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Mães Solteiras: representação feminina nos filmes J Horror

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Academic year: 2021

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Mães Solteiras: representação feminina nos

filmes J Horror

Filipe Falcão1

Resumo: Formatado a partir do lançamento do filme Ringu, de 1998, o horror japonês contemporâneo, ou J Horror, tornou-se uma forma de endereçamento fílmica para o Ocidente. Ao mesmo tempo, as tramas orientais com fantasmas também trazem simbolicamente diversas possibilidades de leituras sobre questões políticas, sociais e de gênero. A forma de como a mulher é vista na sociedade japonesa pode reverberar nestas produções fílmicas, o que torna ainda mais interessante analisar estas obras. Aqui, através de Reiko Asakawa, protagonista de Ringu, além de personagens coadjuvantes e de outros filmes J Horror, é possível entender um pouco da questão de gênero em um país muitas vezes dividido entre o tradicional e o moderno.

Palavras-chave: narrativa seriada, séries televisivas, autoria.

Introdução

Resumir que o cinema japonês trabalha com a imagem da mulher de forma patriarcal deve ser qualificado, no mínimo,

1 Doutorando do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Jornalismo Cultural pela Universidade Católica de Pernambuco e Mestre em Comunicação pela Universidade Federal

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como uma tentativa de simplificar a presença de personagens femininas na filmografia japonesa. Este pensamento deve ir além para incluir questões políticas, sociais e culturais.

Em seus estudos sobre heroínas contemporâneas do cinema japonês, Rosemary Iwamura (1994) utiliza uma justificativa para a temática feminina na sétima arte no Japão e, de acordo com ela, é possível destacar uma explicação mais plausível para a questão. Segundo Iwamura (1994), diretores japoneses possuem a tendência de usar personagens femininas para comunicar mensagens sociais.

De forma comparativa, e também generalista, é possível apontar dois tipos principais de representações femininas no cinema japonês contemporâneo. A primeira é a da mulher metaforicamente reprimida, sofrida e conformada em uma sociedade onde o papel dela é o reflexo do patriarcalismo. O segundo exemplo traz mulheres em situações de destaque e que não são submissas aos homens ao seu redor. Aqui é importante deixar claro que pela ampla natureza do tema proposto, este estudo não possui o objetivo de se mostrar como definitivo quanto à representação de gênero em filmes no Japão.

É necessário apontar, por exemplo, o forte impacto que o pós-guerra, período da década de 1950, trouxe para as mulheres japonesas, porém com importantes ressalvas. McRoy

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(2008) afirma, por exemplo, que o Japão não pode, em momento algum, ser considerado uma nação onde homens e mulheres possuem os mesmos direitos e são tratados por iguais, assim como na maioria dos países ocidentais, entre eles Estados Unidos e Inglaterra. Mesmo no século XXI, onde a mulher japonesa trabalha fora de casa, muitas vezes em posições de destaque, ainda existe uma dominação de homens no mercado de trabalho. A realidade destas assalariadas costuma seguir um padrão em Tóquio ou em outros centros urbanos, embora ainda seja presença pouco comum em áreas rurais, onde o casamento pode ser visto como opção mais fácil, segura e tradicional para a mulher ter uma vida estável.

Já a questão do divórcio, apesar de ser mais comum na sociedade atual, ainda pode ser sinônimo de problemas na hora em que as mulheres que decidiram deixar seus maridos, ou foram abandonadas por eles, tentam encontrar empregos. McRoy (2008) destaca esta realidade como uma consequência substancial das taxas de divórcios que aumentaram depois da Segunda Guerra. Hoje, mães solteiras ainda sofrem discriminação em uma escala ainda maior no que tem se tornado uma forma de pobreza invisível no Japão.

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Terror no Japão

É importante destacar neste momento o que Douglas Kellner (1995) deixa claro quando ele afirma que o cinema de terror pode trazer em suas histórias interessantes metáforas das sociedades nas quais os filmes são produzidos. Para esta pesquisa, vamos utilizar um subgênero do cinema de terror do Japão conhecido como J Horror, abreviação de Japanese horror. Dentro dos estudos de gênero, Altman (2000) explica que o subgênero se trata de algo vivo e em evolução, ou seja, que se adapta e se move de acordo com a época e a sociedade.

