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Palavras-chave: Educação integral; currículo; formação integral.

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EDUCAÇÃO INTEGRAL: ESTUDO COMPARATIVO EM ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS

Maria Beatriz Pauperio Titton Centro Universitário Ritter dos Reis/UniRitter titton@uniritter.edu.br

RESUMO: A reinvenção da escola sob um novo paradigma de educação na perspectiva

da formação integral envolve escolas públicas e privadas, não só pela questão legal relativa à ampliação da jornada escolar, mas principalmente pela compreensão de que a educação é um processo que abrange a integralidade da pessoa humana, que deve ser considerada em quaisquer projetos educativos. O presente artigo tem por objetivo compartilhar reflexões construídas a partir de estudo comparativo entre projetos de Educação Integral em escolas públicas e privadas de Porto Alegre, buscando identificar semelhanças e diferenças em seus pressupostos teórico-práticos. Há diferenças significativas em relação a concepções e práticas nos projetos das escolas investigadas, revelando, nas escolas públicas, movimentos de implantação e implementação de projetos desencadeados pelos governos das diferentes esferas e a ausência de reflexão sobre educação integral - ou pouca visibilidade - na quase totalidade das escolas privadas. Observa-se a utilização indiscriminada das expressões educação integral e turno integral, referindo-se à oferta de atividades no contraturno escolar, que não se articulam com as demais atividades do currículo e não se associam a uma concepção de educação integral enquanto formação integral, através das diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física, biológica). Para que a ampliação da jornada escolar represente novas e reais oportunidades educativas e que as crianças e jovens não permaneçam por mais tempo na escola, aprendendo mais da mesma coisa, as escolas e seus gestores têm diante de si o compromisso com a ressignificação do currículo escolar, pensado no seu conjunto.

Palavras-chave: Educação integral; currículo; formação integral.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, no Brasil, vem observando-se uma crescente e significativa oferta de “turno integral” ou de atividades extraclasse que, no seu conjunto, representam a ampliação da jornada escolar em escolas particulares e públicas, destinadas especialmente a crianças da educação infantil e do ensino fundamental. É possível identificar, nessas propostas, atividades que se caracterizam prioritariamente como reforço escolar e oficinas envolvendo as mais variadas formas de expressão, organizadas no contraturno e, na grande maioria das vezes, sem articulação com as demais experiências do currículo.

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Por meio de programas que vêm ganhando força, como por exemplo o Programa Mais Educação, do governo federal, mas também daqueles que vêm sendo desenvolvidos desde antes, especialmente por iniciativa de governos municipais, são promovidos e subsidiados projetos de Educação Integral nos sistemas e nas instituições de ensino público, com vistas à operacionalização de dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional relacionados à ampliação da jornada escolar no Brasil.

Muitos desses projetos ainda revelam fragilidades na articulação entre ações, mas também importantes esforços intersetoriais (como por exemplo envolvendo as áreas da educação, saúde, esportes, assistência social, meio ambiente, etc.) para a articulação e convergência de políticas. Os processos de implantação ou implementação de tais projetos sustentam-se nos pressupostos acerca de um novo paradigma para a Educação Integral, colocados em debate pelo Ministério da Educação, desde 2007, e fundamentados no “Texto Referência sobre Educação Integral para o Debate Nacional”, de 2008, e se norteiam pela “perspectiva de que o horário expandido represente uma ampliação de oportunidades e situações que promovam aprendizagens significativas e emancipadoras”. (GONÇALVES, 2006, p.131)

Se nas redes e escolas públicas é possível perceber a influência desses pressupostos na implantação de projetos e na problematização das experiências em curso, nas escolas privadas esse debate, que propõe a construção de uma escola mais plena, com a articulação entre os tempos e os espaços e entre os diferentes saberes e educadores, parece ainda não ter se estabelecido. Nas ruas da cidade, em período de matrículas, é natural ler anúncios em outdoor, busdoor e front light sobre a oferta de “turno integral”, considerado um diferencial em suas propostas pedagógicas, e que, necessariamente, não correspondem a um projeto de Educação Integral com pressupostos semelhantes aos colocados para a educação pública.

