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O ESTADO BRASILEIRO E AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS: A LUTA PELA EFETIVAÇÃO DO ARTIGO 68 DO ADCT

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O ESTADO BRASILEIRO E AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS: A LUTA

PELA EFETIVAÇÃO DO ARTIGO 68 DO ADCT

ANE ELYSE FERNANDES SILVA1

LEONARDO DE OLIVEIRA CARNEIRO2

Resumo: O presente trabalho visa apresentar as relações entre as comunidades remanescentes de quilombos e o Estado brasileiro, tendo como foco, aquelas relacionadas às políticas públicas voltadas para a regularização fundiária. Sob o viés da pesquisa qualitativa, as apreensões obtidas através da observação participante, contribuíram para a (re)construção dessa proposta, visto que introduziu novas percepções e indagações sobre os sujeitos estudados. Pode-se concluir que as relações sociais e de poder perpassam as interações entre esses sujeitos, o que consequentemente se evidencia no modo dual e contraditório que o aparelho estatal se posiciona frente à promoção e a efetivação dos direitos instituídos pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Contudo, é nesse interim que se observa o surgimento de novas estratégias por parte do movimento quilombola, cujo objetivo é promover alternativas em prol da busca pela garantia de seus direitos.

Palavras-chave: Estado brasileiro; comunidades quilombolas; direitos territoriais

Abstract: The present work aims to present the relations between the remaining communities of quilombos and the Brazilian State, focusing on those related to public policies aimed at land regularization. Under the bias of qualitative research, the apprehensions obtained through participant observation contributed to the (re) construction of this proposal, since it introduced new insights and inquiries about the subjects studied. It can be concluded that social relations and power permeate the interactions between these subjects, which consequently is evident in the dual and contradictory way that the state apparatus is positioned in front of the promotion and realization of the rights established by Article 68 of the Provisions Act Transitional Constitutions. However, it is during this time that the new quilombola movement emerges with new strategies, whose objective is to promote alternatives for the search for the guarantee of their rights.

Key-words: Brazilian State; Quilombola communities; Territorial rights

1 – INTRODUÇÃO

O desafio constante de refletir sobre o nosso ser e estar no mundo por e através das lentes geográficas, tanto nos incita a questionar o nosso papel neste processo de des-construção contínua do querer-ser-fazer como também nos instiga

1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail

de contato: aneelysefernandes@hotmail.com.

2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail de

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a repensar sobre o modo como a Geografia perpassa e se constitui no escopo espaço-temporal que permeia as discussões e problemáticas que norteiam os nossos estudos junto às comunidades de remanescentes de quilombos em Minas Gerais. Assim, ao nosso ver, a Geografia se apresenta como um caleidoscópio, no qual se vislumbram as premissas de um conhecimento científico e sistematizado pela academia, mas também aquele que se constrói e é construído a partir dos diferentes modos de geo-grafar e se apropriar de dado espaço (BARRETO; SILVA, 2012; A. SILVA, 2016; SILVA; CARNEIRO, 2016a; SILVA; CARNEIRO, 2016b).

O presente artigo é um recorte da proposta inicial da pesquisa de dissertação3 de Mestrado intitulada “Interveniências do Estado e o direito ao território quilombola na Zona da Mata mineira”, a qual vem sendo desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora e que tem previsão de defesa para março de 2018.

A partir dos levantamentos bibliográficos e das apreensões oriundas da participação em projetos4 de extensão universitária e em reuniões5 com lideranças e representantes de órgãos públicos, verificou-se há necessidade de se analisar como e quais são as inter-ações entre esses sujeitos. Nesse sentido, esse artigo tem como objetivo compreender e identificar como e quais são as possíveis relações existentes entre as comunidades quilombolas e o Estado brasileiro, tendo como foco aquelas relacionadas às políticas públicas voltadas para a regularização fundiária. Logo, tentar-se-á também enfatizar o papel do Estado neste processo, ressaltando-o como agente responsável pela gestão e execução destas ações junto a esses grupos sociais.

