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O controle judicial da violação de domicílio em crimes permanentes: análise do RE Nº. 603.616/RO e de apelações do TJ/RN à luz da hermenêutica constitucional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA CECÍLIA RÊGO DE QUEIROZ

O CONTROLE JUDICIAL DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO EM CRIMES PERMANENTES: ANÁLISE DO RE Nº. 603.616/RO E DE APELAÇÕES DO TJ/RN À

LUZ DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

NATAL/ RN 2019

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ANA CECÍLIA RÊGO DE QUEIROZ

O CONTROLE JUDICIAL DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO EM CRIMES PERMANENTES: ANÁLISE DO RE Nº. 603.616/RO E DE APELAÇÕES DO TJ/RN À

LUZ DA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Bacharela em Direito.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave.

NATAL/ RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Queiroz, Ana Cecília Rêgo de.

O Controle judicial da violação de domicílio em crimes

permanentes: análise do RE nº. 603.616/RO e de apelações do TJ/RN à luz da Hermenêutica Constitucional / Ana Cecília Rêgo de

Queiroz. - 2019. 82f.: 11 il.

Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Direito. Natal, RN, 2019.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave.

1. Controle judicial - Monografia. 2. Violação de domicílio - Monografia. 3. Flagrante delito - Monografia. 4. Crime

permanente - Monografia. 5. Hermenêutica constitucional - Monografia. I. Presgrave, Ana Beatriz Ferreira Rebello. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/Biblioteca do CCSA CDU 340.132.6

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Fátima e Livanaldo, pelo amor e apoio incondicional desde sempre, por serem tão presentes e por todas as concessões que fizeram e fazem para realizar os meus sonhos – às vezes nossos.

À minha irmã, Ana Angélica, por ter sido, ao mesmo tempo, suporte e inspiração; por ter me ajudado a estruturar essa pesquisa desde quando ela estava apenas no campo das ideias, um padrão que vem desenvolvendo a cada etapa da minha vida.

Aos meus avós, tios e primos, pelas orações e torcida.

À minha orientadora, a professora Drª. Ana Beatriz F. R. Presgrave, pela disponibilidade ímpar para orientação deste TCC, com reuniões bem-humoradas e repletas de conhecimento e, sobretudo, por ser uma grande inspiração profissional e acadêmica. Obrigada!

À professora Drª. Mariana de Siqueira por aceitar integrar a banca examinadora deste trabalho ainda que diante de tantas ocupações profissionais.

Ao professor Dr. Olavo Hamilton pela presteza e gentileza ao aceitar o convite para participar da banca examinadora, bem como pelos excelentes trabalhos desenvolvidos no campo da pesquisa sobre a Criminalização das Drogas que certamente inspiraram mais esse trabalho do que poderão transparecer as citações e referências.

Aos professores do Curso de Direito da UFRN, pelos conhecimentos passados e pelos desafios compartilhados.

Às minhas amigas Maíra Arcoverde e Bianca Villas Boas, dois exemplos para mim, pelos desabafos e desafios compartilhados nos últimos meses que certamente preencheram esse TCC de significado.

Ao meu amigo Ângelo Menezes por ser um verdadeiro mentor, sendo exemplo de amor e dedicação à profissão e aos sonhos.

Aos meus amigos Amanda Bezerra, Camila Pinheiro, Letícia Mesquita, Rafael Guardiani, Andressa Brito, Leonardo Pinheiro e Rachel Cardoso pela parceria desenvolvida desde o primeiro semestre de curso e que continuará por muito além dele.

À Brena Monice, Raíssa Garcia, Renata Alecrim, Bárbara Bezerra, Clara Rocha, Lara Lemos, Ana Beatriz Azevedo, Camila Diógenes, Layse Dias, Fernanda Borges, mulheres que me inspiram diariamente.

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A Clara Cavalcanti, Ana Emília Holanda, Camila Tozzi e Arnaud Lucena, pela compreensão e estímulo.

Aos meus amigos, ainda que não haja como nominar todos, que compartilharam comigo os melhores e piores momentos deste curso que agora concluo.

Aos meus colegas de curso, de projetos de extensão, delegados das simulações, aos servidores da UFRN.

À Simulação de Organizações Internacionais e ao Projeto Efetivando o Direito à Educação, por nortearem o meu caminho no curso de Direito, ensinando-me que há de existir amor e dedicação em qualquer das tarefas.

Aos servidores da 13ª Vara Cível da Comarca de Natal, na pessoa de Drª. Rossana Alzir, pelos ensinamentos e pela paciência.

Por fim, mas com especial relevância, à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande Norte, em especial à defensora pública Drª. Anna Paula P. Cavalcante, grande exemplo de profissional e de servidora pública, pelas valiosas lições que inspiraram a escolha do tema deste trabalho.

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“Nós vos pedimos com insistência:

Nunca digam - Isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia, Numa época em que corre o sangue Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza Não digam nunca: Isso é natural A fim de que nada passe por imutável.” (Bertolt Brecht)

“A justiça, como as serpentes, só morde os descalços” (Eduardo Galeano)

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RESUMO

O controle judicial da violação de domicílio em casos de flagrante delito de crimes permanentes é uma forma de reduzir arbitrariedades e foi objeto da decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal no tema 280 de Repercussão Geral. O presente trabalho tem por objetivo geral averiguar se a interpretação sobre o tema feita pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 603.616/Rondônia se adequa às exigências formuladas pela hermenêutica constitucional, bem como se é aplicado de forma idônea pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Para tanto, aplicou-se o método indutivo como método de abordagem, os métodos de procedimento estatístico e estruturalista, além da observação indireta e observação direta extensiva como técnica de pesquisa, por meio de pesquisa bibliográfica, estudo de caso e análise de conteúdo. Primeiro, analisou-se o julgamento do Recurso Extraordinário 603.616/Rondônia com destaque ao voto do Relator Gilmar Mendes e o debate na corte constitucional. Depois, apresentou-se os resultados da pesquisa feita no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que aplicou o julgado paradigma em apenas 11,11% dos casos, fazendo menção às “fundadas razões” em 38,88% das apelações analisadas e não reconheceu a ilicitude da prova obtida mediante busca e apreensão domiciliar, por unanimidade, em 100% dos recursos analisados, versando, 88,88% da amostra, sobre o crime de tráfico de drogas. Por fim, investigou-se a aplicação da hermenêutica constitucional ao tema, com ênfase nos métodos hermenêuticos e interpretativos, nos limites semânticos, bem como no Direito Penal Simbólico e no conceito doutrinário da “justa causa em branco” como alternativa.

Palavras-chave: Controle judicial. Violação de domicílio. Flagrante delito. Crime permanente. Hermenêutica constitucional.

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ABSTRACT

The judicial control of the violation of domicile in cases of flagrant offense of permanent crimes is a way to reduce arbitrariness and was the object of the merits decision of the Supreme Court in theme 280 of the General Repercussion. This paper has as its general objective to verify if the interpretation on the subject made by the Supreme Federal Court in the Extraordinary Appeal 603.616/Rondônia fits the requirements formulated by the constitutional hermeneutics, as well as if it is properly applied by the Court of the State of Rio Great North. For this, the inductive method was applied as the approach method, the statistical and structuralist procedure methods, as well as indirect observation and extensive direct observation as a research technique, through bibliographic research, case study and content analysis. First, the judgment of the Extraordinary Appeal 603.616/Rondônia was analyzed with emphasis on the vote of the Rapporteur Gilmar Mendes and the debate in the constitutional court. Afterwards, the results of the research done at Court of Justice of the State of Rio Grande do Norte, which applied the judged paradigm in only 11.11% of cases, were presented, mentioning the “founded reasons” in 38.88% of the appeals analyzed. and did not recognize the unlawfulness of the evidence obtained by unanimously seeking and seizing the household in 100% of the analyzed resources, referring, 88.88% of the sample, about the crime of drug trafficking. Finally, the application of constitutional hermeneutics to the theme was investigated, with emphasis on hermeneutic and interpretative methods, semantic limits, as well as symbolic criminal law and the doctrinal concept of "just cause in the blank" as an alternative.

