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A MENINA E AS CURVAS DO TREM

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Academic year: 2021

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A MENINA

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“Ela veio resfolegando. Entrou no desvio, deu dois solavancos, resfolegou novamente. E já não fazíamos mais parte daquele lugar. Numa marcha cadenciada, após alguns metros, pegou o ritmo certo, engolindo os trilhos e a cidade sumindo atrás, rumo ao desconhecido, no interior do Estado”.

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A MENINA

E AS CURVAS DO TREM

Cacequi/RS

Carlos Alberto dos Santos Dutra

2019

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Todos os direitos desta edição reservados à Autora Capa:

Luiz Eduardo dos Santos Dutra.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Catalogação na Fonte)

Endereço da Autora:

Rua Brasil, 575 Povo Novo CEP 97450-000 Cacequi/RS D978a Dutra, Laura dos Santos. 1933-

A menina e as curvas do trem / Laura dos Santos Dutra. Cacequi/RS: Edição Carlos Alberto dos Santos Dutra, 2019, 75 p. ISBN 978-85-915003-5-2.

1. Biografias. I. Título.

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A MENINA

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Apresentação

“Querido. Peço gentilmente que perdoe meus erros ortográficos e as bobagens que escrevo. Caso esteja com dificuldade para montar esse quebra-cabeça, não pense duas vezes: abasteça o teu fogão com esses alfarrábios frutos das fantasias de tua mãe. O destino destes escritos depende da tua opinião. Se repudiares, eles serão destruídos e não se fala mais no assunto”.

O bilhete imperativo da autora dirigido ao editor, impossível não dar a atenção que essa gentil senhora faz por merecer. Primeiro, pelo fato de se tratar de uma mãe, a quem o primogênito e sete outros irmãos e amigos devotam verdadeira adoração.

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Segundo, por traduzir em palavras seu agradecimento e homenagem à família ferroviária e a todos que fizeram parte de sua vida ao longo das estações e linhas do trem, som que a embalou desde o berço que a viu nascer e crescer.

E terceiro, por ver brotar do coração desta jovem senhora, no esplendor de suas 86 primaveras, através das páginas do quarto romance que escreve de próprio punho, infinitas e belas réstias de amor.

Tudo isso nos torna uma família feliz. Por ver nos olhos da mãe, filhos que chegam e que partem, dividem com ela seus sonhos, vitórias e dificuldades. Se divertem, se reabastecem e retornam para a alegria do viver.

Bendita és tu ó mãe generosa, cujos braços ainda alcançam teus rebentos que vencem distâncias para contigo estar.

O perfume ainda permanece, os sons e as risadas de seus pequenos, lágrimas e alegrias impregnam as paredes da velha e sempre nova, casa branca, da esquina, do seu Vilson e da dona Laura: tal qual um posteiro, sempre de portas abertas. E Dentro dela aquela que, de braços sempre abertos, trazendo na memória o exemplo de nosso saudoso pai, está lá, firme, sempre

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pronta para nos receber com um beijo de boas-vindas.

Não tem como não se sentir honrado e agradecido em poder publicar e dividir com os irmãos, Léa, João Antônio, Lélia, Luiz Eduardo, Maria Angélica, José Luiz e Vilson Júnior, e todos aqueles que se sentem unidos pelos laços de sangue e da amizade, este poema de louvor e celebração da vida que esta menina viveu sob o apito do trem. Obrigado mãe querida, por nos fazer feliz.

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Publicações da Autora:

História de um amor comum (2003) Os estranhos amores de Lili (2011) A fonte da felicidade (2018)

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Noite tenebrosa cheia de raios e trovões. Mas Deus determinou que ela chegasse a esse mundo naquele momento. Era o dia 2 de fevereiro de 1933 e eis que a menina sorriu para o mundo.

Naquele ano a festa de Nossa Senhora dos Navegantes tinha seu clímax sob intenso temporal. O povo, talvez, para maiores sacrifícios, aglomerava-se na beira do cais do rio Guaíba, que banha a cidade Porto Alegre, para homenagear a senhora das águas.

Como era dia da padroeira, não importava a chuva, a santa protetora dos marinheiros e dos condutores de embarcações, lá estava ela, pairando sobre as águas a contemplar aqueles

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homens firmes, sob o leme, enfrentando o imenso e manso rio que lhes garantia o pão de cada dia.

O avô da menina era marinheiro e dono de uma embarcação. Uma vida inteira subindo e descendo o rio, transportando mercadorias para diversos portos de água doce, ganhando o sustento para os filhos, contando com alguns ajudantes.

Os filhos homens, que eram cinco, ao lado do pai, eram responsáveis pela continuidade do trabalho na pequena empresa familiar que haviam herdado do antigo avô.

Aquela “gasolina” era para eles o maior orgulho. Era assim chamada porque o combustível não era óleo diesel e sim gasolina.

Orgulho da neta, aquele avô era o dono daquela venturosa embarcação que a fazia sonhar e voar pelo mundo sobre as águas.

Esse era o meio de sustento daquela família, que contando com o pai e a mãe somavam dez pessoas, dez bocas para alimentar e vestir.

Seu João, pai da menina, conheceu quase por acaso dona Maria. Ela era funcionária da fábrica Renner, estabelecimento antigo de Porto Alegre e muito bem conceituado em todo o Brasil, quiçá no mundo inteiro.

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Apaixonado pela moça acabou casando com ela. Ele era um homem trabalhador, destemido e não se abalava por nada.

Porém, o destino havia lhe reservado o desafio de colocá-lo face a face com uma grande provação: Foi surpreendido pela doença de seu primeiro filho, Lauro. Doença que naqueles tempos primeiros, era ainda desconhecida, estranha e mortal.

A dor tão grande de ver o filho, assim prostrado, encheu-lhe de pânico e muito o abalou. Foram dias cruéis para os pais e os avós. Vararam noites e dias sem esperança, sem sinal de melhora, em torno daquele inocente.

A casa viveu dias de muita movimentação, sempre cheia de parentes e amigos, pois dona Maria era uma pessoa muito querida entre os vizinhos.

Foram noites e dias esperando por algo que não se manifestava. Avós, tios, primos, vizinhos, amigos, todos rezando, esperando o final.

