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Em meados da década de 30, o teatro no país defendia um caráter comercial, tendo como uma das principais figuras o ator Procópio Ferreira. Com isso, para fugir dessa fragilidade que o ator tinha nos seus processos de criação, alguns artistas buscaram criar as suas próprias escolas de teatro, e assim Alfredo Mesquita (1907- 1986) criou o Grupo de Teatro Experimental (GTE) em 1942 e, posteriormente, a Escola de Artes Dramáticas (EAD). Como diz Luis Louis (2014, p. 105), “notava-se, no programa da EAD, uma preocupação com o corpo do ator e, para isso, foi desenvolvida uma disciplina de mímica organizada por Ullmann, partindo dos

pressupostos de Dalcroze e Rudolf Von Laban”.

A arte da Mímica só veio se popularizar de fato no Brasil na década de 50, mas não foi por um brasileiro, e sim pelo português Luís de Lima (1925-2002), que trazido por Mesquita em 1952, especificamente para a EAD, trouxe seus aprendizados que teve com o próprio Decroux, tendo trabalhado também com Marcel Marceau. O seu primeiro espetáculo no país foi O Escriturário, um mimodrama16 escrito, dirigido e interpretado por ele mesmo, trazendo essa visão da

mímica moderna francesa.

O primeiro brasileiro que se tem registro histórico a trabalhar com a arte da Mímica foi Ricardo Bandeira (1936 - 1995), que estudou a Mímica Corporal Dramática diretamente com Barrault e a pantomima com Marceau, uma grande influência em suas criações. Alberto Gaus, um de seus discípulos, diz que o que o diferenciava em sua mímica era o acabamento dos movimentos, que eram bem pesados, enquanto Marceau tinha uma maior delicadeza.

16 O mimodrama constrói toda uma fábula a partir de um encadeamento de episódios gestuais (PAVIS, p. 243).

Imagem 10: Ricardo Bandeira fazendo expressões com sua maquiagem

branca. Fonte: Página do Ricardo Bandeira no Facebook17.

Essa visão do mímico no Brasil associada apenas à figura do pantomimo branco muito se deve a Bandeira, e o próprio Marceau com sua vinda para o país. Inclusive o mesmo chegou a relatar que Bandeira seria seu sucessor brasileiro. Mas infelizmente todo o trabalho que o artista empregou não só como Mímico, mas também como diretor, dramaturgo, escritor, compositor e produtor, sofre de um abandono histórico até os dias de hoje, fato esse comprovado por seu filho Ricardo Froemming junto com Victor de Seixas, que em 2017 idealizaram o projeto Resgate

de Memória de Ricardo Bandeira18. Com o objetivo de evitar o fim material de suas

obras, mas para darem continuidade, necessitavam de apoio financeiro e não obtiveram sucesso.

Falar sobre esse apagamento histórico, me faz lembrar da inexistência de livros traduzidos19 para o português de Decroux e Barrault, alavancando mais ainda

as barreiras dessa Mímica moderna e pós-moderna aqui no país, mais precisamente do termo propriamente dito, pois a palavra “mímica” passou por diversas transições. Mas apesar dos percalços, alguns artistas brasileiros tiveram um importante papel de disseminação dessa arte no país e a fazem manter viva nos dias de hoje.

Dentre eles, Bya Braga, atriz e diretora com Doutorado em Artes Cênicas pela UNIRIO, com estágio doutoral de pesquisa prática artística na Escola MOVEO de Mímica Corporal Dramática em Barcelona, Espanha, apresentando o espetáculo de Mímica Corporal no Teatro Bóbila em 2009, como atriz e pesquisadora. Em 2011, Bya Braga trouxe ao Brasil a professora e artista Corinne Soum, do Théatre l'Ange Fou para ministrar um curso de Mímica Corporal Dramática no 43º Festival de Inverno da UFMG. Soum foi a última assistente de Decroux ao lado de seu parceiro artístico Steven Wasson. Como professor assistente de Soum e tradutor neste curso, foi convidado o artista educador brasileiro Alexandre Brum Correa, graduado como ator na UFRS e diplomado na International School of Corporeal Mime (Londres). No 43º Festival, Braga também convidou para apresentação cênica dois ex-alunos de Soum e Wasson, André Gerreiro e Nadja Turenko, com o espetáculo de Mímica Corporal "O estranho familiar". Em 2013, Bya também participou do evento "Mímica corporal e o fazer contemporâneo do ator", que foi

18 Disponível em <https://www.catarse.me/ricardo_bandeira> Acesso em: 05 nov. 2019.

19 Bya Braga obteve em 2013 esta autorização de tradução do livro Paroles sur le mime com os herdeiros, mas infelizmente não teve financiamento para editá-lo. Esta informação foi obtida pessoalmente com esta autora. A propósito, em seu livro sobre Decroux, há todo um trabalho de tradução e reflexão associada ao livro de É. Decroux.