Keywords: Judicial control. Violation of domicile. Flagrant offense. Permanent crime. Constitutional hermeneutics.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos CP – Código Penal

CPP – Código de Processo Penal

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 RE – Recurso Extraordinário

RESP – Recurso Especial RO – Rondônia

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Número de processos por ano. Natal, RN, Brasil, 2019 ... 41

Figura 2 - Número de processos por relator ... 42

Figura 3 - Número de processos por comarca ... 43

Figura 4 - Número de processos por defesa ... 44

Figura 5 - Número de processos por crime ... 45

Figura 6 - Número de processos por provimento ... 46

Figura 7 - Número de processos por outros requerimentos ... 47

Figura 8 - Aplicação do redutor ... 48

Figura 9 - Número de processos por citação do RE 603.616/RO ... 49

Figura 10 - Número de processos por fundadas razões ... 49

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAODINÁRIO 603.616/RO ... 16

2.1 CONCEITOS RELEVANTES ... 16

2.2 O VOTO DO RELATOR: UMA ANDORINHA SÓ QUE FEZ VERÃO ... 21

2.2.1 Direito internacional, constitucional e comparado: definição da problemática com supedâneo nos ordenamentos jurídicos ... 21

2.2.2 Construção da tese em abstrato e (in)aplicação ao caso concreto ... 24

2.3 PARA ALÉM DE UM MINISTRO: O DEBATE NA CORTE CONSTITUCIONAL .... 29

2.4 A RELEVÂNCIA DO JULGAMENTO COMO PARADIGMA ... 34

3 APLICAÇÃO DO TEMA 280 DO STF NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE ... 37

3.1 METODOLOGIA DA PESQUISA EMPÍRICA ... 37

3.2 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISE DE CONTEÚDO ... 40

4 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL APLICADA À CONSTRUÇÃO DOS LIMITES À VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO EM CRIMES PERMANENTES ... 56

4.1 MÉTODOS HERMENÊUTICOS, INTERPRETAÇÃO, LIMITES SEMÂNTICOS E SUA FUNÇÃO SOCIAL ... 57

4.2 A CRIMINALIZAÇÃO DOS “ACIONISTAS DO NADA” E O DIREITO PENAL SIMBÓLICO: DESPROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO ... 64

4.3 ARBITRARIEDADES EVITÁVEIS: A JUSTA CAUSA EM BRANCO COMO POSSIBILIDADE DE PREENCHER O CONCEITO DAS FUNDADAS RAZÕES ... 69

5 CONCLUSÃO ... 73

REFERÊNCIAS ... 76

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1 INTRODUÇÃO

O Recurso Extraordinário 603.616/RO foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal em cinco de novembro de 2015, oportunidade na qual foi fixada uma tese em abstrato como resposta de mérito ao Tema 280 de Repercussão Geral da Corte, determinando como se proceder o controle judicial nos casos de provas obtidas mediante invasão de domicílio por policiais sem mandado de busca e apreensão.

Na apreciação, negou-se provimento ao recurso, nos termos do voto do relator Ministro Gilmar Mendes, por maioria, sendo vencido o Ministro Marco Aurélio. Na oportunidade, fixou-se uma tese em abstrato para ser aplicada, a semelhança de um enunciado de súmula, em outros casos envolvendo o Tema 280.

Desde então, o recurso, considerado paradigmático para o tema, foi discutido na doutrina. Em alguns casos, optou-se por avaliar a tese fixada (SARLET, 2015; LOPES JÚNIOR, 2018; LIMA, 2017), em outros a tônica do debate foi o mérito (CASTRO, 2017; TÁVORA; ALENCAR, 2017). Ainda, em razão da utilização da locução “fundadas razões”, algumas dessas análises se reportaram justamente ao referido conceito (BARBOSA, 2016).

Surge, então, a problemática dessa pesquisa: se a interpretação conferida à inviolabilidade de domicílio em crimes permanentes pelo STF está apta a reduzir arbitrariedades e alargar a proteção ao direito fundamental excerto no art. 5º. XI da CRFB/88, especialmente quando aplicada por outros Tribunais.

O tema ganha destaque, sobretudo, em pesquisas que o relacionam com os crimes da Lei de Drogas – Lei 11.434/06 – como se observa, a título de exemplo, nas pesquisas de Valois (2018) e Marcelo Semer (2019), tendo este último, inclusive, constatado que, analisando centenas de sentenças sobre tráfico de drogas em oito estados brasileiros, nenhuma delas reconhecia a ilicitude da prova obtida sem mandado judicial em residências (2019, p. 168). Outras pesquisas, citadas acima, analisaram o conteúdo do julgamento per se.

Essa perspectiva de abordagem do tema é, de certo modo, inovadora, pois o recorte correlaciona áreas do direito que, pouco frequentemente, são abordadas em conjunto, além de utilizar a hermenêutica constitucional como parâmetro de análise técnica das decisões judiciais analisadas. Ademais, a circunscrição do tema abrange o Tribunal de Justiça do Rio Grande Norte, escolhido porque a pesquisa se deu nesse estado e, pela possibilidade de acrescentar, ao final do estudo, alguns elementos sobre a deliberação de sua Câmara Criminal em problemática inexplorada por pesquisas empíricas até o momento.

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Portanto, o controle judicial da violação de domicílio em crimes permanentes torna-se o objeto de estudo destorna-se trabalho cujo objetivo geral é averiguar torna-se o entendimento firmado sobre o tema se adequa às exigências formuladas pela hermenêutica constitucional, bem como se é aplicado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte idoneamente.

De modo mais específico, os objetivos são os seguintes: (i) examinar criticamente o voto do Ministro Gilmar Mendes na qualidade de relator do RE 603.616/RO, decompondo-o na fixação da tese e no julgamento mérito; (ii) analisar o debate no STF, sobretudo na perspectiva da influência do voto dissidente; (iii) descrever como o TJ/RN decide acerca do tema, contextualizando os resultados; (iv) observar se o TJ/RN extrai a ratio decidendi do RE 603.616/RO quando o menciona; (v) caracterizar a relevância da hermenêutica o controle judicial da violação de domicílio.

A fim de alcançar os objetivos, quanto a metodologia aplicada a esse trabalho, com base em Marconi e Lakatos (2003), elegeu-se o método indutivo como método de abordagem, partindo das constatações mais particulares às teorias em uma conexão ascendente, isto é, observando os resultados – capítulos 2 e 3 – para experimentar, comparar e tratar o tema de modo universalizante, feito o recorte da hermenêutica constitucional. Os métodos de procedimento foram o estatístico e o estruturalista, a depender da etapa da pesquisa. Ainda, aplicou-se as técnicas de pesquisas da observação indireta, por meio da pesquisa bibliográfica e, especificamente, quanto ao estudo de caso – capítulo 2 – e à análise de conteúdo – capítulo 3 – a técnica foi a da observação direta extensiva.

