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O FEM ININO E AS FRONTEIRAS DE GÊNERO. EIXO TEMÁTICO: Promoção e educação para a saúde e a sexualidade nas instituições educativas

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Academic year: 2021

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O FEMININO E AS FRONTEIRAS DE GÊNERO

EIXO TEMÁTICO: Promoção e educação para a saúde e a sexualidade nas instituições

educativas

Pavan, Luciana de Paula Teixeira Mendes Franco

Aluna Especial do Programa de Mestrado em Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, Americana/SP/Brasil

lufp10@hotmail.com

Resumo

O trabalho tem como objetivo apresentar e discutir a complexidade de gênero podendo abraçar o corpo físico, metafísico e os diferentes entrelaçamentos que inter-relacionam ambos. Parte do conceito geográfico de fronteira para explorar a discussão sobre o feminino no universo da educação em interface com outras áreas do conhecimento. A justificativa para a abordagem do tema se dá pela atualidade das discussões sobre o feminino para além dos paradigmas da modernidade, especialmente a visão binária do pensamento ocidental de racionalidade de exclusão. Para tanto, busca transcender o positivismo clássico a fim de vestir óculos culturais e simbólicos que não enxergam e reduzem a identidade de gênero feminino simplesmente como corpo de homens e mulheres, como sexo biológico, ou mais refinadamente, como sexualidade do ser. Trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa de campo teórico-bibliográfico, descritiva e analítica quanto ao seu objetivo. Vale-se de autores como Susan Paulson e Javier Medina, de conceitos como parentesco e de produções das áreas da sociolinguística, cosmológica, da gestão ambiental, ritualística e holística. Procura ensaiar possibilidades de pensamento acerca de novas categorias ou vazamentos, transbordamentos e atravessamentos de fronteiras para se pensar o feminino.

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2 1 Introdução

Bell Hooks em sua obra Ensinando a Transgredir (2013) traz o frescor do entusiasmo da liberdade de Nietzsche quando menciona a verbalização de Paulo Freire sobre a possibilidade de “ ser capaz de recomeçar sempre, de fazer de reconstruir, de não se entregar, de recusar burocratizar-se mentalmente, de entender e de viver a vida como processo, como vir a ser...” Narra que as meninas negras do núcleo de trabalhadores só poderiam ter três escolhas de profissão: casar, trabalhar como empregadas domésticas e terem o ofício do professorado, pois de acordo com o pensamento estruturalista de superioridade da visão androcêntrica, portanto, também sexista, os homens não simpatizavam-se com mulheres inteligentes e qualquer rastro de intelecção era um motivo para marcar os caminhos da pessoa de modo estigmatizado e discriminado. Um verdadeiro golpe de usurpação da vida alheia. Bell ainda relata que a arte de educar era essencialmente um ato político para a população negra, era viabilidade de fomentar um movimento contra: hegemônico, exploração, excludente, hierárquico e misógino. De descolonização de pensamento, de “pedagogia revolucionária de resistência” além de “profundamente anticolonial.” A edificação da raça estava sendo colocada em ação. (HOOKS, p. 13, 2013). Nesse sentido, a instituição escolar para Bell definia-se como um lugar jubiloso, bem-aventurado e de prazer. De prática da potência da liberdade. De combate a dominação. Um lugar onde ela podia inventar-se e reinventar-se. Romper e corromper com a noção de uma segunda pessoa sobre quem Bell deveria ser e tornar-se. As ideias circulavam e desenmolduravam o quadro de vida que lhe era imposto. A insurgência feminina convertia-se em desdobramento da reflexão crítica.

Para Paola Berenstein, ter uma vida significa criá-la e recriá-la sem parar. O ser humano, dessa forma, não pode ter vida se não a criou por si mesmo. Ao invés de ficar passivo diante de um mundo que não o satisfaz, ele irá criar um outro, onde vislumbrará a liberdade. Paola ainda reitera que não há nada que possa obrigar a existência a não ser completamente apaixonante. (BERENSTEIN, 2003).