Faz-se necessário, em qualquer uma dessas realidades, no entanto, refletir sobre a concepção de educação assumida na operacionalização tanto de projetos sob a denominação de Educação Integral, como de agendas de atividades oferecidas no contraturno escolar denominadas de “turno integral”. Até que ponto está presente a ideia de formação integral? Em que medida tais projetos estão sustentados por referenciais teóricos e práticos que buscam dar conta das diferentes e diversas dimensões da natureza humana?

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A superação de binômios, como formal e informal, turno e contraturno, que ainda sustentam de forma polarizada as idéias e as práticas cotidianas de escolarização, é a possibilidade real de inovação e de renovação curricular. Propõe-se, portanto, não que as crianças permaneçam por mais tempo na escola, aprendendo “mais da mesma coisa”, nem que se estabeleça uma escola séria e outra alegre, por exemplo, mas ao contrário, que, ao ampliar a jornada escolar, também se ressignifique a experiência escolar de modo mais abrangente possível.

A prática educativa, vivida com afetividade e alegria, não exclui a formação científica séria e a clareza política dos educadores ou educadoras, adverte Freire, pois “a prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança...” (FREIRE, 1996, p.161). Essa alegria deve estar presente em quaisquer experiências educativas, espalhadas pelos diversos tempos e espaços à disposição dos educandos.

O maior desafio da Educação Básica, hoje, é a sua qualidade social que precisa ser traduzida no acesso, na permanência e no sucesso escolar. A ampliação da jornada escolar é uma condição fundamental, mas não suficiente se não se estiver comprometida com a ressignificação do currículo escolar, em termos de reorganização de espaços, tempos e saberes. De outro modo, nas palavras de Jaqueline Moll (2008), isso significa o desenclausuramento e o desenrijecimento dos tempos da escola, promovendo o seu reencontro com a vida.

Trata-se de reaproximar os tempos da vida dos tempos da escola, entendendo-os em seu continuum. Trata-se de avançar na qualificação do espaço escolar como espaço de vida, como espaço de conhecimentos e valores, como espaço no qual a vida transita em sua complexidade e inteireza, como espaço no qual cada aluno possa conhecer as artes, as ciências, as matemáticas, a literatura para que possa, também, ressituar-se na cidade, compreendendo-a, compreendendo-se e incorporando-se a ela. (MOLL, 2008, p.15)

Diante desses pressupostos e no cenário educacional brasileiro, são importantes estudos sobre experiências educativas relacionadas à educação integral em tempo integral, que podem oferecer contribuições para o debate que só tende a se ampliar, visto ser um tema cada vez mais contemplado nas políticas públicas e traduzido em meta no novo Plano Nacional de Educação.

Tendo em vista que estudos e pesquisas sobre o tema da Educação Integral têm contemplado experiências de escolas e redes públicas, uma vez serem elas as beneficiárias de políticas e programas no Brasil, o que lhes dá uma significativa visibilidade, a problematização acerca da educação integral sob um paradigma

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contemporâneo no cenário global da educação brasileira não tem sido realizada. Para contribuir com esse debate, realizou-se um estudo comparativo envolvendo escolas públicas e privadas de Porto Alegre/RS, selecionadas a partir do consentimento de suas comunidades e de seus sujeitos, que pode constituir-se num recorte da realidade dos movimentos em curso no país.

Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo compartilhar reflexões construídas a partir dessa investigação sob a temática da Educação Integral, desenvolvida em 2012 e 2013, que buscou identificar semelhanças e diferenças em propostas desenvolvidas em escolas públicas e privadas.

Por meio de observação, entrevistas e questionários junto aos diferentes sujeitos implicados nos projetos (gestores, professores, educadores/oficineiros/estagiários, pais e alunos), o estudo envolveu a análise de propostas de educação integral em termos de pressupostos teórico-práticos, buscando identificar a relação entre demanda e oferta, entre expectativas e resultados na proposição e desenvolvimento dessas propostas, assim como os movimentos de integração e articulação com vistas à superação da fragmentação curricular e da escola por turnos - reveladas tanto nas práticas pedagógicas de todos educadores envolvidos - e a existência de mecanismos institucionais de acompanhamento e monitoramento das aprendizagens dos alunos relacionadas a experiências de Educação Integral.