Nesse sentido, o trabalho será estruturado da seguinte forma: no capítulo 2 serão apresentados os resultados quanto ao estudo de caso do julgamento do RE 603.616/RO, no qual estarão contidos os objetivos específicos de (i) e (ii); no capítulo 3, observar-se-á os acórdãos do TJ/RN analisados de 2016 a 2019 quanto às provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial, contendo os objetivos específicos (iii) e (iv), além de um detalhamento da metodologia da pesquisa empírica, dada sua especificidade; no capítulo 4, por sua vez, o tema ganhará uma abordagem mais teórica com propósito de atender ao objetivo específico (v). Por fim, o capítulo 5 apresentará as conclusões encontradas nesta monografia.

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2 O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAODINÁRIO 603.616/RO

A questão das provas obtidas mediante invasão de domicílio por policiais sem mandado de busca e apreensão é o tema 280 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, admitido no RE 603.616/RO o qual buscava impugnar decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia que manteve a condenação do réu por tráfico de drogas, alegando violação ao art. 5º, incisos XI, LV e LVI da CRFB/88.

O Recurso Extraordinário que se pretende analisar, bem como os resultados do presente estudo, para serem bem compreendidos dependem de um aporte conceitual capaz de delinear os principais institutos jurídicos, quais sejam: casa, flagrante delito, crime permanente e, por fim, busca e apreensão. Isso, ainda, deve extrapolar a mera definição dos institutos, propondo-se a ser, desde logo, uma investigação crítica sobre os elementos basilares do tema em comento.

2.1 CONCEITOS RELEVANTES

Sabe-se que do art. 5º, inciso XI da Constituição Federal consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, presente no texto constitucional brasileiro desde 18241. Para estes fins, o conceito de casa ultrapassa a definição do verbete no dicionário Michaelis de “construção destinada a moradia” (TREVISAN, 2019) e deve ser muito mais abrangente que o conceito do Código Civil Brasileiro (PITOMBO, 2005a), alargando-se, no entendimento do STF para compreender qualquer aposento ocupado de habitação coletiva, como quartos de hotel (BRASIL, 2008).

Ainda, estende-se para incluir e proteger os espaços externos, ainda que o texto, tal como está escrito, em razão da preposição e artigo “nela” possa parecer excluir garagens e quintais, razão pela qual, devem-se considerar portões ou muros como limites da casa, uma definição que assume relevância se o legislador, em algum momento, quiser legitimar aparelhos de escuta ou filmagem nas proximidades da casa (MARTINS, 2013, p. 609), a exemplo do Projeto de Lei 9.425 de 2017 que tramita na Câmara dos Deputados, após aprovação no Senado Federal, e disciplina o uso de Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants)

1 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a

liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte (...) VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar (BRASIL, 1824).

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por órgãos de segurança pública (BRASIL, 2017a), regulamentando a utilização de drones pela polícia.

Ademais, é mister consignar que a casa, para os fins do presente trabalho, equipara-se ao conceito de domicílio, aparecendo justamente na disposição da CRFB/88 que consagra o comumente chamado direito de inviolabilidade do domicílio. Os termos são tratados como sinônimos em outros casos, no ordenamento infraconstitucional, como se vê no art. 150 do Código Penal, que tipifica o crime de invasão de domicílio e, em seus §§ 4º e 5º enumera o que deve ser compreendido ou não como casa. Nesse sentido, com base no que foi exposto acima, tem-se também que essa definição legal foi absolutamente recepcionada pela CRFB/88 (FILIPPO, 2016).

Debruçando-se ainda pelos termos do art. 5º, inciso XI da CRFB/88, tem-se o flagrante delito como uma das exceções à inviolabilidade da casa. Flagrante, etimologicamente, como apresenta Rangel (2015, p. 774) “vem do latim flagrans, flagrantis, do verbo flagrare, significa queimar, ardente, que está em chamas, brilhando, incandescente.” Eis que, para o mundo jurídico, como aduz Lima (2017, p. 828), flagrante seria uma característica do delito, constituindo-se como aquele que está queimando ou queimou há pouco, sendo necessário que reúna dois elementos imprescindíveis para ser configurado: atualidade e visibilidade, de modo que esta é a ocorrência externa do ato (RANGEL, 2015, p. 774).

O Código de Processo Penal, embora não apresente um conceito de flagrante, lista as hipóteses nas quais se considera alguém em flagrante delito, no art. 302, quais sejam estas: “I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”.

A despeito da relevância desse rol para elaboração do conceito de flagrante, como se demonstrou acima, esse instituto jurídico é pertinente a esse estudo, diretamente, pela redação do art. 303 do CPP: “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. Uma verdadeira hipótese de flagrante delito que, nesse contexto, desperta para a necessidade de se enfrentar o conceito de crime permanente, este também ausente na legislação.

A esse respeito, Silva Franco (2018), conceitua o crime permanente como “um conceito errante à procura de seu significado”, diante da pouca densidade legal, doutrinária e mesmo jurisprudencial sobre o assunto, o quê, de acordo com Franco, conduz o interprete a

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situações de difícil solução, ao passo em que, à evidência, é um imenso gravame para o réu, como é o caso do termo inicial da prescrição2 e, especialmente, da configuração do flagrante delito.

Para Claus Roxin (1997, p. 329), “os delitos permanentes são aqueles em que o crime não está concluído com a realização do tipo, sendo que se mantém pela vontade delitiva do autor por tanto tempo quanto subsista o estado antijurídico criado por ele mesmo”3. O conceito é repetido por alguns autores, a exemplo de Lima (2017, p. 839).

De acordo com Bitencourt (2017b, p. 253), trata-se de crime cuja “consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser (cárcere privado e sequestro)”, diferenciando-se dos crimes de efeitos permanentes, cuja permanência não depende da continuidade da conduta do agente, a exemplo do homicídio (BITENCOURT, 2017b, p. 254). Nas lições de Damásio Jesus (2011), seriam aqueles que geram uma situação danosa ou perigosa que se protrai no tempo, apresentando duas fases: a de realização do fato descrito pela lei e a de manutenção do estado perigoso, sendo que normalmente a primeira tem caráter comissivo e a segunda, omissivo.

Tem-se, portanto, que, na doutrina brasileira, frequentemente, o crime permanente é apresentado como uma classificação dos crimes quanto à forma da ação, estando ao lado dos crimes instantâneos, sendo a consumação o ponto central da diferenciação. Diante disso, tem-se que o flagrante delito de crime permanente consiste na situação de visualização da ocorrência do crime, já que o outro critério seria a atualidade, já inerente ao crime permanente em razão da perenidade de sua consumação.

Nesse contexto, há de se inserir a violação do domicílio, posto que intimamente ligado com a busca domiciliar, pois enquanto o delito estiver ocorrendo, admite-se a entrada forçada da autoridade policial, independente de horário e mandado judicial (LOPES JÚNIOR, 2018, p.383). A mera união dos conceitos doutrinários e abstratos de flagrante delito e crime permanente, na prática, pode gerar resultados incompatíveis com os preceitos constitucionais, especialmente no tocante à preservação do direito fundamental positivado no art. 5º, inciso XI da CRFB/88.

Por esse ponto de vista, é pertinente questionar o valor jurídico de conceitos estabelecidos em leis ordinárias que também estão presentes na Constituição Federal, em

2 Art. 111 do Código Penal: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: III -

nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

3 No original: “son aquellos hechos en los que el delito no está concluido con la realización del tipo, sino que se

mantiene por la voluntad delictiva del autor tanto tiempo como subsiste el estado antijurídico creado por el mismo”.