Assim, ambas autoras convergem rumo ao aprazimento da vida, ou seja, ao ser movido pela paixão e pelo afeto. A aprendizagem – informal, não-formal e formal- pode ser empolgante, divertida, criativa, ativa, de inserção e incidência no mundo. De

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cosmoaudiência. De compartência. De compartilhamento. De diversidade de seres. Contudo, segundo Bell, “o entusiasmo pelas ideias não é suficiente para criar um processo de aprendizagem empolgante. No âmbito da comunidade de sala de aula, nossa capacidade de gerar entusiasmo é profundamente afetada pelo nosso interesse uns pelos outros, por ouvir a voz uns dos outros, por reconhecer a presença uns dos outros.” (HOOKS, 2013, p. 17). As práticas pedagógicas, de acordo do Hooks, irão conduzir o professor à valorização de cada pessoa, já que “é preciso desconstruir um pouco a noção tradicional de que o professor é o único responsável pela dinâmica de sala. Essa responsabilidade é proporcional ao status. (...) O entusiasmo é gerado pelo esforço coletivo.” (HOOKS, 2013, p. 18).

Dessa forma, a transgressão de barreiras e fronteiras anuncia-se à cotidianidade: a discussão sobre fronteiras conceptuais de identidade e teorias de gênero contrapõe-se ao olhar dos conceitos ahistóricos e conjecturalmente universais como feminino-masculino e patriarcado e família nuclear. Consequentemente, os fenômenos cultural e simbólico devem ser considerados com relação ao objeto de análise, conforme explicita Susan Paulson em sua obra Las fronteras de género y las fronteras conceptuales en los estudios andinos.

2 Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa exploratória, de campo teórico, bibliográfico e documental. É descritiva e analítica no campo da Educação no que refere-se aos seus objetivos. Dessa forma, inscreve-se na abordagem qualitativa que, de acordo com Ludke e André (1986), se denomina: a) ter a ambiência originária como sua nascente direta de dados e o pesquisador como sua principal ferramenta; b) os dados adquiridos são preponderantemente descritivos; c) o cuidado com o processo é muito maior do que com o produto; d) a acepção que o ser humano atribui às coisas e à vida são pontos centrais de dedicação especial; e) a análise dos dados inclina-se a seguir um processo indutivo. A pesquisa de campo teórico do tipo bibliográfica e documental, segundo Koche (1997, p. 122) auxilia para: a) aumentar o grau epistemológico em uma demarcada área, tornando o investigador apto a compreender ou definir melhor um problema de pesquisa; b) comandar o conhecimento disponível e empregar como base ou fundamentação na elaboração de um modelo teórico esclarecedor de um problema; c) relatar ou estruturar

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o estado da arte apropriada a uma certa temática ou questão.

Como fontes de coleta de dados foi utilizado o repertório de alguns autores do Ideca – Diplomado Pensamiento Andino Descolonial. Autores como Susan Paulson e Javier Medina juntam-se à construção de raciocínio da identidade de gênero sob o ângulo da unidade dual, bem como autores cujas concepções de identidade de gênero são analisados sob o prisma da lógica binária. Nesse caso, o trabalho se debruça sob a ótica de Bourdieu e Evenly Fox Keller. Contribuições de outros autores também fazem-se pertinentes. O trabalho tem por finalidade o alargamento do pensamento ocidental através da ótica peculiar do universo andino. Busca novas descobertas e chamamentos para a área da educação e da pedagogia. Vislumbra novas possibilidades de devir, de potência especialmente em um mundo que parece estar cada vez mais perto de condições distópicas do que utópicas. Exalta a urgência de se transformar o meio no qual se vive, e principalmente, libertar-se da colonialidade de pensamento tendo como alicerce a força motriz da educação.

3. Desenvolvimento: análise e resultados

Com base nessa perspectiva, há um avanço considerável na prática de se estudar o tema do feminino e simplesmente atribuir-lhes o papel de gênero, pois transborda na medida em que possui uma representação de metáfora corporal. Isso equivale a dizer que as questões de identidade de gênero abarcam formações topográficas similares às partes corporais existentes na paisagem. Há, segundo Susan” um corpo metafísico e as diferentes ´costuras´ que inter-relacionam ambos.” (PAULSON, 1998, p. 484). Em aditamento, há de flexionar-se também sobre as variáveis de experiência primordial de identidade, tais como, a sócio-econômica, linguística, religiosa, geracional, étnica, geográfica, profissional e educacional. Por consequência, pensar na identidade binária de gênero somente a partir das diferenças biológicas, ou seja, nas diferenças de sexo entre feminino e masculino, além das diferenças anatômicas entre os órgãos sexuais, como enfatiza Bourdieu, é um fator reducionista: “ A diferença biológica [grifo do autor] entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho.” (BOURDIEU, 1999, p. 9).