Em 1933 não havia grandes recursos para tal enfermidade. O próprio médico era possível vê-lo desolado, sentado, pensando na busca de uma medicina que salvasse aquela criança.

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“-Ordens médicas: levar o menino às dez horas da manhã e expô-lo ao sol por dez minutos”.

E lá era levado o menino deitado em cima de um travesseiro, sem roupa, por aqueles minutos sagrados, colocado à luz do sol, a espera de um milagre.

A criança estava transformada num esqueletinho, mas os olhos do pai e da mãe não desanimavam um minuto sequer.

Naquele dia o médico achou uma pequena melhora e realmente houve uma sensível reação por parte do menino. E paulatinamente as melhoras foram ocorrendo, tão grandes que se transformaram, com o tempo, em cura.

No meio da esperança, de preces e orações, o segundo filho do casal nasceu: era uma menina. Enfim, a alegria voltou a pairar sobre aquela casa.

A menina recebeu o nome de Laura, era sadia e sua chegada aliviou um pouco a tristeza e o sofrimento vivido e sentido pelos familiares e por todos que acompanhavam de perto a evolução da doença do menino.

E a criança estava melhorando em todos os sentidos. Aos poucos foi ficando forte, abriu os

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olhos e salvou-se. Por uma graça de Deus ficou completamente curado.

O pai do casal era um homem dedicado. Na vida profissional havia estudado telegrafia e todos os itens que eram necessários para fazer o exame exigido para obter o cargo na Rede Ferroviária. Seu sonho sempre foi ser telegrafista.

Enquanto o tempo passava, naquela família o irmão mais velho, já com cinco anos de idade e sua maninha, com três, levavam a vida flauteada contemplando o espelho de água do riacho que cortava a faixa que vai do centro da cidade de Porto Alegre e se estendendo em direção à região de Cachoeirinha e Gravataí.

A memória da menina voa e é como se ela mesma contasse a sua história a partir de suas lembranças e doces recordações.

“Nós, meu querido pai e meu amado irmão, íamos pular dentro d’água do arroio. Meu irmão, mais afoito, se atirava sozinho na água, e eu agarrada ao pescoço de meu pai, que também se lançava na água”.

“O barranco tinha uma altura de aproximadamente dois metros ou mais, e nós mergulhávamos. Eu tinha tanto medo que quase

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sufocava meu pai, agarrada ao seu pescoço. Ah. Tive uma infância maravilhosa”.

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Passaram-se alguns anos. E a menina já se encontrava matriculada no Colégio das Irmãs Franciscanas. O ano era 1941 e sua família morava no bairro dos Navegantes. Seu pai era agente ferroviário na estação de trem da Viação Férrea.

A casa era na beira dos trilhos do trem. Volta e meia havia um desfalque na criação de galinhas de dona Maria, sua mãe, pois as pobres aves não conheciam o perigo e se aventuravam ciscando fora do pátio. Era quando as locomotivas as jogavam longe, quando não as matavam.

Quase sempre a família tinha banquete de galináceos, o que era ótimo, lembra a menina feliz: “Fazíamos galinha ensopada, galinha frita, arroz

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carreteiro com galinha, enfim, tínhamos variedade e fartura na mesa com a desventura desses pequenos animais”.

“Nossa vida era calma. Meu pai fazia negócios comprando alimentos na região da Serra, com os colonos alemães, servindo de intermediário entre os agricultores alemães e as irmãs do Colégio da Sagrada Família onde eu estudava. Os artigos eram ótimos e o preço razoável. E as religiosas do Colégio eram favorecidas, pois havia um grande número de alunas internas para alimentar”.

“Lembro que na época o consumo era grande. Da Serra vinha ovos, carne, galinhas e várias frutas; também manteiga, chimia e banha, entre outros alimentos. Seu João fazia o intercâmbio entre os produtores rurais e os comerciantes de Porto Alegre com maestria”.

Quando a menina completou doze anos, movida pelo seu espírito inquieto, resolveu que queria trabalhar como suas amigas mais velhas. Queria ganhar o seu próprio dinheirinho.

Nos dias que se seguiram, passou a implorar para o pai que a liberasse para conseguir um emprego, pois não queria mais estudar.

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Já se sentia alfabetiza pelas lições que aprendera com o avô e o pai, e confiante com os ensinamentos recebidos nas aulas da professora Vanda Oppermann que lecionava na escola da antiga Avenida Bahia.

Ela mesma conta que implorava ao pai fazendo cenas incríveis. Chorava, teatralmente, e se jogava aos pés do pai, buscando sensibilizá-lo e demovê-lo de seu “não”.

E lá estava seu João, com toda a paciência do mundo a dizer-lhe: “-Filha querida, o pai quer que estudes para conseguir um emprego melhor, podes até fazer uma faculdade, assim como teu irmão, ser alguém na vida”.

Mas não tinha jeito. A menina se ajoelhava e implorava para trabalhar e ter o seu dinheirinho próprio.

O pai bondoso acabou cedendo e a menina moça conseguiu o seu primeiro emprego numa fábrica de “cartonagem”, onde faziam as caixas de bombom decoradas com enfeites, de acordo com a época do ano e o destino: Páscoa, Natal, brindes, prêmios, etc.

As fábricas nessa época tinham muita procura e encomendas. “Onde eu trabalhava os pedidos que eram encomendados na base de caixas

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de bombom chegavam a 800 unidades, geralmente de vários tamanhos e modelos”, recorda.

No ano seguinte, já com bastante experiência, passou a receber um salário semanal de Cr$ 70,00 cruzeiros; valor que religiosamente era entregue à mãe. E esta, com carinho devolvia a filha Cr$ 30,00 cruzeiros para o cinema, o lanche e as revistas que a menina não dispensava.

“A gente poupava e punha tudo o que sobrava num cofre e no fim do ano, podíamos comprar presentes e roupas novas”. O que lhe permitia dizer, com certeza: “Eu era uma jovem feliz, apesar dos contratempos da vida”.

A vida seguia o seu curso. Nas horas de folga, mesmo antes dos 15 anos, a menina já havia lido todos os livros da chamada Biblioteca das Moças, ampliando com o tempo seu acervo literário universal.

Certo dia ao chegar em casa encontrou a mesa em polvorosa. Seu pai fora removido para o interior do Estado. Deram-lhe a oportunidade da escolha e ele escolheu a pequena cidade de Cacequi, que ficava na fronteira oeste do Rio Grande do Sul.