O J Horror é formada por uma pluralidade de tradições religiosas presentes em suas tramas, incluindo xintoísmo e budismo, assim como temas que remetem aos antigos espetáculos teatrais do Japão, como o Nô, que utilizava temas

como shunen (vingança) e shura-mono (peças com fantasmas). Já os estpetáculos Kabuki2 são lembrados por apresentar contos kaidan, ou seja, com temáticas sobrenaturais. Tais elementos

são os pilares do que é visto nos filmes classificados como J

Horror. No entanto, torna-se incompleta a classificação destes

filmes apenas como tramas com fantasmas vingativos. O que leva estes espíritos a buscar revanche é um importante ponto

2 Estilo de teatro no Japão surgido no século XVII conhecido por temas populares e maquiagem elaborada dos seus atores, todos homens.

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de análise, uma vez que a trama vai oferecer um mistério em torno da motivação e da origem deste fantasma, que não necessariamente era uma pessoa má em vida. Assim, tanto os personagens quanto o público precisam coletar pistas durante a projeção na tentativa de desvendar o mistério.

Tais elementos fazem com que o J Horror construa parte do seu medo amparado pelo chamado terror psicológico definido em uma narrativa sustentada por mistério, investigação e suspense. Conhecido internacionalmente a partir do lançamento do filme Ringu3, de 1998, o J Horror, tornou-se uma forma de

endereçamento fílmica para o Ocidente. A produção, dirigida por Hideo Nakata, acompanha a jornalista Reiko Asakawa que investiga a lenda urbana de pessoas que morrem sete dias depois de terem assistido a uma misteriosa fita VHS. A suposta maldição possui ligação com o fantasma de uma garota que teria morrido 30 anos antes chamada Sadako Yamamura. O filho de Reiko, Yoichi, e o pai do garoto, Ryuji, são outros personagens importantes do filme. A partir de Ringu, as obras japonesas geraram um modelo de produção de sentido logo “descoberto” e exportado por Hollywood – com refilmagens para um público internacional.

3 Para os filmes japoneses, este trabalho vai utilizar os títulos originais das películas mencionadas.

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Os filmes J Horror costumam trazer elementos deste Japão mais antigo, como as lendas e folclores de fantasmas vingativos. No entanto, o lado moderno também está presente no modo de alguns espíritos usam aparelhos eletrônicos para chegarem aos vivos. No caso de Ringu, Sadako se manifesta como assombração através de uma fita de VHS exibida em um aparelho de videocassete ligado em uma televisão.

A figura da mulher nos filmes J Horror, seja a protagonista ou as coadjuvantes, acaba trazendo alguns elementos que rementem a um Japão do passado. É importante destacar que filmes de terror de outros subgêneros4 no próprio país podem

trazer ideias opostas com a negação do passado ao mostrar esta mulher com características mais independentes.

Um primeiro elemento importante de observação é que as histórias J Horror se passam em cidades grandes, mas em bairros afastados ou de subúrbio. Parece correto pensar na ideia de pequenas cidades dentro das grandes metrópoles onde o tradicional ainda se faz presente. Outro aspecto interessante referente à figura feminina no Japão é percebido na forma como a ideia do espírito vingativo nos filmes J Horror busca inspiração em lendas e mitos. Por se tratarem de contos antigos, não é

4 Filmes de terror no Japão incluem produções com monstros, vampiros, assassinos, casas assombradas, entre outros subgêneros.

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possível dizer quem criou estas histórias do passado. Também não é correto afirmar que todas as lendas trazem mensagens metafóricas sobre questão de gênero. No entanto, muitos destes espíritos de contos japoneses costumam ser de mulheres normais que por diferentes razões eram punidas por homens próximos como pais e maridos. O mesmo acontece nos filmes J

Horror.

Uma das lendas mais famosas é a de Okiko, mais conhecida como a virgem do poço. A história fala que no Japão feudal do século XVII uma bela jovem chamada Okiko era serva de um grande senhor de terras de nome Tessan. A moça era de família humilde e sofria assédios diários dele, que arquitetou um plano para tê-la como esposa. Um dia, Okiko recebeu nove moedas de ouro de Tessan para guardar, mas o senhor disse-lhe que se tratavam de 10. Quando ela foi devolver, como só havia nove, o homem ficou furioso, mas disse que esqueceria da décima moeda se ela o aceitasse como marido. Diante da recusa, ele atirou a jovem dentro de um poço. A lenda fala que depois do ocorrido, todas as noites, o espectro de Okiko aparecia no poço com ar de tristeza, pegando uma sacola de moedas e as contando. Quando chegava até a nona moeda, o espectro suspirava e desaparecia. Ao final, Tessan teria enlouquecido e se matado.

