos aprofundar nos próximos capítulos, nos ajudou a construir um espaço acolhedor às dores e sofrimentos das mulheres participantes. Utilizamos de práticas como danças circulares, princípios da terapia comunitária, da tenda do conto, lava pés, massagem coletiva, corredor de cuidado, meditação e relaxamento.

A ideia de Oficina Psicossocial trazida por Maria Lucia Afonso (2010) dialoga com os Círculo de Cultura, e se tornou também, uma das nossas bases, pois além de um espaço de cuidado ou de um grupo terapêutico, os Círculos de Cuidado traziam um caráter reflexivo, era um espaço de produção de subjetividade e aprendizados mútuos. A autora estrutura o conceito de Oficina Psicossocial como um espaço que expande a compreensão racional de grupo: “envolve os sujeitos de maneira integral, formas de pensar, sentir e agir” (AFONSO, 2010, p.09).

E assim, se configurou também, os nossos Círculos de Cuidados, em movimento contínuo de interrelação de forças internas e externas. Com base nas ideias de Afonso (2010) sobre o grupo está sempre inserido em um contexto social onde se faz necessário a suas análises

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33 compreender a dinâmica externa e interna em inter-relação. A autora vai exemplificar essa dinâmica, dizendo que, no fluxo externo percebemos as forças institucionais, econômicas e sociais atuando sobre o grupo, e o movimento deste, em receptividade resistência ou passividade, a depender da situação. E no movimento interno, vai acontecer a organização dos mesmos, onde são construídas regras, papéis sociais, comunicação, entre outras coisas.

No caso do grupo que participou desse estudo, a dinâmica de fluxos internos e externos mostrou o que era emergente naquele momento, e assim, em processo coletivo, fomos montando cada círculo, escolhemos os temas geradores e a forma como seriam trabalhados. A dinâmica interna esteve mais próxima de um movimento de autonomia e empoderamento, as mulheres encontram espaço de fala e expressão e puderam conduzir, mudar as rotas, propor novos caminhos e assim direcionar os círculos para onde o desejo apontava.

Desse modo, diversas foram as inspirações que compuseram os Círculos de Cuidados realizados na pesquisa. Participavam cerca de 16 mulheres das atividades de dançaterapia no Espaço TERAPICS, mas como o grupo era aberto, houve uma rotatividade durante os Círculos de Cuidados, participando em torno de seis a oito mulheres em cada encontro. Destas, a maior parte tinha entre 30 a 50 anos de idade e eram casadas, as outras mulheres eram viúvas, solteiras ou divorciadas. Tivemos uma adolescente que participava com a sua mãe, e duas crianças que vieram em encontros pontuais pois estavam aos cuidados das avós que precisaram levá-las.

Dados relacionados às questões de raça não foram diretamente mencionados pelas participantes, nem atentado a ser investigado nas conversar individuais ou coletivas. Ainda assim, podemos caracterizar, com base nos seus relatos pessoais, duas das participantes como negras. Situação econômica e social, também não foram dados sobre os quais, nos debruçamos de modo especifico. Podemos mencionar que havia diversidade entre elas, algumas já eram aposentadas, uma das participantes trabalhava com o esposo na agricultura, outra, possuía com o esposo, um comércio de lanche, e uma das participantes era quem financeiramente, sustentava praticamente sozinha as despesas do lar, pois a alguns anos o esposo estava desempregado, duas eram trabalhadoras da rede, uma da saúde, outra da educação, praticamente metade do grupo se dedicava as atividades domésticas e ao cuidado dos filhos, ainda que fizesse algum trabalho informal para complementar a renda.

Das participantes, duas viviam na zona rural, as demais residiam na zona urbana. Foram realizados quatro Círculos de Cuidados no período de outubro a dezembro de 2018, os Círculos eram intercalados aos encontros de dança terapia realizados pela pesquisadora, que na época, era também trabalhadora da rede de saúde do município.

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34 Os Círculos de Cuidado foram estruturados de acordo com as etapas propostas por Paulo Freire para os Círculos de Cultura. O primeiro aspecto considerado foi o contato prévio com o grupo participante, para construção da confiança e dos vínculos, além de extrair, a partir desses encontros prévios, os possíveis temas norteadores dos círculos que posteriormente acontecem. Neste aspecto, já havia relação de vínculo e confiança com as mulheres através do grupo de dança e terapia que acontecia a quase um ano.

No segundo momento, é proposto uma dinâmica de sensibilização e descontração para que os processos criativos e reflexivos possam se dar com fluidez e harmonia, e que todos possam se expressar e se escutar. Este momento foi contemplado na dinâmica de lava-pés e massagem coletiva, onde exercitamos a expressão e o cuidar de si e do outro.

O terceiro ponto é a problematização a partir das questões norteadoras do círculo, momento em que se define no coletivo as palavras geradoras, ou seja, as temáticas trabalhadas em cada círculo. As etapas da fundamentação teórica e reflexão teórico-prática aconteceram durante e após as vivências do Círculo de Cuidado. Fazíamos a discussão e a reflexão da temática trabalhada, em movimento dos corpos, dançando, contando histórias, mas sempre partindo das experiências vividas por cada uma das participantes. Esse momento de reflexão tem a intenção de subsidiar possibilidades de perceber, lidar e modificar a realidade. Assim, fomos elaborando de forma coletiva, respostas aos questionamentos que surgiam.

As etapas finais são a síntese do que foi vivenciado e a avaliação de cada um dos círculos. Tendo as sínteses, um vasto campo de possibilidades, em especial o de inserir conteúdos criativos e artísticos para que os participantes possam sintetizar os aprendizados de um modo menos rígido e mais criativo, realizamos esta etapa na confraternização de celebração e encerramento do grupo que ocorreu em dezembro de 2018.

c. Um encontro desviante na rota pré-definida da pesquisa científica

Contudo, a pesquisa não encerrou por completo no quarto Círculo de Cuidado, enfatizamos que após o último encontro em 2018, passamos a nos debruçar nesta escrita, na análise e reflexão do conteúdo acessado até então. Não houve mais contato presencial entre pesquisadora e participantes, até que, em setembro de 2019 surgiu a possibilidade de reencontrar algumas das mulheres que participaram do estudo. O encontro não havia sido programado como parte da pesquisa, mas como já mencionamos, o caminho por onde inscrevemos este estudo não é rígido, o modelo de pesquisa escolhido nos permite desvios, retornos, movimentos e agenciamentos diversos. Sendo assim, não poderíamos deixar de inserir

Referências

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