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O corpo negro e potiguar na mímica como um processo de formação do artista cênico

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Academic year: 2021

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2019

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES LICENCIATURA EM TEATRO

THASIO IGOR DO NASCIMENTO DIAS

O CORPO NEGRO E POTIGUAR NA MÍMICA COMO UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ARTISTA CÊNICO

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THASIO IGOR DO NASCIMENTO DIAS

O CORPO NEGRO E POTIGUAR NA MÍMICA COMO UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ARTISTA CÊNICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção de título de Licenciado em Teatro.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Caldas Lewinsohn

NATAL/RN 2019

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Dedico esse trabalho as três Marias especiais em minha vida, minha mãe Maria Nazaré, por toda garra que enfrentou e que agora enfrentamos juntos; minha avó, Maria das Dores, que durante sua vida foi só flores; e minha tia, Maria de Lourdes, que apesar de estar perdendo suas memórias, me faz lembrar todo dia do seu amor.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Maria Nazaré, por todo o carinho, preocupação e esforço que tem para me ver feliz.

À minha tia Maria de Lourdes, a minha segunda mãe.

À minha avó, Maria das Dores, que em mim deixou saudades.

Aos meus familiares, Tayane Karielle, Maria Júlia, Bianca Lima, Maria Aparecida e João Batista que de alguma forma eu sei que posso contar com o apoio sincero.

Aos professores do curso, em especial Mayra Montenegro, Laura Figueiredo, Carla Martins, Sávio Araújo, Makarios Maia, Melissa Lopes, Monize Moura, Heloísa Souza, Yuri Magalhães, Robson Haderchpek e Naira Ciotti.

À minha grandiosíssima orientadora, Ana Caldas Lewinsohn, por seu olhar generoso e por ser uma excelente mediadora.

À Robson Lima e Emerson F. Sousa, com quem pude compartilhar minhas angústias, alegrias e muito aprendizado coordenando juntos a Cia Moody.

Aos amigos que fiz durante minha trajetória acadêmica, em especial Jucie Borges, Firmino Brasil, Samuel Leon, Alexandre Augusto, Lillathi Gomes e José Ricardo.

Aos integrantes dos grupos de teatro, Interferências e Asavessa, por acreditarem no meu trabalho.

À Wanderson Lima, que apesar do pouco contato, foi quem tornou possível minha primeira viagem à São Paulo para fazer um curso de Mímica.

À Felipe Fagundes, por depositar em mim confiança e respeito ao meu trabalho.

À Giliane Santos, que mesmo sem me conhecer direito, me emprestou seu notebook para conseguir finalizar esse trabalho.

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RESUMO

O presente trabalho retrata o encontro do corpo negro e nordestino com a arte da Mímica e as possibilidades de exploração de criações cênicas insólitas para um artista de teatro ainda em formação. Apresenta, também, um panorama histórico de como a Mímica se intensificou enquanto arte, passando por processos de censura nos séculos passados, mas se perpetuando até os dias de hoje. Por fim, com a sua vinda para o Brasil e a problemática da apropriação desta técnica europeia por artistas brasileiros, apresenta a importância da representatividade do corpo negro e nordestino nesse segmento, questionando o direito e a capacidade suficiente de (re)existir.

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ABSTRACT

The present work portrays the encounter of the black and northeaster body with the art of Mimicry and the possibilities of exploration of unusual scenic creations for a still training theatre artist. Also presents a historical panorama of how the Mimicry intensifies as an art, passing by censorship processes in the past centuries, but perpetuating until the present days. Finally, with your coming to Brazil and the problematic of appropriation of this European technique by Brazilian artists, presents the importance of the black and northeaster body representativity in this segment, questing the right and the sufficient capacity of (re)exist.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Medeamaterial - proposição baseada na peça de Heiner Müller, DEART- UFRN (2016). Foto: Rayanna Guesc

Imagem 2: Mímica Corporal Dramática - oficina ministrada pelo Javier Cencig, Espaço Cultural Giradança (2016). Foto: Paula Vanina Cencig

Imagem 3: Resultado do TCC I: Espetáculo, peça REGURGITOBAR. Personagem, estátua viva. DEART/UFRN (2018). Foto: Wallacy Medeiros

Imagem 4: Experimentando o corpo em desequilíbrio na Imersão de Férias em Mímica Total 2019 - ministrada pelo Luis Louis, Estúdio Luis Louis (2019). Foto: Acervo do Estúdio Luis Louis

Imagem 5: Executando a figura de estilo O Arqueiro na Imersão de Férias em Mímica Total 2019 - ministrada pelo Luis Louis, Estúdio Luis Louis (2019). Foto: Acervo do Estúdio Luis Louis

Imagem 6: Oficina que ministrei para o grupo Parafolclórico da UFRN, Ginásio Poliesportivo 1 (2019). Foto: Arquivo pessoal

Imagem 7: Estátua do Galo Branco, símbolo do Folclore do RN, Santo Antônio do Potengi (2016). Foto: Isaías Carlos

Imagem 8: Deburau como Pierrot. Ele foi o responsável pela modificação do figurino de Pierrot, tirando a gola que era usada anteriormente e substituindo o chapéu por uma touca preta. Por: Maurice Sand

Imagem 9: Jean-Louis Barrault (à esquerda) e Etienne Decroux (à direita) no filme Les Enfants du Paradis (1945). Dirigido por: Marcel Carné.

Imagem 10: Ricardo Bandeira fazendo expressões com sua maquiagem branca. Fonte: Página do Ricardo Bandeira no Facebook.

Imagem 11: Jiddu Saldanha. Foto: Fernanda Rigon

Imagem 12: Abaporu - Tarsila do Amaral (em tupi-guarani significa "antropófago"). Reprodução fotográfica: Romulo Fialdini

Imagem 13: Juarez Machado. Foto: Thomas Lewinsohn

Imagem 14: A dupla de palhaços Foottit e Chocolat (1900). Foto: Studio Walery Paris.

Imagem 15: Oficina para o Grupo Asavessa - experienciando o módulo da Sensibilização, DEART-UFRN (2018). Foto: Thasio Igor.

Imagem 16: Oficina para o Grupo Asavessa - experienciando o trabalho de peso e contrapeso, equilíbrio e desequilíbrio, DEART-UFRN (2018). Foto: Thasio Igor.

Imagem 17: Oficina para o Grupo Interferências de Teatro - experienciando o módulo do Conhecimento Expressivo, DEART-UFRN (2019). Foto: Thayanne Percilla.

Imagem 18: Oficina para o Grupo Interferências de Teatro - experienciando um exercício de resistência à gravidade, para introduzir no exercício da Massa de Pizza, DEART-UFRN (2019). Foto: Thayanne Percilla.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

I. DE DENTRO PARA FORA: DA INTROVERSÃO PARA A INTROSPECÇÃO 11

POR QUE O TEATRO? 11

AH, A MÍMICA! 14

SÃO GONÇALO DO AMARANTE (RN) 22

II. CENSURA NOSSA DE CADA DIA: A MÍMICA SOB UM OLHAR HISTÓRICO 25

DA GRÉCIA À FRANÇA 25

BRASIL: MÍMICA E PROGRESSO 32

PROCESSOS DE INIBIÇÃO 38

III. DE FORA PARA DENTRO: A MÍMICA BRASILEIRA OU A MÍMICA

EUROCENTRISTA NO BRASIL? 41

A MÍMICA E A ANTROPOFAGIA 42

MÍMICA PARA ALÉM DA MÍMICA 46

O CORPO NEGRO E POTIGUAR NA ARTE DA MÍMICA 49

CONSIDERAÇÕES FINAIS 59

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa expõe as inquietações do encontro de um corpo negro e dentro de um contexto do Nordeste brasileiro com a arte da Mímica1, e as

possibilidades de exploração de criações cênicas insólitas para um artista de teatro ainda em formação, partindo da premissa de que a mímica é considerada um dos meios mais antigos da autoexpressão, sendo assim a base da comunicação dos homens e mulheres pré-históricos.