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especial por se tratarem, no presente trabalho, de institutos definidos em legislação anterior à ordem constitucional vigente. Especialmente quanto ao flagrante delito, traz-se uma provocação que será debatida com mais profundidade no Capítulo 4, mesmo que guarde profunda relação com o aporte conceitual: Martins (2013, p. 613) propõe a verificação sobre o conceito de flagrante delito, quando da análise do art. 5º, inciso XI da CRFB/88, defendendo a posição de que, na boa prática hermenêutica constitucional, não se deve interpretar conceitos constitucionais a partir de conceitos encontrados em leis hierarquicamente inferiores.

Parte da doutrina, sobre o flagrante delito a título de exceção ao direito à inviolabilidade de domicílio, assevera que o flagrante impróprio e o flagrante presumido, hipóteses elencadas no art. 302, III e IV do CPP não estão aptos a limitar a referida garantia individual, pois sua razão de existir seria favorecer a atividade policial ao permitir o início de um inquérito policial, não restringir os direitos constitucionais mais caros (VALOIS, 2018, p. 475-476). O entendimento do Supremo Tribunal Federal é o de que, nos crimes permanentes, o flagrante é próprio, na forma do art. 302, I do CPP, pois ao ser flagranteado o agente estaria praticando o núcleo do tipo, cometendo a infração penal, de acordo com o art. 303 do CPP (BRASIL, 2015, p.43-44).

Outros dois conceitos merecem atenção: busca e apreensão. Para Pitombo (2005a), ainda que o legislador tenha juntado os dois institutos, eles precisam ser analisados de forma autônoma e não se confundem, ainda que, no mais das vezes, a apreensão seja precedida da busca. Aplica-se, para esses conceitos, o referencial teórico (PITOMBO, 2005a), que inspira a doutrina nacional sobre o assunto (LIMA, 2017, p. 681; LOPES JÚNIOR, 2018, p.320), para quem a busca tem natureza jurídica de medida cautelar coercitiva, um meio instrumental de obtenção da prova cujo objetivo é encontrar pessoas ou coisas, podendo ser pessoal ou domiciliar4; por sua vez, a apreensão tem uma natureza jurídica mais complexa, e é uma medida cautelar probatória que se destina à obtenção de prova ou seu asseguramento, tendo fins processuais ou puramente administrativos5.

Sobre a busca, importa dizer que, a depender de sua modalidade, está em constante tensão com a inviolabilidade de domicílio, a dignidade da pessoa humana, a intimidade e a vida privada, além da incolumidade física e moral do indivíduo, o que exige ponderação de sua necessidade, adequação e proporcionalidade (LOPES JÚNIOR, 2018, p. 321), o que

4 Art. 240 do Código de Processo Penal: A busca será domiciliar ou pessoal.

5 Há, contudo, exemplo de doutrina que, embora distinga os institutos entre si, unifica o estudo, atribuindo-lhes

uma natureza jurídica de meio de prova, consignando que, tanto a busca quanto a apreensão, a depender da finalidade pretendida como o ato, podem ser meio de prova, meio de obtenção de prova e medida instrumental, cautelar probatória (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 741-742).

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coaduna, abstendo-se de preciosismo terminológico, com outro marco teórico que será adotado ao longo deste trabalho (MARTINS; DIMOULIS, 2014).

Por pertinência temática, restringir-se-ão as considerações à busca domiciliar, para qual, nas lições de Lopes Júnior (2018, p. 323-326) existem pressupostos alternativos: consentimento válido do morador e existência de flagrante delito que autorizam a busca durante o dia ou a noite ou ordem judicial, sendo esta com buscas somente durante o dia. Essa modalidade de busca exige fundadas razões, pela dicção expressa da Lei Processual Penal6, mais um “conceito errante”, para aproveitar o termo utilizado por Silva Franco (2018), que além de não ser legalmente estabelecido, ainda é deveras abstrato na jurisprudência, embora muito utilizado, e, inclusive, um dos núcleos da tese fixada no RE 603.616/RO.

Ainda para Lopes Júnior (2018, p. 327-329), a decisão judicial para esses fins, como qualquer outra, deve ser devidamente fundamentada, na forma do art. 93, IX da CRFB/88 e especialmente rigorosa quanto aos motivos e fins da diligência, sendo absolutamente ilegal mandados de busca e apreensão genéricos. Inclusive porque, mesmo eventual resultado positivo, que atenda a fins lícitos de persecução penal, é incapaz de tornar válida decisão abusiva e ilegal, estabelecendo-se que um mandado de busca e apreensão em desconformidade com o ordenamento jurídico é um ato autoritário, cujo prejuízo é sentido por toda sociedade (PITOMBO, 2005b).

No contexto da busca domiciliar, a regra é a expedição de mandado, com reserva de jurisdição e uma série de requisitos, estabelecidos no art. 243 do CPP, os quais devem ser rigorosamente observados, considerando que uma busca domiciliar seguida de apreensão, ontologicamente, constituiria um crime patrimonial, não sendo enquadrada em roubo ou furto por se tratar de violência estatal legitimamente praticada (LOPES JÚNIOR, 2018, p. 326).

Feitas essas considerações sobre a busca, sabe-se que seu consectário lógico é a apreensão, embora aquela possa existir sem esta, quando o objeto não for encontrado e o inverso também seja possível, quando há entrega voluntária, mantendo-se, na regra geral, a relação meio e fim dos institutos. Para diferenciar a apreensão das outras medidas assecuratórias7, tem-se que ela é sempre do objeto direito do crime, razão pela qual a doutrina a enquadra, simultaneamente, como um meio coercitivo de prova, uma medida probatória e até mesmo uma medida cautelar real. A apreensão deve ser formalizada em autodescritivo, que tem o escopo de documentar o ato com duas finalidades: servir de prova nos autos e

6 Art. 240, § 1o do Código de Processo Penal: Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a

autorizarem .

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permitir que se postule a restituição do bem (LOPES JÚNIOR, 2018, p. 330-331). Quanto ao mandado de busca e apreensão, em aspectos formais ou materiais, existem diversos debates jurídicos, envolvendo tanto legalidade quanto constitucionalidade, o quê, a despeito de sua relevância e atualidade8, não é objeto desse trabalho, que se debruçará sobre os casos nos quais não houve expedição do referido mandado.

Por fim, reputa-se necessário consignar que, não obstante a violação de domicílio, em sentido estrito, corresponda ao crime tipificado no art. 150 do Código Penal, a expressão, adotada desde o título desta monografia, será empregada no seu sentido mais abrangente, de modo que, significa a restrição do direito fundamental à inviolabilidade de domicílio, podendo ser considerada ora um crime, ora uma medida administrativa ou judiciária. Após o estabelecimento desses parâmetros, avança-se para análise do RE 603.616/RO de modo mais específico, a começar pelo voto do relator, o Ministro Gilmar Mendes.

2.2 O VOTO DO RELATOR: UMA ANDORINHA SÓ QUE FEZ VERÃO

O voto do ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário, desde o início revela um objetivo ousado: demonstrar que o entendimento jurisprudencial que o antecede esvazia a inviolabilidade domiciliar. Ao passo que, acredita-se, propõe-se a alterar o entendimento para privilegiar a interpretação sistemática da CRFB/88 e dos tratados e convenções dos quais o país é signatário.

