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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO ANA ELIZABETH SOUZA SILVEIRA DE SIQUEIRA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS INTERDISCIPLINARES MULHERES, GÊNERO E FEMINISMO

ANA ELIZABETH SOUZA SILVEIRA DE SIQUEIRA

EMPODERAMENTO DE MULHERES AGRICULTORAS:

POSSIBILIDADES E LIMITES DE UM PROJETO

DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO SEMIÁRIDO BAIANO

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ANA ELIZABETH SOUZA SILVEIRA DE SIQUEIRA

EMPODERAMENTO DE MULHERES AGRICULTORAS:

POSSIBILIDADES E LIMITES DE UM PROJETO

DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO SEMIÁRIDO BAIANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo do Núcleo de Estudo Interdisciplinar sobre a Mulher – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo

Orientadora: Profa. Dra. Cecília Maria Bacellar Sardenberg

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Revisão de texto: Romulo José Ribeiro Costa Revisão final e Formatação: Vanda Bastos

______________________________________________________________________

Siqueira, Ana Elizabeth Souza Silveira de

S619 Empoderamento de mulheres agricultoras: possibilidades e limites de

um projeto de desenvolvimento rural no semiárido baiano /Ana Elizabeth Souza Silveira de Siqueira. – Salvador, 2014.

250 f.

Orientadora: Profª Drª Cecília Maria Bacellar Sardenberg.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2014.

1. Mulheres na agricultura - Bahia. 2. Liderança em mulheres. 3. Trabalhadoras rurais - Bahia. 4. Gênero. 5. Poder - Relações.

I. Sardenberg, Cecília Maria Bacellar. II. Título.

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ANA ELIZABETH SOUZA SILVEIRA DE SIQUEIRA

EMPODERAMENTO DE MULHERES AGRICULTORAS:

POSSIBILIDADES E LIMITES DE UM PROJETO

DE DESENVOLVIMENTO RURAL NO SEMIÁRIDO BAIANO

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.

Salvador, 25 de agosto de 2014

Banca Examinadora

Cecília Maria Bacellar Sardenberg (Orientadora) ___________________________________ Doutora em Antropologia Social

Boston University. EUA Universidade Federal da Bahia.

Ana Alice Alcântara Costa _____________________________________________________ Doutora em Sociologia Política pela Universidad Nacional Autonoma de México

Universidade Federal da Bahia.

Tatiana Ribeiro Velloso _______________________________________________________ Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe

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A Maria Valderez, mãe amada,

por ser a primeira “Maria” em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Estou muito feliz por finalmente estar escrevendo os agradecimentos de minha dissertação, porque isto significa que estou na reta final deste longo e rico processo de aprendizado... Foi um trabalho solitário, às vezes angustiante, impossível, porém, sem a colaboração e o carinho de tantos.

Agradeço, primeiramente, a Deus que, através de Nossa Senhora da Conceição, está sempre presente em minha vida, enchendo-me de fé e força para trilhar a caminhada difícil e prazerosa da vida. Algumas pessoas foram fundamentais nesta conquista. Pelo começo, agradeço a minha amiga Lúcia Calil, por ter me estimulado a fazer o Mestrado, enviando o edital de seleção, e pelas longas e boas conversas sobre como trabalhar gênero no Projeto Gente de Valor.

Agradeço ao meu companheiro, Ruben Siqueira, pela presença em todas as horas, por ter me ouvido nas dúvidas e ajudado a pensar o trabalho, por me orientar, estimular, criticar e fazer correções. Sou grata aos meus “filhotes” Naiara, Cainan e Uirá: esta minha “tribo” sempre me apoiou, tolerou ausências e angústias e torceu por mim. Aos meus pais, Marcos (Quito) e Maria Valderez, que, mesmo sem entender muito bem o que significa um estudo de Gênero, sempre me motivaram a estudar e a lutar pelos meus sonhos. Aos meus irmãos, Marcos, Marconi, Murilo e Marcílio, a minhas cunhadas-irmãs, Adália, Jaqueline, Fabíola, e a Priscilla, minha sobrinha, por estarem sempre a perguntar, apoiar e a torcer por mim. Ao meu sobrinho, Marcos Júnior, por iniciar as transcrições das fitas e a minha cunhada, Darlene, pelo apoio nas traduções. A Lourdinha, pelo seu carinho e cuidado comigo.

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experiência, pela parceria em texto, pelo comprometimento com a luta das mulheres agricultoras, pela contribuição com questionamentos técnicos, metodológicos e políticos da pesquisa, e, principalmente, pela amizade construída a partir da nossa intervenção prática no campo.

Muito especialmente, agradeço a todas as “Marias”, mulheres agricultoras que participaram da pesquisa, contaram suas histórias de vida, compartilharam comigo suas trajetórias e experiências no espaço doméstico e no público. Sou-lhes muitíssimo grata pela acolhida, confiança e pela amizade que se concretizou neste processo e por me ajudarem a refletir as potencialidades e limites do Projeto Gente de Valor. Meus sinceros agradecimentos à Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Baixa da Roça e à Associação Comunitária e Cultural do Bariri, Rio Seco, Alto e Rio Quente de Cima, por aceitarem participar dos grupos focais, possibilitando-me ouvir os homens e ter a visão das organizações sobre a intervenção do PGV.

Agradeço, profundamente, aos amigos, chefes de escritórios regionais do PGV, Geraldo Varjão, Adailton e Rejane, por participarem da pesquisa com toda a boa vontade, por me acompanharem nas idas às comunidades para as entrevistas com as mulheres, por me contarem suas trajetórias e experiências pessoais e compartilharem suas críticas e questionamentos ao trabalho desenvolvido pela assessoria de gênero do PGV.

Agradeço a minha orientadora Cecília Sardenberg – ou seria “desorientadora”, como ela mesma diz? –, pelo apoio, estímulo e parceria em todas as etapas do trabalho. E por deixar-me à vontade para buscar meus próprios caminhos. Agradeço, também, às duas professoras da Banca de Qualificação, Ana Alice Costa (NEIM/UFBA) e Tatiana Velloso (CETENS/UFRB), por suas contribuições extremamente relevantes para que eu pudesse seguir adiante e concluir o processo de elaboração.

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Educar um homem é educar um indivíduo, mas educar uma mulher é educar uma sociedade.

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RESUMO

Esta dissertação se volta para a investigação e análise da participação de mulheres agricultoras no associativismo comunitário e na produção agrícola/agroecológica. Tem por objetivo identificar de que forma e em que medida o exercício de cargos e funções de direção, administração e gestão de recursos como executoras de projetos governamentais de desenvolvimento rural propicia processos de empoderamento destas mulheres no espaço público e no âmbito doméstico-familiar. Para tanto, foram registradas e analisadas as trajetórias e experiências de mulheres agricultoras familiares que participaram das ações desenvolvidas pelo Projeto Gente de Valor, da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, empresa pública do Estado da Bahia, em parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, em 34 municípios da região semiárida, entre 2007 e 2012. Os dados foram obtidos a partir de uma abordagem qualitativa, baseada em observações de campo, na realização de dois grupos focais e no registro de históriasde vida de 10 mulheres que estão à frente das associações comunitárias locais ou que participam ativamente dos grupos produtivos. Abordamos, também, as concepções e práticas no âmbito do Projeto Gente de Valor, relativas ao trabalho com enfoque de gênero e como este é compreendido pelos agentes técnicos e técnicas e pelas próprias mulheres. Os resultados obtidos são indicativos de que as mulheres agricultoras se empoderaram, principalmente no nível do empoderamento individual, mas, também, no nível organizacional. À luz da teoria feminista, concluímos que esses importantes avanços são maiores na perspectiva desenvolvimentista a que se limita o Estado, influenciado por organismos multilaterais financeiros. Porém, isto não impediu que algumas mulheres, com seu engajamento social e político e articulação em redes com pessoas e organizações, potencializados pelo Projeto Gente de Valor, tenham se empoderado, também, na perspectiva feminista.