No primeiro capítulo intitulado De dentro para fora: da introversão para a introspecção, executo através desse movimento centrífugo, um olhar sensível à minha realidade particular e como fui atravessado de maneira despretensiosa pela Mímica. Divido-o assim em três subcapítulos, onde em Por que o Teatro? abordo minha fase embrionária nessa arte, e em Por que a Mímica! falo do atravessamento da mesma e como ela reverberou e mudou minha posição na academia, finalizando com São Gonçalo do Amarante e a influência que ela exerce em meu ser.

No segundo capítulo intitulado Censura nossa de cada dia: a Mímica sob um olhar histórico, apresento um panorama histórico do desenvolvimento da Mímica do ponto de vista ocidental, que vai Da Grécia à França até o Brasil: Mímica e Progresso, mostrando como ela foi resistindo e se intensificando enquanto arte, passando por Processos de inibição e se perpetuando até os dias de hoje.

No terceiro e último capítulo intitulado De fora para dentro: a mímica e a

antropofagia, trago a problemática de que a Mímica no Brasil veio com uma

bagagem européia e por isso, faço uma breve análise do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade para discutir a utilização de uma técnica estrangeira em um país tão rico em gestualidade. No subcapítulo O corpo negro e potiguar na arte da mímica, mostro os déficits da trajetória do corpo negro na mímica, através do primeiro palhaço negro da história, Chocolat. Relato também as referências da cultura Hip Hop utilizando elementos da Mímica, a importância da representatividade do corpo negro nesse segmento e minha posição enquanto artista pesquisador.

1 Neste trabalho abordo a arte da Mímica de modo ampliado, ainda que eu faça destaques para a Mímica Corporal Dramática de Étienne Decroux. Sobre terminologias, conferir BRAGA, 2013, p. 17.

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Entender a Mímica como um campo de possibilidades por meio da representação gestual do ator é de primordial importância para pensá-la como um processo de formação continuada na linguagem teatral.

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I. DE DENTRO PARA FORA: DA

INTROVERSÃO

PARA

A

INTROSPECÇÃO

Muitas das experiências que passamos na fase infantil da vida acabam se tornando uma bagagem inseparável do ser humano e, atualmente, consigo perceber o quanto isso acaba interferindo no meu comportamento diário. Um menino negro de São Gonçalo do Amarante (RN) (município do estado do Rio Grande do Norte, localizado na Região Metropolitana de Natal), que quando não estava na escola, estava na maior parte do tempo dentro de sua casa, onde correr na rua e subir em árvores não fazia parte dessa realidade. Chegando à adolescência, por causa de sua introversão já não tinha mais um contato próximo com os jovens de sua idade com quem brincava na infância.

A realidade do ser humano é algo muito singular, digo isso porque sou filho de uma mãe que nunca teve um emprego e um pai que trabalha como pedreiro autônomo, mas que mesmo com as dificuldades financeiras, fizeram de tudo para que eu estudasse sempre em escolas particulares e, chegando no ensino médio, quando fui para as escolas da capital do estado, ali foi um lugar ao qual nunca me senti fazer parte, me tirando do eixo, pois aquela angústia de não conseguir me encaixar estava sempre me acompanhando.

Ser introvertido, essa pessoa que bloqueia relações exteriores, foi uma característica minha por anos, mas desde então, ser introspectivo, um indivíduo que busca enxergar os cenários no seu interior, é que se tornou intrínseco em minha pessoa, mesmo que indiretamente. Este capítulo, inclusive, está sendo um trabalho de introspecção, onde busco entender tudo isso.

PORQUE O TEATRO?

Quando comecei a fazer práticas teatrais, em julho de 2013, em um curso básico de iniciação teatral no Complexo Cultural de Natal2, foi um divisor na minha

2 Departamento administrativo responsável por executar o Programa de Cursos e Atividades para a Comunidade, ooferecendo regularmente atividades nas áreas de dança, teatro, música, inclusão digital e atividades físicas. Atualmente intitulado EdUCA – Escola da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte). Localizado na Zona Norte de Natal.

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vida, pode até parecer piegas, mas foi onde esse menino, que aos seus 17 anos, vivia afastado das relações sociais e passou a se sentir mais incluso, até certo ponto. No primeiro diário de bordo que fiz nessa fase embrionária no teatro, ao qual intitulei “Porque o Teatro?”, eu escrevi:

O que nos faz pensar melhor sobre “aquela” pessoa? Colocando-nos no lugar dela, não é isso? Quando interpretamos estamos fazendo isso, procuramos pensar como ela, nos levando a agir de tal forma. Então cada personagem para ser interpretado trás um universo novo, onde eu vou buscar aprender com cada uma delas, sendo uma escola pra vida toda (Diário de Bordo, 2013).

Analisando esse registro, é nítido que eu tinha a visão de que fazendo personagens, eu estaria conhecendo melhor as outras pessoas, e embora ainda hoje eu concorde com essa afirmação, o que quero destacar, é que foi com a descoberta da Mímica que passei a perceber que eu poderia conhecer melhor a mim mesmo.

Entrar em uma Universidade Federal no ano de 2015 foi um momento transgressor. Ao mesmo tempo em que tudo parecia lindo, era muito assustador. Eu não me sentia preparado para estar ali, porém, o lado intuitivo me induzia a continuar. Cheguei a pedir demissão do meu primeiro emprego, priorizando o curso, abrindo mão de uma estabilidade financeira que eu estava começando a adquirir, por não conseguir acompanhar o ritmo de ter um emprego e uma graduação ao mesmo tempo. Era tudo muito rápido e novo para o menino leigo e que mal saía de casa.

Naquele primeiro ano eu estava completamente disperso no curso, e a insegurança me impedia de descobrir novas experiências, até que conheci o trabalho da Mímica, e a minha trajetória começou a seguir uma direção. E quando falo Mímica, com letra maiúscula, me refiro a ela enquanto arte, porque o termo é usado geralmente para uma brincadeira na qual uma pessoa imita outra pessoa ou até mesmo um animal para os outros adivinharem.

Tratando-se de terminologia, o meu primeiro contato com a mímica foi com o termo Teatro Físico3, na disciplina de Atuação II, do curso de Licenciatura em Teatro, ministrado por Heloísa Souza. No processo de encenação da peça

3 O termo physical theatre (teatro físico) tornou-se conhecido nas artes cênicas nas três últimas décadas do século XX, caracterizado como uma nova tendência teatral. Acredita-se que ele tenha surgido primeiro na Inglaterra (ROMANO, p. 16).

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Medeamaterial do Heiner Müller, logo iniciei um trabalho criativo baseado em partituras corporais montadas a partir de frases e situações do texto do Müller, focando sempre na ação de uma persona. Com esse trabalho eu consegui ver a busca pela execução de uma precisão cênica, na qual, ao mesmo tempo, o ator poderia ter total liberdade na criação.

Em uma das aulas, a professora Heloísa falou sobre o teatro físico, e nos apresentou alguns grupos que trabalhavam com essa ideia, como o DV84, por

exemplo, um grupo que nasceu da dança, mas que desenvolveu uma fusão com o teatro, entrando para as discussões das políticas de identidade. Quando percebi, de forma despretensiosa, estava pesquisando incessantemente sobre o assunto. Ali se iniciava o que posso chamar de “pontapé inicial” na investigação sobre a mímica.

Construí uma corporeidade baseada na personagem Medeia, de acordo com as reflexões do texto proposto pelo Heiner Müller, dentro de uma estética do teatro épico. A construção das cenas foi feita de forma completamente física, com ações que foram ligadas formando uma composição, corporeidade essa atribuída à persona, mas sem perder a fisicalidade. Ao mencionar corporeidade e fisicalidade, é importante estabelecer a diferença conceitual entre os dois. Como informa Lúcia Romano (2013, p. 180), “a corporeidade é uma característica da existência material do humano, um atributo comum aos membros da espécie. A fisicalidade é o percurso de um movimento, a forma do corpo apresentar-se”, estabelecendo assim um fluxo comunicativo entre as características de Medeia e a minha forma de fazer Medeia através do corpo.

4 A DV8 Physical Theatre é uma companhia de dança fisicamente integrada, sediada em Artsadmin, em Londres, Reino Unido. Foi fundado oficialmente em 1986 por Lloyd Newson, Michelle Richecoeur e Nigel Charnock.