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Sem dúvida, Bourdieu traz contribuições muito relevantes para essa discussão, mas não se pode restringi-la somente ao pensamento dele. Da mesma forma, há de se analisar o aporte teórico de Evely Fox Keller. Para ela, o espermatozoide é caracterizado como ‘ativo,’ ‘vigoroso’ e ‘auto impelido,’ e por deter tais ´poderes` atravessa a capa do óvulo e penetra-o, entregando-lhe seus genes. Consequentemente, ativa o programa de desenvolvimento.’ Entretanto, ao óvulo é cedido passivamente o papel coadjuvante de ser transportado ou varrido através da trompa de falópio. Ali permanece à espera de um assalto, da penetração e fertilização que advém do espermatozoide. (MARTIN como citado em KELLER, 2006, pp. 17-18). Sendo assim, o óvulo está em uma condição de passividade, totalmente desprovido de ação e exilado de seu universo protagonista-central nesse enredamento biológico interpessoal. Sem embargo, “pesquisas recentes sugerem a visão quase herética de que espermatozoide e óvulo são parceiros mutuamente ativos.” (SCHATTEN e SCHATTEN como citado em KELLER, 2006, p. 18). Adiciona-se ao papel de importância do óvulo nesse roteiro o fato de que ele é produtor de proteínas ou moléculas essenciais à aglutinação e penetração e o conceito da dinâmica vital do enchimento está veiculado ao “caminhar” do óvulo e do espermatozoide, exatamente como elucida o princípio de complementariedade dos opostos, cujo rumo está voltado para a reunião e fusão. (ALBERTS et al KELLER, 2006).

Quando trata-se de novas fronteiras de gênero, Paulson ao citar Ina Rosing, explicita que o sistema de classificação dividido em duas partes traduz somente uma possibilidade arquitetada e idealizada por várias culturas para categorizar a humanidade em grupos. (PAULSON, 1998). Essa concepção de realidade dual estabelece uma conversa com o pensamento de Javier Medina. Para ele, a sociedade colapsa uma vez que atomiza a sociedade em duas civilizações contraditórias entre si: a Ocidental Cristã e a Oriental Ameríndia Animista.

Relaciona a Ocidental ao lóbulo esquerdo do cérebro cuja característica é a lógica da razão, do pensamento e de análise; ao mesmo tempo que denomina à Oriental o lado direito tendo como particularidade a intuição. Tal conceito de dualidade manifesta-se para a cultura Ocidental excludentemente através “da lógica binária que valoriza somente dois valores lógicos e coloca um contra o outro”. (MEDINA, 2006, p.6). Configura-se, então, a racionalidade de exclusão que enfatiza a função partícula (individualista e hegemônica) presente no interior da indianidade, e portanto, marca fortemente a diferença quando afirma que D é igual a D, ratificando a ideia de Leibniz de

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que o princípio de identidade é afim ao principium individualitatis: não-relacionalidade, existência monádica, pulverizada. Por outro lado, a dualidade é pensada includentemente para a cultura Oriental, apoiando-se na função onda (apofática, mística e romântica)- também abrigada no interior da indianidade- e firma-se no princípio dos opostos, ou seja, D é diferente de E e E é diferente de D, contudo, convivem e coexistem como completivos uns dos outros, refletindo, assim, a fonte da continuidade, a função onda, e consequentemente, a heterogeneidade de singularidades.

Deste jeito, o dual e o contraditório podem complementarem-se, o que traz à tona uma visão de mundo um tanto revolucionária: de unidade dual, logo, de não-dualidade. Soma-se a essa linha libertadora de raciocínio, a lógica da reciprocidade sinônimo de relacionalidade, típica do mundo andino, cujas características fundamentais estão na lógica da relação e da inter-relação. Iniciou-se pelo viés do intercâmbio a princípio, no entanto, não são exatamente o mesmo. Não são âmbitos equivalentes no mundo andino.

Intercâmbio define-se como próprio do mundo Ocidental, capitalístico, mercantil, de produto e econômico. A lógica da reciprocidade não limita-se à relações de igualdade quantitativa e equivalência. Não é meramente do âmbito material porque a lógica de ganhar/perder não interessa ao povo andino. A quantidade não é o foco. Ela atua no âmbito afetivo, sentimental, de carinho, de aprofundamento humano. No universo andino – mais precisamente queshua e aymara- há até uma celebração da relação chamada Ch ´alla.