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ABSTRACT

This dissertation refers to the participation of women agriculturalists in production and in community associations. The main purpose of this paper is to identify in what form and to what extent the practice of administering position where agriculturists women occupy decision making positions and administering resources in governmental projects contributes to their growth, and, as such, to their empowerment in public spaces and domestic environment. The research data were collected in the course of the experiences of women small farmers participating in the activities and workshops promoted by “Gente de Valor” Project developed by the Company for Development and Regional Action, a public agency of the State of Bahia in partnership with the Agriculture Development International Fund , in 34 counties of the semi-arid region between 2007 and 2012. The data were obtained from a qualitative approach, based on systematic field observation of two focal groups and the testimony of 10 women agriculturist’s life histories, ahead of the associations or of those who actively participate in agriculture productive communities. We also reflected upon “Gente de Valor” Project conceptions and practices related to work with gender focus and how this process is understood (or not) by agency personnel and the women themselves. The results indicate that the women farmers were empowered not only at the organizational perspective, but mostly at the individual level. In the light of the feminist theory, we conclude that these significant improvements are most likely to increase from a developmental perspective thus considered by the State, under the influence of multilateral financial institutions. However, this does not detract the fact that some women, with social commitment and political articulation in networks with people and organizations, supported by the “Gente de Valor” Project were also empowered from a feminist perspective.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Localização dos municípios pertencentes às Regiões Nordeste e Sudoeste

selecionados para o Projeto Gente de Valor, 2010 ... 82 Gráfico 1 Distribuição percentual da população segundo a escolaridade, Projeto Gente de

Valor, 2009 ... 94 Gráfico 2 Distribuição percentual dos responsáveis pelo domicílio segundo o gênero, por

especificidade sociocultural, Projeto Gente de Valor, 2009 ... 102 Gráfico 3 Distribuição etária dos moradores segundo a especificidade sociocultural e

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Níveis e indicadores do processo de empoderamento ... 61 Quadro 2 Informações gerais sobre as mulheres entrevistadas ... 101 Quadro 3 Perfil dos técnicos e da técnica do Projeto Gente de Valor a Região Nordeste

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 População beneficiada dos municípios integrantes do Projeto Gente de Valor

selecionados para a pesquisa ˗˗ Estado da Bahia, 2009 ... 91 Tabela 2 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dos municípios

integrantes do Projeto Gente de Valor selecionados para a pesquisa ˗˗ Bahia,

2010 ... 93 Tabela 3 Taxa de analfabetismo ampla da população com mais de 14 anos, por

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADS Agente de Desenvolvimento Subterritorial ANA Articulação Nacional de Agroecologia

ANMTR Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais ARCAS Associação Regional de Convivência Apropriada ao Semiárido ATER Assistência Técnica e Extensão Rural

BB Banco do Brasil

BIRD Banco Mundial

CAR Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional CDST Conselhos de Desenvolvimento Subterritorial CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

CEDITER Comissão Evangélica dos Direitos da Terra

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CMDCA Conselho Municipal da Criança e do Adolescente

CME Conselho Municipal de Educação

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura COOPERACAJU Cooperativa da Cajucultura do Nordeste da Bahia

CNPM Conferência Nacional de Políticas CPF Cadastro de Pessoa Física

CPT Comissão Pastoral da Terra

DPMR Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais DRP Diagnóstico Rural Participativo

EAD Educação a Distância

EBDA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

EFA Escola Família Agrícola

FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura FETAGs Federações de Trabalhadores na Agricultura

FIDA Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação GAD Gender and Development

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GEMAA Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa GPP-GER Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IDS Institute of Development Studies

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IRPAA Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada MAB Movimento dos Atingidos pelas Barragens

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MI Ministério de Integração Social

MMC Movimento de Mulheres Camponesas

MMM Marcha Mundial das Mulheres

MMTR-NE Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste

MOP Manual de Operação do Projeto

MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MSTTR Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais NEIM Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAA Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar

PAE Programa de Alimentção Escolar

PAG Plano de Ação em Gênero

PAGE Programa de Assessoria de Gênero OSC Organização da Sociedade Civil

PEA População Economicamente Ativa

PEC Proposta de Emenda Constitucional

PGV Projeto Gente de Valor

PIB Produto Interno Bruto

PJR Pastoral da Juventude Rural

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PNATER Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural PNDTR Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural PNHR Programa Nacional de Habitação Rural

PNPM Plano Nacional de Políticas para Mulheres

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento POPMR Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais

PPA Plano Plurianual

PRODECAR Projeto de Desenvolvimento Comunitário para as Áreas Rurais mais Carentes do Estado da Bahia

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PROGAVIÃO Projeto de Desenvolvimento Comunitário da Região do Rio Gavião

PRONAT Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais PRONATER Programa Nacional de ATER

PT Partido dos Trabalhadores

REDOR Rede Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero

SEAGRI Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura

SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEDIR Secretaria do Desenvolvimento e Integração Regional SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia SETRE Secretaria do Trabalho Emprego Renda e Esporte SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres STTRs Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNIFEM Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 19

FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 26

1 TEORIZANDO SOBRE O PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE MULHERES ... 35

1.1 CONCEITUANDO EMPODERAMENTO ... 36

1.1.1 Na perspectiva de desenvolvimento ... 36

1.1.2 Na perspectiva feminista ... 39

1.2 DIMENSÕES HISTÓRICAS ... 43

1.3 DIMENSÕES DO PROCESSO DE EMPODERAMENTO ... 51

1.4 NÍVEIS OU SUJEITOS DE EMPODERAMENTO ... 52

1.5 OPERACIONALIZAÇÃO DO EMPODERAMENTO NO PROJETO GENTE DE VALOR ... 57

1.6 COMO ESTUDAR O EMPODERAMENTO DAS MULHERES ... 59

2 CONTEXTUALIZANDO A BUSCA DO EMPODERAMENTO DE MULHERES AGRICULTORAS ... 63

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO ... 63

2.1.1 Breve histórico da luta recente das mulheres ... 63

2.1.2 A luta dos movimentos de mulheres rurais no Brasil ... 64

2.2 CONTEXTO POLÍTICO BRASILEIRO ... 69

2.2.1 Conceitos relevantes ... 71

2.3 GÊNERO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E NO PROJETO GENTEDE VALOR ... 77

2.4 BREVE HISTÓRICO DO PROJETO GENTE DE VALOR ... 78

2.4.1 Estratégias de gênero do Projeto Gente de Valor ... 85

3 MULHERES AGRICULTORAS FAMILIARES NO PROJETO GENTE DE VALOR ... 89

3.1 CONTEXTUALIZAÇÕES DA ÁREA ESTUDADA/PESQUISA ... 89

3.2 CARACTERIZAÇÃO DAS MULHERES PESQUISADAS ... 95

3.3 DADOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS ... 102

3.3.1 Participação e apropriação/construção de conhecimentos ... 107

3.3.2 O olhar das mulheres pesquisadas e as dificuldades em participar ... 111

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4 O OLHAR DE OUTROS ATORES SOBRE O ENTRELAÇAR DO PROCESSO

DE EMPODERAMENTO ... 116

4.1 GRUPOS FOCAIS: O QUE PENSAM OS HOMENS SOBRE AS MULHERES? ... 116

4.1.1 Sinais de mudanças nas relações de gênero ... 123

4.2 OUVINDO OS FACILITADORES NO PROCESSO DE EMPODERAMENTO ... 129

5 TRAJETÓRIAS E EXPERIÊNCIAS DAS MULHERES AGRICULTORAS ... 146

5.1 GÊNERO E A INTERSECCIONALIDADE COM OUTRAS CATEGORIAS ... 146

5.2 AS MULHERES AGRICULTORAS: HISTÓRIAS DE VIDA E EMPODERAMENTO ... 152

5.2.1 Infância ... 152

5.2.2 Adolescência e juventude ... 165

5.2.3 O trabalho como empregada doméstica ... 170

5.2.4 O despertar da sexualidade, namoro e casamento ... 174

6 PROJETO GENTE DE VALOR: EMPODERAMENTO E/OU DESEMPODERAMENTO DAS MULHERES AGRICULTORAS? ... 180

6.1 EMPODERAMENTO PSICOLÓGICO OU INDIVIDUAL ... 180

7 O CURSO DO EMPODERAMENTO ORGANIZACIONAL ... 210

7.1 O EMPODERAMENTO NO NÍVEL DE COMUNIDADE ... 220

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 230

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem como tema a participação de mulheres agricultoras familiares na produção agrícola/agroecológica e no associativismo comunitário no qual passam a exercer cargos e funções de direção, administração e gestão de recursos como executoras de projetos governamentais de desenvolvimento rural. Pretende-se demonstrar que esta inserção nos espaços organizativos e produtivos contribuiu para o crescimento pessoal, social e político dessas mulheres, levando-as a se empoderar no espaço público.

Reflito, a partir de uma perspectiva feminista, sobre como se dá esta inserção das mulheres agricultoras familiares, ao ousarem exercer, em suas comunidades rurais, atividades tidas como incomuns para mulheres. Elas protagonizam um processo de construção individual e coletiva de um possível empoderamento com significativas repercussões sociais.

O estudo foi construído a partir de uma pesquisa em torno da intervenção do Estado por meio do Projeto Gente de Valor (PGV), da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), vinculada à Secretaria do Desenvolvimento e Integração Regional (SEDIR) do Governo da Bahia. O Projeto Gente de Valor começou a ser implementado no início de 2007 pela CAR, com prazo de execução de seis anos e encerramento previsto para dezembro de 2012. É um Projeto do Governo do Estado da Bahia em parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), órgão das Nações Unidas (ONU). Sua área de abrangência compreende 34 municípios da região semiárida, todos com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sendo 26 municípios na região Nordeste do Estado1 e oito na região Sudoeste2.

A CAR é uma empresa pública que atua, desde 1983, nos 417 municípios do Estado da Bahia. Coordena programas de combate à pobreza rural, realiza vários investimentos expressivos em infraestrutura física e em capital humano, social e produtivo nas ações de desenvolvimento rural na Bahia e executa vários programas e projetos de desenvolvimento, dentre eles, o Projeto Gente de Valor.

1 Abaré, Adustina, Antas, Banzaê, Cansanção, Canudos, Chorrochó, Cícero Dantas, Coronel João Sá,

Euclides da Cunha, Fátima, Glória, Heliópolis, Itapicuru, Jeremoabo, Macururé, Monte Santo, Nordestina, Novo Triunfo, Paripiranga, Pedro Alexandre, Quijingue, Ribeira do Amparo, Rodelas, Santa Brígida e Sítio do Quinto.

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O Projeto Gente de Valor visa o desenvolvimento rural realizado na região semiárida do Estado3, adotando uma perspectiva territorial que prevê o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental de forma integrada. Foi pensado e implementado conforme os ditames do modelo neoliberal4, segundo as orientações do governo federal referenciadas nos “Objetivos do Milênio da ONU” (UNESCO–Brasil, 2005) que visam reduzir, significativamente, os níveis de pobreza e a pobreza extrema das comunidades rurais do semiárido brasileiro. Para tal, o projeto tem o objetivo de melhorar as condições socioeconômicas das comunidades rurais pobres através de um desenvolvimento social e econômico ambientalmente sustentável com equidade de gênero, tendo como diretrizes estratégicas o empoderamento e a participação das comunidades rurais nos processos de desenvolvimento local e o desenvolvimento produtivo e de mercado, com enfoque na cadeia produtiva e no uso sustentável dos recursos naturais do semiárido.

Especificamente, no desenvolvimento da pesquisa, busquei descrever e analisar as estratégias desenvolvidas na prática pelo PGV na perspectiva de gênero, tida como um dos temas transversais do projeto.

O interesse pelo tema vem de minha experiência como engenheira agrônoma, mulher, militante da agroecologia em entidades não governamentais e, atualmente, Assessora de Gênero do Projeto Gente de Valor. Pessoalmente identificada com o feminismo e com a luta das mulheres, venho acompanhando, com particular interesse, a trajetória destas agricultoras familiares. Tendo observado, ao longo desta trajetória de muitos anos assessorando movimentos sociais no campo assim como participando diretamente da

3 Entre 2009 e 2012, o PGV atuou em 34 municípios do Semiárido da Bahia, 26, na região nordeste e

8, na região sudoeste, a saber: Nordeste ˗˗ Abaré, Adustina, Antas, Banzaê, Cansanção, Canudos,

Chorrochó, Cícero Dantas, Coronel João Sá, Euclides da Cunha, Fátima, Glória, Heliópolis, Itapicuru, Jeremoabo, Macururé, Monte Santo, Nordestina, Novo Triunfo, Paripiranga, Pedro Alexandre, Quijingue, Ribeira do Amparo, Rodelas, Santa Brígida e Sítio do Quinto; Sudoeste ˗˗

Aracatu, Boa Nova, Bom Jesus da Serra, Caetanos, Manoel Vitorino, Mirante, Planalto e Poções. Foram atendidas 282 comunidades rurais, constituídas por agricultores e agricultoras familiares ou quilombolas ou indígenas; criadas (34) e regularizadas (77), um total de 111 associações comunitárias e apoiadas e fortalecidas 14 cooperativas. Participaram 18.820 mulheres e 17.652 homens durante o período de desenvolvimento do projeto (2007 a 2012). Dados do “Relatório de

Acompanhamento FIDA Sistema de Resultados de Primeiro e Segundo Nível” (RIMS, 2012).

4 Estes ditames passam a empreender um processo de transformação produtiva e tecnológica,

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implementação de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, que, apesar da participação crescente das mulheres agricultoras nas atividades produtivas e organizativas, elas continuam a enfrentar barreiras para se inserirem no espaço público. Entre os desafios, têm que disputar poder nas relações de gênero em casa e na comunidade, desde o cotidiano até os espaços próprios da política a elas vedados ou apenas parcialmente permitidos ou conquistados.

Pensando nessa realidade, o que se segue é um esforço de situar as pessoas e grupos que são objeto do estudo em seu contexto social, enquanto mulheres agricultoras familiares da região nordeste da Bahia, semiárida. Busco integrar a riqueza do olhar antropológico com as limitações do pensamento objetivista de uma pesquisadora com formação na engenharia agronômica. Meu primeiro encontro com a antropologia se deu na convivência acadêmica, em 1991, quando fiz a disciplina Antropologia Cultural, no Curso de Especialização em Associativismo, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). E, mais recentemente, no diálogo em sala de aula no Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), durante as aulas da disciplina Dinâmica das Relações de Gênero e de Classe com uma antropóloga, minha professora e orientadora, Cecília Sardenberg, que me encantou com o rico e crítico debate sobre a teoria feminista.