2 EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL

A discussão sobre Educação Integral não é nova, pois a idéia de educação como processo que abrange a integralidade da pessoa humana e a de que a escola precisa levar isso em conta em seu projeto educativo vem sendo um discurso recorrente na história da educação, onde se destacam as experiências de Anísio Teixeira, em Salvador e Brasília, e Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro.

Ao falar-se hoje de um paradigma contemporâneo de educação integral é preciso considerar também as demandas sociais e os ideais de formação cidadã, traduzidas em dispositivos legais e políticas públicas a partir da Constituição Federal e da LDB.

É sabido que no Brasil a oferta de turno integral vinha sendo, majoritariamente, destinada a alunos da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, ao contrário do que há muito tempo já acontece, segundo Compère (1997 apud Cavaliere, 2007), nos países europeus desenvolvidos, em que as crianças menores ficam menos

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tempo nas escolas e são as maiores que, progressivamente, nelas permanecem por mais tempo. Isso aponta para o fato de que o tempo maior de escola para as crianças pequenas é determinado pela demanda dos adultos, envolvidos provavelmente com o trabalho e sem ter com quem deixar os filhos pequenos, portanto, por necessidades externas à relação propriamente pedagógica.

As imensas desigualdades, constituídas secularmente, impõem à sociedade contemporânea problemas de ordem social e econômica. O Brasil vem desenvolvendo, nos últimos anos, políticas públicas com vistas ao enfrentamento dos problemas sociais, procurando garantir a todos o direito à educação, como um dever do Estado, e convocar os demais setores da sociedade para assumirem sua parcela de responsabilidade com a educação integral das crianças e dos jovens. Tal compromisso, assegurado como condição de direito na Constituição Federal, através da doutrina de proteção integral, é reiterado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira.

Portanto, ao debater-se a educação integral hoje, é preciso considerar o contexto brasileiro contemporâneo e os novos ordenamentos sociais e econômicos (expressos, por exemplo, na mobilidade social e no empowerment econômico), os novos ordenamentos jurídico-institucionais no campo da educação (FUNDEB, Emenda Constitucional Nº 59, que institui a educação obrigatória dos 4 aos 17 anos, Piso Nacional do Magistério, entre outros), os Decretos específicos relacionados à Educação Integral e o novo ordenamento curricular, a partir das novas Diretrizes Curriculares da Educação Básica e de suas etapas.

Da mesma forma, necessário se faz considerar os desafios da Educação Básica: universalização do acesso da educação infantil ao ensino médio; a permanência dos estudantes, com aprendizagens significativas; a superação da reprovação como metodologia de ensino; a melhoria das condições de trabalho dos professores e demais profissionais da escola; a democratização do ambiente escolar e da relação escola-comunidade; o diálogo da escola com as culturas contemporâneas e tecnológicas, e a ampliação da jornada escolar para universalização da educação integral em tempo integral.

Para isso, contribui a convergência de vontades e lutas políticas, expressas na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Plano Nacional da Educação e no Plano de Desenvolvimento da Educação. A formulação de políticas públicas que concebam o atendimento à totalidade dos direitos básicos, entre eles o da educação, e a sua

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operacionalização de forma articulada e complementar, podem contribuir efetivamente para um projeto de educação integral, inserido no amplo projeto político e social da nação brasileira.

Diminuir a distância entre a escola e a vida tem sido um desafio percorrido por muitos educadores, em diferentes tempos, desde o surgimento da escola até os dias de hoje. A centralidade da escola – e não a escolarização de todos os saberes - na proposição de um projeto de educação integral deve se constituir na luta por uma escola mais viva, de modo que se rompa, também, gradativamente, com a idéia de sacrifício, como coloca Moll (2008), atrelado ao ensino formal e, por outro lado, de prazer a tudo que é proposto como alternativo ou informal a esse sistema escolar.