Deste modo, esse trabalho busca promover um debate aberto e dialógico sobre as comunidades de remanescentes de quilombos e o Estado brasileiro, a fim de reiterar a importância dos saberes geográficos na promoção e fortalecimento da autonomia e do empoderamento dessas populações frente a luta pela garantia de seus direitos. Assim, fica evidente que interpretamos o conhecimento geográfico

3 Essa pesquisa tem sido promovida através de uma bolsa CAPES e tem previsão de defesa para

meados de março de 2018.

4 Durante o período de 2012 a 2016 no âmbito da graduação em Geografia.

5 Referente às reuniões da Rede de Saberes dos Povos Quilombolas realizadas em meados de 2015,

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para além dos muros preconizados pelo modelo científico, buscando abarcar novos sujeitos, novas racionalidades e principalmente, novas territorialidades (PORTO-GONÇALVES, 2002).

2 – AS COMUNIDADES QUILOMBOLAS E O ESTADO BRASILEIRO:

UM RETROSPECTO HISTÓRICO

Para se compreender quem são essas populações e quais são suas reinvidicações junto ao Estado, é preciso que se discuta como se deu o processo de formulação da concepção de quilombo, perpassando àquele oriundo dos tempos coloniais – que contribuiu para constituição do imaginário social sobre a definição dessas populações – ao que vem sendo utilizado nos textos normativos vigentes, o qual está pautado em uma constante tentativa de ressemantização do termo afim de que se consiga expressar a multiplicidade de modos de ser e de resistir que constituem as comunidades quilombolas contemporâneas (SILVA; CARNEIRO, 2016b).

B. Souza (2008) aponta que a Constituição Federal de 1988 reflete uma nova acepção de como o Estado brasileiro interpreta o aquilombamento, pois há o contraponto entre o discurso punitivo e criminal aferido contra a formação de quilombos presente nas legislações do período colonial e imperial e aquele que transforma essas populações em sujeitos de direitos. Destarte, é possível identificar que no decorrer do processo de formulação e constituição das bases legais brasileiras, notam-se as mudanças de perspectivas e ações que o Estado promove em relação a essas comunidades, o que por sua vez, também se reflete na própria acepção do que se caracteriza e se expressa como ser quilombola.

A referência6 inicial sobre o termo aparece no Regimento dos Capitães do Mato de 1722, contudo, é a definição expressa pelo Rei de Portugal em diálogo com o Conselho Ultramarino em 1740 que conforma a concepção mais difundida sobre o

6 A menção à formação de quilombos no Regimento dos Capitães do Mato definia que: “(...) pellos

negros que forem prezos em quilombos formados distantes de povoaçaõ onde estejaõ aSima de quatro negros, com Ranchos piloens, e modo de aly se conservarem, haveram por cada negro destes vinte outavas de ouro” (apud BALDO, 1980)

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que seria o quilombo, onde se institui como “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em partes despovoadas, ainda que não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles” (apud MOURA, G., 2012, p. 13).

Assim, nota-se que o Estado desenvolveu estratégias e mecanismos com intuito de suprimir as contestações à estrutura social e política que constituem o modelo agroexportador e latifundiário. Logo, é possível identificar ações do sistema colonial para assegurar a manutenção do status quo, como a criação de um profissional responsável pela captura de escravos fugitivos – o capitão-do-mato – além do uso de medidas coercitivas e punitivas àqueles que se aglomeravam e formavam os quilombos (BALDO, 1980; SOUZA, 2008).

Sendo assim, é preciso reiterar que o fenômeno da quilombagem foi um dos modos em que se deram as revoltas do negro escravizado, ocorrendo concomitantemente com outros tipos de ações e reações contra a ordem vigente, entre as quais, “(...) assassínio dos senhores, dos feitores, dos capitães-do-mato, o suicídio, as fugas individuais, as guerrilhas e as insurreições urbanas” (MOURA, C., 1987, p. 14).