Percebo que é necessária ao exercício do estudo a reconstrução analítica do campo, que demanda um grande esforço, enquanto uma pesquisadora ainda em processo de aprendizado nesta difícil tarefa de pesquisa de campo e escrita. Para tanto, estudo as diferentes trilhas percorridas nesse processo vivenciado pelas mulheres agricultoras familiares nos espaços privado e público, os percalços por elas enfrentados para participarem destes espaços, a sobrecarga de trabalho, a dominação sexista e as responsabilidades produtivas e reprodutivas. No espaço público, observo o desempenho das mulheres participantes do PGV na gestão das associações, espaço de poder político mais próximo e acessível a estas comunidades rurais. Interessa-me melhor conhecer como vem se dando a participação das mulheres agricultoras à frente de associações comunitárias, assumindo cargos diretivos e exercendo poder de decisão: será que isto tem franqueado a elas o poder de agenda nos temas que afetam suas vidas, nos programas e nas políticas especiais para as mulheres?

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função da sua participação nas associações produtivas comunitárias, impactos sobre as relações de gênero tradicionais na família e na comunidade. Existem poucos estudos abordando esta temática à luz das teorias feministas bem como carência de informações sobre como diferentes mulheres vivenciam o processo de empoderamento.

As contribuições deste estudo dizem respeito, primeiro, em uma perspectiva de empoderamento emancipatório, ao crescimento pessoal e como sujeitos políticos das próprias mulheres enquanto gestoras de suas organizações e demandantes e coexecutoras de políticas públicas de desenvolvimento em suas comunidades; que elas possam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão nos espaços doméstico e público. Em segundo lugar, acredito ser sumamente necessário estudar as estratégias de intervenção de um projeto governamental na perspectiva de gênero, com o objetivo de fomentar a equidade e o empoderamento, suas ações, as ferramentas utilizadas e os resultados alcançados. Creio ser importante analisar suas dificuldades e avanços ao executar suas propostas, observar o entendimento e a prática sobre as questões de gênero pelos técnicos e técnicas do Estado. Aqui, a contribuição visa a construção de conhecimento institucional que possa favorecer o interesse e a incorporação efetiva da perspectiva de gênero nos demais projetos da CAR e mesmo de outros setores governamentais, organizações da sociedade civil e agências de desenvolvimento, como um componente essencial ao desenvolvimento rural na perspectiva sustentável.

O objeto deste estudo é, portanto, o processo de empoderamento das mulheres agricultoras familiares que participaram do Projeto Gente de Valor, a maneira como elas vêm se constituindo como sujeitos políticos, no semiárido baiano. São mulheres que se mobilizam e se articulam através de grupos de interesses e de associações, organizam experiências produtivas e de comercialização em busca de melhores condições de vida.

Investigo de que forma, e em que medida, vem se processando o empoderamento das mulheres agricultoras familiares na participação que tiveram no Projeto Gente de Valor. Proponho-me a identificar e analisar, em especial, até que ponto as estratégias de intervenção com perspectiva de gênero, através de um processo participativo de capacitação e sensibilização em gênero, contribuíram para desconstruir responsabilidades de gênero pré-estabelecidas e reestruturar relações de poder na perspectiva de um novo modelo de desenvolvimento rural nas comunidades, como se propunha o PGV.

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como vem se dando o empoderamento dessas mulheres nos espaços domésticos e públicos; (iii) analisar de que forma e em que medida a estratégia de gênero do Estado, empregada no Projeto Gente de Valor, tem proporcionado às mulheres agricultoras familiares o deslanchar de processos de empoderamento pessoal, social e político; e (iv) analisar como e em que medida o processo de formação na área produtiva (agroecológica) e organizativa (associativismo), desenvolvido pelo PGV, contribuiu para a autonomia e empoderamento das mulheres agricultoras nas associações e nas comunidades.

Interessa, também, examinar as tensões, dificuldades, limites e avanços na igualdade de oportunidades que se pode observar nas relações de gênero, no âmbito familiar e na comunidade, estabelecidas pela participação das mulheres agricultoras, principalmente no associativismo comunitário, exercendo cargos de direção, administrando e gerindo recursos como executoras de projetos governamentais. Se há empoderamento das mulheres agricultoras a partir da intervenção estatal, onde, quando se pode observá-lo, como ele se expressa, que consequências tem para o conjunto das relações sociais?

Em um plano mais amplo, esta dissertação se insere na perspectiva dos chamados Estudos Feministas, um campo multidisciplinar de conhecimentos que se desenvolveu nas ciências humanas e sociais a partir da década de 1970. É um estudo engajado, no sentido de que sua proposta é contribuir para dar visibilidade às mulheres agricultoras familiares e suas organizações.

Ao estudar as trajetórias de vida dessas mulheres agricultoras familiares que participam das atividades do Projeto Gente de Valor, tento compreendê-las à luz das contribuições de diversos autores e autoras que estudam gênero como uma categoria de análise e que nos ajudam a entender as questões desta temática e sua pertinência como explicação e/ou questionamento das situações empíricas. Sobre a proposta de intervenção do Projeto Gente de Valor na perspectiva de gênero, que vem sendo desenvolvida desde 2007, busco construir um olhar crítico a partir das teorias feministas, levantando argumentos para debater estereótipos e preconceitos de gênero, raça, classe e geração.

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fundamentos teóricos e metodológicos da crítica feminista à teoria social. As principais categorias que nos ajudam na compreensão do problema e suas implicações são: empoderamento, relações de poder, patriarcado, gênero, mulher, raça/etnia, geração, trajetória, experiência, diferença e interseccionalidade.

Observo que, enquanto empoderamento feminino, este processo cobra um preço na vida pessoal e pública destas mulheres, pois tensões têm sido geradas nas famílias e nas comunidades, com dificuldades nas relações entre cônjuges, entre parentes e entre vizinhos. Neste contexto, estou dialogando com o conceito de empoderamento de mulheres a partir de uma perspectiva feminista, ou seja, como um processo da conquista de autonomia, de autodeterminação, implicando, portanto, na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal construída historicamente. Neste sentido, diálogo com o pensamento da feminista Srilatha Batliwala (1994) quando afirma que o empoderamento é um processo individual e coletivo de questionar as ideologias e as bases das relações de poder patriarcais em vigor. Percebo, com Magdalena de León (2001), que o processo de empoderamento começa, no caso dos indivíduos, quando eles/as, além de reconhecerem as forças que os oprimem, se mobilizam através de ações coletivas dentro de um processo político para mudar esta realidade e as relações de poder existentes.

As mulheres agricultoras familiares do semiárido do nordeste, em geral, vivem, cotidianamente, o peso da cultura machista, sexista e patriarcal. A formação doméstica reafirma o poder legitimado do homem sobre as mulheres, mantendo-as oprimidas na família, assumidamente figuras subalternas (SAFFIOTI, 1992). Esta dominação se materializa e se corporifica por intermédio da cultura, das tradições e da divisão sexual do trabalho, que impõe, desde muito cedo, sobre quem tem o sexo “fêmea”, o desempenho de determinadas tarefas ditas femininas. Nas relações familiares e comunitárias destas mulheres, observamos como a ordem de gênero patriarcal ainda impera e é mantida cotidianamente por homens e mulheres as quais, por outro lado, reproduzem o patriarcado e se tornam peças importantes na sua reprodução e continuidade, por meio, sobretudo, da educação dos filhos e filhas.