A menina, embora já fosse uma moça, chorou e sapateou, fez mil promessas pedindo para

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ficar, mas nada disso surtiu efeito. Seu irmão mais velho ficou na casa dos avós paternos. Ele era um menino calmo, estudioso e já estava trabalhando num escritório como aprendiz.

Quanto à jovem, conta ela, sentida; “Eu, a rebelde da casa, ninguém quis ficar comigo, pois eu era a brigona, a respondona: esse era o motivo”.

Aos poucos sua esperança de permanecer na Capital evaporava no ar, tudo por causa de seu gênio indomável.

“Nenhum parente me quis”, lamenta. “Aliás, uma prima foi falar com meu pai pedindo para eu morar com sua tia. Mas meu pai foi irredutível: “As meninas é com a mãe!”, sentenciou.

Fazia treze anos quando dona Maria ganhou a menina caçula da família, numa gestação inesperada, mas que se transformou na alegria da casa naqueles tempos difíceis. “Na época foi uma surpresa, pois minha mãe já havia vencido a fase de gestar um bebê, mas Deus, na sua infinita bondade, mandou-lhe aquela linda garotinha”.

Tudo passou a ser motivo de festa. Essa bonequinha recebeu o nome de Laureci e conseguiu dissipar o ambiente tenso que rodeava a casa.

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Nestes momentos de mudanças, “desviávamos os pensamentos para outros assuntos, que prendiam nossa atenção, como encaixotar todas aquelas tralhas, animais, galinhas, porco, gato, cachorro, gaiola de passarinho, etc. Caixa com mudas de plantas, estoque de lenha e carvão, entre outras”.

Seu João saiu para ver se negociava o galpão que havia construído sozinho, com todo o carinho e capricho. As utilidades domésticas, portão de ferro, fogão, ferramentas, tudo aos poucos foi sendo acondicionado para a viagem.

“O dia da mudança chegou. Tudo empacotado, comida pronta para o percurso da viagem. E chegou a hora da despedida. Algumas lágrimas, abraços, promessas de visitas e a locomotiva surgiu...”.

“Ela veio resfolegando; entrou no desvio, deu dois solavancos, resfolegou novamente e já não faziam mais parte daquele lugar. Numa marcha cadenciada, após alguns metros, pegou o ritmo certo, rumo ao interior do Estado”.

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O tempo passa veloz. “Já estou familiarizada com os moradores do novo lugar. A cidade é pequena, acolhedora e pacata. O pessoal, cordial e prestativo”. Laura logo faz amizade com algumas garotas que moravam no recinto ferroviário quadra e meia de sua casa. Aos poucos se adapta ao estilo de vida gostoso e original do lugar.

Seu relacionamento com uma das filhas do senhor Passinha, seu vizinho, com o tempo resultou fraterno a ponto de se tornarem comadres quando ela, que se chamava Angélica, tornou-se madrinha de sua filha Léa, numa amizade que cruzou o oceano dos anos.

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A cidadezinha era bem festiva, hospitaleira e amiga. Logo a jovem estava entrosada e amiga de todos. Entre elas, uma se tornou especial. Uma pessoa simpática e logo estreitaram relações, a ponto de substituí-la no consultório dentário onde ela trabalhava, quando a amiga entrou de férias.

A partir daí não lhe faltaram ofertas de emprego. Ela lembra: “Depois que trabalhei no consultório dentário, quando saí de lá já tinha algo a minha espera: Fui ser secretária da Biblioteca do Clube do Bolãozinho, que era o clube dos ferroviários de Cacequi”.

Nesta pequena cidadela, faz questão de esclarecer, “em quase todo o seu território viviam somente ferroviários, fazendeiros criadores de gado e ovelha e plantadores. Alguns negociantes, um engenho de arroz, dois ou três médicos, alguns estabelecimentos comerciais e pequenas lojas”.

Era um aglomerado de casas com centenas de funcionários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul - VFRGS que “por sinal possuíam uma grande Cooperativa de secos e molhados, lojas de armarinhos, sapatos, ferragens, e ainda farmácia e padaria”.

O mundo da cidade, portanto, gravitava em torno dos trilhos. “Vocês podem imaginar o

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burburinho da estação ferroviária e a felicidade das garotas, todas arrumadas, perfumadas, fazendo footing na maior expectativa pela chegada do trem na esperança de conseguir um flerte sensacional?”.

Nestes momentos, a plataforma da estação se transformava no centro do mundo, ocasião em que a população podia comprar jornais e revistas, e ter contato com outras novidades.

As jovens faziam promessas para os colegiais e pracinhas que desciam dos vagões e transitavam de farda verde-oliva pela estação. E tudo aquilo todos achavam muito lindo.

Um belo dia - lembra Laura -, então moçoila, “eu e minha amiga Aidê, distraidamente olhando para o lado, vi um moço lindo vindo em direção contrária a minha. Eu lancei um sorriso conquistador e fui correspondida com um sorriso encabulado do rapaz”.

Laura perguntou: “Quem é?” à amiga que respondeu com certa indiferença: “Ah. Ele é daqui, mas mora lá na saída da estrada municipal”.

A jovem ficou interessada, mas não espichou o assunto sobre a vida do rapaz. E tudo ficou nisso.

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Passado algum tempo, quando já começara a se acostumar com a ideia de que aos poucos ia sendo rejeitada, encontrou-o novamente. Trocaram algumas palavras e Laura perguntou se ele morava ali na vila ou trabalhava ali por perto.

Disse que morava longe, mas trabalhava no engenho de arroz Ipiranga. E Laura arriscou perguntar seu nome.

A cidadezinha era afortunada por ter entre seus diversos locais de diversões, um belo cinema. Desnecessário lembrar que a jovem e seu pai eram aficionados em cinema.

Numa dessas idas ao cinema, numa bela noite, ao procurar um lugar na plateia, os olhos da jovem percorreram o recinto que estava lotado e subiram em direção aos camarotes. E lá estava alguém a fitar a moça. Era o rapaz do engenho Ipiranga que sorrindo a cumprimentou.

Se perguntarem à moça o enredo do filme, ou se viu alguém mais na platéia, com certeza, ela não saberia dizer. Laura tinha vinte anos quando o seu namoro com o rapaz emplacou.