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Imagem 1: Medeamaterial - proposição baseada na peça de Heiner Müller, DEART-UFRN (2016).

Foto: Rayanna Guesc

Essa conexão criada entre algo estabelecido e o “fazer” do artista é o que torna qualquer criação cênica única e peculiar, mas para que ela se torne plena em sua execução, é preciso de treino, e o conhecimento de uma técnica é capaz de refinar os movimentos a ponto de trazer para a cena uma precisão de uma maneira orgânica, mas sem perder a sensibilidade do ser vivo que ali pulsa.

AH, A MÍMICA!

Quando tive a oportunidade de participar da oficina "Mímica Corporal Dramática”, ministrada por Javier Cencig (Argentina/SP), no ano de 2016 na quarta edição do Festival O Mundo Inteiro é um Palco5, entendi que tudo o que estava me

motivando nos últimos meses em relação ao teatro físico, era simplesmente Mímica, e que essa arte era tão abrangente que eu nem imaginava sua dimensão. Foi então que tive conhecimento sobre Etienne Decroux, e uma pequena parte de sua intensa e complexa técnica, como as ilusões de força, dinamorítmos, anatomia expressiva, figuras de movimento e estatuária móvel, me aproximando ali de um treino que eu

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estava procurando.

Ao meu entender, os dinamorítmos, que são as dinâmicas de ritmo estudadas por Decroux, são variações de intensidades que um mesmo movimento pode expressar, retratando as diversas possibilidades que as articulações corporais podem alcançar, entrando assim na anatomia expressiva, que são ondulações, oposições, escalas corporais etc, exploradas de uma maneira mais concisa para o entendimento da base de cada movimentação, que segundo Burnier (2001, p. 70), trabalha “a independência e autonomia do movimento de cada parte, que ele (Decroux) denominou órgãos de expressão, que são: cabeça, pescoço, peito, cintura, bacia e pernas-peso”. As ilusões de força exercem um poder de “encantamento” onde uma força que é geralmente aplicada em determinada parte do corpo é invertida para se criar a ilusão necessária para aquela ação, fazendo assim surgir, por exemplo, um objeto sem precisar de fato tê-lo em cena. Já a Estatuária Móvel serve para a criação de uma corporeidade tonificada, e as Figuras de Movimento são o resultado de uma composição com todas essas técnicas, para deixar o movimento mais orgânico, onde Burnier afirma que essas figuras são verdadeiros quadros de pintura, denominado por Decroux de figures de style, trabalhando com variados temas, entre eles, a oração, o Narciso, saudação, a oferenda e o que experimentamos na oficina, o arqueiro.

Imagem 2: Mímica Corporal Dramática - oficina ministrada pelo Javier Cencig, Espaço Cultural

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É importante ressaltar que foi nessa oficina e com essas práticas específicas que eu pude ver a magnificência da Mímica a partir dos estudos com a Mímica Corporal Dramática, que apesar de toda uma técnica, não oprime o seu gesto, muito pelo contrário, expande o jeito único de movimentar-se, pois o corpo é um campo extenso de saberes. E tendo a noção de que a arte de ator é um artifício, Decroux propõe, segundo Braga, uma decupagem na criação cênica por meio de uma contrafação, para resultar em um corpo insólito. Sobre esses termos, ela explica que:

A contrafação é uma palavra usada por Decroux para designar o procedimento artístico corporal e ético buscado por ele. Contrafazer, no léxico decrouxiano, não se reduz a imitar, mas se relaciona com a repetição e com a cópia como ato de recriação e de um modo de deformação da referência de movimento, podendo expressá-lo de modo insólito, buscando o informe, a partir da imitação feita, podendo ser, portanto, metáfora ao revés. (BRAGA, 2013, p. 49)

A decupagem decrouxiana está integrada à proposta do artista de contrafação do corpo do ator, embasada na noção da arte como artifício. Para Decroux, “ser humano” não era somente forma, m a s u m sistema complexo de vida. [...] Há no pensamento decrouxiano uma noção de consciência e manejo do movimento humano, em busca de sua expressividade cênica, e ele deve se envolver no estudo da realidade, da sua apropriação, da repetição em partes conjugadas à recriação. A repetição do real gera alterações expressivas da realidade que são configurações marcadas pelas singularidades de cada um. [...] A contrafação na arte de Decroux contribui para que surja uma mimese insólita na medida em que cada ator artesão que a vive configura suas marcas na imagem criada, fruto de sua observação e recriação do real. (BRAGA, 2011, p. 8-9)

A etimologia da palavra insólito vem do latim insolitus, que significa “não costumeiro”, ou seja, é algo que se destaca de maneira não habitual, e essa maneira incomum de se apresentar, para o artista, é a identidade impressa em suas criações, como por exemplo, na pintura, que tem seus traços e cores e, na música, as suas letras e ritmos. No teatro isso corresponderia aos seus movimentos.

Através do Javier, descobri a existência de um estúdio que oferece cursos voltados para essa arte em São Paulo, o Estúdio Luis Louis6, um centro único de

6 O estúdio, como sede da Cia. Luis Louis e suas pesquisas, já existe desde 2003, ocupando diversos espaços na cidade de São Paulo. Em 2003 esteve sediado no casarão da Rua Xavier Curado, no

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pesquisa e criação especializado em Mímica no Brasil.

Passados dois anos dentro do curso da UFRN entre disciplinas, estágios e atividades como bolsista, o treino que eu tanto almejava dar continuidade, dessas técnicas que eu pude vivenciar na oficina do Javier, acabou ficando no plano das ideias, como algo que eu iria alcançar só após o término da graduação. Mas com as poucas disciplinas práticas que ainda faltavam, consegui uma aproximação desse treino no Trabalho de Conclusão de Curso I: Espetáculo, ministrado por Diogo Spinelli, apresentado no dia 02 de julho de 2018. A peça se ambienta em um bar, na qual seis artistas mostram as delícias e desgraças de suas vidas. Minha personagem era um artista que trabalhava como estátua viva e para o processo de criação, o pouco conhecimento que eu adquiri na Mímica, como a “estatuária móvel”, por exemplo, foi essencial para a construção dessa corporeidade mais sistematizada e precisa, com um modo de gestualidade que poderia ser tratada como “robótica”, mas que, na verdade, guarda muita organicidade e fluência.

Em dezembro de 2018, me aproximando do último ano do curso, me senti impulsionado em fazer o curso de Mímica em São Paulo, pela necessidade de experiência que ainda estava latente. Tratava-se de uma imersão de férias com duração de uma semana, e eu tiha pouco mais de u mês para organizar tudo e fazer a viagem no início de janeiro de 2019.

bairro do Ipiranga, ao lado do Parque da Independência, Museu do Ipiranga e SESC Ipiranga. Neste local foram ensaiados e produzidos os espetáculos "Brasil Deportado", "Elas, Delas, Pra elas" e "Revistando 2003", além de outros trabalhos e performances da Cia. Luis Louis. O nome do estúdio, durante essa trajetória, tem conquistado respeito na cidade e na classe artística como um centro de pesquisa sério e de qualidade reconhecida. O espaço tem possibilitado intercâmbio com artistas e pesquisadores importantes do Brasil e do exterior. Em janeiro de 2016, o Estúdio Luis Louis ganhou uma nova sede, com uma ampla estrutura para desenvolver a pesquisa, os cursos, apresentações e diversos eventos relacionados a arte da Mímica Total, localizada na Rua Pedro Taques, 145 (esquina com a Rua Bela Cintra), Consolação, São Paulo. No espaço, eventualmente, são apresentados trabalhos de pesquisa e criação, organizados eventos sobre a arte da Mímica Total, ensaios abertos da Cia. Luis Louis e mostra de criações geradas em cursos e workshops.

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Imagem 3: Resultado do TCC I: Espetáculo, peça REGURGITOBAR. Personagem, estátua viva.