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Joan Scott nos ajuda a compreender a categoria gênero e a defini-la. Segundo ela: “O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (1995, p. 86). Acreditando que o propósito de Scott foi tornar bem visível e especificar como se deve pensar o efeito do gênero nas relações sociais e institucionais, adoto aqui esta definição de gênero, considerando-a uma categoria de análise relacional que possibilitará perceber a dinâmica das relações sociais de gênero vividas pelas mulheres agricultoras aqui pesquisadas. Na interpretação de Scott (1995), o gênero deve ser compreendido como uma manifestação de relações de poder porque estabelece, entre homens e mulheres, entre as próprias mulheres e também entre os homens, um acesso diferenciado aos recursos simbólicos e aos recursos materiais da sociedade. O poder é entendido na perspectiva foucaultiana como relacional, como algo que circula, se pratica e se exerce. Para Michel Foucault (1985), o poder não é algo que se detém como uma coisa, não é apropriado como bem. O que existe são práticas ou relações de poder nas quais, a depender da relação, podemos ora ocupar o lugar do dominante ora ser o dominado. Estas relações se apresentam entre pessoas de classes sociais diferentes, raças e etnias diferentes, pessoas de mesmo sexo ou de sexo diferente.

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É o caso das mulheres agricultoras familiares investigadas que, ao assumirem um cargo na associação, mulheres antes confinadas à esfera doméstica – onde o modo de organização da família implica uma rígida hierarquia moral que estabelece posições sociais, deveres e obrigações próprias a cada um, conforme a inserção de gênero e de geração – precisam tentar equilibrar as posições pelo exercício de sua autonomia como ser humano igual aos homens, como cidadãs com os mesmos direitos sociais que seus companheiros ou irmãos. Ao ocuparem este espaço, as mulheres têm acesso à espécie de autoridade, prestígio e valores culturais tidos como prerrogativas exclusivas do homem.

Ao reconhecer as relações de gênero estabelecidas, precisamos superar as desigualdades que se materializam no cotidiano destas relações. A equidade de gênero e o acesso, através do associativismo, ao exercício de cidadania buscam possibilitar o acesso às políticas públicas. As capacitações previstas contribuem, principalmente, para a qualificação das mulheres, fortalecendo suas capacidades para um bom desempenho em cargos diretivos e nas suas organizações. Observo que, através de um trabalho específico com as mulheres, preparando-as e capacitando-as, pode-se conseguir que participem dos processos e espaços representativos com uma maior consciência de suas responsabilidades e que ocupem cargos de poder com autonomia. Para tanto, cabe trabalhar na perspectiva do seu empoderamento e de suas lideranças, estimulando a autoestima, na expectativa de mudanças reais de mentalidade e de atitude que deem substância à sustentabilidade desejada para o desenvolvimento rural.

FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste estudo, tentei manter todo o tempo o diálogo entre prática e teoria feminista, adotando uma perspectiva interdisciplinar e baseando-me nas Standpoint Theories.5 Trabalhei com estas teorias por proporcionarem uma perspectiva da visão de mundo feminista com a qual me identifico a partir da minha própria experiência profissional. É este o lugar de onde falo e faço minhas escolhas metodológicas. Sei das possibilidades de conexões e aberturas inesperadas que o conhecimento situado oferece. Na verdade, o modo de encontrar, nesta

5 As teorias de perspectiva são desenvolvidas pelo feminismo, a partir da afirmação de que o lugar

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pesquisa, uma visão mais ampla desses saberes localizados da pesquisadora – meu, enquanto assessora de gênero em um projeto de desenvolvimento rural – e dos atores – mulheres e homens agricultores, técnicos e técnicas que participaram do projeto – é, em particular, de onde se vê e se fala a partir da construção de um conhecimento situado e corporificado.

Neste sentido, durante a pesquisa, apoiada na minha história profissional prática, trabalhei com uma epistemologia como reflexão ligada à própria produção do conhecimento científico e com uma vigilância interna crítica sobre os procedimentos e os resultados. Acredito que a epistemologia escolhida leva à reflexão de seus fundamentos e reflete sobre a pertinência dos conceitos, das teorias e dos métodos utilizados.

Trabalhei em uma perspectiva de ciência libertadora, mesmo sabendo que a ciência é androcêntrica, se tornou hegemônica, não é pura nem neutra, tem uma ideologia e está a serviço de um determinado interesse e de uma visão de mundo. Trabalho com uma perspectiva feminista da ciência por acreditar que, a partir da análise feminista, podemos questionar a filosofia androcêntrica e contribuir para o diálogo e o embate entre a ciência e a sociedade. O desafio é tentar compreender a ambivalência e a complexidade intrínsecas da ciência que, mesmo sendo libertadora, traz possibilidades de subjugação. Para compreender este problema tenho que desconstruir a ideia da ciência “boa”, que só traz benefícios, e da ciência “má”, que só traz prejuízos. Sei que o processo de crescimento e de extensão do saber do conhecimento científico é também de transformações e de rupturas com uma teoria. Reconheço que a metodologia feminista é o caminho que melhor dialoga com a pesquisa aqui proposta, pois adoto as lentes feministas durante a investigação. Concordo com Cristina Bruschini (1992) quando afirma que, independente do método adotado durante a pesquisa, devemos ficar atentas às questões de gênero, que devem estar presentes em todas as etapas.

Problematizo a construção da trajetória desse tema na vida dessas mulheres a partir do olhar de gênero na perspectiva da crítica feminista, fazendo a interseção entre gênero, classe, raça e geração. Sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, busco uma profunda identidade do método com a teoria.

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Trabalho com pesquisa participante, por entender que é um caminho que possibilita uma construção de relações mais democráticas entre as pessoas envolvidas e uma melhor interação entre os atores, atrizes, técnicos, técnicas e a pesquisadora. E, também, por acreditar que a pesquisa participante facilita obter as informações e observar em campo o empoderamento ou não destas mulheres agricultoras. Para tal, investigo as mulheres agricultoras que participaram do grupo de experiência produtiva (quintal produtivo, corte e costura, artesanato de fiapo e bordado) mesmo sendo grupos de trabalho tradicionalmente femininos, mas por serem estes os espaços onde as mulheres demonstraram maior domínio, conhecimento e visibilidade. Em especial, volto-me para aquelas que assumem cargos de direção das associações comunitárias de produtores rurais conveniadas com o Projeto Gente de Valor, dando um recorte no período de maior intensidade na execução, entre 2009 e 2012.

Participam dessas associações 89 mulheres. Tendo por base suas histórias de vida, escolhi aprofundar a trajetória de 10 delas, duas das quais são presidentes, uma vice-presidente; três são tesoureiras, uma assume o cargo de coordenadora de gênero na associação e as outras são associadas ou apenas participam das reuniões e atividades promovidas pela associação. As associações de que elas participam são: Associação dos Moradores da Comunidade Beleza (município de Santa Brígida); Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Baixa da Roça (Novo Triunfo); Associação Comunitária Bananeirinha e Adriana (Jeremoabo); Associação Comunitária Cultural do Bariri, Rio Seco, Alto e Rio Quente (Ribeira do Amparo); Associação Comunitária dos Agricultores Familiares de Raso Pintado e Lage da Boa Vista e Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Fazenda Pedrinhas (ambas do município de Fátima); e Associação das Famílias Agricultoras Remanescente do Quilombo da Maria Preta (Banzaê).

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outras pessoas referidas nas histórias de vida e nas entrevistas foram modificados, dentro do mesmo propósito, também de forma aleatória.

As narrativas orais e histórias de vida, as entrevistas semiestruturadas e os grupos focais foram realizados no período entre outubro e novembro de 2013. Com as narrativas e histórias de vida, busco reconstruir as trajetórias de vida dessas mulheres, em especial, quando e enquanto parceiras e executoras do PGV, como esta experiência é apreendida por elas e a visão que têm agora sobre suas próprias ações.

A escolha das dez mulheres6 e também dos dois grupos focais se deu a partir da minha própria experiência e trajetória dentro do Projeto, ao observar e facilitar os encontros de mulheres, o que me permitiu ter um maior conhecimento da realidade vivida por elas e me possibilitou construir o olhar de pesquisadora sobre a realidade delas, do que enfrentavam no dia-a-dia de discriminação, preconceitos, violência doméstica, resistências e esforços pela superação disso tudo e ao coordenar o processo de sistematização de experiências de alguns desses grupos de mulheres que acompanhei durante as quatro etapas da sistematização.