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Mulheres no J Horror

Por Ringu ter sido a obra que deu início ao processo de refilmagens de filmes J Horror por produtores norte-americanos, será a sua protagonista Reiko Asakawa, interpretada por Nanako Matsushima, que será analisada neste estudo. Ela, que é mãe solteira, responde como a “mocinha”5 da trama. Na obra, é

possível perceber como Reiko se mostra uma mulher vulnerável e que precisa da ajuda de homens, seja do ex-marido ou do pai, para enfrentar os problemas. Para destacar a questão feminina no

J Horror, vamos utilizar comparativamente a personagem Rachel,

interpretada pela atriz Naomi Watts, no remake norte-americano de Ringu, O Chamado6, lançado em 2002. Na refilmagem, a vilã

foi rebatizada como Samara Morgan.

Outro filme J Horror também dirigido por Hideo Nakata,

Honogurai mizu no soko kara, de 2002, traz a personagem Yoshimi

Matsubara, interpretada por Hitomi Kuroki, que, assim como a heroína de Ringu, também cria a filha sozinha. Em meio a um

5 A palavra mocinha é um termo coloquial comumente associada à figura da protagonista feminina, que também responde como a heroína. No Brasil, o termo tem grande ligação com a protagonista de novelas. No entanto, a expressão mocinha também é utilizada em livros e filmes.

6 Nos Estados Unidos, a refilmagem desta obra ganhou o nome de

The Ring, traduzida no Brasil como O Chamado. No remake, a personagem

da jornalista Reiko Asawaka se transformou em Rachel, o pai do filho dela recebeu o nome de Noah (Martin Henderson) e Yoichi foi rebatizado como Aidan (David Dorfman). O enredo é o mesmo da trama original, embora com alguns elementos diferentes.

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divórcio, ela é mostrada como fraca e histérica diante do marido, um homem de negócios. McRoy (2008) afirma que estes dois filmes trabalham com mães sem maridos como uma metáfora da decadência que provoca ricas análises dentro da transformação cultural no Japão contemporâneo.

Ju-On, de 2002, traz uma mulher infiel ao marido e por isso acaba sendo assassinada por ele. Nos créditos iniciais, é explicado que quando uma pessoa morre com muita raiva, é criada uma maldição no local onde o assassinato ocorreu e no qual o espírito inquieto pode matar pessoas desavisadas. No entanto, o filme também traz uma crítica à questão de como a infidelidade feminina era vista por motivar o marido a matá-la.

Personagens coadjuvantes

Antes de estudarmos as protagonistas, vamos analisar personagens coadjuvantes do sexo feminino nos dois filmes. Em Ringu, temos a irmã de Reiko, Yoshino, interpretada pela atriz Yutaka Matsushige. Em O Chamado, temos a irmã de Rachel, Ruth, vivida por Lindsay Frost. No filme japonês, conhecemos Yoshino no velório da filha Tomoko7. Não fica claro se Yoshino

7 Tomoko morre no prólogo de Ringu. Na trama, ela assistiu ao vídeo maligno de Sadako uma semana antes.

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não tem marido, é viúva ou divorciada, mas não há menção ao

pai de Tomoko.

Em uma sequência após o velório, Reiko vai visitar Yoshino. A jornalista caminha para o quarto de Tomoko e de repente percebe que a irmã está na porta. A mãe da jovem morta olha para o armário e fala baixo que foi ali que encontrou o corpo da filha. Logo depois, Yoshimo começa a chorar e cai no chão, onde continua aos prantos até o final da sequência.

Em O Chamado, conhecemos Ruth no funeral da filha Katie8. Na sequência, Rachel encontra Ruth, que casada. Em uma

cena posterior, passada na cozinha, as duas irmãs estão lavando pratos. No diálogo, Ruth explica que o marido está dormindo o dia todo e que a situação da morte da filha é demais para ele. Ruth continua dizendo que ela mesma teve a iniciativa de conversar com médicos e de ter procurado na internet por casos semelhantes ao de Katie, mas que não encontrou nada que justificasse a misteriosa morte da filha. Ao final, é a própria irmã quem pede para Rachel, por ser jornalista, investigar a morte da garota.