DEART/UFRN (2018). Foto: Wallacy Medeiros

Chegar a São Paulo pela primeira vez e sozinho não foi uma tarefa fácil, mas logo me senti ávido para iniciar o curso, no qual, além da Mímica Corporal do Decroux, também foi explorado a Pantomima, considerado como uma Mímica mais clássica, embora ainda cause algumas confusões em relação aos dois termos. Foram seis dias de intenso trabalho dentro daquele estúdio, primeiro explorando o silêncio como um campo aberto para a criação, onde pude literalmente ouvir o quanto o meu corpo fala, dentro do entendimento de que somos o nosso próprio corpo, porque tudo o que somos está refletido nele. Conseguimos, desse modo, ouvir a nós mesmos e também os outros nessa exploração do não verbal, observando assim, que o artista trabalha antes da consciência. Nessa prática dizemos “sim” para todas as experiências possíveis e cabíveis, dentro do limite de cada um, pois são nessas afirmações que moram as possibilidades de criações insólitas.

Partindo para o lado mais técnico, as caminhadas, estatuária móvel, ilusões de força e objetos, ponto-fixo, movimento em unidade, dinamorítmos, manipulação e as gamas de emoções foram alguns dos conteúdos apresentados no curso, onde alguns já foram mencionados em páginas anteriores. Darei ênfase nos andares e no ponto-fixo no capítulo 3, fazendo uma relação com outras linguagens que foram influenciadas por essa arte.

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O ministrante do curso de imersão Luis Louis, também foi o fundador, junto com Lene Bastos, desse estúdio onde a Mímica é disseminada para artistas e pesquisadores de todo o país interessados nessa arte, na qual fundamentou a Mímica Total, onde ele explica que usa esse termo porque o mímico, ao contrário do que muitos pensam, quebra muitos limites na criação artística:

É Total porque integra os vários gêneros da mímica, da criação e obra, do corpo e voz, da razão e emoção, do indivíduo e coletivo, do visível e invisível. É Mímica porque é corporificação, é afirmação de um acontecimento, é ação, é criação, é afirmação da vida (LOUIS, 2014, p. 147).

Imagem 4: Experimentando o corpo em desequilíbrio na Imersão de Férias em Mímica Total

2019 - ministrada pelo Luis Louis, Estúdio Luis Louis (2019). Foto: Acervo do Estúdio Luis Louis

Louis estudou na Desmond Jones School of Mime and Physical Theatre, na Grã-Bretanha, tendo Desmond Jones como seu grande mestre e principal influência para o desenvolvimento da Mímica Total, que trazia em seus ensinamentos o hibridismo que a cena contemporânea emprega. Com isso, apesar de todo o desenvolvimento de técnicas e habilidades, a entrega que o artista tem com sua arte é o que mais conta e Jones chama simbolicamente essa entrega de WOW, uma explosão de energia vital que o ator/mímico precisa para dar vida às suas criações. Realizar esse método no curso me fez perceber o quanto que essa entrega já estava presente em minha pessoa, me possibilitando ir até São Paulo para ter essa vivência, me fazendo olhar para “aquele garoto” introvertido e perdido, que agora já

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encontrara um lugar para fazer morada, não essa morada que aquieta e aprisiona, mas uma morada que explora as infinitas possibilidades que ali habitam.

Imagem 5: Executando a figura de estilo O Arqueiro na Imersão de Férias em Mímica Total

2019 - ministrada pelo Luis Louis, Estúdio Luis Louis (2019). Foto: Acervo do Estúdio Luis Louis

Ao final do curso, me senti “órfão” pela segunda vez, desde a primeira oficina que fiz com o Javier em 2016, pois apesar de terem sido oficinas curtas, sendo a primeira de 12 horas e a segunda de 30, foram 42 horas de muita paixão pelo ofício. De volta a Natal, comecei a ministrar oficinas, disseminando o pouco conhecimento que havia adquirido na arte da mímica, unificando com o que eu já praticava antes dela, passando por um processo de ressignificação natural. Isso porque muitas dessas mudanças aconteciam no momento das oficinas, de acordo com a necessidade que o momento apresentava nas práticas pré-estabelecidas, sabendo que, apesar de termos que partir de um planejamento, o mesmo serve como uma base para um campo de possibilidades e experimentações, unindo técnica e individualidades de um corpo pensante para uso livre e independente na criação artística.

Tive a oportunidade de ministrar algumas oficinas para o grupo de dança Parafolclórico, onde os bailarinos e bailarinas estavam habituados a repetir passos coreografados. Depois de terem passado por algumas técnicas baseadas na Mímica em oficinas anteriores, como a “anatomia expressiva”, “estatuária móvel”, “manipulação” e as “gamas de emoções”, a proposição dessa oficina, realizada no dia 11 de setembro de 2019, na Sala de Dança do Ginásio Poliesportivo 1 da

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte, era de fazer com que eles tivessem uma maior expressividade corporal, para além das coreografias. Os componentes do grupo tiveram que reproduzir ações cotidianas, e depois uma codificação para apropriação dos gestos. Logo em seguida, introduzi fotos de pessoas que moram no sertão, seguindo o tema da nova pesquisa do grupo, que trata-se dos sertões nordestinos, baseado no livro Os Sertões de Euclides da Cunha, com a ideia de capturarem, através da observação, as ações, as cores e a fisicalidade daquelas pessoas. Esse procedimento acontecia para corporificar com as ações cotidianas, sem a busca de uma lógica do movimento, preocupando-se apenas com a execução codificada do mesmo e a essência capturada pela referência imagética.

Imagem 6: Oficina que ministrei para o grupo Parafolclórico da UFRN, Ginásio Poliesportivo 1

(2019). Foto: Arquivo pessal

Separados em três grupos, para compor um pequeno quadro, o resultado foram três cenas distintas e ao mesmo tempo interessantes, pois conseguiram explorar as expressividades corporais de uma maneira a qual não estavam habituados, criando uma comunicação cênica potente e insólita. O primeiro grupo nos contou uma história de maneira convencional, porém, costurando os elementos individuais de cada personagem, conseguindo ressignificar as ações propostas. Já o segundo grupo criou um cânone onde cada ação era apresentada e repetida de maneira igual e singular; e o último grupo começou desconfigurando o espaço de apresentação, onde executaram a gestualidade de forma itinerante, desenhando todo o espaço. Com isso, os três grupos

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conseguiram atingir uma espetacularização do movimento, ou seja, todo movimento estava sendo enfatizado de maneira clara e objetiva, focando na ação para atingir a comunicação com o público, mas sem perder o sentido e a expressividade do gesto.

SÃO GONÇALO DO AMARANTE (RN)

O ator, assim como qualquer outro profissional, dispõe de um corpo que já vem impregnado por um contexto cultural, mas quando essa pessoa passa por situações que distanciam de sua essência, pode acabar causando uma confusão de identidade, sentindo-se muitas vezes como um “peixe fora d’água”, e para iniciar um processo de introspecção, não basta olhar para as vivências, é necessário olhar também para as não-vivências, pois são nos vazios que moram as insatisfações, angústias e incertezas.

No primeiro parágrafo deste capítulo, informei que era de São Gonçalo do Amarante (RN), e não toquei mais no assunto. Não foi feito de maneira estratégica, mas esse apagamento de onde eu vim também está implicado em minha vida social, pois passei boa parte da vida me fechando para as pessoas, e com isso, consequentemente me bloqueando para a cidade. Por causa de todos esses muros que construí, eu não tinha proximidade nem com a cultura e nem com os artistas do município. Mas esse distanciamento não me impedia de ver os diversos grupos de teatro e cultura popular que permeiam meus sentidos até hoje.

Se eu procurei fazer teatro um dia, foi por causa da minha terra natal, mesmo que eu nunca tenha feito alguma atividade artística nela inicialmente. Não tenho artistas na minha família, por isso, parte de minha influência deve-se a São Gonçalo do Amarante. O Grupo de Teatro União - GRUTEU foi o primeiro grupo de teatro que conheci, sendo um dos grupos mais antigos do município, com 39 anos de existência, e tem como tradição a montagem anual da Paixão de Cristo, com uma sede na rua da minha casa. Quando eu via o grupo passar em um ônibus em frente a minha casa, de viagem para os locais de apresentação, meus sonhos eram transportados para dentro daquele veículo.