Neste sentido, é factível analisar como o termo quilombo apresenta diferentes perspectivas de acordo com os sujeitos que o propõem. Destarte, nota-se que a definição expressa na legislação colonial, tendo como base àquela do Conselho Ultramarino, é criada sob o viés do dominador-colonizador, a fim de legitimar o combate às práticas de desobediência e rebeldia realizadas pelos negros escravizados através da fuga. Ou seja, o conceito visa assegurar a (re)produção da conjuntura política e econômica vivenciada no âmbito do sistema colonial-escravista. Logo, a concepção de quilombo propagado no decorrer do processo histórico brasileiro, não conseguiu incorporar efetivamente o que “(...) o próprio movimento quilombola se propunha a ser a representar para a sociedade e especialmente para a população negra em questão” (SILVA; CARNEIRO, 2016b, p. 4).

As comunidades quilombolas reaparecem no cenário sociopolítico por meio de sua aproximação junto ao movimento negro urbano e campesino. Conforme aponta Silva (1997), coube ao Movimento Negro Unificado a tentativa de se aproximar junto aos partidos políticos e as entidades representativas, com intuito de

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angariar apoio e fortalecer seus pleitos durante a Assembleia Constituinte de 1987-1988.

A Constituição Federal de 1988 se torna um marco legal para as comunidades quilombolas, visto que à medida que as promove a sujeitos de direitos, também assume uma nova perspectiva sobre o processo de aquilombamento. Assim, nota-se o rompimento com o caráter coercitivo e punitivo do Estado presente nas legislações coloniais, reconhecendo-o agora, como o responsável por promover e garantir os direitos destes grupamentos sociais. Além disso, o texto normativo se consolida como uma nova proposta para se (re)pensar as relações promovidas entre as comunidades quilombolas, o Estado e a sociedade como um todo (SOUZA, 2008).

3 – ARTIGO 68-ADCT: O DIREITO AO TERRITÓRIO

O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) é o instrumento jurídico-normativo que sinaliza essa mudança, pois é nele que se estabelece a concessão do direito ao território quilombola. Conforme aponta o texto legal, define-se que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988).

Inicialmente, a proposta poderia ser interpretada como uma tentativa por parte dos constituintes de se construir mecanismos de reparação histórica a opressão e violência sofridas pelas populações negras e africanas no decorrer do desenvolvimento histórico do país, porém, o que se observa é a (re)afirmação do próprio aquilombamento (SOUZA, 2008). Com isso, nota-se que as relações entre as comunidades de remanescentes de quilombos e o Estado brasileiro passam a ser catalisadas e promovidas a partir das ações e das reivindicações em torno da promoção e da garantia dos direitos adquiridos a partir da Constituição Federal, tendo como foco, aquelas relativas à titulação de seus territórios.

O Decreto 4.887 promulgado em 20 de novembro de 2003 reitera os preceitos presentes na Carta Magna, além de ser o corpo jurídico onde o Estado brasileiro

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efetivamente define quem são os sujeitos de direito mencionados no artigo 68 do ADCT. De acordo com a norma,

Art. 2º Consideram-se remanescentes das comunidades dos

quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais,

segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com

presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 2º São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física,

social, econômica e cultural.

§ 3º Para a medição e demarcação das terras, serão levados em

consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo

facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental (BRASIL, 2003, grifos nossos).

Fica evidente que o Decreto 4.887/03 consolida a mudança de perspectiva do Estado sobre as comunidades quilombolas, visto que adota uma nova concepção – com resquícios do período de ressemantização – que contesta as noções anteriores, principalmente ao incorporar o critério de auto-atribuição como aquele que define o “ser quilombola”. Além disso, é preciso enfatizar que a definição também reconhece as especificidades que compõem as relações dessas populações e com o local onde vivem, ao inserir a noção de territorialidade quilombola como parâmetro metodológico para se definir a extensão dos territórios a serem titulados. Logo, se evidencia a indissociabilidade entre a construção da identidade quilombola com o modo como essas populações usam e ocupam seus territórios (SILVA; CARNEIRO, 2016b).