2.2.1 Direito internacional, constitucional e comparado: definição da problemática com supedâneo nos ordenamentos jurídicos

Para alcançar suas pretensões, o relator percorre, nesse ínterim, um longo caminho no direito comparado, iniciando com a quarta emenda à Constituição dos Estados Unidos, até a Constituição de Angola, passando por diversos países, ao tempo em que dividia as declarações de direito vigentes em três grandes grupos: o que se limita a afirmar a proteção contra buscas arbitrárias, deixando a regulamentação para a lei (Constituições dos Estados Unidos, Itália, China e Argentina), o que cria a reserva judicial para a busca e apreensão sem

8 “Mandados de busca e apreensão coletivo são inconstitucionais. Sem fundamentação individualizada das

razões que tornam a medida necessária, ela fere o princípio da presunção de inocência, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada e do lar e o devido processo legal. Ideia do governo de requisitar buscas coletivas vem sendo criticada por juristas. Com esse argumento, a Defensoria Pública da União pediu que o Supremo Tribunal Federal anule buscas e apreensões coletivas ou genéricas e proíba novas ordens do tipo em todo o país” (RODAS, 2019).

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estabelecer exceções, caso da Constituição Uruguaia e o terceiro grupo, no qual se insere a Constituição Brasileira, que, à semelhança do segundo, estabelece reserva judicial, mas estabelece exceções (caso também de Alemanha, Portugal, Espanha, Japão e Paraguai).

Após, resgata a proteção constitucional brasileira da casa, desde 1824, até 1988. Construindo a noção constitucional da proteção do direito, acrescenta as disposições do Pacto de San José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que discute apenas depois.

Finalizando a introdução complexa, que reuniu os mais relevantes textos normativos sobre a matéria, o Ministro passa a tecer considerações sobre a busca e apreensão domiciliar sob a perspectiva social, trazendo à baila a biografia de José Mariano Beltrame e, por consequência, o caso da tomada do Complexo de Alemão no Rio de Janeiro.

Ao citar expressamente o entendimento vigente à época, tanto pela Corte Constitucional como pelo STJ, Gilmar Mendes delineia o que entende ser a linha de raciocínio usada pelos magistrados: a começar pela definição do crime permanente e a caracterização do flagrante nessas hipóteses, passando pelo exemplo do tráfico de drogas, até concluir que essa interpretação, adjetivada de tradicional, é insatisfatória.

Na busca por uma interpretação satisfatória, apresenta um dilema, que pode ser dividido em três, os quais podem ser vistos pilares da tese que será construída nas páginas seguintes do voto. O primeiro dilema é o da impossibilidade de exigir certeza do policial quanto à materialidade e à autoria antes de realizar a busca sem mandado judicial e tem como resposta do Ministro um termo emprestado da legislação processual: fundadas razões como alternativa à certeza. O segundo trata da possibilidade de o policial incorrer no crime de violação de domicílio quando ingressar na casa, o que só ocorreria se a apreensão fosse malsucedida, o que, segundo o Ministro “dá ao policial um perigoso incentivo. Ou desvenda o crime, ou responde pessoal e criminalmente pela violação do domicílio” (BRASIL, 2015, p. 18). Por fim, o terceiro dilema tem o julgador como ator principal, na fase de punição do agente público, quando deverá acolher ou rejeitar a defesa óbvia do estrito cumprimento do dever legal. Nesse sentido, ao rechaçar a defesa, haveria punição daquele que acreditava estar cumprindo o dever, enquanto que ao acolher, o julgador aniquilaria a inviolabilidade do domicílio.

Dos três pilares, há um quarto, adjacente: ao defender que a certeza do flagrante delito está fora do alcance dos policiais, Mendes sugere, ainda que sutilmente, uma preocupação maior com a situação de não haver a situação de flagrante do que quando há. Vejamos: sugere-se a dispensa da certeza, devendo ser substituída pelas fundadas razões, depois,

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considera a concretização da prisão em flagrante após violação do domicílio como dever cumprido e, por fim, ao tratar da punição do agente público considera com especial relevância a hipótese de não ser encontrado nenhum entorpecente.

Avançando em suas considerações, há síntese do objetivo perseguido:

Precisamos evoluir, estabelecendo uma interpretação que afirme a garantia da inviolabilidade da casa e, por outro lado, proteja os agentes da segurança pública, oferecendo orientação mais segura sobre suas formas de atuação (BRASIL, 2015, p. 19).

Para alcançar tal fim, anuncia dois caminhos: a interpretação da própria Constituição ou a integração com os tratados de direitos dos quais o país é subscritor. Inicia, assim, com a análise destes últimos, com menção ao entendimento adotado pelo STF sobre a prisão civil do depositário infiel, que atestou a incompatibilidade do instituto com tratados internacionais de direitos humanos em detrimento da previsão expressa no art. 5º, LXVII da CRFB/889.

Nesse momento, houve a observação que foi transcrita após o voto (BRASIL, 2015, p. 28) pelo ministro Celso de Mello, na qual aduz ter se apoiado, quando à hierarquia das convenções internacionais em matéria de direitos humanos, na ideia de bloco de constitucionalidade, sustentando a natureza constitucional dos instrumentos de Direito Internacional. Em resposta, Gilmar Mendes assevera que esses elementos, referindo-se aos tratados, na interpretação da norma constitucional passam a ser integrantes ou aderentes, como se observa entre os 53 e 54 minutos do vídeo (STF, 2015).

Em seguida, sem aprofundar-se no debate sobre a formação do bloco de constitucionalidade, afirma as proteções contra ingerências arbitrárias ao domicílio trazidas pelo art. 11, 210 do Pacto de San José da Costa da Rica e o art. 17, 1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos11. Nesses diplomas, tem-se uma proteção ampla quanto aos direitos de vida privada, honra e intimidade, incluindo a inviolabilidade de domicílio e, acredita-se, tal proteção foi considerada como uma baliza interpretativa no voto, agregando-se à norma constitucional.

Quanto ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, deve-se analisar o tratamento dispensado à prova ilícita por duas óticas: a da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e a da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Moura, 9 RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, e RE 349.703, Red. para Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em

3.12.2008.

10“ 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em

seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação” (BRASIL, 1992a).

11 “1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em

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Zilli e Ghidalevich (2010) destacam que a matéria nunca chegou a ser discutida com profundidade pela Corte IDH, citando três casos nos quais os juízes tiveram que enfrentar os efeitos processuais decorrentes de provas obtidas de forma ilícita: Lori Berenson Mejía vs.

Peru, em 2004; Caso García Asto y Ramírez Rojas vs. Peru, em 2005. Em ambos os casos, a

prova ilícita teria sido apreendida pela polícia, com destaque para o segundo, em que se constatou violação de domicílio.

No caso Lori Berenson Mejía vs. Peru a corte reconheceu o vício cometido na coleta de provas, mas não se debruçou sobre o grau de contaminação da prova, sobretudo quanto à temática de prova emprestada. Já no García Asto y Ramírez Rojas vs. Peru o órgão de jurisdição internacional sequer se pronunciou sobre a necessidade de ordem judicial para busca e apreensão em domicílios, deixando de fixar paradigmas sobremaneira relevantes sobre o direito à privacidade (MOURA; ZILLI; GHIDALEVICH, 2010).

A Comissão, por seu turno, pronuncia-se de forma mais enérgica sobre a prova ilícita, como se observou no caso Arley José Escher e outros, de 2007, referindo-se a um procedimento ilegal de interceptação telefônica pela polícia militar brasileira como ilegal, ilegítimo e inválido, reputando-se ao já citado artigo 11.2 da Convenção Americana, asseverando sua função de respeito da privacidade contra ingerências estatais arbitrárias. A CIDH não chegou a se manifestar sobre casos de violação de domicílios, mas, quanto a categoria das provas ilícitas, fez importante ponderação: considerou que as leis regulamentadoras de exceções ao direito à privacidade sejam claras e detalhadas, sem que haja margem para dúvidas ou aberturas (MOURA; ZILLI; GHIDALEVICH, 2010).