No processo de escolha dessas mulheres, também dialoguei com os/as chefes dos escritórios locais de Ribeira do Pombal, Cícero Dantas e Jeremoabo, já que eles/as acompanharam diretamente as mulheres e os grupos a que pertencem. Solicitei que cada chefe indicasse quatro mulheres para a entrevista semiestruturada, perfazendo um total de 12 mulheres, ou melhor, 12 histórias de vida. Duas tiveram que ser excluídas, uma por motivo de viagem a São Paulo no período da coleta de campo e a outra por ser indígena, o que demandaria mais tempo para aprofundar esta especificidade cultural.

Foram os seguintes os critérios para a escolha das mulheres agricultoras: a) participar do Projeto, de preferência desde o início; b) assumir algum cargo na associação ou nos empreendimentos produtivos; e c) considerar que, no decorrer do Projeto, elas apresentaram mudanças positivas como uma maior consciência crítica nas suas falas e na qualidade de sua participação, levando-as a mudanças em suas atitudes tanto na vida pessoal como na relação com o grupo e com a comunidade. Duas dentre estas dez mulheres assumiam cargos de presidentes de associações, uma na Associação dos Moradores de Beleza, subterritório Os Batalhadores, no município de Santa Brígida, e a outra da Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Baixa da Roça, subterritório Serra Redonda, município

6 O perfil das entrevistadas segue estas características: ocupam cargos diretivos nas associações

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de Novo Triunfo, quando participaram do processo de Sistematização de Experiências das Mulheres, em 2011, coordenado pela assessoria de gênero do PGV. Por este motivo, fizemos questão de envolvê-las na pesquisa com o objetivo de poder comparar o nível de empoderamento delas. Durante as entrevistas no campo, constatei o desempoderamento de uma delas, fato que tratarei no terceiro capítulo.

Os dados de campo foram coletados a partir da observação participante7, entre 2008 e 2013. Entrevistei as dez mulheres agricultoras familiares, entre os dias 07 e 09 de outubro de 2013, conforme um roteiro semiestruturado sendo a conversa gravada. Seus relatos sobre as próprias vidas trazem elementos relevantes para a discussão das dinâmicas das relações de gênero, classe, raça e geração: a relação com os pais e as avós, a infância na área rural, a dificuldade para estudar, a condição econômica e social, a participação em grupos, o exercício da sexualidade, a oportunidade de trabalho, a discriminação racial, etc.

Maria Lúcia Servo e Priscila Araújo (2012, p. 8) dizem que: “o interesse por entrevistas em grupo pauta-se na facilidade de se obter dados com certo nível de profundidade, em um período curto de tempo”. Com este entendimento, utilizei a técnica de grupo focal por entendê-lo como um grupo de reflexão informal, com número reduzido de participantes e que tem como objetivo obter dados, informações qualitativas em profundidade e, principalmente, revelar as percepções dos participantes sobre os temas discutidos.

Na perspectiva de observar como o empoderamento dessas mulheres se expressa e que consequências isto tem para elas mesmas e para o conjunto das relações sociais vividas na associação e no grupo produtivo, trabalho com dois grupos focais: um na Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Baixa da Roça e o outro com o grupo de artesanato do fiapo, constituídos por sócios e sócias, homens e mulheres artesãos.

Para a concretização das entrevistas com os dois grupos focais, ao final de dezembro de 2013, contei com a colaboração da equipe técnica de monitoria do PGV, mais especificamente um técnico e uma técnica8. Experientes nesta técnica de pesquisa, envolvidos e comprometidos com o enfoque de gênero, ajudaram-me a planejar, elaborar o roteiro de discussão e mediar o trabalho com os grupos focais. O primeiro grupo focal foi realizado no município de Novo Triunfo, com a Associação Comunitária dos Produtores Rurais de Baixa da Roça, com a presença de 12 pessoas (cinco homens e sete mulheres). No segundo, no

7 Entende-se observação participante como uma das técnicas de pesquisa adotada pela abordagem

qualitativa que consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação. (QUEIROZ ET AL., 2007, p. 278).

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município de Ribeira do Amparo, na comunidade de Bariri, com o grupo de artesanato do fiapo9, estiveram presentes sete pessoas (três homens e quatro mulheres). O roteiro de discussão estava estruturado em três blocos, com várias perguntas cada tendo como objetivo perceber os níveis de empoderamento: psicológico ou individual, organizacional e o de comunidade. Isto nos possibilitou ouvir a comunidade em conjunto, em especial, os homens, que também participam das associações de produção.

Ao planejar a pesquisa, percebi a importância do papel dos técnicos e técnicas como mediadores e facilitadores do processo de empoderamento das mulheres rurais. Com o objetivo de refletir sobre as concepções e práticas no âmbito do PGV no esforço pelo empoderamento das mulheres agricultoras e na perspectiva de averiguar como este é compreendido ou não pelos chefes e agentes técnicos/as, realizei três entrevistas semiestruturadas, em outubro de 2013, uma com cada chefe do escritório local (de Ribeira do Pombal, Jeremoabo e Cícero Dantas), sobre a temática das relações de gênero. As entrevistas com os dois técnicos e com a técnica chefes dos escritórios locais foram realizadas em dois momentos. Aproveitei o fato de que os técnicos estavam me acompanhando nas entrevistas com as mulheres agricultoras nas áreas de seus respectivos escritórios e fiz, no final de cada dia, a entrevista com os técnicos homens chefes dos escritórios de Jeremoabo e Cícero Dantas. Entrevistei a técnica chefe do escritório de Ribeira do Pombal em dezembro do mesmo ano, um dia depois da realização dos grupos focais.

Em relação à metodologia adotada, a opção por uma abordagem qualitativa pareceu ser menos uma escolha e mais uma imposição, diante do processo de construção do objeto e do delineamento dos objetivos da investigação. O método biográfico é, justamente, aquele que fornece indicações válidas para a proposta de reconstrução das trajetórias e experiências das mulheres agricultoras em uma perspectiva articuladora das práticas e representações e se mostrou como uma via privilegiada para que os sujeitos da pesquisa pudessem ser estudados.

Além do material da revisão bibliográfica sobre o tema e dos dados (do diário) de campo organizados conforme o recorte teórico, tomo, também, como fonte de pesquisa, os documentos de registro de monitoria do Projeto Gente de Valor10.

9 Artesanato feito com cordão de algodão ou fibra de sisal sendo confeccionadas várias peças como

almofadas, tapetes, redes, estantes, porta revistas e outros.

10 Relatório da Sistematização de Experiências ˗˗ O que falam as mulheres; histórias de mulheres:

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Para melhor apresentar os resultados e reflexões deste estudo, o primeiro capítulo discorre sobre a caracterização do objeto e a sua abordagem, a discussão teórica do conceito de empoderamento, os níveis individuais e de grupo e como estudá-los. No segundo capítulo, tratamos de apresentar o contexto histórico e político, apresentando o Projeto Gente de Valor, fazendo um recorte no período de 2009 a 2012, descrevendo a área visitada e os grupos a serem pesquisados. A ideia desenvolvida neste capítulo é mostrar a ideologia que está na elaboração de um projeto de desenvolvimento rural, inserido no combate à pobreza. Neste contexto o Projeto Gente de Valor segue as orientações do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e do Governo Federal. Inclusive no discurso da agroecologia, incorporada como um dos princípios norteadores do PGV, que no período de 2003 a 2009 estava em evidência e teve sua consagração como enfoque a ser adotado pela política de extensão rural. É importante frisar que nesse período havia um rico debate entre o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ONGs que atuavam na agroecologia, e os movimentos sociais rurais organizados, que pressionavam o Governo Federal para que a agroecologia fosse incorporada na Política Nacional de Assistência Técnica de Extensão Rural (PNATER).