A reciprocidade sempre começa como ato de intercâmbio com caráter comunitário, espiritual e amoroso. Tem um ciclo de relações que incrementam-se cada vez que se realizam. Uma vez intercambiado produtos, sempre se aumenta a quantidade (Yapa). Daí o caráter de potência e força dessa lógica. Como resultado, a quantidade do que se vai intercambiar sempre aumenta por haver apreço pelo outro. De acordo com Medina, surge, então, a lógica do Don que sempre implica em gratuidade. Cosmogonia caracteriza o povo dos Andes como Qamiri (aymara) ou Qhapaq (queshua) que tem em seu significado um povo generoso e que não espera recompensa alguma, caso contrário, se houver espera de algo em troca, pode ser interpretado e sentido como algo feio, por ser desprovido de carinho nessa relação de reciprocidade. Somente uma pessoa egoísta pode romper com esse ciclo de reciprocidade.

Sendo assim, a vida andina torna-se um modelo de humanidade da qual a civilização ocidental deveria inspirar-se, principalmente no que refere-se à identidade

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de gênero. (MEDINA, 2006). As relações de gênero, abraçadas pelo princípio de reciprocidade são menos conflituosas, menos angustiantes, menos dolorosas, traumáticas e violentas.

Os ciclos vitais do ser humano tem uma diferenciação de gênero que são parte de um processo de aprendizagem construído não fixamente no mundo andino. Susan sustenta-se na reflexão de Isbell sobre identidade de gênero não a partir de conceitos esquemáticos nem limitados, mas sim, além das “ categorias tradicionais para identificar o domínio simbólico do ´andrógeno´, e para reconhecer que em Chuschi cada homem (barón) e mulher (hembra) vive várias identidades sexuais e de gênero durante o ciclo de sua vida (...).” (ISBELL, 1976 apud PAULSON, 1998). Em consonância com o pensamento de Isbell, conforme menciona Paulson, a sexualidade da mulher é preponderantemente representada pelos mitos que resgatam a sedução e o exercício artístico de erotismo do mundo andino com grande sofisticação. Essa identidade peculiar da mulher (andina) recebeu o impacto do colonialismo cristão que a reprimiu através da visão discriminatória, misógina, exclusora, violenta, sexista, hierárquica e de dominação do corpo da mulher como objeto de culpabilização diabólica para se incitar o conceito de pecado. Houve, então, um dos processos mais nefastos da colonização, de apropriação não somente do corpo feminino, mas também de seu espírito.

Nesse sentido, a compartência do pensar de Silvia Federich faz-se muito importante, pois Federichi assinala que a ordem feminina era penalizada pelos seus talentos de curandeiras, encantadoras e adivinhas, pelo fato de que o poder o qual detinham, enfraquecia consideravelmente o impacto e influência das autoridades e do Estado, minando a possibilidade deste de engendrar as ambiências natural e social desenhando, assim, uma violação, um crime, uma desobediência, uma insubordinação à doxa vigente.

Federichi chama a atenção para a caça às bruxas que desmontou todo um universo de práticas femininas, relações comunitárias e núcleos de conhecimento que haviam sido o sustentáculo do poder das mulheres na Europa pré-capitalista, ao mesmo passo que se fazia composição da condição necessária na luta contra o feudalismo.

A premissa da magia é que o mundo está vivo, é imprevisível e que existe uma força em todas as coisas, “água, arvores, substâncias, palavras […]” (Wilson, 2000, p. xvii). Desta maneira, cada acontecimento é interpretado como a expressão de um poder oculto que deve ser decifrado e desviado de acordo com a vontade de cada um (FEDERICHI, 2017, p. 309;311).

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A magia constituía também um obstáculo para a racionalização do processo de trabalho (interação dos profissionais com a rotina de trabalho) e uma ameaça para o estabelecimento do princípio da responsabilidade individual. Sobretudo, a magia parecia uma forma de rejeição do trabalho, de insubordinação, e um instrumento de resistência de base ao poder. O mundo devia ser “desencantado” para poder ser dominado. Sobretudo, a magia parecia uma forma de rejeição do trabalho, de insubordinação, e um instrumento de resistência de base ao poder. O mundo devia ser “desencantado” para poder ser dominado (FEDERICHI, 2017, p.310).