O município de São Gonçalo do Amarante respira e inspira cultura popular, tendo diversas manifestações tradicionais vivas até hoje, como o Boi-Calemba

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de Reis7, sendo um dos grupos mais antigos dessa manifestação cultural no Rio

Grande do Norte; os Congos de Combate; entre outras manifestações, como o Pastoril e os Bambelôs. Faz parte desse lugar também Militana Salustino do Nascimento, mais conhecida como Dona Militana8, uma cantora de versos,

considerada a maior Romanceira do Brasil. Isso sem mencionar que a cidade de São Gonçalo do Amarante é detentora do símbolo que representa a arte popular norte-rio-grandense, o Galo Branco. É importante citar aqui um artista emblemático para a cidade, Manuel Ferreira da Silva, mais conhecido como Ferreirinha, que apesar da muita idade e toda uma vida no teatro, carrega consigo a simplicidade de um fazer teatral próprio, e sempre ativo nas atividades teatrais da cidade.

Imagem 7: Estátua do Galo Branco, símbolo do Folclore do RN, Santo Antônio do Potengi (2016).

Foto: Isaías Carlos

7 Auto popular que trata da morte e ressurreição de um boi. É composto por “enfeitados” e “mascarados”, divididos em Mestre, Galantes e Damas. Executando cantigas antigas, eles fazem a coreografia ao som da rabeca. O figurino é enfeitado com fitas coloridas e espelhos, proporcionando um interessante efeito visual. Disponível em: <https://saogoncalo.rn.gov.br/folclore/>. Acesso em: 19 out. 2019.

8 Nasceu no sítio Oiteiros, na comunidade de Santo Antônio dos Barreiros – São Gonçalo do Amarante-RN, em 19 de março de 1925. Sua memória guardava, por tradição oral, um considerável acervo, o que fez dela uma enciclopédia viva da cultura popular. Eram romances originários de uma cultura medieval e ibérica, que narravam os feitos de bravos guerreiros e contam histórias de reis, princesas, duques e duquesas. Além de romances, Militana cantava modinhas, coco, xácaras, moirão, toadas de boi, aboios e fandangos. Disponível em: <http://saogoncalo.rn.gov.br/dona- militana/>. Acesso em: 19 out. 2019.

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A cidade possui um edifício teatral, o Teatro Municipal Prefeito Poti Cavalcanti, mas poucas foram as vezes em que ele lotou. Com isso, o Festival de Teatro Pedro Miranda9, que realiza o segundo ano de atividades agora em 2019,

tem uma importância imensa para a fomentação de platéia. A cultura popular é um dos pontos mais fortes do Município, como aponta Gleydson Almeida, ator e atual diretor do Teatro, porém, apresenta déficits com o próprio teatro, por exemplo, que necessita de reformas. Mas apesar disso, a cidade vem se reafirmando enquanto cidade investidora em cultura, porque os artistas têm uma fé muito grande por suas terras, a começar pelo próprio Santo Gonçalo, que dá nome a cidade, que é considerado um santo artista, melhor dizendo, um santo violeiro, porque tocava muito viola em Portugal.

9 Evento realizado pela Prefeitura Municipal de São Gonçalo, através da Fundação Cultural Dona Militana.

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II. CENSURA NOSSA DE CADA DIA: A

MÍMICA SOB UM OLHAR HISTÓRICO

Os artistas da mímica em diferentes épocas da história sempre conquistaram certa anarquia, seja em relação ao espaço cênico, a aproximação com o público ou sobre o assunto que abordavam. A seguir faço um panorama histórico de como a Mímica se intensificou enquanto arte, do ponto de vista ocidental, passando por processos de inibição e como ela se desenvolveu no Brasil.

DA GRÉCIA À FRANÇA

Temos como um exemplo, a Grécia Antiga, onde a mímica aparecia nas sátiras e nas comédias como forma de interpretação dramática, fazendo parte das formas populares, entremeada por danças e jogos, que tratavam de temas do cotidiano. Decorrente do mimo resultava no desaparecimento da palavra e na permanência do gesto como meio de expressão, com a necessidade de comunicar para o povo de forma mais imediata e emblemática, diferentemente das formas eruditas, que eram consideradas obras mais sofisticadas (BERTHOLD, 2011, p. 136-137).

Um grego que se destacou na arte dos gestos no séc. III a.C. foi Livius Andronicus10, considerado o pai da poesia romana, nascido na Grécia, mas foi

levado como escravo para Roma, recebendo o nome de seu antigo dono, ao receber a alforria. Ele atuava em suas próprias peças, como era o costume daquela época, e “após lhe faltar a voz no início de uma apresentação, em 240 a. C. contratou um ator para que recitasse por ele enquanto desenvolvia a parte gestual.”

(LOUIS, 2014, p. 18) daí em diante, criou-se uma rotina de apresentações gestuais.

10 Disponível em <https://www.britannica.com/biography/Lucius-Livius-Andronicus> Acesso em: 21 out. 2019.

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Na Idade Média, com o cristianismo sendo a religião oficial do império romano, sendo imposto a todo o povo daquela região, o teatro foi interrompido, porque o povo o frequentava muito, e para a igreja isso poderia ser uma forma de negligenciar os seus altares. Mas o teatro que “acabou” foi aquele que se desenvolveu a partir da grécia antiga, que possui a dramaturgia e o espaço cênico próprios. Enquanto isso, os mimos, os poetas e os acrobatas, permaneciam, mais precisamente, resistiam, em meio à toda aquela inibição que acontecia com a arte. Ela foi preservada por esses artistas ambulantes, que se deslocavam percorrendo cidades e apresentando espetáculos teatrais e circenses, principalmente em praças e mercados. Como salienta Roubine (2002, p. 30):

A gesticulação burlesca ou acrobática e a pantomima eram de certa forma, impostas ao ator pelas condições materiais da representação, aquele teatro ao ar livre que se dirigia a multidões de milhares de espectadores impunha tamanhas distâncias visuais e acústicas que uma representação feita de sutilezas era um tanto impraticável.

Por ironia do destino, o teatro “retornou” nas cerimônias ritualísticas da própria Igreja Católica, que trata do renascimento de Jesus Cristo, conhecido como quem quaeritis11, uma elaboração literário-musical da liturgia medieval da Páscoa que consiste em um breve diálogo entre o anjo que guarda a tumba vazia de Cristo e as três Marias, sendo considerado o primeiro drama litúrgico (BERTHOLD, 2011, p. 194). Mesmo o teatro sendo usado como meio para propagar a ideologia cristã, peças sem o cunho religioso também começaram a ser encenadas, e com uma nova tentativa de inibição pela igreja, dessa vez o teatro conseguiu se desenvolver nos países que formavam a europa ocidental, como Inglaterra, França, Alemanha, Espanha e etc., se diversificando.

Em meados do século XVI, fruto dessa diversificação, surge um grande fenômeno de teatro popular, a Commedia Dell'Arte, onde utilizavam também as técnicas de mímica. Luis Louis (2014, p. 19) nos conta que esse movimento surgiu “numa reação contrária à comédia dos senhores literatos do Renascimento [...]” com isso, “a Pantomima, inspirada nos jograis medievais, herdeiros dos mímicos romanos, espalha-se por toda a Europa”.

11 Latim, “quem você procura”.

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O período renascentista, entre o século XIV e início do século XVII, marca no teatro a união de gêneros dramatúrgicos e diferentes formas de teatro escrito e praticado na Europa durante a transição dessa nova era, onde antigas peças gregas e romanas voltavam a serem encenadas, e novas peças surgiam da simbiose entre as linguagens da Antiguidade e Idade Média. Apesar de o movimento renascentista apresentar maior expressão na Itália, foi na França que a mímica se intensificou (BERTHOLD, 2011).