Acredita-se que, à semelhança das leis, sempre que o Poder Judiciário se propuser a fixar parâmetros para atuação de outros agentes estatais, deve fazê-lo da forma mais clara possível, pois dúvidas interpretativas podem ampliar os horizontes das arbitrariedades. Isso estabelecido, inicia-se a análise da fixação da tese em abstrato e sua aplicação prática pelo Supremo Tribunal Federal.

2.2.2 Construção da tese em abstrato e (in)aplicação ao caso concreto

“A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida” (BRASIL, 2015, p. 19) parece ser o trecho mais substancial do voto do Ministro Gilmar Mendes, pois acrescenta a necessidade de justificativa anterior à restrição do direito fundamental, sob pena de tornar o ato e, consequentemente, a colheita de provas,

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arbitrário, inválido. E, também nesse ponto do debate, o relator parece ter superado aqueles dilemas voltados para proteção do policial, citando, como arbitrário, o exemplo do sorteio de residências, e apresenta uma inovação interpretativa.

Propõe, a seguir, um exame do Direito Comparado, iniciando com o norte-americano para determinar quando a busca e apreensão domiciliar pode ser aceita, passando pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem até chegar no fragmento da fundamentação utilizada pelo Tribunal competente, que aceita a ausência de mandado judicial prévio desde que submetidas a rigoroso controle judicial a posteriori.

Diferencia-se o controle judicial a priori do a posteriori, na medida em que se fundamenta a existência deste no caso da prisão em flagrante e daquele, em geral, no caso da inviolabilidade domiciliar quando o juiz deve, se presentes as fundadas razões12, determinar a expedição do mandado. Argumenta o ministro que, como a Constituição excepciona os casos de flagrante delito e no crime permanente o agente está em constante situação de flagrante, “seria de difícil compatibilização com a Constituição exigir controle judicial prévio para essas hipóteses” (BRASIL, 2015, p. 26). Sobre isso, não há maior digressão, nem mesmo conceitual.

O próximo tema a ser enfrentado é a solidez das provas – indícios, ou fundadas razões – que os policiais teriam antes, frise-se, de violar o domicílio. Na forma da jurisprudência pátria, como argumenta Mendes, quando há confirmação do flagrante nada se exige, de modo que a denúncia anônima, sobre a qual ninguém se responsabiliza, não é base legítima para requerimento de mandado judicial, mas, de outro turno, autorizava a entrada forçada sem mandado, de dia ou noite, independente do consentimento do morador.

O Ministro, então, oferece uma tese abstrata como solução. Nesta, utiliza-se o modelo probatório das fundadas razões, aplicado pelo CPP para o requerimento de mandado judicial de busca e apreensão domiciliar. A prova, por sua vez, deve ser submetida ao controle judicial

a posteriori, com ônus argumentativo dos agentes policiais. Ressalva-se, por fim, que o Poder

Judiciário deve apuar o caso de modo especial, considerando o grande poder que se concentra na mão do policial que, responsável por uma medida invasiva, terá a incumbência de justifica-la.

Embora não apresente quaisquer elementos que possam tornar uma justificativa policial fundada razão, tomando por base a própria jurisprudência do STF, afirma que

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Provas ilícitas, informações de inteligência policial – denúncias anônimas, afirmações de “informantes policiais” (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo – e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa (BRASIL, 2015, p. 23).

Sustenta-se no voto, desde logo, que a solução apresentada é insuficiente para todos os casos e, de qualquer maneira, não prescindirá de esforço para concretização e interpretação das fundadas razões. O quê, nas palavras do Relator, significa “ter a possibilidade de contestação de uma medida de busca e apreensão que deu resultados. Assegura-se à defesa a oportunidade de impugnar, em um processo contraditório, a existência e suficiência das razões para a medida” (BRASIL, 2015, p. 24).

Pela primeira vez, nesse excerto do voto, tem-se a suficiência das razões para a invasão domiciliar que, complementado pela noção de que “a validade da busca é testada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois” (BRASIL, 2015, p. 24), leva ao necessário exame da proporcionalidade da medida invasiva, desde logo sendo preestabelecido que o sucesso da busca em nada beneficia a argumentação do agente público. Isso, contudo, não é parte da tese firmada.

Observa-se que, na construção do voto, primeiro foram abordados os aspectos mais teóricos, depois fixada a tese e só então foi analisado o Recurso, per se. Nesse sentido, optou o relator por, de antemão, enunciar temas – ou casos hipotéticos – que ultrapassariam os limites da tese fixada: investigação sigilosa complexa, flagrante fortuito13, mandados de busca e apreensão coletivos e a validade do consentimento do morador. E, ao final, enunciou a tese proposta:

Em suma, proponho seja fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados (BRASIL, 2015, p. 26).

Assim, nas duas últimas páginas do voto, dedica-se ao caso concreto. Essa opção, ao conferir relevância ao plano abstrato, reside na função nomofilática do Recurso Extraordinário, que é, precipuamente, controlar a correta aplicação da Constituição e,

13 Na doutrina de Aury Lopes Júnior o “flagrante forjado existe quando é criada, forjada uma situação fática de

flagrância delitiva para (tentar) legitimar a prisão. Cria-se uma situação de fato que é falsa. Exemplo típico é o enxerto de substâncias entorpecentes (ou armas) para, a partir dessa posse forjada, falsamente criada, realizar a prisão (em flagrante) do agente. É, portanto, um flagrante ilegal, até porque não existe crime. O flagrante provocado também é ilegal e ocorre quando existe uma indução, um estímulo para que o agente cometa um delito exatamente para ser preso. Trata-se daquilo que o Direito Penal chama de delito putativo por obra do agente provocador” (2018, p. 385).

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consequentemente, tutelar o direito objetivo (BADARÓ, 2017). O que, para Mendes e Branco (2015), acontece porque o recurso extraordinário passou por um processo de objetivação, que inverteu o “processo de supersubjetivação, imposto ao recurso extraordinário pela estruturação e manejo da chamada jurisprudência defensiva” (MENDES; BRANCO, 2015, p. 990). Isso porque o STF endossou uma tendência de maior objetivação desse tipo de recurso para lhe garantir, definitivamente, a função de defesa da ordem constitucional objetiva, após um processo de evolução do entendimento da Corte sobre como presta a função jurisdicional constitucional (MENDES; BRANCO, 2015)

Em oposição, Badaró (2017) sustenta que no modelo brasileiro, especialmente à luz do art. 1.034 do CPC/2015, tal recurso tem o condão de aplicar o direito aos fatos. Fato este que tornaria reducionista a posição de que o recurso não se preocupa com o direito do recorrente, contribuindo para que, atualmente, haja “uma restritivíssima jurisprudência defensiva, que em tudo vê inadmissível ‘questão de fato’ ou o óbice insuperável da necessidade de ‘reanálise do conjunto fático-probatório’” (BADARÓ, 2017, p. 281).

Nessa contenda, ao tratar do caso concreto, o voto limitou-se a tratar da quantidade de entorpecente apreendida – 8,542 kg (oito quilos, quinhentos e quarenta e dois gramas) -, do local – veículo Ford Focus estacionado na garagem -, da ausência de mandado de busca e apreensão judicial e da presença de fundadas razões, servindo estas “para suspeitar que o recorrente estava em situação de flagrante delito quanto ao crime de tráfico de drogas” (BRASIL, 2015, p. 26).