4. Considerações

Na ânsia de finalizar uma discussão inesgotável, há de revisitar a história. Passado. Ancestralidade. Presente. Contemporaneidade. Perspectivas e inspirações de um futuro metafórico em que macrocosmos e microcosmos são simbióticos, sinérgicos, refletem a poesia de Jiwa (Ji significa junto; Wa conota terra, origem, fundamento), portanto, do ciclo de vida-morte-vida enquanto uma “(...) sinapse entre duas voltagens diferentes de uma mesma energia cósmica, Qamasa, de onde emana uma nova vida.” (MEDINA, 2006, p. 20).

Dessa forma, a morte para o pensamento andino é sempre ação. Transição. Passagem. Beleza. Afável. Tranquila. Unidade Dual. Ela é complementariedade, continuidade. Onda (apofática, mística e romântica). Simboliza a heterogeneidade de singularidades que o ser humano abriga no mais íntimo de sua interioridade e na sua interconectividade com toda a biosfera e seu encantado Cosmos. (MEDINA, 2006).

A vivência humana, tal como sua existência, é dotada de mortes que são expressas em cada novo anúncio que a cotidianidade carrega consigo. Morremos e renascemos inúmeras vezes. Persistimos e triunfamos como a natureza e insistimos em apanhar nossas vidas com nossas próprias mãos, como diz com vigor Clarissa Pinkola Estés. (PINKOLA, 2001).

Assim, mergulhar na cosmologia da ordem feminina a fim de compreendê-la a partir de suas raízes, traduz um aclaramento e consciência daquilo que possa estar nublado, turvo e dormente. A arte da sedução das mulheres foi-lhe extirpada com um tapa de mãos densamente pesadas. A cristianização e a modernização causaram uma das feridas mais lancinantes nos corpos físicos, espirituais, holísticos, sociais, culturais, psíquicos, mentais, e portanto, existenciais das mulheres. O óculos do colonizador e sua colonialidade usurparam o lado erótico da subjetividade, das maneiras de ser. Tentaram apagar as metáforas sexuais: poesia, dança, música e canto das mulheres.

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Todavia, sempre existe um contorno de resistência traçado, mesmo que levemente e com cores brandas, pois em cada fim aparente, há tacitamente um novo recomeço. Sendo assim:

Que as mulheres assumam veementemente seu espaço de ação no seu âmbito de vida.

Que elas restaurem sua capacidade de discriminação e antecipação de perigo e problemas.

Que elas incorporem e sintam que “(...) a diferença está no âmago do ser. O ser não pode se dizer de outra maneira, uma vez que existir é já diferenciar-se. Trata-se de entender a diferença como um desdobramento do próprio ser que se diz assim em todas as suas relações. O ser não se efetua fora dessas relações diferenciais. Ele emerge do caos puro, o devir-louco é o lugar da indiferença mais absoluta. Logo, falar do ser, é falar de todas as diferenças que o expressam.” (SCHOPKE apud, TKATCHUK, 2016, p. 48, grifo do autor).

Que a igualdade de gênero encontre seu lugar de germinação.

Que a vida das mulheres converta-se em onda: romantismo, misticismo e aquilo que possa ser apofático.

Que a ordem feminina beba cotidianamente da reciprocidade.

Que a mulher recobre sua característica instintual, de intuir, “de pressentir as coisas e preveni-las; desconfiar do que se vê e aprender a encontrar o essencial buscando no interior de si mesma.” (PAULSON, 1998, p. 6)

Que a mulher reverbere as metáforas que habitam o mais íntimo de sua interioridade.

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5. Referências

BERENSTEIN JACQUES, Paola. Apresentação. In: _____ (orgs). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade/Internacional situacionista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, p. 13-38, 2003.

BOURDIEU, P. (1999) A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. FEDERICI, Silvia. A acumulação do trabalho e a degradação das mulheres. In: ____. Calibã

e a bruxa. São Paulo: Elefante, p. 113-243, 2017.

FERREIRA, Thais Tkatchuk. Água de chuva no mar: os sentidos do Pagode do Souza. Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 2016. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/322639>

KELLER, E. F.(2006) Qual foi o impacto do feminismo na ciência? Cadernos Pagu, Campinas, SP, v. unico, n. 27, p. 13-34, jul. Recuperado de <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n27/32137.pdf>.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

MEDINA, Javier. “Introito. Una aproximación a los conceptos de occidente e

indianidad.” Em: Suma Qaamaña. Por uma convivialidad postindustrial, documento

inédito, pp. 04-17, 2006.

PAULSON, Susan. “Las fronteras de género y las fronteras conceptuales em los

estudios andinos,” Revista Andina, Año 16, número 2, diciembre de 1998, pp. 481-497.

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