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Seu João jogava muito. O amor pelas cartas fora o motivo de sua transferência para aquele lugar. A filha não sabe o motivo, mas o pai gostou do lugar, tornou-se caseiro e centrado nos seus afazeres e compromissos. Voltou a ser o homem responsável de antes.

E permaneceu sendo o guardião da família, em especial daquela filha adorada. Levava-a ao clube Apolo nas matines dançantes e não perdiam uma sessão no cinema que era sua verdadeira paixão.

Às vezes, no domingo, recorda a jovem Laura, “nós íamos bem cedo para o mato, lá na beira do rio. Esse rio tinha uma bomba hidráulica

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que fornecia água para os encanamentos da cidade. Era um lugar limpo e acolhedor. E muito procurado pelos habitantes que iam se refrescar e nadar, comer churrasco e se divertir”.

Seu João, sempre muito engenhoso, arrumava a barraca, fazia o fogo, punha iscas nos anzóis e os lançava na água. E com a espingarda no ombro saía à procura de caça para o almoço.

Em meio ao sorriso e o cansaço, voltavam para casa beirando a noite. Era tomar um rápido banho e cair na cama.

Na segunda feira levantavam todos alegres e dispostos: “uma família feliz”.

“A vida de meu pai como agente substituto foi ótima. Vivemos aventuras, acontecimentos, atos inacreditáveis. Uma vez, estávamos num matagal, caçando. De repente o caminho terminou e estávamos entrando numa clareira onde havia uma ruína de casa, caindo aos pedaços. Existia um matagal e nós, ligeiros, atravessamos aquela ruína e entramos em outro mato”.

A menina parece estar revivendo cada um dos detalhes desta aventura: “Meu pai conduziu para dentro dum cerrado e nós fomos ligeiros porque aquela escuridão nos assustava. Quando

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notamos o clarão, sinal de que o matagal estava no fim, quase caímos em algo pior”.

“Na nossa frente não havia solo, ele estava lá em baixo, um precipício de causar medo. Meu pai virou para o Sul ou Leste, eu não sei bem, mas nos afastamos ligeiro daquele precipício, daquele amedrontador espaço. Caminhamos bastante e a tarde estava sumindo. Perdíamos a direção algumas vezes, mas no final, achamos o caminho e vimos a estação ferroviária: foi um alivio. As sacolas estavam cheia de caça e verduras, frutas que os fazendeiros nos presentearam”.

“As minhas andanças, aliás, as nossas, minha e de meu pai me levaram ao Norte e ao Sul do Rio Grande do Sul, uma vida feliz, muito feliz. Até o dia que meu pai ganhou a chefia da estação ferroviária de Marcelino Ramos, e lá fomos nós, encaixotar as tralhas e partir novamente sob o apito do trem”.

Na despedida houve choro, abraços, promessas que se perderam no tempo. Meus pais e todos os vizinhos vieram sentar-se perto do vagão de trem em que nós seríamos conduzidos. O meu amado estava triste, nunca havia me beijado.

“O acontecimento foi maravilhoso. Assim viajamos dois dias para chegar ao destino, a serra.

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A estação era simples, mas a casa era espaçosa e confortável. Na frente, junto da moradia funcionava a agência da estação ferroviária que era uma estação de movimento”.

“Lembro que na coxilha em direção a Passo Fundo tinha uma escola que lecionei as quatro iniciais que eram mais ou menos 25 crianças, todas atendidas por mim na mesma sala em uma atividade bem complicada, pois tinha que administra tarefas para todas as séries num mesmo espaço de tempo, durante o ano e ia receber meu salário na secretaria de educação em Passo Fundo”.

“Da turma recordo da faixa etária de uns 6 anos aos maiores de até 15 anos. Na hora do recreio nos dias em que a turma estava exaltada tive a ideia de uma atividade extra-aula no pátio com a turma reunida a qual dispensei de permanecer em sala de aula, ao ar livre começamos a tarefa de confecção de uma gruta em homenagem a Nossa Senhora”.

“Atividade que levou um tempo ocupando as crianças no período de recreio. Finalmente, com barro e as mãos, ficou pronta a gruta. Ali plantamos flores, colocamos uma imagem de Nossa Senhora”.

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Seu João adaptou-se ligeirinho a vida social de Cacequi. E a menina fez amizade com os rapazes do carteado e, diga-se de passagem: eles eram uns homens felizes.

Minha mãe gostava de bailes e não lembro quantos ela frequentou, mas com o passar dos anos ela ia ao clube só para me acompanhar.

Era a ordem: as mães acompanhavam as meninas e isso evitava muitas fofocas. Fora esses detalhes, o carnaval era ótimo.

As roupas eram desenhadas por nós e nossas mães: saias bem rodadas, pulseiras, flores

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nos braços e tornozelos, flores no cabelo, o lança perfume e o saquinho de confete.

Aguardávamos o sinal em silêncio. Nosso diretor rufava os tambores e o clube ficava em silêncio. E logo se ouvia a voz: “--O bloco das garotas, Salve!” Estouravam os foguetes, a orquestra iniciava e o salão do Clube Apolo chegava a necessitar de reforço tamanha vibração. Explodia a música e também a batucada. Lá em baixo, no andar térreo, tinham que reforçar o assoalho do piso superior com escoras de madeira. Gosto de relembrar que o dia já estava clareando quando nos arrastávamos, cansada e felizes para casa. Tempo ótimo. Sinto saudades...

A primeira briga com meu namorado foi num carnaval. Encontrava-me em Porto alegre, onde fui consultar e tínhamos combinado, eu e meu amor, que esse carnaval nós não iríamos, pois eu estaria em Porto Alegre distante dele.

Lamentei muito, mas fui para a casa do eu tio, lá também minhas primas também não iam e eu fazendo um extremo sacrifício. Jurei que não ia nem olhar para a rua para ser solidária para com meu amor que ficara lá em Cacequi.

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Na avenida Brasil, onde morava meus tios, os blocos que iam para o clube do bairro passavam na maior alegria, cantando a todo o vapor. Para ser solidária com o meu querido, não fui nem na janela olhar. Nada. Abstinência total. Aliás, ali no bairro São João, havia dois clubes. Imagina o movimento geral e enlouquecedor dos foliões...