Contextualizar o processo de exclusão das mulheres agricultoras nos projetos de desenvolvimento rural, e apresentar as principais teorias que legitimaram esta exclusão, mostrando o discurso do desenvolvimento rural androcêntrico e ideologicamente comprometido com um modelo de desenvolvimento excludente, concentrador e capitalista, que ao longo da história privilegia os grandes proprietários e empresas de capital estrangeiro.

Analisar se a estratégia de gênero do Estado, empregada no Projeto Gente de Valor, que adota a perspectiva territorial, prevendo o desenvolvimento – produtivo (agroecológico), social, cultural e ambiental de forma integrada foi realizada e se deu certo. Nessa perspectiva de gênero, foi vista a transversalidade do tema, que tem como objetivo fomentar a equidade e o empoderamento (pessoal, social e político) das mulheres que participaram das ações produtivas e organizativas promovidas ao longo dos anos de execução do Projeto (2007 a 2012).

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A ideia a ser desenvolvida neste capítulo é que as mulheres agricultoras têm dificuldades e estão geralmente, desempoderadas ou em desvantagem e muitas vezes são excluídas de participar de projetos de desenvolvimento rural, das atividades de produção agrícola e das associações. Para tal, necessitam de intervenções externas de indivíduos ou organizações, ou mesmo de projetos, que possibilitem a inclusão, a promoção de direitos, de cidadania e de oportunidades para transformar as relações desiguais de poder. As mulheres agricultoras continuam confinadas na esfera doméstica/privada sem acesso aos espaços de domínio masculino de autoridade e poder.

Como pano de fundo, a luta pelo acesso aos direitos para as mulheres, desenvolvida pelo movimento de mulheres rurais, uma breve retrospectiva histórica, e as conquistas de políticas voltadas para as mulheres rurais. A trajetória de luta feminina no movimento agroecológico e de suas organizações por dentro das associações rurais para conquistar direitos de participar e acessar programas e projetos governamentais. Refletir o papel dos homens e das mulheres nas atividades produtivas, já que a grande maioria nos grupos de interesse é composta de mulheres. Identificar o empoderamento das mulheres agricultoras inseridas nas atividades de produção agrícola e não agrícola e nas organizações comunitárias; e analisar se o processo de formação na área produtiva (agroecológica) e organizativa (associativismo) desenvolvido pelo PGV contribuiu para a autonomia e empoderamento das mulheres agricultoras nas associações e nas comunidades.

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1 TEORIZANDO SOBRE O PROCESSO DE EMPODERAMENTO DE

MULHERES

Nas últimas três décadas, cresceu, no mundo todo, a necessidade de medidas para aumentar a equidade social, econômica e política, na perspectiva do empoderamento de mulheres. Pesa o predomínio de mulheres entre os pobres e o fato de que isto é consequência do desigual acesso feminino às oportunidades econômicas e sociais. Na América Latina, no Brasil e na Bahia, constata-se o aumento da exclusão social e da pobreza absoluta. No espaço governamental de políticas públicas, no Brasil, a abordagem de empoderamento de mulheres baseada em direitos sociais está mais presente nos debates sobre desenvolvimento e combate à pobreza. E não é diferente no semiárido baiano, especificamente na Região Nordeste, área-foco desta pesquisa.

Neste contexto, o Projeto Gente de Valor (PGV) tinha como orientação do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e do Governo Federal seguir como referência os “Objetivos do Milênio da ONU” (UNESCO – Brasil, 2005), dentre os quais consta o de “promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres”. As estratégias de intervenção do PGV adotam as seguintes perspectivas: a territorial, prevendo o desenvolvimento produtivo, social, cultural e ambiental das comunidades; e a de gênero, em que a transversalidade do tema buscou como objetivo fomentar a equidade e o empoderamento das mulheres que participam das ações produtivas e organizativas, promovidas ao longo de seis (06) anos de execução do Projeto (2007 a 2012).

Nessas ações, os relatos das mulheres revelavam que elas enfrentam preconceito, discriminação e uma série de barreiras, desde os próprios medos e inseguranças em sair da área doméstica, dos arredores da casa, do espaço privado de seu total conhecimento, para se arriscar em atividades de gestão administrativa e financeira, antes reduto exclusivo dos homens, mesmo tendo que “desobedecer” a seus maridos para participarem de capacitações e reuniões. Este é um grande desafio para estas mulheres agricultoras, nordestinas, de baixa renda, de pouca escolaridade, formadas culturalmente para serem do lar, subordinadas aos seus pais e maridos.

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agricultoras que participaram das ações do PGV; onde e quando se pode observá-lo e como ele se expressa, que consequências têm para o conjunto das relações sociais? Essa inserção nos espaços organizativos e produtivos pode de fato contribuir para que elas se empoderem no espaço público?

Essas questões terminaram por orientar a minha busca por um referencial teórico metodológico/epistemológico que me permitisse entender as trajetórias e experiências dos sujeitos de minha investigação. Busco conhecer em termos mais qualitativos, como a situação de empoderamento vem sendo vivenciada por mulheres rurais o que significa compreender, entre outros aspectos, a diversidade de trajetórias que terminam por levá-las à condição de empoderadas ou não e, a partir daí, a forma como essa experiência influencia suas relações objetivas e subjetivas com o grupo produtivo, a organização familiar e com a comunidade.

A intenção deste estudo, portanto, é buscar desvendar como se dá o entrelace de uma série de desigualdades e discriminações nas experiências dessas mulheres agricultoras e de que maneira são conformadas suas opções e alternativas de vida, sem, no entanto, cair em uma perspectiva de vitimização dos sujeitos inseridos neste contexto.

Este capítulo irá discutir o conceito de empoderamento e terminará mostrando como ele vai iluminar os capítulos seguintes, ou seja, as demonstrações (empíricas e teóricas) de como as mulheres, a partir do PGV, se empoderam ou não. Daí surge a preocupação teórica deste trabalho, o de buscar maior compreensão sobre o processo de empoderamento e desempoderamento das mulheres, apresentando-o como elemento relevante para a compreensão de possibilidades e limites na promoção da participação social e política. O próximo passo é, pois, esclarecer de qual “empoderamento” estou falando.

1.1 CONCEITUANDO EMPODERAMENTO

Como, sob o termo empoderamento, se escondem vários conceitos bastante diferentes cujos significados variam muito de acordo com a perspectiva que se adote, faz-se necessário apresentar um olhar sobre o termo empoderamento na perspectiva do desenvolvimento e na perspectiva feminista, abordagens fundamentais a esta pesquisa.

1.1.1 Na perspectiva de desenvolvimento

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social11, participação e direitos, presentes em discursos críticos ao desenvolvimento vigente que têm, de um lado, defensores de uma globalização regida pelo neoliberalismo e, de outro, grupos que argumentam que “a construção de umoutro mundo é possível”.