criado e realizado por Alexandre Brum Correa em Porto Alegre-RS, um evento que incluiu curso, palestras, demonstrações técnicas e lançamento de livro. No lançamento de seu livro em Belo Horizonte, Alexandre Brum Correa realizou performance inspirada na Mímica Corporal. Em 2018, junto com Alexandre Brum Correa, Bya criou um espetáculo nos Estados Unidos a partir de estudos feitos em residências artísticas com ex-discípulos de Decroux, que residem neste país, fruto de pesquisa artística também vinculada ao seu pós-doutoramento junto à New York University, Department of Performance Studies. Bya é também uma professora e pesquisadora no Curso de Teatro e no Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, e desenvolve suas pesquisas voltadas para a prática de ator no teatro de movimento. Victor de Seixas, que possui diploma do curso livre de Mímica Corporal Dramática em Londres, e foi um dos idealizadores do Projeto Mímicas20, que durou entre os anos de 2004 e 2012, com o objetivo de

fomentar os conhecimentos da Mímica Corporal Dramática, realizando estudos, divulgações, revistas digitais e mostras culturais. Eduardo Tessari Coutinho, que é considerado o primeiro brasileiro a defender uma tese de doutorado em Mímica no país, sendo responsável por disseminar os estudos dessa arte no meio acadêmico, como professor na ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP. George Mascarenhas e Deborah Moreira oriundos da Bahia, ambos com formação na Ecole de Mime Corporel Dramatique (Londres), sendo que a Deborah se formou no Brasil com o George e Nadja Turenko, mas com o aval da escola londrina, onde juntos criaram a Mimus Companhia de Teatro em 2007, em Salvador, Bahia. Luis Louis também surge com seu estúdio voltado para cursos e workshops para o campo de estudos práticos e teóricos sobre a Mímica Total, já mencionado no primeiro capítulo.

E tem também Luís Otávio Burnier, que desde criança imitava os quadros de Marcel Marceau na frente do espelho, anos mais tarde estuda diretamente com Decroux, se tornando seu discípulo. Ele fundou em 1985 o LUME Teatro, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas, que se tornou uma referência mundial na pesquisa da arte de ator e da gestualidade brasileira. Carlota Cafiero (1999, p. 15-16) conta uma história no mínimo curiosa de Burnier aos seus 17 anos, que se passou no 1º Festival dos Cursos de Teatro de Campinas, em uma noite de junho de 1974, no palco do antigo Teatro do Sesc, no bairro Bonfim, onde ele faz um mímico chamado Burna, uma representação de um

mendigo que se relacionava apenas com os seres mais puros da natureza, como borboletas e crianças. Uma pessoa tão jovem como aquela representando quadros mímicos com tanta precisão impressiona o público, e ele é ovacionado, tendo que retornar ao palco 5 vezes para agradecer os aplausos. Uma pessoa especial estava na platéia nesse dia, simplesmente Ricardo Bandeira, que já era considerado o maior mímico do Brasil. Com isso, Burnier é chamado para homenagear Bandeira no palco e uma surpresa acontece:

O secretário de Cultura na época, o lingüista José Alexandre dos Santos Ribeiro, foi um dos espectadores que presenciou a cena: “Ricardo Bandeira subiu ao palco e, como mímico, ao invés de agradecer com palavras, fez uma figuração de que seu coração estava batendo e saindo do peito. Ele então segurou o coração e o entregou a Luís Otávio. Aquilo foi um improviso, surgiu ali! O Luís Otávio, imediatamente pegou o coração, que passou a pulsar em suas mãos, o introjetou no peito e fez um gesto de glória, de estado de graça! Foi um delírio na platéia!” (Carlota Cafiero, 1999, p. 16).

Vale lembrar que a mímica clássica também se encontra presente com pouquíssimos artistas trabalhando ativamente no país. Destaco aqui Everton Ferre e Jiddu Saldanha, ambos nascidos em Curitiba (PR), onde Everton passou seus conhecimentos para Jiddu, que também estudou com Luís de Lima, exercendo suas pantomimas há mais de duas décadas. Jiddu mostra todo o poder que a Mímica pode fornecer como ajuda na compreensão de mundo feita pelo seu público infanto- juvenil e adulto e Everton exerce seu trabalho de maneira muito humilde e sensível nas ruas e escolas como Mímico-Educador, tocando o coração de crianças e transeuntes nas vias urbanas.

Imagem 11: Jiddu Saldanha. Foto: Fernanda Rigon

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