Quando cheguei em Cacequi, minhas queridas amigas estavam na estação ferroviária, cada qual querendo me contar em primeira mão a novidade: a traição de meu namorado. Quando ele, todo perfumado, se apresentou, eu simplesmente mandei-o ir e não voltar mais. “--O amor é lindo, eu sei. E todo ele eu te dei”, disse decidida...

E foi neste período, após o término das aulas “que me dediquei a feitura do meu enxoval para casar com Vilson. Meu pai autorizou e eu tive a liberdade e a felicidade de fazer como eu queria que fosse tudo. Fiz tudo, convidei os padrinhos, escolhi o modelo que confeccionei do sonhado vestido de noiva. E como eu já era costureira foi tudo muito fácil”.

“Tio Homero foi o único parente que foi ao casamento da parte do Vilson, sendo também padrinho. Dos meus parentes vieram todos que

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tiveram condições. Minhas primas e tios Acácio e Frida e outros”.

Sendo época de Quaresma, o casamento “foi simples e sem canto, realizado na cidade de Passo Fundo, na igreja matriz de Nossa Senhora Aparecida daquela cidade”. Mas não deixou de ser a data mais feliz da sua vida.

“De volta à estação, meu pai fez churrasco e tudo o mais onde todos se divertiram e o casamento teve início em meio a bagunça divertida dos parentes e da arrumação das malas para a viagem cedo no dia seguinte para Porto Alegre”.

Hoje estou casada com ele e tenho oito filhos lindos e maravilhosos. Eles são a alegria da minha vida e ele, o meu presente no céu.

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Já moravam há alguns anos na cidade quando a chefia da Rede Ferroviária (RFFSA) resolveu promover o seu João para a carreira de agente substituto. O que resultou uma nova etapa na vida de todos.

Ele substituía a falta de agentes nas estações, geralmente quando os titulares tiravam férias. E assim era mandado de um lugar para outro.

“Depois de Marcelino Ramos e Cacequi, seu João trabalhou na estação de Guilherme Resin, na linha de Rio Grande, não lembro bem a ordem”.

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“Soube que a estação de Resin foi inaugurada em 1938 em homenagem ao engenheiro da VFRGS que morreu num tombamento de um auto de linha. Meu pai trabalhou nesta estação como agente”.

“E a gente já estava até acostumado: ia levando cama, fogão e objetos necessários para viver os trinta dias de substituição em lugares distantes”.

A menina ainda lembra que “tinha uma sala onde era guardada a mercadoria que chegava para os moradores, que eram poucos do lugar: alguns sacos de sementes, objetos para a lavoura, mercadorias e algumas encomendas que vinham da cidade grande para o interior”.

Todas as estações, naquela época, tinham entre os utensílios de uso, um carrinho de ferro para fazer o transporte de mercadorias que vinham nos trens, o que raramente acontecia, para serem guardadas no depósito da estação.

“Então meu pai pediu permissão e foi autorizado a usar o referido carrinho de ferro como fogão a lenha”.

Na verdade eram dois pedaços de ferro, dos trilhos, meu pai improvisou uma trempe e com um pedaço de latão fez a chapa e minha mãe cozinhava

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nosso alimento naquele criativo fogão, onde minha mãe cozinhava nossos quitutes.

“Era gostoso e minha mãe se adaptou aquele fogão improvisado e se saía muito bem”.

Naqueles rincões, fazíamos bailes nos sábados, com gaiteiros do lugar e lá pelas oito horas da noite começavam a chegar os gaúchos da campanha. Amarravam os cavalos, rédea frouxa para os cavalos pastarem. E gaúchos e as garotas da redondeza, e já estava formada a festa.

Foi uma época muito boa, um tempo feliz e cheio de sonhos. Nestes encontros houve até uns flertes, e olhares cheio de segundas intenções movidas pelo coração.

E como diz o poeta: tudo valeu a pena, porque a alma não era pequena.

Fiz muitas amizades, aprendia a cavalgar; dancei tanto que emagreci. Tempo ótimo!

“Mas, com o passar dos dias e as longas temporadas que passávamos rodando pelos trilhos deixaram minha mãe com saudade de sua casa, sua cozinha, sua cama.

E meu pai foi falar com a chefia e pediu para ser transferido para outro setor. Alegou o

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tempo que já trabalhava neste serviço, e foi atendido”.

Foi transferido e nomeado agente na estação férrea de Entroncamento, onde trabalhou até se aposentar.

Minha mãe viu o céu se abrir. Casa boa, grande, quarto de hóspedes, quintal grande, criação de galinha e um leitão no chiqueiro, cachorros de raça. Enfim, o paraíso havia chegado ali para dona Maria.

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A vida tem seus mistérios e suas surpresas. O tempo correu, e os anos nos colocaram em situações inusitadas, inacreditáveis.

A nossa frente, nossos olhos fitavam um futuro lindo, sonhando com belezas, fartura, e por que não? Riqueza e luxo.

E o que ganhei?

Um marido maravilhoso, mas pobre. Fui feliz. Ele me deu oito filhos, amados.

Perdi meu companheiro, marido exemplar, trabalhador, honesto.

O Senhor o levou para o descanso eterno. Sou conformada. Os oito rebentos que me cercam

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fazem o possível e o impossível para continuarmos a ser a família unida que sempre fomos e aprendemos a ser.

Uma família que esteve sempre atenta para socorrer uns aos outros. Amigos e companheiros: na tristeza e na alegria; na doença e na saúde. Sempre prontos para o que der e vier.

Restam lembranças, os momentos felizes que vivemos: as recordações de um passado vivido de forma intensa sob a proteção do nosso arrimo, o amparo das horas mais tumultuadas que podíamos contar com o apoio de todos, sempre unidos, carinhosos e proativos.

Em certos momentos da vida, quando a nostalgia me agarra e me sufoca, eu choro e clamo pela ajuda dele...

E a paz sempre chega. Então me acalmo. E a vida segue...

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DEPOIMENTOS DOS FILHOS DAS CURVAS DO TREM

Ao concluir este livro dona Laura nos confessa um desejo rabiscado no papel: “Filho, ficaria feliz se todos fizessem um depoimento; ficaria lindo. Aí, seria um livro também dos filhos e dos netos. Beijo. Mãe”.