Alerta Romano (2000) que a apropriação do tema “empoderamento” no discurso de órgãos governamentais, de organizações da sociedade civil, pelas agências de cooperação e organizações financeiras multilaterais, por exemplo, o Banco Mundial e o FIDA12, tem levado a um processo de despolitização do conceito, pois estes atores enfatizaram sua dimensão instrumental e metodológica, afastando a conotação mais radical e política pensada pelos movimentos feminista e negro. Nos últimos anos, as próprias agências de cooperação e organizações financeiras multilaterais, a partir das experiências práticas das instituições da sociedade civil, vêm adotando, progressivamente, na formulação de suas políticas e estratégias, a abordagem que se apoia na promoção de direitos humanos (civis, políticos, econômicos e culturais). Tanto no caso de empoderamento, como no campo de desenvolvimento, a noção de direitos passa a ser motivo de debate e disputa. Mas é importante ressaltar que as discussões sobre o enfoque do empoderamento no sentido de direitos humanos estão principalmente relacionadas às propostas de agências de cooperação. Este é o caso da proposta de intervenção do Projeto Gente de Valor na perspectiva de gênero.

Passaram-se mais de 50 anos da Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas (1967), mas muitos dos seus princípios ainda não se cumprem na sua totalidade. E, apesar dos progressos realizados em matéria de igualdade de direitos entre homens e mulheres, continua existindo considerável discriminação contra a mulher, o que impede sua participação ativa na vida política, social, econômica e cultural e constitui um obstáculo ao desenvolvimento completo das potencialidades da mulher, pois existe uma série de problemas comuns, econômicos e culturais que se traduzem em diferentes formas de discriminação, subordinação e opressão. A dificuldade de inserção da mulher em lugares específicos da sociedade civil, sobretudo no mundo do emprego, na atividade produtiva – em nosso caso específico, na área rural –, é um problema de natureza cultural, educativa e política. Exige-se o redobramento de esforços no sentido de superar preconceitos,

11 Capital Social uma das categorias utilizadas no Projeto Gente de Valor um dos seus componentes

é chamado Capital Humano e Social. “O capital social é constituído pelo conjunto de recursos

atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos

institucionalizadas de conhecimento e reconhecimento” (Ver: BOURDIEU, Pierre, Le capital

social: notes provisoires. Actes de larecherche en sciencessociales, Paris, n. 31, jan. 1980, p. 2). Entendendo, assim como Bourdieu, para além do econômico, aplicando-o também a dimensões não materiais e simbólicas.

12 Este último, o FIDA, é o parceiro internacional (co-financiador) do Projeto Gente de Valor, através

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abolir práticas tradicionalistas e eliminar restrições ligadas aos aspectos culturais ancestrais, difíceis de mudar. Neste contexto, a mulher sempre foi e continua a ser um pilar importante do desenvolvimento, embora, muitas vezes, de forma invisível.

Na década de 1980, têm início os estudos sobre as relações de gênero, com papéis específicos que envolvem não só as mulheres, mas, também, os homens. A mulher passa a ser promotora de mudanças e de luta, agente ativa de desenvolvimento do modelo de modernização conservadora. Só nos meados daquela década, começa-se a considerar a mulher como um pilar do desenvolvimento econômico pelos defensores das políticas neoliberais, mas de uma forma utilitarista, ao usarem os argumentos, antes apresentados como de exploração da mulher pobre, tais como trabalham mais, são mais confiáveis de investir e mais fáceis de mobilizar, então, como prova de eficiência; na medida em que as mulheres eram bem-sucedidas na administração e gestão dos recursos econômicos, passaram a ser consideradas como melhor investimento tanto econômico quanto político (BATLIWALA, 2013).

No paradigma do desenvolvimento humano, o princípio de empoderamento é o que o diferencia dos outros tipos de desenvolvimento, já que os homens e as mulheres estão em posição de exercer sua capacidade de escolher de acordo com suas ideias, seus desejos e de decidir sobre suas vidas. Contudo, para muitas agências e órgãos governamentais, o empoderamento das mulheres é visto como instrumento para o desenvolvimento, para erradicar a pobreza, para inseri-las nos espaços produtivos, para levá-las a participar de diferentes atividades de interesse coletivo, para a democracia etc. Nesta perspectiva, o processo de empoderamento é visto como estreitamente relacionado ao de participação, um elemento constitutivo das metodologias e estratégias que possibilitam processos de empoderamento. Mas, tendo as mulheres agricultoras a oportunidade de participar, de estarem presentes em todos os fatores promotores do desenvolvimento e de mudança social, saindo finalmente do reduto doméstico isto faz com que se materialize em seu cotidiano a igualdade de gênero. Isto implica dedicar uma atenção explícita às necessidades, interesses e perspectivas das mulheres trabalhadoras.

Apesar desse discurso na perspectiva de desenvolvimento ser participativo e de inclusão das mulheres, ele apresenta contradições fundamentais no uso do conceito de empoderamento, pois coloca ênfase nos aspectos individuais.

Uma das contradições fundamentais do uso do termo ‘empoderamento’ se

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se autoconferem. Tomo um sentido de domínio e controle individual, de

controle pessoal. E ‘fazer as coisas por si mesmo’, e ‘ter êxito sem a ajuda dos outros’. Esta é uma visão individualista, que chega a assinalar como

prioritários os sujeitos independentes e autônomos com um sentido de domínio próprio, e desconhece as relações entre as estruturas de poder e as práticas da vida cotidiana de indivíduos e grupos, além de desconectar as pessoas do amplo contexto sócio-político, histórico, do solidário, do que representa a cooperação e o que significa preocupar-se com o outro (LEÓN, 2001, p. 96).13

Segundo aponta León (2001), o processo de empoderamento deve estar atrelado ao gradual reconhecimento, por parte das mulheres, das estruturas de poder que estão presentes na vida dos indivíduos (na própria vida delas) e dos grupos (a que elas pertencem). Este reconhecimento motiva as mulheres e demais grupos excluídos a se mobilizarem para, juntos, alterarem as estruturas sociais existentes, isto é, para reconhecerem o imperativo da mudança e, quem sabe, abalar e, enfim, destruir a ordem patriarcal vigente nas sociedades contemporâneas.

Concordo com León (2001) quando afirma que o empoderamento inclui tanto a mudança individual como a ação coletiva, esta última, quase sempre, deixada em segundo plano na perspectiva de desenvolvimento, pois, embora seja importante reconhecer as percepções individuais, o empoderamento não pode se reduzir apenas ao individual de maneira que ignore o histórico e o político. Ela alerta que este empoderamento pode ser uma simples e mera ilusão se não estiver conectado com o contexto e não se relacionar com ações coletivas dentro de um processo político.

1.1.2 Na perspectiva feminista

A construção feita sobre o conceito de empoderamento apresentado está baseada nos debates e análises feitas pelas feministas do Terceiro Mundo. Segundo Batliwala (apud SARDENBERG, 2009), as origens do conceito de empoderamento estão em uma articulação das propostas feministas com as reflexões de Paulo Freire sobre os princípios da educação popular14 e, também, em uma linha inspirada nos trabalhos de Gramsci15. Para as feministas, o empoderamento implica na alteração radical dos processos e das estruturas que reproduzem a

13 Tradução nossa do original em espanhol.

14 Presentes em Pedagogia do oprimido (FREIRE, 1987) e nas pedagogias libertadoras, de um modo

em geral.

15 Essa linha de pensamento se refere à necessidade de criar mecanismos participativos com o

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Figura 1  ˗˗  Localização dos municípios pertencentes às Regiões Nordeste e Sudoeste selecionados para  o Projeto Gente de Valor, 2010
Tabela  1  – População  beneficiada  dos  municípios  integrantes  do  Projeto  Gente  de  Valor  selecionados para a pesquisa ˗˗ Estado  da Bahia, 2009
Tabela 2  – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dos municípios integrantes  do Projeto Gente de Valor selecionados para a pesquisa  ˗˗ Estado da Bahia, 2010
Tabela  3  – Taxa de analfabetismo  ampla da população com  mais de 14 anos, por município  integrante do Projeto Gente de Valor selecio nado para a pesquisa ˗˗ Bahia , 2009
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