Aqui já é possível perceber a diferença no comportamento entre Yoshimo e Ruth. Na versão japonesa, a personagem nada

8 Katie morre no prólogo de O Chamado. Na trama, ela assistiu ao vídeo maligno de Samara uma semana antes.

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pode fazer a não ser se lamentar e chorar desamparada. Em O

Chamado, Ruth parece ser quem tomou as decisões, uma vez

que o marido dorme o dia todo por causa da morte da filha. É ela quem vai em busca de informações com médicos e até procura na internet. Por não encontrar resposta, recorre a Rachel na tentativa de entender o que aconteceu.

Diferenças culturais

Antes de nos aprofundarmos na análise entre as “mocinhas” de Ringu e O Chamado, torna-se necessário trazer algumas observações sobre a própria figura feminina no cinema de terror. A participação feminina em tramas do gênero pode ser bastante variada além de enquadrada em diferentes subgêneros. Desta forma, a presença da mulher pode ser analisada desde as personagens que vão morrer durante a trama até aquela que vai sobreviver para o embate final contra o vilão, podendo inclusive vencer o mal e estar presente na sequência. Assim, as personagens podem possuir características de acordo com o tipo de filme. No slasher9 norte-americano, por exemplo, Clover (1992)

chama atenção para o fato da sobrevivente não ser feminina e sexualmente ativa enquanto as personagens promíscuas acabam mortas.

9 Filme de roteiro simples onde um grupo de jovens é perseguido por um assassino.

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Em seus estudos sobre gênero, Turner (1997) deixa claro que existem convenções que enquadram a representação das mulheres no cinema e que ir contra tais parâmetros não é fácil. No Japão, Novielli (2001) fala da construção de personagens femininos nos filmes das primeiras décadas do século XX que parecem se enquadrar em perfis clichês da mulher oriental submissa ao homem em uma sociedade patriarcal.

Nesses primeiros anos, as imagens mulheris eram propostas essencialmente no âmbito de determinadas categorias: as esposas, responsáveis pelos seus homens e sobretudo pela educação dos próprios filhos; as mães, habitualmente representadas como se eleitas para o sacrifício na sociedade que avança a passos largos; as prostitutas, as concubinas e as gueixas, as únicas a ter direito a uma certa liberdade sexual e a quase permitir a definição de “fatais” no sentido ocidental; as filhas, com o futuro predestinado pela família, depois de cada vez mais protagonistas de um mundo de jovens animadas e retratadas a partir de um universo masculino, tanto que não raramente falavam e agiam de forma pouco convincente (NOVIELLI, 2001, p.137).

Já nos Estados Unidos, Stam (2000) destaca a importância do movimento feminista para o país e sua reverberação na sétima arte. Para ele “o período pós-68 testemunhou um declínio do prestígio do marxismo e o surgimento da nova política de movimentos sociais como o feminismo, a liberação gay e o apoio às minorias” (STAM, 2000, p.192). No século XX, é possível perceber justamente na década de 1960 uma grande onda do ativismo feminista no Ocidente e com forte impacto nos Estados

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Unidos. Este período foi marcado pela luta de igualdade política e social. Como resultado, os anos seguintes testemunharam mais mulheres trabalhando, além da liberação sexual e do aumento do número de divórcios. Naturalmente o cinema começou a trazer personagens que representavam esta realidade.

Mães solteiras

No que diz respeito a Reiko e Rachel, vamos agora traçar alguns pontos que permeiam diferenças e semelhanças entre as personagens. Para isto, além de trazer mais detalhes sobre as heroínas de Ringu e de O Chamado, será mostrado como elas lidam com situações de perigo, de que forma reagem quando o mal parece afetar seus filhos e como é o relacionamento das duas não apenas com os pais dos garotos, mas com demais personagens masculinos.

Em Ringu, Reiko é ex-esposa de Ryuji. No começo do filme, a jornalista se mostra uma pessoa calma, recatada e educada ao falar com entrevistados e equipe técnica com uma voz baixa, além de poucos movimentos corporais. Na primeira cena em que Reiko é vista, ela está gravando algumas entrevistas para uma matéria sobre a lenda urbana da fita de vídeo que mata quem a assiste sete dias depois. Uma curiosidade é que

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independente da morte de Tomoko, Reiko já está trabalhando na matéria sobre a fita maligna. O fato da sobrinha ter morrido é visto como uma coincidência que potencializa o interesse de Reiko na investigação da lenda urbana. Em Ringu 2, de 1999, um dos colegas de trabalho de Reiko explica que por ser mãe solteira, ela não faz cobertura de assuntos importantes.