E assim, os oito filhos de dona Laura, cada um a seu jeito e livremente, a começar pelo mais novo, manifestou sua homenagem de louvor e agradecimento à dona Laura: A menina das curvas

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Dona Laura, minha querida e amada mãe é uma mulher incrível, que se reinventa a cada nova situação, mostrando sempre o lado bom da vida, que nem tudo está perdido e sempre vale a pena.

A vida deste teu filho, minha mãe, teve o rumo totalmente reprogramado, graças a uma ligação telefônica, no intervalo entre as aulas, onde entre outros assuntos, fui informado da sua decisão de ir embora para o Mato Grosso do Sul, morar com mano mais velho.

Convidado a te acompanhar, mal sabia aquele menino que estava tomando a decisão mais importante de sua vida. Minha única certeza era de que estava com minha mãe e então nada poderia dar errado. E minha certeza se concretizou. Hoje tenho uma família maravilhosa e um objetivo a seguir na trilha dos teus passos.

Contigo aprendi o que também aprendeste: ouvir o silêncio e sempre buscar a palavra certa.

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Mesmo nos momentos incertos, foste sábia. Sabedoria certamente emprestada dos Deuses.

Mãe, teu amor nos tornou pessoas boas, mas teus ensinamentos diante das dificuldades da vida nos tornaram fortes e melhores, guerreiros das causas justas. Teus valores são nossos agora. Temos a missão de continuarmos juntos a trilha que fizeste ao longo do trem, com serenidade, paz e justiça.

Mãe, gratidão por ter formado uma família tão especial. Obrigado por ter nos dado a vida e a oportunidade de ir além. Você é a minha pessoa. Obrigado por tudo. Um beijo do filho Vilson

Júnior.

Tem coisas que não podemos definir ou explicar claramente. Coisas que quando observamos não entendemos e parece não ter lógica ou não serem racionais.

Um caso que exemplifica isto são as coisas que as Mães fazem. Elas são capazes de abdicar

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dos próprios sentimentos para se dedicar a compreender os sentimentos dos filhos, mesmo que eles nem percebam ou reconheçam o esforço.

Elas são capazes de deixar o conforto da vida de uma grande cidade, para dedicar-se a família numa cidade pequena do interior. Enfrentando inúmeros desafios e provações neste novo e desconhecido território. Elas têm uma força capaz de suportar tristezas profundas e ao mesmo tempo, confortar e animar aqueles que caíram.

Será que podemos defini-las como super-heroínas? Não, pois os heróis são imaginários. Mães são humanas, são reais, podemos toca-las e abraça-las e até magoa-las. Elas estão sempre ali muito próximas de nós.

No entanto, eu não critico quem define sua mãe como uma super-heroína, afinal elas são especiais. Elas têm força para gerar um novo ser, resiste a dores insuportáveis, fazem mágicas com alimentos, mudam o rumo da história, entoam canções tão belas que nos fazem dormir, enfrentam adversários muito mais fortes, mudam tudo e logo a seguir mudam de novo.

Eu mesmo acredito nos poderes de uma mãe, por que eu tenho uma na minha vida. Ela se chama

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Laura e a ela eu atribuo todos os poderes possíveis. Poderes estes que foram usados para gerar uma família linda e fabulosa. Sempre cuidando, amando, guiando pelos caminhos da vida com um único objetivo: a felicidade.

Mãe, obrigado por me proteger dos males deste mundo, de me amar, de me orientar mostrando os caminhos certos. Hoje eu me sinto um super-herói também. Oh, como te amo dona Laura. Um beijo do filho José Luiz.

Mãe, teu amor nos tornou pessoas boas, mas teus ensinamentos diante das dificuldades da vida nos tornaram pessoas ainda melhores.

Nos transformaste em grande guerreiros das causas justas. Os teus valores são nossos agora.

Temos a missão de continuarmos juntos a tua caminhada, que também é a nossa, com amor e paz no coração.

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Sou eternamente grata por ter formado esta família tão especial, honrada e maravilhosa.

Sou eternamente grata por ter-nos dado a vida, e a oportunidade de sempre ir mais além, impulsionada pela tua garra de viver e jamais esmorecer.

Obrigada por tudo. Você é a minha pessoa, e mora sempre no lado esquerdo do meu peito. Um beijo da filha Maria Angélica.

Essa é a menina que andou pelas curvas do trem e que se tornou mulher forte e destemida. Soube enfrentar com muita garra todos os obstáculos que foram surgindo pela frente.

E também as alegrias, uma delas, a linda e nobre missão de se tornar minha mãe. Sei que não foi por acaso que Deus nos colocou sob o mesmo teto: tínhamos uma missão. E foi morando juntas que alinhamos rumos e aparamos arestas, nos

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aperfeiçoamos. Com esta convivência crescemos em vida e espírito.

Muito agradeço a dona Laura, minha mãe, ela oportunidade de poder praticar a tolerância, a compaixão, o respeito e todos os predicados que nos tornaram melhores. Tenho orgulho de ser sua filha, por tudo que fez e faz. Escritora na melhor idade. Olha só que incrível, concluindo o seu 4º livro.

Rogo ao Pai celestial que lhe dê muita saúde e paz de espírito. Que cumpramos nossa missão com louvor, até o dia que o Pai, todo poderoso, resolver nos dar a vida eterna. A sua bênção, minha mãe. Um beijo da filha Lélia.

Falar sobre a minha mãe é motivo de orgulho e alegria e eu teria um milhão de palavras para descrevê-la e contar muitas coisas que nos envolveram no decorrer destes 60 anos que a conheço...

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Gosto de lembrar a minha infância quando acordava com aquele cheirinho de café preto passado, que pairava no ar, pois sabia que durante aquela refeição matinal ela nos ofertava um ovo quente que o tio Guilherme trazia... Até hoje, quando sinto o cheirinho de café preto passado na hora, fico imaginando e recordando àqueles momentos...

Já quando eu estava maior e trabalhava no Banco do Brasil (e me exibia por isso) e, nos finais de semana, o Apolo “bombava” e eu não podia faltar, mas tinha que ter a permissão dos pais para poder frequentá-lo. E ela, levantava largando a costura de sua máquina Singer e ia falar com o pai para pedir autorização e, naquele momento ela voltava com um sorriso no rosto do consentimento...