Concordamos com Raffestin (1993) quando define que o território é permeado por relações sociais e de poder e que ele é multiescalar e multidimensional, pois se constitui a partir das próprias especificidades e intencionalidades que constituem cada grupamento social. Assim, rompe-se com a perspectiva ratzeliana, a qual se assenta na figura única do Estado como aquele que controla e protege dado território, reconhecendo-se assim, que há outros sujeitos que também produzem e reproduzem seu próprio território (MORAES, 1990).

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Haesbaert (2004) corrobora com essa perspectiva, mas propõe que o conceito de território deve ser interpretado a partir de uma visão integradora, na qual coexistam os aspectos materiais e simbólicos, pois “(...) o território envolveria, portanto, não somente um controle físico, material, mas também um controle/poder simbólico, através, por exemplo, da construção de identidades territoriais” (2004, p. 23). De acordo com o autor,

Podemos então afirmar que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’ (HAESBAERT, 2004, p. 95-96)

Neste sentido, observa-se que o pleito pelo reconhecimento e a titulação dos territórios se torna um marco regulatório, pois permite conceber uma nova percepção das múltiplas modalidades do processo de territorialização-desterritorialização-reterritorialização (TDR), tendo na figura do Estado como o principal agente-ator deste empreendimento, visto que tanto é aquele que (re)organiza o território - a partir das dinâmicas socioeconômicas e políticas - como também é o responsável pela promoção e execução das políticas públicas que asseguram a garantia dos direitos constitucionais (HAESBAERT, 2004; 2011).

Ao se assumir que o território é (re)produzido por e a partir das relações sociais e de poder numa perspectiva multiescalar e multidimensional, rompe-se com a centralidade dada ao Estado como o único habilitado na produção e reprodução dessa categoria geográfica. Isso, por sua vez, enfatiza a importância da territorialidade como estratégia de uso e apropriação de dado território, considerando as especificidades e particularidades que fundamentam a interação entre homem e natureza expressa na cultura (SACK, 2013). Deste modo, é possível discutir como a luta pela titulação dos territórios quilombolas nos incita a questionar o tipo de Estado que está posto, a fim de superar os ditames apreendidos pelo modelo westfaliano (1648) a partir do reconhecimento da coexistência de territórios sobrepostos (AGNEW; OSLENDER, 2010).

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4 – ENTRE LUTA E A RESISTÊNCIA: A EMERGÊNCIA DE

CONFLITOS MATERIAIS E IMATERIAIS

O direito ao território quilombola vem promovendo a mobilização e a articulação de lideranças e comunidades em favor da busca pela efetivação dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988. Porém, para além disso, há também que se ponderar como a luta quilombola evidencia o entrechoque de duas perspectivas contrastantes de (re)construção do mundo-que-aí-está, haja visto que expressam racionalidades e intencionalidades divergentes entre si.

De acordo com dados disponibilizados pela Fundação Cultural Palmares (FCP) até abril de 2017 foram certificadas 2.958 comunidades quilombolas no Brasil, sendo que, pelas informações divulgadas pela Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP), 1.675 possuem processos abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e apenas 168 foram efetivamente tituladas. Esses dados quantitativos evidenciam o modo dual e contraditório que o aparelho estatal se posiciona frente à promoção e a efetivação dos direitos instituídos pelo artigo 68 do ADCT.

Assim, é no interim entre as prerrogativas presentes no escopo jurídico-normativo e aquelas efetivamente executadas pelo Estado brasileiro que se evidenciam as possíveis conflitualidades e disparidades que compõem o jogo político e econômico que perpassam e constituem as relações entre esses sujeitos. Deste modo, é possível perceber o embate de forças externas e internas, o que consequentemente, promove efeitos diversos tanto a nível material quanto imaterial e que não se restringem à apenas os atores envolvidos.