Em O Chamado, conhecemos Rachel quando ela chega atrasada na escola para buscar o filho Aidan. Na cena, os primeiros indícios de Rachel se dão pela sua voz forte e decidida, além dos apressados sons de passos que ecoam cada vez mais próximos. O teor da conversa também traz indícios que ajudam na formatação de quem é esta personagem. Ela está brigando com alguém por telefone que aparenta ser do trabalho, provavelmente o seu próprio chefe. Ao chegar na sala de aula, antes de desligar o telefone, ela fala “merda” e abre a porta com expressão de aborrecida. Rachel disfarça ao ver a professora e sorri, mas parece não ter tempo para conversar com a mestra sobre o filho. Desta forma, Rachel representa o estereótipo da típica mulher independente norte-americana. Ela aparentemente não precisa de um pai para criar seu filho e é bem sucedida na sua carreira jornalística. Rachel não tem tempo a perder e já deixa isso claro. O fato de ser uma mãe solteira não parece ser um problema para ela. Em O Chamado, não fica claro

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se Rachel e Noah são divorciados ou apenas tiveram um filho juntos. Rachel se envolve com a lenda urbana da fita de vídeo apenas depois da morte da sobrinha.

Após assistirem a fita maligna, ambas chamam os respectivos pais de seus filhos. Em seu estudo sobre Reiko e Rachel, Claudiomar Gonçalves (2004) destaca a chegada de Ryuji na casa de Reiko. “Este ao se aproximar da porta do apartamento para tocar a campainha, a porta se abre e aparece Reiko dando passagem para que ele entre, em sinal claro de ansiedade por sua chegada” (GONÇALVES, 2004, p.14). Segue uma conversa como se ambos não se vissem há bastante tempo. Existe uma educação quase protocolar com Reiko preparando um café e Ryuji explicando que está dando aula na universidade. A profissão dele não parece ajudar inicialmente na solução do mistério, visto que ele é professor de matemática.

No decorrer do filme, descobrimos que Ryuji é sensitivo. No entanto não fica claro neste primeiro encontro se Reiko pediu a ajuda dele por este motivo10. Em algumas cenas, a jornalista

parece também ter habilidades paranormais ou um sexto sentido bastante aguçado, como quando ela simplesmente encontra a fita maligna entre várias, enxerga entidades que aparecem e

10 Em uma cena faltando um dia para o prazo de uma semana terminar, Reiko e Ryuji estão discutindo. Ele então pergunta se o fato de ter poderes mediúnicos foi o que levou Reiko e pedir a sua ajuda. Ela não responde.

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desaparecem e consegue “entrar” no transe de Ryuji ao tocar nele. Nesta conversa inicial, Reiko está triste e desorientada. O diálogo é muito mais controlado através do homem, que faz perguntas e logo toma a iniciativa de assistir a fita, o que faz com que ela deixe a sala. Aqui é possível observar que Reiko, como típica mulher de uma sociedade patriarcal, parece não saber o que fazer e por este motivo recorre a ajuda de um homem, neste caso Ryuji, que passa então a dar mais conforto e segurança para ela. No entanto, não apenas este primeiro encontro como todo o relacionamento entre os dois no restante do filme é sem sentimento por ambas as partes. Em alguns momentos, Ryuji parece cuidar de Reiko quase como por obrigação e claramente ela fica mais aliviada ao saber que terá a ajuda do homem.

Esta mesma sequência em O Chamado já começa com Noah perguntando para Rachel por qual motivo está no apartamento dela. O clima cordial do japonês é substituído por uma conversa tensa na versão norte-americana, muito mais por Noah e Rachel claramente não estarem confortáveis juntos. Ela fica irritada porque o homem não dá nenhuma credibilidade para a história dela e Noah parece simplesmente não ligar para o que Rachel tem a dizer julgando ser tudo uma grande besteira. O motivo aparente de a jornalista ter chamado o pai do filho é porque ele trabalha com fotografia e edição de vídeo, logo alguém que pode ser útil

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na solução do mistério e na origem da fita. Diferente da versão japonesa, onde Reiko escutava atenciosamente ao que Ryuji tinha a dizer e quando não concordavam, os dois dialogavam, em O Chamado os personagens discordam claramente de quase tudo e nenhum quer admitir que o outro está certo. Além disso, parece haver uma tensão sexual entre eles, que agem mais como um casal tendo uma discussão.