Com esta mesma máquina Singer, lembro também quando ela costurou uma pantalona boca de sino bordô, cós alto com nesga e uma camisa floriada com as mangas também de sino iguais a do John Travolta realizando assim uma vontade minha de fazer parecer com aquele que era meu ídolo...

Minha mãe também é uma mulher de fé. Acredito e confio muito nas suas orações e a vejo sempre rezando o terço e intercedendo sempre a

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favor de todos os seus filhos e sei que estarás sempre de plantão rezando por seus amados...

Lembro de um momento inesquecível quando precisei das suas orações: foi quando, depois de velho, não lembro a data certa, mas lembro do ocorrido: Eu estava morando no Mato Grosso do Sul e fui convidado para dar aulas na Faculdade de Presidente Epitácio-SP e aceitei o desafio.

Quando cheguei para a minha primeira aula o Diretor da Faculdade me chamou em particular uns minutos antes, e me contou que a professora a qual eu estava substituindo tinha saído a pedido da direção, mas os seus alunos estavam em protestos com abaixo assinado pedindo a sua volta e que não aceitariam ninguém em seu lugar.

Apavorado, espiei pela janelinha de vidro da sala de aula que eu deveria entrar e, sem coragem de enfrentar, corri para o banheiro, peguei o celular e liguei pra mãe e contei pra ela e ela me disse:

“-Vai lá meu filho, porque tu não estás sozinho. Estou agora acendendo uma vela e rezando por ti e podes acreditar aqui na sua mãe que tu vais resolver, e tudo ficará bem, pois eu estou contigo!”

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Minha mãe se parece muito com o seu pai, o meu avô João: herdou sua garra, coragem, determinação, perseverança, atitude, e brabeza também. Isso a faz não se dobrar e lutar até o fim, pois não desiste nunca de sonhar e imaginar um mundo melhor e mais bonito acreditando sempre que “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, ela sempre repete.

Agradeço a Deus por ter me dado esta minha mãe, que me enche de orgulho. Dona Laura, minha patronesse e escritora preferida. Um beijo do filho Luiz Eduardo.

Querida D. Laura! Achei que já tinhas ensinado tudo que uma mãe devia ensinar a um filho, mas enganei-me. Os anos passaram e tua coragem, criatividade, curiosidade e sabedoria frente à vida permanecem vivas no tempo a me ensinar e orientar.

Assim, continuas sendo fonte de inspiração e exemplo de vida, vivida com retidão e entusiasmo. Orgulho-me de tê-la como mãe.

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Ensinastes o valor maior da fraternidade pelo exemplo. Sinto-me feliz e grato por todo amor que me deste.

Desconheço quem não nutre bons sentimentos e respeito pela senhora. Quando quero me apresentar e lograr alguma atenção especial me socorro em teu prestígio e logo vou anunciando:

“-Sou o João, filho da D. Laura e do Seu Vilson!”. E de pronto, tudo ficava mais fácil. Afinal, era os filhos diletos da D Laura que pediam passagem.

Teu zelo nos guardou das armadilhas da noite e tornaste o mundo mais bonito e melhor para nós e tantos outros que cruzaram o teu caminho. Amo-te muito! Um beijo do filho João

Antônio.

Hoje aos 62 anos de idade vejo dona Laura provavelmente mais próxima de sua essência, seu cerne mais profundo.

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Ao passar pelas muitas etapas de minhas vivências tive olhos para muitos rostos e braços desta mulher que se acercou de nós, seus filhos, no curso de nossas vidas.

Às vezes repressora, noutras vezes, lúdica. Num dia, sonhando, distante; no outro cantando, lutando; poucas vezes a vi chorando.

Mas, sempre forte, atenta; sábia e leoa na defesa de seus filhos.

Várias facetas. Verdadeiro mar de surpresas. E também incompreensões.

Hoje, esta filha primogênita entre as mulheres filtra o caminhar desta mãe e a cerca de todo o amor e respeito.

E é de coração aberto que nesta ocasião a homenageio: Laura mãe que me trouxe até aqui.

Porque o que importa é o que somos e onde chegamos conduzidos por tua mão.

Obrigado meu Deus por poder vê-la ainda com vida e saúde, forte e escritora...

Obrigado por me fazer lembrar de tantas jornadas que empreendi e venci. E você estava lá ao meu lado. Permanecendo até hoje.

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Agradeço a minha mãe a vida que tenho: meus sonhos, projetos, ideias, criação e rebeldia, que nos tornaram fortes. Um beijo dona Laura, minha mãe, da filha Léa.

Querida mãe. Não tenho a letra tão bonita como a sua. E tampouco a suavidade de suas mãos. Mas rabisco este papel para demonstrar que ainda pulsa dentro de mim um coração que, de quando em vez, se desprende das palavras e se entrega aos caprichos do amor, da saudade e a vontade de estar perto.

É o que faço agora me aproximando de ti, por entre os sons e as palavras que nos une desde o ventre, para além dos oceanos e cerrados, rios e fontes e a pampa que nos orienta e consome. Mas sempre pelas linhas do trem...

Falar de dona Laura sem valer-se do auxílio do coração é a tarefa mais difícil. De sorte contrária, se me deixo embalar pelo seu acalanto e

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pulsar suave de seu colo, sinto-me livre para voar e sonhar.

Esqueço que um dia fui um menino magro, franzino e amedrontado com o peso da primogenitura; que contemplou em silêncio os primeiros anos do casal e a vida a dois que recém iniciava.

Nos teus braços minha mãe todo o medo dissipava-se, toda a tristeza sumia e eu me sentia protegido por aquela mulher forte e destemida.

É como me sinto agora, depois de mais de 60 anos passados. Tenho muito do que me orgulhar desta mãe, mulher, esposa, profissional, liderança religiosa e comunitária, e escritora.

O mérito da família de tê-la, dona Laura, ao lado de nosso saudoso pai, Vilson, e todos aqueles passageiros, filhos da “Rede”, que participaram da trajetória desta menina pelas curvas do trem, é o maior dos presentes que Deus poderia nos dar. Obrigado mãe querida. Um beijo do teu rebento primeiro, o filho Carlos Alberto.

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HOMENAGEM AOS SAUDOSOS PERSONAGENS DAS CURVAS DO TREM.