Os debates instituídos têm problematizado os cardápios de atividades diversificadas, oferecidos equivocadamente sob denominações que remetem à educação integral, mas que apenas ocupam o tempo livre de crianças, adolescentes e jovens; tempo esse traduzido no cuidar – importante! - mas dissociado do educar, princípio caro à Educação Infantil, e agora referendado pelas novas Diretrizes Curriculares para toda a Educação Básica.

É preciso superar o caráter acessório ou alternativo que quaisquer atividades educativas desenvolvidas fora do turno regular ou fora da escola têm merecido, assim como as de caráter estritamente escolar, desenvolvidas pela própria escola, no turno oposto ou no contraturno, que vêm produzindo o que se tem denominado hiperescolarização, uma mera extensão de atividades estritamente escolares - relacionadas principalmente a aprendizagens nas áreas da língua materna e da matemática - já que não se apresentam como experiências distintas e criativas.

A possibilidade de articular o que se faz na escola no turno regular, em que ocorrem as aulas, com o que se faz no contraturno, exige a elaboração de um projeto político pedagógico aberto à participação e à gestão compartilhada de ações convergentes à formação integral de crianças e jovens. Um novo currículo precisa ser pensado, no seu conjunto e não apenas na justaposição de atividades e de turnos escolares. As práticas que decorrem de uma efetiva integração de objetivos, de ações e de recursos contribuem especialmente para a superação do caráter acessório ou alternativo que têm caracterizado as experiências educativas desenvolvidas fora do turno regular ou da escola.

Há que se definir, portanto, mais do que a extensão da jornada escolar, mas um currículo que contemple as múltiplas linguagens, além daquelas como a matemática, a leitura e a escrita que já são bastante consideradas em quaisquer atividades, dentro e fora

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do horário escolar. O esporte, as artes, as novas tecnologias, a música, a discussão sobre os Direitos Humanos, enfim, precisamos incluir uma base diversificada de estudos que permita o percurso de novas trilhas pela escola.

Construir um projeto novo, renovado política e pedagogicamente, implica assumir a educação como compromisso social, o que vai exigir uma cultura de cooperação, atitude de diálogo e trabalho coletivo, integrando as diversas iniciativas educativas sob uma adequada concepção de autonomia e parceria. A responsabilidade pela educação, apregoada como dever da família, Estado e sociedade desde a Constituição Federal e presente em diferentes dispositivos legais e normativos, pode, dessa forma, ser assumida por meio de projetos educativos construídos coletivamente com vistas à formação integral de todos, oportunizada por meio de efetivas aprendizagens e em ambiente de descobertas e de alegria.

3 APONTAMENTOS SOBRE SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE EXPERIÊNCIAS DE ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS

Foi possível observar diferenças significativas em relação a concepções e práticas nos projetos das escolas investigadas, revelando a terceirização de serviços e a ausência de reflexão sobre educação integral na quase totalidade das escolas privadas e movimentos de implantação/implementação e formação de educadores/gestores – coordenados pelos governos federal, estadual e/ou municipal - nas escolas públicas.

Os dados da pesquisa confirmam a utilização por muitas escolas, principalmente privadas, da expressão “turno integral”, referindo-se à oferta de atividades no contraturno - que em nada se articulam às demais atividades do currículo - sem associá-la a uma concepção de educação integral enquanto formação integral, considerando as diversas dimensões do sujeito (cognitiva, afetiva, ética, social, lúdica, estética, física, biológica). Seus projetos pedagógicos não referem essa questão como um pressuposto conceitual e curricular com reflexos nas práticas pedagógicas

É possível perceber que nas escolas públicas o foco, ao menos nas discussões que acontecem nos espaços de formação docente e nos depoimentos de professores e gestores, refere-se aos alunos e sua formação integral, enquanto que, nas escolas privadas, o foco parece referir-se às famílias e suas necessidades de cuidado do tempo livre das crianças e dos adolescentes. A indissociabilidade entre cuidar e educar, em ambas as realidades,

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ainda não é debatida como uma questão paradigmática na construção do referencial teórico-prático de um projeto de Educação Integral.