Quando as investigações começam nos dois filmes, é interessante observar em Ringu como Ryuji toma a posição de líder sendo apenas acompanhada por Reiko. É ele, por exemplo, quem descobre que o estranho áudio na fita maligna é um antigo dialeto da ilha de Oshima. Ryuji segue para o lugar em busca de respostas. Talvez por não saber o que fazer enquanto o homem está ausente, a jornalista volta para a casa do pai em mais uma alusão a uma sociedade patriarcal. Posteriormente, Reiko acompanha Ryuji até a ilha e a dupla decide passar a noite em uma hospedaria que seria de parentes de Sadako. Após chegar ao local, Ryuji é quem fala pelos dois e pede inclusive quartos separados. Nesta parte do filme, Reiko já está achando que tudo é em vão e que vai morrer. Ao ter uma crise histérica, Ryuji, como um homem em posição de autoridade, manda ela calar a boca. Ao pedir para ele estar ao seu lado na hora em que morrer, Ryuji não apenas nega o pedido de forma muita calma como justifica o fato

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de não saber o que vai acontecer com ele. A grande descoberta sobre quem é Sadako é feita graças a Ryuji, que conversa com um parente vivo dela. Percebe-se então claramente durante a investigação como o papel de Reiko é passivo e que ela depende de Ryuji.

Em O Chamado, após Noah acreditar que a maldição é real, ele fica ao lado de Rachel e como uma dupla, eles seguem em busca de informações que possam solucionar o mistério. Os dois vão juntos para a ilha Moesko e se separam logo que chegam ao local na tentativa de avançarem na procura de pistas. Rachel vai até a casa do pai adotivo de Samara e Noah segue para o hospital onde ela teria ficado internada. É ela quem mais avança nas investigações descobrindo sozinha importantes informações. Não satisfeita com as pistas coletadas, a jornalista volta para a casa dos Morgans, entra na residência sozinha, mexe em uma caixa em busca de pistas, liga a televisão e assiste a uma fita de vídeo com imagens de Samara sendo examinada por médicos. Ao final, Rachel é surpreendida e golpeada no rosto pelo pai adotivo da garota. Neste aspecto, ela se mostra bastante diferente de Reiko, que parece apenas acompanhar Ryuji e esperar que ele tome as decisões e avance na solução do mistério.

Outro aspecto referente a Reiko e a Rachel é a falta da figura do marido e como esta ausência é sentida pelos filhos

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delas. A princípio, os dois meninos não são carinhosos com as suas respectivas mães e o que parece afetar as crianças é a ausência da figura paterna. Além disso, os filmes deixam a mensagem da falta de cuidado das mulheres como resultado metafórico da necessidade da presença masculina na vida dos filhos. Este ponto é percebido uma vez que as mães, por estarem sozinhas, não impediram os garotos de assistirem aos vídeos malignos. A falta da presença masculina pode ser considerada tão importante que, no caso de Yoichi, é o avô o responsável por mudar quase que instantaneamente o comportamento do garoto que na companhia do idoso passa a agir como uma criança normal que brinca, sorri, se cansa e dorme no chão.

Veja-se que é justamente o avô quem faz o menino sorrir uma única vez no filme, excetuando as fotos que vemos no apartamento de Reiko. No apartamento, junto com a mãe, Yoichi não expressa praticamente nenhum sentimento: sua mãe lhe diz várias vezes durante o filme “faça isso”, “não faça aquilo”, “não diga isto”, “não toque no assunto”, “não fique aqui”, etc. Ao contrário de Rachel, Reiko não possui babá que toma conta do filho: ele fica sozinho e quando ela está em casa, ainda exerce o papel de cozinheira. O menino possui um pai que não sabe nem se ele está na escola e, muito embora sejam ressaltadas suas características de eficiência masculina, ele permanece ausente no sentido tradicional familiar. Neste sentido, enquanto a mãe exerce preponderância sobre o filho nos atos e palavras, Reiko obedece às ordens do pai de seu filho em praticamente todo o filme, e mesmo após a sua morte (GONÇALVES, 2004, p.23).