Carlos VIII e Luís XII, com as guerras italianas, colocam a França em contato com o renascimento das artes, cultivando certo italianismo12 existente no país, seja

com Plutarco na literatura, Jean Fouquet na pintura ou até mesmo Laurana em Marselha na arquitetura. A Pantomima sobreviveu passando pelo Ballet Comique de

la Reine13, considerado o primeiro balé, uma combinação de dança, recitação, árias

e pantomimas em homenagem à rainha da França (durante o reinado de Henrique II da França de 1547 à 1559), e anos mais tarde, no Comédie-ballet14, um gênero teatral que combina diálogo, dança, pantomima, música instrumental e vocal e as belas artes característicos do Teatro Francês de meados do século XVII.

Foi a partir do século XVI também, que o movimento cultural do renascimento desenvolveu o humanismo, motivando o desenvolvimento humano independente, fazendo surgir o Antropocentrismo, doutrina filosófica que protagoniza o valor do ser humano no mundo, como um ser dotado de inteligência e capaz de mudar o meio ao seu redor. Com isso, o Teocentrismo, presente na Idade Média, foi perdendo força, fazendo o povo questionar cada vez mais as autoridades da Igreja. Agora as pessoas buscavam a consciência do seu próprio valor. Essa percepção de si mesmo fez com que os tesouros artísticos e literários da Antiguidade greco-romana fossem valorizados, pois eram criações dos humanos sobre os humanos, era algo mais próximo do real, e que faziam levantar questões éticas da sociedade. Devido a todo esse ideal de liberdade, o artista renascentista tinha mais espaço para expressar suas idéias e sentimentos sem estar submetido à Igreja.

Mas essa liberdade artística foi só até a “página dois”, pois a supervalorização do ser humano acabou criando relações de poder concentradas nas mãos dos soberanos, onde os mesmos tinham o poder de governar acima das próprias leis. Um dos seus expoentes é o rei da França, Luís XIV (reinado 1654 -

12 Disponível em: <https://www.hisour.com/pt/french-renaissance-30716/> Acesso em: 25 mai. 2019. 13 Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Ballet-comique-de-la-reine> Acesso em: 25 mai. 2019.

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1715), que segundo Louis (2014, p. 20), “expulsou os comediantes italianos de Paris por terem zombado de sua amante, Madame de Maintenon [...] e receberam a permissão de atuarem somente sob a condição de os atores não falarem”.

Em meio a um decreto de censura, os artistas continuaram produzindo seus trabalhos e a Pantomima se intensificou enquanto arte. Ou seja, numa tentativa de burlar a livre expressão artística, os gestos pantomímicos acabaram impulsionando essa arte. E esse ressurgimento da Pantomima, da forma que a conhecemos, aconteceu com Jean-Baptiste Gaspard Deburau (1796-1846), por volta de 1830. Sobre ele, Braga (2013, p. 232) nos diz que:

Sua atuação de Pierrot se tornou emblemática da “pantomima

branca” francesa, um tipo de mímica descritiva que usava, além das acrobacias e arlequinadas, recursos de dança e codificações de mãos, em uma composição com nuances trágicas, cômicas, entre contrastes de ação e paradoxo de sentimentos, ainda que geralmente plena de uma tragicidade amorosa e com desejo de desforra. Baptiste Deburau trabalhou no Funambules por cerca de 20 anos.

Imagem 8: Deburau como Pierrot. Ele foi o responsável pela modificação do figurino de Pierrot,

tirando a gola que era usada anteriormente e substituindo o chapéu por uma touca preta. Por: Maurice Sand

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Deburau foi homenageado e eternamente lembrado no filme Les Enfants du Paradis (1945), de Marcel Carné, interpretado por Jean-Louis Barrault com a personagem Baptiste, filme esse super aclamado pelo público, com seu realismo poético francês. A história ambienta-se no Boulevard du Temple, uma via pública bastante povoada, funcionando ali um verdadeiro ponto de encontro alternativo em Paris, onde transitavam pessoas das mais variadas índoles, sendo palco de diversos delitos, por isso era conhecido como boulevard do crime. Localizavam-se vários cafés-concertos e teatros, como Théâtre de l'Ambigu-Comique, Théâtre des Grands-Danseurs, e o Théâtre des Funambules, este último lembrado no filme, onde inclusive retrata um momento em que uma atriz fala em cena e é imediatamente multada, devido às restrições da época.

No século XX começa a surgir novas tendências nas artes, e com isso, o teatro passa a sofrer mudanças com o objetivo de romper certos conceitos tradicionais. Grandes pensadores nessa época foram importantes para esse teatro onde o ator fosse mais ativo em suas criações, como Constantin Stanislavski, Vsevolod Emilevitch Meyerhold, Antonin Artaud e Jerzy Grotowski. Para isso, a Mímica também se torna objeto de estudos, e o pioneiro nessa “nova era mímica” é Etienne Decroux (1898 - 1991), que dedica mais de 60 anos de sua vida em estudos e ensinamentos sobre a Mímica Corporal Dramática. Mas para falar de Decroux, é essencial falar de sua forte influência, Jacques Copeau (1879 - 1949) e a sua Ècole du Vieux Colombier.

Apesar de Copeau algumas vezes ser esquecido, ele foi um revolucionário do teatro, pois estava muito incomodado com os teatros de sua época, resolvendo assim fazer o seu próprio teatro, onde para ele o ator tinha que treinar e tirar todo aquele figurino pesado, criando assim, o Vieux Colombier. Na escola era ensinado aulas de balé clássico, acrobacias, literatura, improvisação, dicção, canto, e as aulas de improviso que chamavam de máscara, fundamentais para Decroux desenvolver a mímica corporal. Copeau foi o criador da máscara neutra, que ele considerava como uma espécie de salvamento daqueles atores que eram fragilizados e reduzidos a simplesmente declamar textos e exibir grandes e refinados figurinos. Neutralizando as expressões faciais, as possibilidades de expressar-se com outras partes do corpo aumentariam. Pode-se dizer que o interesse de Decroux nessa disciplina, fez nascer a Mímica Corporal Dramática e posteriormente todos os estudos que cercam essa arte (LOUIS, 2014, p. 38).

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No livro de Fernando Peixoto, Teatro em Movimento (1989), ele trás uma análise sobre um livro escrito por Jean Dorcy intitulado A la Rencontre de la Mime, onde são abordadas as transições pela qual a mímica passou na França. Segundo Peixoto (1989, p. 79-80):

Jean Dorcy afirma que as primeiras páginas para uma história da mímica no Ocidente, foram escritas "sous le ciel fin de l'Ile-de- France" por Etienne Decroux, Jean-Louis Barrault, e também Marcel Marceau e Eliane Guyon. [...] Resumindo, o aparecimento e o desenvolvimento da mímica precisa ser considerado quase que como consequência do naturalismo de Antoine, passando pelo Vieux

Colombier, por Les Comédiens – Routiers, pela Compagnie des

Quinze, por Jean Dasté, por Gilles e Julien, pelo Proscenium, até chegar, finalmente, aos quatro grandes: Decroux e Barrault (com os quais a mímica adquire autonomia artística), Marceau (pantomima) e Guyon (a única mulher que se destacou neste gênero).

É importante observar que Decroux antes de entrar para o teatro, “até os 25 anos, exerceu uma série de trabalhos manuais: foi pintor, encanador, carpinteiro, açougueiro, lavador de prato, além de ter trabalhado em hospitais e fazendas”. (LOUIS, 2014, p. 37). Isso serviu para que ele tivesse uma ampla visão das gestualidades existentes na natureza, vendo assim poesia nos movimentos. Para ele o ator também deveria ser manual, buscando dominar as formas. Em seus métodos, ele buscou um trabalho escultórico, com todos aqueles estudos das articulações citados no primeiro capítulo desta monografia, entre outros exercícios, dividindo basicamente o corpo em coluna vertebral, rosto e braços, explorando planos distintos: lateral, profundidade e rotacional. Braga (2013) afirma que Decroux diz explicitamente:

"Se não tivesse sido mímico corporal, gostaria de ter sido escultor". Isso porque o artista sente forte relação entre as duas artes. No contexto de sua fala, a arte da escultura se refere à de Auguste Rodin que revela, para ele, uma poetização da realidade por meio da expressão em três dimensões (BRAGA, 2013, p. 51-52).