Acrescenta-se que o ingresso forçado, no evento concreto, estava justificado pelas fundadas razões, as quais seriam o acompanhamento prévio e as declarações do flagrante do Reinaldo. Sem maiores aprofundamentos fáticos, enuncia-se que a interpretação fixada no voto não se aplica ao recorrente. Contexto esse que confirma o processo de objetivação do Recurso Extraordinário tratado acima como uma tendência da Corte Constitucional.

Assumindo essa premissa de não aplicabilidade, há de se compartimentar a tese fixada para estabelecer, com maior precisão técnica, qual dos elementos confrontaria com os fatos apresentados, culminando em sua não compatibilização. Primeiro, a entrada forçada deve estar amparada em fundadas razões; segundo, tem-se que tal justa causa – aqui, em sentido amplo – deve ser justificada a posteriori; terceiro, tal justificativa deve estar apta a fundamentar o indício de que ocorria um flagrante delito no domicílio violado. Trata-se, portanto, de um caminho complexo, reciprocamente alimentado, sendo mister ressaltar que, seja na construção do voto, seja ao enunciar a tese, há uma sequência lógica de acontecimentos: indícios de flagrante delito, violação do domicílio e justificação.

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Para o caso de Paulo Roberto, quando do julgamento do Recurso em comento, já não se questionava mais o indício de flagrante delito, uma vez que restou comprovada a materialidade do tráfico de drogas. Resta, portanto, necessária a consignação das fundadas razões, uma vez que não se poderia exigir o controle judicial posterior à luz do entendimento vigente à época dos fatos. Eis que, para o Ministro Gilmar Mendes, a polícia atuara em fundadas razões pois: (i) no primeiro momento, viu o corréu Reinaldo saindo da residência do Recorrente dirigindo um caminhão; (ii) o referido caminhão foi interceptado e foram localizados mais de vinte quilos de cocaína; (iii) preso em flagrante, o condutor informou que recebeu o entorpecente do Recorrente.

Assim, há duas vias para análise crítica do julgado em concreto: na primeira, há de se questionar se as fundadas razões, baseadas em elementos de informação anterior à violação do domicílio, estão presentes no caso, isto é, se a tese abstrata foi devidamente aplicada; já na segunda, indaga-se se a interpretação fixada amplia o direito fundamental do art. 5º, XI da CRFB/88 como se propõe ou se, por sua abstração, revela-se insuficiente para sanar o dilema da discricionariedade versus arbitrariedade.

Na primeira hipótese, mais otimista, tem-se o seguinte: (i) a situação de flagrância do corréu foi exaurida no momento em que este foi encontrado conduzindo um caminhão carregado de entorpecentes; (ii) o corréu limitou-se a afirmar que recebeu a cocaína apreendida de outrem, este coincidente com aquele de cuja residência partiu. Portanto, não havia indícios suficientes de que Paulo Roberto se encontrava em flagrante delito, o que se concretizou apenas após a medida invasiva tomada pelos agentes público, situação que contraria expressamente a tese fixada, como se expôs acima. De tal sorte que, os elementos de prova suscitados como fundadas razões poderiam servir de indícios aptos a aprimorar a investigação, com o pedido de expedição do mandado competente, e até mesmo embasar a denúncia do Recorrente, sabendo-se que, à luz do devido processo legal, poderia contestar as provas em juízo. De igual modo não pôde reagir à entrada forçada em sua residência sem mandado de busca e apreensão. Nesse mesmo sentido, há também o entendimento de Barbosa (2016), para o qual Gilmar Mendes foi contraditório em seu voto na medida em que afirma a necessidade de justa causa para ensejar a conclusão de que há flagrante e considerou como justificativa uma informação que serve apenas como justa causa posterior.

Por esse prisma, observa-se o voto divergente do Ministro Marco Aurélio para o qual o delito do tráfico de drogas se exauriu na apreensão da droga que estava no caminhão, sequer tratando-se de crime permanente. Assinala que os policiais, ao imaginar que na casa do Requerente havia mais entorpecente ou apetrechos, deveriam ter recorrido ao judiciário e não

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à mitigação de direito fundamental. Ainda, questiona a fundamentação, partindo da premissa que não cabe inovação fática em sede extraordinária e que “não se tem uma linha quanto a um outro elemento probatório que levasse à conclusão da culpabilidade, senão a apreensão ocorrida, embora com transgressão ao inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal, e a palavra do corréu” (BRASIL, 2015, p. 57).

Tratando da segunda hipótese, tem-se a posição de Távora e Alencar (2017), capaz de, ao final de sua análise do julgado, acrescentar a justa causa visível14 como um novo conceito apto a reduzir as arbitrariedades. Para os autores, a decisão da Corte Constitucional formulou balizas insuficientes para impedir o subjetivismo por serem elas próprias subjetivas, situação que se afasta da hermenêutica constitucional por não colocar limites claros ao arbítrio estatal (TÁVORA; ALENCAR, 2017). Desse modo, questiona-se a tese abstrata, antes mesmo de se abordar o caso concreto, porque essa se coloca, desde o princípio, como uma inovação interpretativa a serviço da proteção de um direito fundamental costumeiramente mitigado por ausência de solidez interpretativa, mas se apresenta, de mais a mais, como mais um elemento subjetivo a ser valorado pelos operadores do direito e, de modo inicial, pelos próprios policiais.

Como se expôs acima, o Recurso Extraordinário tem vocação tanto para tutela do direito subjetivo como objetivo e, pelas duas vias críticas que se enfrentou, o RE 603.616/RO não se revelou apto a promover justiça no caso concreto e nem mesmo estabeleceu parâmetro abstrato capaz de reger outras demandas em conformidade com a hermenêutica constitucional. Para avançarmos nesse estudo, ainda que o voto do Relator tenha assumido um caráter de amplo destaque, há de se analisar o debate na corte.

2.3 PARA ALÉM DE UM MINISTRO: O DEBATE NA CORTE CONSTITUCIONAL

Debruçar-se sobre os detalhes do julgamento, embora pareça banal, é crucial para a devida compreensão do Recurso Extraordinário, e está na contramão de muitos escritos, sejam acadêmicos ou de cunho prático, que ignoram o inteiro teor dos acórdãos e restringem sua análise à Ementa. Essa prática se revela inadequada porque, segundo Presgrave (2013) a ementa tem vocação de mero resumo, devendo ser utilizada somente para o fim da pesquisa dos julgados do Tribunal e nunca como instrumento de vinculação ou referência para julgamentos anteriores.

14 Trata-se de uma adjetivação especial à noção aberta de justa causa, sendo a justa causa visível pautada no

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A esse respeito, Aguiar Júnior (2008), enuncia uma preocupação:

A ementa é elaborada de um modo geral pelo relator, mas seria conveniente que fosse também submetida ao colegiado. Muitas vezes, nos julgamentos, ouve-se o vogal perguntar: “E como ficará a ementa?” Porque ele sabe da importância da ementa, porquanto é o que vai ser objeto de divulgação. Daí a conveniência de que a própria ementa, nos casos mais relevantes, seja também submetida ao conhecimento dos demais integrantes da turma ou da câmara.

No RE 603.616/RO essa problemática se apresenta duplamente, isso porque, além da publicidade da ementa, há que se atentar para a difusão da tese fixada, especialmente por ser justamente essa que será aplicada aos casos que versem sobre o tema 280 de Repercussão Geral. Quanto à esta, há uma sutileza quando a sua fixação que só pode ser observada após análise do inteiro teor do recurso aliado ao vídeo de sua votação.