Em O Chamado, não existe a figura do avô de Aidan, o que deixa o menino sério e frio praticamente durante todo o

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filme, inclusive por chamar Rachel pelo próprio nome, excluindo simbolicamente qualquer noção de maternidade. Ao final do filme, após Rachel e Noah pensarem que acabaram com a maldição de Samara, Aidan está deitado no banco de trás do carro e vê os pais trocarem olhares carinhosos e segurarem as mãos dando a entender que o casal possa reatar o romance. Esta cena faz o garoto esboçar um sorriso como um suspiro de ter uma família com um pai e uma mãe.

Ao final dos filmes, também é possível perceber diferenças entre as decisões de Reiko e Rachel com relação a como salvar seus filhos. Após a morte de Ryuji, a jornalista descobre que escapou da maldição pelo fato de ter feito uma cópia da fita original que ela assistiu para Ryuji. Desta forma, o mal de Sadako foi transferido para ele. No entanto, o homem que tomava as decisões está morto e Reiko tem apenas um dia para evitar que o filho tenha o mesmo fim. Ao final do filme, a cena mostra um carro seguindo por uma estrada afastada da cidade grande. Escutamos Reiko falar com o pai dela explicando que precisa de um favor muito grande para Yoichi. Aqui, na ausência de Ryuji, fica claro mais uma vez que Reiko busca salvação e proteção na presença masculina. Na conclusão, o roteiro mostra a intenção dela em gravar uma cópia da fita que Yoichi viu para que o próprio pai dela possa assistir e assim impedir que o neto morra.

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Em O Chamado, esta conclusão é semelhante no sentido de que vemos Rachel com o filho fazendo uma cópia da fita. No diálogo, o garoto pergunta o que vai acontecer com quem assistir ao vídeo. Rachel responde para Aidan não se preocupar e que tudo vai dar certo. Aqui é mantida a ideia de transferir a maldição para outra pessoa, no entanto não fica claro quem vai ser o escolhido, se será um homem ou mulher, conhecido ou desconhecido.

Considerações finais

No caso dos filmes J Horror, aqui exemplificados principalmente através de Ringu, é perceptível que as tramas se apropriam de linguagens patriarcais na hora da concepção das protagonistas. Assim, torna-se plausível compreender as diferenças entre Reiko e Rachel. Esta última por se enquadrar mais em um perfil norte-americano de representação feminina. Neste caso, é possível destacar a questão de que os filmes J Horror podem utilizar a imagem da mulher submissa e dependente do homem como uma forma alegórica de trazer à tona a questão de gênero no país.

Para este estudo, por exemplo, ficou claro perceber o agendamento cultural da questão de gênero do Japão dentro

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da produção de entretenimento, neste caso, através dos filmes

J Horror. Em um país onde apesar de existirem mulheres em

cargos de chefia nas empresas e do divorcio já ser considerado aceito em grandes centros urbanos, Reiko parece mais fazer parte do lado japonês que ainda percebe a mãe solteira de forma menor e que precisa da ajuda masculina na hora de tomar importantes decisões principalmente referentes a questões de sobrevivência.

Referências

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CLOVER, Carol. Men, Women and Chainsaw. USA: Princeton University Press, 1992.

FALCÃO, Filipe; SOARES, Thiago. Das lendas aos filmes: percursos sobre a questão da mulher no cinema de terror japonês.

Portal Intercom Disponível em:<http://www.portalintercom.

org.br/anais/nordeste2014/resumos/R42-1546-1.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2016.

GONÇALVES, Claudiomar dos Reis. Estudos culturais e cinema: gênero e sociedade. Ringu e The ring. In Revista História

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IWAMURA, Rosemary. Letter from Japan: from girls who dress up like boys to trussed-up porn stars – some contemporary heroines on the japanese screen. The Australian Journal of

Media & Culture. Vol. 7, no 2 (1994).

KELLNER, Douglas. A cultura e a mídia. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1995.

McROY, Jay. Nightmare Japan – Contemporary Japanese Horror Cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press. 2008.

NOVIELLI, Maria Roberta. História do Cinema Japonês. Brasil: Primeiro Passo, 2001.

TURNER, Graeme. Cinema como prática social. São Paulo: Editora Summus, 1997.

STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. São Paulo: Papirus, 2000.

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