Fontenele também observa esse trabalho do intérprete, desenvolvida pelo Decroux, como uma escultura humana:

Visualmente parece claro o espelhamento das esculturas no corpo do intérprete - a dilatação do gesto, o equilíbrio/desequilíbrio e a fragmentação dos movimentos (FONTENELE, 2016, p. 111).

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transformar os movimentos mímicos em metáforas, marcando a transição da mímica objetiva para a mímica subjetiva, como Louis (2014) denomina, referindo-se à mímica objetiva como aquela que cria ilusões de objetos no espaço, sendo o mais fiel possível as ilusões criadas, ou seja, o que acontece na pantomima. E a mímica subjetiva seria a que explora as emoções e a sensibilidade. Ela não representa o objeto em si e sim um sentimento ou uma sensação a respeito, centrado assim, nas metáforas.

Imagem 9: Jean-Louis Barrault (à esquerda) e Etienne Decroux (à direita) em cena do filme Les

Enfants du Paradis (1945). Foto colorizada promocionalmente do filme Les Enfants du Paradis.

Dirigido por: Marcel Carné.

Outro aprendiz de Decroux foi Marcel Marceau (1993 - 2007), responsável por popularizar a Pantomima mundialmente, fazendo passagem até no Brasil em 1997, celebrando os 50 anos de seu personagem Bip. Mesmo tendo participado da escola do pai da mímica moderna, ele optou por desenvolver o trabalho da pantomima e conseguiu imprimir em suas criações esse trabalho metafórico que Decroux e Barrault desenvolveram, na mímica clássica. Um grande exemplo desse

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“hibridismo” criado, é o quadro The Mask Maker15, onde ele muda repentinamente

de máscaras formadas apenas com as feições do rosto, e de maneira precisa o corpo torna-se extensão dessas máscaras. Quando ele chega na máscara que estampa um grande sorriso, ele não consegue trocar, indicando que a mesma ficou grudada em seu rosto, e para representar uma insatisfação com aquela situação, cria uma dicotomia entre a expressão do rosto e do resto do corpo, metaforizando, ao meu entender, os diversos disfarces que utilizamos para nos sentirmos seguros, e na tentativa de se “desarmar”, podemos cair na armadilha da “máscara”, que já está impregnada no ser.

Esse hibridismo na mímica está bastante presente no trabalho de Jacques Lecoq (1921 - 1999), exercendo-o essas dinâmicas como professor na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts. “Decroux queria a mímica como forma de arte independente do teatro, Barrault promove essa aproximação quando entra para o teatro falado, mas foi com Lecoq que esta divisão se desfaz acentuadamente”

(LOUIS, 2014, p. 78). A máscara neutra e expressiva foram os seus objetos de

aprofundamento.

Chegando no final do século XX, o termo Teatro Físico começa então a se difundir, com nomes como Desmond Jones, mesclando as influências que teve de Decroux, Lecoq e Keith Johnstone, um encenador britânico com grande influência na arte da improvisação, unindo essas referências para uma libertação na criação de ator (LOUIS, 2014). E Steven Berkoff, que desenvolveu uma estilização do corpo e da voz junto a uma dramaturgia escrita em versos, usando-o no hibridismo contemporâneo da mímica (ROMANO, 2013).

BRASIL: MÍMICA E PROGRESSO

Em meados da década de 30, o teatro no país defendia um caráter comercial, tendo como uma das principais figuras o ator Procópio Ferreira. Com isso, para fugir dessa fragilidade que o ator tinha nos seus processos de criação, alguns artistas buscaram criar as suas próprias escolas de teatro, e assim Alfredo Mesquita (1907- 1986) criou o Grupo de Teatro Experimental (GTE) em 1942 e, posteriormente, a Escola de Artes Dramáticas (EAD). Como diz Luis Louis (2014, p. 105), “notava-se, no programa da EAD, uma preocupação com o corpo do ator e, para isso, foi desenvolvida uma disciplina de mímica organizada por Ullmann, partindo dos

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pressupostos de Dalcroze e Rudolf Von Laban”.

A arte da Mímica só veio se popularizar de fato no Brasil na década de 50, mas não foi por um brasileiro, e sim pelo português Luís de Lima (1925-2002), que trazido por Mesquita em 1952, especificamente para a EAD, trouxe seus aprendizados que teve com o próprio Decroux, tendo trabalhado também com Marcel Marceau. O seu primeiro espetáculo no país foi O Escriturário, um mimodrama16 escrito, dirigido e interpretado por ele mesmo, trazendo essa visão da

mímica moderna francesa.

O primeiro brasileiro que se tem registro histórico a trabalhar com a arte da Mímica foi Ricardo Bandeira (1936 - 1995), que estudou a Mímica Corporal Dramática diretamente com Barrault e a pantomima com Marceau, uma grande influência em suas criações. Alberto Gaus, um de seus discípulos, diz que o que o diferenciava em sua mímica era o acabamento dos movimentos, que eram bem pesados, enquanto Marceau tinha uma maior delicadeza.

16 O mimodrama constrói toda uma fábula a partir de um encadeamento de episódios gestuais (PAVIS, p. 243).

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Imagem 10: Ricardo Bandeira fazendo expressões com sua maquiagem

branca. Fonte: Página do Ricardo Bandeira no Facebook17.

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Essa visão do mímico no Brasil associada apenas à figura do pantomimo branco muito se deve a Bandeira, e o próprio Marceau com sua vinda para o país. Inclusive o mesmo chegou a relatar que Bandeira seria seu sucessor brasileiro. Mas infelizmente todo o trabalho que o artista empregou não só como Mímico, mas também como diretor, dramaturgo, escritor, compositor e produtor, sofre de um abandono histórico até os dias de hoje, fato esse comprovado por seu filho Ricardo Froemming junto com Victor de Seixas, que em 2017 idealizaram o projeto Resgate

de Memória de Ricardo Bandeira18. Com o objetivo de evitar o fim material de suas

obras, mas para darem continuidade, necessitavam de apoio financeiro e não obtiveram sucesso.

Falar sobre esse apagamento histórico, me faz lembrar da inexistência de livros traduzidos19 para o português de Decroux e Barrault, alavancando mais ainda

as barreiras dessa Mímica moderna e pós-moderna aqui no país, mais precisamente do termo propriamente dito, pois a palavra “mímica” passou por diversas transições. Mas apesar dos percalços, alguns artistas brasileiros tiveram um importante papel de disseminação dessa arte no país e a fazem manter viva nos dias de hoje.

Dentre eles, Bya Braga, atriz e diretora com Doutorado em Artes Cênicas pela UNIRIO, com estágio doutoral de pesquisa prática artística na Escola MOVEO de Mímica Corporal Dramática em Barcelona, Espanha, apresentando o espetáculo de Mímica Corporal no Teatro Bóbila em 2009, como atriz e pesquisadora. Em 2011, Bya Braga trouxe ao Brasil a professora e artista Corinne Soum, do Théatre l'Ange Fou para ministrar um curso de Mímica Corporal Dramática no 43º Festival de Inverno da UFMG. Soum foi a última assistente de Decroux ao lado de seu parceiro artístico Steven Wasson. Como professor assistente de Soum e tradutor neste curso, foi convidado o artista educador brasileiro Alexandre Brum Correa, graduado como ator na UFRS e diplomado na International School of Corporeal Mime (Londres). No 43º Festival, Braga também convidou para apresentação cênica dois ex-alunos de Soum e Wasson, André Gerreiro e Nadja Turenko, com o espetáculo de Mímica Corporal "O estranho familiar". Em 2013, Bya também participou do evento "Mímica corporal e o fazer contemporâneo do ator", que foi

18 Disponível em <https://www.catarse.me/ricardo_bandeira> Acesso em: 05 nov. 2019.

19 Bya Braga obteve em 2013 esta autorização de tradução do livro Paroles sur le mime com os herdeiros, mas infelizmente não teve financiamento para editá-lo. Esta informação foi obtida pessoalmente com esta autora. A propósito, em seu livro sobre Decroux, há todo um trabalho de tradução e reflexão associada ao livro de É. Decroux.