Nota-se que o Ministro Ricardo Lewandowski questiona o aspecto prático da tese fixada, afirmando que a falta de limites ou responsabilização possibilita arbitrariedades por parte da polícia que apenas fará uma “justificação qualquer, a posteriori, de forma oral, na delegacia de polícia” (BRASIL, 2015, p. 29). Situação endossada pelo Ministro Luiz Fux ao questionar as fundadas razões como um conceito indeterminado, gerando o debate sobre a inclusão da justificativa na audiência de custódia, o que foi dispensado por conflitar com questões de cunho prático, como o tempo de duração da audiência.

Em seguida, o ministro Luiz Fux, questionara como foi elaborada à medida que restringiu o uso de algemas – qual seja, a Súmula Vinculante nº. 11 do STF15 –, mencionada em momento anterior e acrescentou que a necessidade de justificar a excepcionalidade por escrito era aplicável à tese fixada pelo Ministro Gilmar Mendes16, o que foi bem recebido por seus pares, incluindo o Relator17 (2016, p.39-41). Sucede-se que, continuando o debate, o Ministro Gilmar Mendes enuncia novamente a tese suprimindo a expressão “justificada a excepcionalidade por escrito” e mantendo-a nos termos anteriormente propostos, indicando que a justificativa a posteriori incorpora o disposto na Súmula nº. 11. E, no final do

15 Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade

física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado [grifo nosso].

16 “Então, a minha proposta seria exatamente a conjugação da súmula das algemas com a sua: só é lícita a

entrada forçada em domicílio sem mandado judicial, mesmo no período noturno, desde que amparada em fundadas razões que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, justificada excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. Aí, cerca da mesma maneira.” (BRASIL, 2015, p. 39)

17 Em suas palavras: “A preocupação aqui é não criar um modelo procedimental burocrático que dificulte a ação,

mas que também não estimule práticas abusivas. Acredito que chegamos a um bom termo. [grifo nosso]” (BRASIL, 2015, p. 40).

(31)

julgamento, a pedido do Presidente, o Ministro Teori Zavascki, mais uma vez, profere a tese nos termos propostos pelo Relator – como se vê em 2h19 do vídeo (STF, 2015).

Essa sequência demonstra, sem generalizações, como o julgamento do caso em comento foi centralizado no Relator, quem havia se debruçado no caso, feito um voto longo que abarcava diversas áreas do Direito – nacional, internacional e comparado – e que, à exceção de um Ministro, conseguira convencer o Pleno do STF sem que as ponderações mais simples, como a introdução de um formalismo escrito para justificação, tenha sido acrescentado ao final e, tampouco que questões basilares como o conceito das fundadas razões fosse enfrentado.

Sob esse ângulo, é mister ressalvar que, a despeito dos votos que acompanharam o relator, o presidente Ricardo Lewandowski, mesmo fazendo coro a tese fixada, externou sua preocupação:

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Agora, Presidente, isso é uma marca de

Vossa Excelência: a de se preocupar sempre que a justiça seja caridosa, e a caridade seja justa. Então, a casa das pessoas pobres... Mas, na verdade, é o seguinte: não há muito tempo, passou um filme, "Meu nome não é Johnny", que mostra que não é só a casa de pessoas miseráveis que serve de "almoxarifado" de drogas, não.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) -

Mas, de qualquer maneira, o que não é possível é que haja uma invasão de domicílio e depois não se encontre nada, e a Polícia simplesmente peça desculpas depois de arrombar a porta do barraco ou da casa de luxo de alguém, ou o ingresso num condomínio fechado, que seja. Então, é preciso que nós cerquemos de todos os cuidados essa discricionariedade policial. [grifos no original]

A preocupação do Ministro Lewandowski, ao nosso ver, ultrapassa sua caridade e benevolência, pois, em que pese não haja, na literatura, registro de relatos de violação de domicílios por parte de policiais avalizados pelo flagrante delito em condomínios ou casas de luxo, tem-se, a título de exemplo, o Relatório 2018 do Circuito de Favelas por Direitos, após cerca de 300 relatos anônimos de moradores de quinze favelas do Rio de Janeiro, identificou trinta tipos de violações de direitos cometidos por agentes públicos, entre as quais a violação de domicílio, considerando depoimentos como:

Uma senhora de 68 anos, já tendo sofrido 3 infartos e 1 AVC, estava sentada na porta de casa e nos relatou vários episódios de invasão do seu domicílio por policiais militares. Uma vez, ela estava sentada na porta de casa quando um policial insistiu para entrar, mas a casa tem dois cachorros bravos. Como a senhora idosa estava sozinha e não tinha forças para prendê-los, o PM começou a insultá-la. Eles fizeram-na se levantar de sua cadeira para subir nela e, assim, subir no muro. Quando o PM fez isso, o cachorro quase pulou em cima dele, fazendo com que desistisse da empreitada. Em uma outra vez, eram 6h da manhã e seu neto foi acordado com

um fuzil na cara e PMs revirando coisas na casa. Infelizmente, essa senhora

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tudo. É uma ação que se repete inúmeras vezes e não importa se é uma senhora idosa [grifo nosso] (DPE/RJ; DPU, 2018, p. 7).

Essa situação, abrangendo um tema maior do que o recorte feito nesse trabalho, aparece como ilustração da fragilização de bairros periféricos frente à arbitrariedades estatais, uma baliza que, necessariamente, deve ser considerada quando se determina a forma que um agente público deve agir em determinadas situações, sob pena de cometer injustiças.

É fato que ocorreram alguns outros debates e elucidações durante do julgamento, mas, somando-se ao que foi destacado acima, há relevância especial apenas no voto do Ministro Marco Aurélio, quem, além de não elogiar o voto do Ministro Gilmar Mendes, divergiu tanto na fixação da tese quanto no resultado concreto. Para ele, dando notório relevo aos aspectos práticos do caso, não houve flagrante, como já narrado acima.

Avançando, tem-se que observar que suas ponderações foram no sentido de maximizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio, asseverando que “quanto mais grave a imputação, maior deve ser o cuidado na observância das franquias constitucionais” (BRASIL, 2015, p. 56). Assinalou, portanto, em seu voto e nos debates, que se preocupa com a possibilidade de a inviolabilidade deixar de ser regra para virar exceção e fez, nesse sentido, uma ponderação relevante, como se observa no trecho transcrito a seguir:

SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mas, Ministro, imagina se o condutor do veículo tivesse indicado meia dúzia de casas? O crime seria permanente, já exaurido na apreensão?

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - A segunda é uma questão de ponderação de

valores. A doutrina nacional estrangeira entende que a casa, esse asilo inviolável, não é um asilo de criminosos, nem um espaço de criminalidade. Então, essa ponderação tem que ser feita, quer dizer, a Polícia tem conhecimento.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Cessa tudo, porque presumimos a culpa! [grifos no original] (BRASIL, 2015, p. 32).

Invoca-se, nesse cenário, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, presente desde as primeiras declarações de direitos, mas que só alcançou a posição de norma constitucional expressa, no nosso ordenamento jurídico, em 1988 (SILVA JÚNIOR, 2015, p. 373). Status, portanto, que alcançou quando os Códigos Penais material e processual já eram norma posta, de modo que estes devem ser interpretados à luz da Constituição e não o contrário.

Há de se fazer, por oportuno, uma breve digressão sobre a terminologia do princípio, tomando por referência o professor Silva Júnior (2015) que considera acertada a opção do constituinte brasileiro ao adotar a não culpabilidade no art. 5º, LVII da CRFB/88 por entender que a positivação da presunção de inocência, se levada a sério, inviabilizaria o processo

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