A pesquisa identificou que na escola pública há critérios específicos para a participação dos alunos, na maioria das vezes relativos a questões de vulnerabilidade social e necessidades de aprendizagem, enquanto que na escola privada o critério atende, preferencialmente, as necessidades das famílias.

Portanto, pode-se observar que a ampliação da jornada escolar como alternativa pedagógica se faz por medida governamental na escola pública e por opção das famílias na escola privada, na qual há um adicional financeiro à mensalidade e os educadores são profissionais específicos na área da educação e/ou estagiários. Já na escola pública, os educadores na maioria das vezes não são professores, mas educadores populares, voluntários e acadêmicos estagiários.

Mesmo que nas escolas públicas exista também a preocupação com o tempo livre dos alunos, é possível constatar movimentos, mesmo que às vezes ainda tênues, de reflexão por parte de professores e pais sobre a importância da assunção de um novo paradigma para a educação escolar de crianças, adolescentes e jovens na contemporaneidade, com todos seus desafios e demandas de formação humana. Porém, pode-se dizer que os pais, de forma geral, mesmo ainda não estando apropriados da discussão sobre educação integral, reconhecem que as “atividades do turno integral” são importantes enquanto oportunizam novas experiências e complementam o turno regular. É preciso considerar, no entanto, que para as famílias das escolas privadas a participação dos filhos em diversas atividades é algo natural e, talvez por isso, pouco problematizada. As atividades, oferecidas em muitas instituições, como serviço terceirizado, (língua estrangeira, ballet, judô, etc.), nem sempre estão contempladas como uma questão curricular, integrantes de um só projeto pedagógico. A conveniência da convergência de inúmeras atividades para um único espaço, simplificando a rotina e as dinâmicas dessas famílias, se contrapõe a pressupostos defendidos pelo paradigma contemporâneo de Educação Integral, orientador dos projetos públicos, que busca romper com os muros da escola, articulando espaços não só do entorno, mas do território educativo e da cidade, convocada a se transformar em uma cidade educadora.

Foi possível perceber tanto em escolas públicas, como em escolas privadas, a falta de articulação entre o turno “regular” e o contraturno, identificado, muitas vezes, como “turno integral”, e as dificuldades operacionais para o desenvolvimento de jornada ampliada como um continuum de experiências educativas, por conta da não

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obrigatoriedade aos alunos e de condições objetivas como espaços, recursos financeiros, profissionais, especialmente de tempo integral, entre outras.

Enquanto que as escolas privadas dispõem de infra-estrutura própria para as atividades de educação integral, nas escolas públicas observa-se muita tensão no compartilhamento dos recursos e espaços físicos, exigindo uma gestão na direção da coletividade que acaba por contribuir na construção de uma concepção de educação integral.

De forma contraditória, muitas escolas resistem à constituição de grupos multiidade no turno regular, embora essa configuração seja adotada no contraturno, percebendo-se a prevalência de argumentos financeiros e organizacionais em detrimento de pressupostos pedagógicos. Os alunos, por sua vez, apreciam a formação desses grupos, que propiciam a convivência com outros colegas e a relativa autonomia que possibilita a circulação mais livre pelos espaços, além do desafio de administrar novos tempos escolares e interagir com educadores de natureza distinta.

Em relação aos professores do turno regular, considerando o seu turno o mais “sério”, algumas vezes impedem a participação de alunos nas atividades de educação integral, como forma de punição, por julgarem não serem merecedores de experiências lúdicas e prazerosas. Tal atitude revela a necessidade de formação docente na perspectiva da educação integral, da mudança de olhar para com os alunos, percebendo-os na sua integralidade, como sujeitos sociais, culturais, éticos e cognitivos.