Contudo, observa-se também que a ineficiência do Estado brasileiro vem colaborando para com o surgimento de novas estratégias por parte do movimento quilombola, com o objetivo de construir alternativas que contribuam e legitimem a luta em prol da concretização de seus direitos, tendo como foco, principalmente aqueles relacionados a posse e gestão de seu território. É neste contexto, portanto, que a Rede de Saberes dos Povos Quilombolas (SAPOQUI) na Zona da Mata mineira se apresenta como um novo modelo de articulação, promovendo a interface

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entre lideranças quilombolas, a academia, entidades representativas e apoiadoras da causa, além do poder público, a fim de promover o fortalecimento e o empoderamento destas comunidades nesta mesorregião de Minas Gerais.

A Rede SAPOQUI vem se (re)fazendo em um processo constante de diálogo e interação desde meados de 2015, a partir das discussões sobre as questões quilombolas junto às comunidades próximas das cidades de Juiz de Fora e Viçosa, onde se estabeleceram atividades de extensão universitária além de grupos voltados para a promoção da igualdade racial – como o Fórum Mineiro de Entidades Negras (FOMENE). Logo, nota-se que há uma mobilização por parte de diferentes sujeitos e entidades, com intuito de se desenvolver um movimento em rede, cuja proposta é contribuir com as ações pelo pleno reconhecimento e exercício da cidadania das comunidades quilombolas.

Contudo, é salutar reconhecer que esse é apenas um momento do transcurso que a Rede SAPOQUI almeja ser e se constituir, por isso, ficamos restritos às possibilidades que ela mesma alude a si mesma, as quais compartilhamos e apoiamos no quer-fazer dessa pesquisa. Nesse sentido, é imprescindível que se enfatize a importância da emergência de uma articul-ação que visa contribuir no engajamento dessas populações, na construção de espaços onde se tenha o compartilhamento de pautas e de perspectivas além de se utilizar a agroecologia como subterfúgio para alcançar e fortalecer a busca pelo bem-viver à luz da desconstrução do discurso decolonial.

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde que foram (re)incorporadas ao cenário social e político brasileiro, as comunidades de remanescentes de quilombos tem sido cada vez mais protagonistas de reivindicações e disputas em diferentes frentes e com distintos atores. Entre eles, o que procuramos destacar durante a construção desse artigo foi o Estado brasileiro, com quem – desde os tempos coloniais – vem travando uma batalha para se fazer (re)conhecer e se (re)afirmar perante ao que é apregoado pelo status quo, o qual se

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constituiu e se constitui pela negação da diversidade e da pluralidade reproduzindo-se assim, o modelo westfaliano moderno-colonial.

O direito ao território quilombola nos permite compreender essas lutas sob a perspectiva da emergência de conflitos, que tanto são simbólicos como também materiais, o que consequentemente caracteriza e conforma as relações entre esses sujeitos. Constituídas por diferentes intencionalidades, o Estado brasileiro é aquele que se vê em um papel dúbio, o qual tanto é o responsável pela promoção e garantia dos direitos quilombolas, como também se constitui no seu principal violador. Porém, observa-se que novos atores e novas estratégias vem surgindo oriundos principalmente pela inércia do aparelho estatal, buscando-se assim, legitimar e reafirmar as pautas apresentadas, seja questionando o papel do Estado como também criando novos mecanismos de reivindicações, como àqueles relacionados a pressão de órgãos internacionais.

Contudo, nota-se que o período pós-impeachment tem sinalizado para a consagração de uma nova interpretação do Estado sobre a concessão e o usufruto dos direitos adquiridos por essas populações no âmbito da Constituição Federal de 1988. O que se observa é a construção de um futuro repleto de incertezas e aberto à retrocessos, o qual se constitui e é reafirmado pela escalada dos conflitos agrários como também pela atuação intensiva da bancada ruralista na Câmara dos Deputados. Mas, eis que frente a esses tempos temerosos, os movimentos sociais ainda se constituem como feixes de esperanças, pois a partir do lema “Nenhum direito a menos”, reiteram à essas populações, que a luta pela efetivação e a consagração dos direitos adquiridos, tanto persiste quanto resiste - como eles, por tanto, vem nos ensinando sobre.

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6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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