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criado e realizado por Alexandre Brum Correa em Porto Alegre-RS, um evento que incluiu curso, palestras, demonstrações técnicas e lançamento de livro. No lançamento de seu livro em Belo Horizonte, Alexandre Brum Correa realizou performance inspirada na Mímica Corporal. Em 2018, junto com Alexandre Brum Correa, Bya criou um espetáculo nos Estados Unidos a partir de estudos feitos em residências artísticas com ex-discípulos de Decroux, que residem neste país, fruto de pesquisa artística também vinculada ao seu pós-doutoramento junto à New York University, Department of Performance Studies. Bya é também uma professora e pesquisadora no Curso de Teatro e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, e desenvolve suas pesquisas voltadas para a prática de ator no teatro de movimento. Victor de Seixas, que possui diploma do curso livre de Mímica Corporal Dramática em Londres, e foi um dos idealizadores do Projeto Mímicas20, que durou entre os anos de 2004 e 2012, com o objetivo de

fomentar os conhecimentos da Mímica Corporal Dramática, realizando estudos, divulgações, revistas digitais e mostras culturais. Eduardo Tessari Coutinho, que é considerado o primeiro brasileiro a defender uma tese de doutorado em Mímica no país, sendo responsável por disseminar os estudos dessa arte no meio acadêmico, como professor na ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP. George Mascarenhas e Deborah Moreira oriundos da Bahia, ambos com formação na Ecole de Mime Corporel Dramatique (Londres), sendo que a Deborah se formou no Brasil com o George e Nadja Turenko, mas com o aval da escola londrina, onde juntos criaram a Mimus Companhia de Teatro em 2007, em Salvador, Bahia. Luis Louis também surge com seu estúdio voltado para cursos e workshops para o campo de estudos práticos e teóricos sobre a Mímica Total, já mencionado no primeiro capítulo.

E tem também Luís Otávio Burnier, que desde criança imitava os quadros de Marcel Marceau na frente do espelho, anos mais tarde estuda diretamente com Decroux, se tornando seu discípulo. Ele fundou em 1985 o LUME Teatro, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas, que se tornou uma referência mundial na pesquisa da arte de ator e da gestualidade brasileira. Carlota Cafiero (1999, p. 15-16) conta uma história no mínimo curiosa de Burnier aos seus 17 anos, que se passou no 1º Festival dos Cursos de Teatro de Campinas, em uma noite de junho de 1974, no palco do antigo Teatro do Sesc, no bairro Bonfim, onde ele faz um mímico chamado Burna, uma representação de um

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mendigo que se relacionava apenas com os seres mais puros da natureza, como borboletas e crianças. Uma pessoa tão jovem como aquela representando quadros mímicos com tanta precisão impressiona o público, e ele é ovacionado, tendo que retornar ao palco 5 vezes para agradecer os aplausos. Uma pessoa especial estava na platéia nesse dia, simplesmente Ricardo Bandeira, que já era considerado o maior mímico do Brasil. Com isso, Burnier é chamado para homenagear Bandeira no palco e uma surpresa acontece:

O secretário de Cultura na época, o lingüista José Alexandre dos Santos Ribeiro, foi um dos espectadores que presenciou a cena: “Ricardo Bandeira subiu ao palco e, como mímico, ao invés de agradecer com palavras, fez uma figuração de que seu coração estava batendo e saindo do peito. Ele então segurou o coração e o entregou a Luís Otávio. Aquilo foi um improviso, surgiu ali! O Luís Otávio, imediatamente pegou o coração, que passou a pulsar em suas mãos, o introjetou no peito e fez um gesto de glória, de estado de graça! Foi um delírio na platéia!” (Carlota Cafiero, 1999, p. 16).

Vale lembrar que a mímica clássica também se encontra presente com pouquíssimos artistas trabalhando ativamente no país. Destaco aqui Everton Ferre e Jiddu Saldanha, ambos nascidos em Curitiba (PR), onde Everton passou seus conhecimentos para Jiddu, que também estudou com Luís de Lima, exercendo suas pantomimas há mais de duas décadas. Jiddu mostra todo o poder que a Mímica pode fornecer como ajuda na compreensão de mundo feita pelo seu público infanto-juvenil e adulto e Everton exerce seu trabalho de maneira muito humilde e sensível nas ruas e escolas como Mímico-Educador, tocando o coração de crianças e transeuntes nas vias urbanas.

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Imagem 11: Jiddu Saldanha. Foto: Fernanda Rigon

PROCESSOS DE INIBIÇÃO

Mas não é só de progressos que a Mímica é feita no Brasil. O mecanismo de repressão e censura tão presente em séculos passados contra a livre expressão artística pode não ser algo tão do passado assim. No mês de setembro de 2019 esses processos de inibição voltaram com muita intensidade, e o corpo fala tanto que o silêncio foi gritante a ponto de censurar o espetáculo que fala da própria censura.

O espetáculo Abrazo, do grupo de teatro Clowns de Shakespeare/RN, com direção de Marco França e no elenco a presença de Camille Carvalho, Dudu Galvão e Paula Queiroz, conta a história de um lugar onde os abraços são proibidos, criando uma metáfora sobre opressões e exílios, afetos e liberdades. A história é baseada em “O Livro dos Abraços”, de Eduardo Galeano e contada de uma maneira lúdica, com muita mímica e bastante leveza, pois tem como alvo principal o público infanto-juvenil, embora seja adequada para todos os públicos.

Em uma nota oficial lançada no dia 9 de setembro de 2019 pelo grupo nas suas redes sociais21, foi relatado que eles receberam um comunicado oficial da

empresa que estava patrocinando o projeto do grupo sobre a rescisão do contrato, e

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sem nenhum esclarecimento devido, eles foram obrigados a cancelar a segunda seção do dia, momentos antes da apresentação. Com isso, eles conseguiram o apoio de vários artistas e da própria população para seguirem em frente e não baixarem a cabeça para a opressão.

Outro espetáculo censurado foi Gritos, da companhia Dos à Deux, criada na França por dois artistas brasileiros, André Curti e Arthur Ribeiro, que estudou na Escola de Mímica Corporal Dramática de Paris, dirigido por Steven Watson e Corinne Soun, que estudaram e foram assistentes de Etienne Decroux. A Cia recebeu um inesperado congelamento da empresa patrocinadora, para realizar uma segunda análise do conteúdo que o grupo propunha em seu projeto. Em nota oficial22 lançada pelo grupo, o grupo pôde retornar com seu projeto, mas com a

condição do cancelamento do espetáculo Gritos, sem nenhuma explicação devida para essa execução. A história do espetáculo é retratada por poemas gestuais e o manuseio de bonecos que criam metáforas em relação ao amor e os integrantes do grupo teme que tenham sido alvo de censura por conter na peça a representação de uma travesti. Teria sido, portanto, a arte da Mímica motivadora, de fato, desta censura, aliada aos temas escolhidos pelos artistas desses espetáculos? Não podemos afirmar isso, com certeza. Mas, fica no ar a pergunta e um alerta para os artistas do teatro gestual.

A história da mímica retratada aqui neste capítulo mostra como esses processos de inibição acabaram se tornando impulsionador para o artista, um verdadeiro símbolo de resistência, seja por um homem escravizado na Grécia Antiga, que depois de livre, despretensiosamente se comunicou através do movimento, ou por um forte período de rejeição ao teatro na Idade Média e mesmo assim, se mantendo de pé diante das autoridades do clero ou, ainda, ultrapassando leis impostas pelas vaidades de poder dos soberanos durante o Renascimento. Eliane Guyon e outras mulheres também tiveram um papel de destaque em um período onde ainda não reconheciam os seus devidos valores, ou até mesmo Copeau, que possivelmente foi considerado praticamente um excluído dentro do contexto teatral francês, e foi responsável pela criação da máscara neutra, um objeto inovador e de importante valor pedagógico e criativo para os artistas do movimento, além de Decroux, um homem que, por ter fortes convicções políticas, entrou no teatro com o interesse de melhorar sua oralidade, e acabou transformando em movimento o seu discurso anárquico. Todos esses, que tiveram

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importantes passagens pela história da Mímica, seja direta ou indiretamente, ajudando a transformá-la em objeto de estudo artístico, têm em comum o desejo de revolução.

Referências

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