Os dados da pesquisa apontaram, tanto na realidade da escola pública como da escola privada, a inexistência ou fragilidade de mecanismos de acompanhamento das experiências de educação integral enquanto integrantes de um só projeto pedagógico, este ainda fragmentado. Consequentemente, a falta de registros dessa natureza prejudicou a análise na perspectiva desejada e confirmou a coexistência de duas escolas numa só.

Porém, reafirma-se que o levantamento e o tratamento de dados sobre os impactos dos projetos de educação integral nos processos educativos, traduzidos não só no acesso à escola, mas na permanência e fundamentalmente no sucesso escolar de todos os alunos, que sugere o que hoje se denomina qualidade social da educação – e da escola – se constitui numa contribuição importante para a qualificação do movimento educacional brasileiro na perspectiva da educação integral, envolvendo a ampliação da jornada escolar, a diversidade de experiências educativas e a pluralidade de educadores.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que a ampliação da jornada escolar represente novas e reais oportunidades educativas e que as crianças e jovens não permaneçam por mais tempo na escola, aprendendo mais da mesma coisa, as escolas e seus gestores têm diante de si o compromisso com a ressignificação do currículo escolar, pensado no seu conjunto. “A designação tempo integral em si não faz milagre. É preciso saber o que fazer do tempo...” (FREIRE, 2000, p. 54). Portanto, uma escola efetivamente comprometida com a formação integral de seus sujeitos não pode desperdiçar o tempo de quaisquer crianças e jovens de se desenvolverem plenamente.

Isa Guará (2006, p. 16) afirma que a concepção de educação enquanto formação integral

[...] traz o sujeito para o centro das indagações e preocupações da educação. Agrega-se à ideia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas, corporais e espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a formação do homem, compreendido em sua totalidade.

Há que se definir, portanto, mais do que a extensão da jornada escolar, mas um currículo inovador no contexto educacional brasileiro. Arroyo (2011, p. 13) alerta para o fato de ser o currículo um território de disputa, porquanto se configura como “[...] o núcleo e o espaço central mais estruturante da função da escola. Por causa disso, é o território mais cercado, mais normatizado. Mas também o mais politizado, inovado, ressignificado.”

Portanto, construir um projeto novo, renovado política e pedagogicamente, implica assumir a educação como compromisso social, o que vai exigir uma cultura de cooperação, atitude de diálogo e trabalho coletivo, integrando as diversas iniciativas educativas sob uma adequada concepção de autonomia e parceria.

Exige dar vida ao princípio da indissociabilidade entre cuidar e educar que, a partir das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, se estende da educação infantil para as demais etapas de ensino, embora ainda pouco compreendido e mal traduzido nas práticas pedagógicas, mesmo as de educação infantil, tanto no turno regular como no contraturno, revelando concepções teórico-metodológicas distantes das apregoadas pelo novo paradigma de educação integral. Boff (2012) contribui nas reflexões acerca das dimensões do cuidar - de si, do outro e da natureza – ampliando o debate ao abordar a educação como condição determinante.

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A responsabilidade pela educação, apregoada como dever da família, Estado e sociedade, pode, dessa forma, ser assumida por meio de projetos educativos construídos coletivamente com vistas à formação integral de todos, oportunizada por meio de efetivas aprendizagens e em ambiente de descobertas e de alegria.

A alegria, tão presente nas atividades e nas interações relacionadas à educação integral, é um direito que, atendido, acaba por emancipar aqueles sujeitos destinados ao “fracasso” na escola. Afinal, a alegria na escola não só é necessária, mas possível. É preciso combater o discurso antiescolar, que repete continuamente, que a escola é um lugar de tristeza, provocando desânimo geral, criando uma atmosfera em que os alunos se sentem desestimulados e os professores desesperançados.

A escola já contém elementos válidos de alegria. A escola não é oposta à alegria, embora não esteja entre seus objetivos primordiais. Portanto, “[...] é a partir da própria escola, dos fragmentos felizes que ela deixa transparecer, que se pode começar a pensar em como superar a escola atual.” (SNYDERS, 1996, p.12).

REFERÊNCIAS

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SNYDERS, Georges. Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

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