Reunimos ao final desta obra, singelas homenagens já publicadas pelo editor, reproduzidas aqui como um tributo àqueles personagens da nossa história, passageiros que viveram e apreciaram as curvas deste trem movido pelo vapor das emoções, carregado de saudade, e que está sempre partindo das estações de nossas vidas:

João Antônio dos Santos Filho e dona Maria Vilson da Silva Dutra Laureci dos Santos Peixe Lauro dos Santos Íngrid Maria Dutra Batista.

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SAUDADE DO MARINHEIRO JOÃO.

Coincidência maior não poderia existir. Acabo de escrever este texto e a ilustração de um homem barbeando outro mais idoso enviada pela mana Lélia pelo Facebook sobre o tema do respeito à

velhice me desperta no tempo quando, à

semelhança daquele, este que vos escreve também foi brindado com um gesto de alcance inigualável. Não, não é o ato praticado pelo jovem de então e

sim o desprendimento do idoso que se deixa barbear enchendo de graça o ambiente,

gratificando os atores que o cercam engrandecendo aquele momento. Atenção e zelo,

onde cada um experimenta o melhor de si nos gestos comedidos.

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Uma rápida olhada no verso da foto e ela nos remete a setembro de 1990. “A despedida” está escrito. O sorriso e olhar interessado de nosso avô

João, entretanto, parecem dizer o contrário. Longe está de partir, a não ser nos sonhos e suas

estórias, quantas delas que ainda guardamos na lembrança.

Falante, muito falante, mesmo fazendo a barba, João Antônio dos Santos Filho, o seu Santos, era um homem do seu tempo. Tempo de marinheiro, de

ferroviário, de administrador de rádio, pai e avô querido.

Com ele não havia tempo ruim. Mesmo na idade avançada mantinha-se firme, gesticulando, caminhando em desalinho pelos vãos dos trilhos e

ondas imaginárias de uma chata, rio dos Sinos acima. Sempre assoviando a canção do expedicionário ou outra, em sua marcha

cadenciada.

Foi assim que crescemos e passamos nossos dias vendo esse táita, regendo a grande orquestra das

nossas vidas, a Rede Ferroviária Federal, como agente de estação ferroviária, no velho Entroncamento, da saudosa Viação Férrea do Rio

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Grande do Sul, VFRGS. Vinte frescos reunidos em

grande sucesso, brincavam inocentes aquelas

criança, em meio as histórias de maquinistas, foguistas, guarda-freio, lanternistas e o mestre

Ataliba, cheio de segredos, que controlava a "chave".

E lá estávamos nós correndo pelos dormentes no sentido contrário ao trem, depois de sua passagem, recolhendo o arco de madeira, uma espécie de vime, verdadeira arte, que era atirado

pelo maquinista entre as pedras ao longo dos trilhos depois de recolher a licença de papel dobrada e presa em uma fenda encravada na curva

deste disputado arco.

–Ô movimento!. Ah! Como achávamos graça aquele

linguajar dos ferrinhos, mesmo num lugar tão ermo e esquecido, verdadeira rosa dos ventos ligando

Livramento, Uruguaiana e Santa Maria, rumo a Porto Alegre, passando por Cacequi, sendo que dali

também se ia para Pelotas e Rio Grande. Na verdade, tínhamos um GPS no peito e o universo nas mãos. Não pelas ondas do satélite, rádio ou computador, mas um mundo real e palpável

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Não há lembrança mais terna quando adentramos à casa da nossa infância. E lá encontramos a vó Maria, sempre de saia com motivos petipuã, e sua comida saborosa feita na panela de ferro. Aquela janela alta e as galinhas ciscando lá embaixo,

casa-estação de madeira que parecia um castelo. O pêndulo do relógio e a jovem Laureci toda bela de laço de fita na cabeça, esperando o seu amado,

Henrique, mirando longe, pelos vãos da ponte dobre o rio Santa Maria, o tilintar dos sonhos e o

farol da bicicleta driblando a noite.

Crescemos, assim, ouvindo os causos e aventuras do seu Santos. Num tempo de escassos recursos ele foi a nossa maior fartura, nos enchendo de ilusões e confiança fazendo-nos vencer os medos

próprios da nossa idade.

Corre o tempo e lá o vemos chegando da rua, não sem bronca da avó Maria, com um sorriso nos lábio a dizer que tinha dados aos amigos e necessitados no percurso do banco até em casa, boa parte do

salário há pouco recebido. Avis rara. Não, homem desse naipe, o mundo não estava preparado para promovê-lo. Tamanha envergadura transcendia os interesses terrenos, na filosofia do

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justiça e da misericórdia. Sempre foi amigo dos que mais careciam de amizade. Antes de partir deu

quase tudo que ganhou na vida. Por fim, deu-se inteiro para nossas lembranças e a saudade que, de

quando em vez, nos peala.

Parece que foi ontem: 1989. Foi o primeiro a me visitar no Mato Grosso do Sul, quando passeamos pelo iate clube rio verde, andamos de barco no rio

Paraná em busca da ilha Tibiriçá, onde se encontrou com as lembranças da revolução que lutou pelas forças do Sul contra os paulistas. Ah,

seu Santos quanta saudade.

Fazer a barba de meu avô e padrinho, naquele tempo, "pratraismente", como dizia-se, somente hoje posso entender o alcance e a força daquele gesto. Obrigado vô João, nosso eterno marinheiro,

sempre tocando o leme, controlando o tempo, assoviando liras de encantos pelos mares de nossa

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O APITO DA LOCOMOTIVA E O VELHO PESCADOR.

As águas mansas, quase paradas da lagoa, lembram o velho pescador. As palavras são arrancadas do

coração e somente se acalmam com o apito da locomotiva que desde longe anuncia a chegada do

trem.

Diferente do caniço lançado e relançado à água pelo braço ainda firme daquele octogenário, o trem que chega, já não é mais o trem que parte.

O olhar na lagoa prateada nos leva de carona o pensamento e as lembranças do trem que partia para diversos e distantes caminhos... Sempre com

a certeza de que no dia seguinte iria voltar. De Cacequi partiam trens da viação férrea lotados

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de passageiros para as cidades de Rio Grande, Livramento, Uruguaiana e Porto Alegre. Verdadeira rosa dos ventos ferroviária do Estado

gaúcho.

O silêncio do campo e a bulha da água só é interrompido, ao longe, pelo apito do trem. Apito que brotava da força das locomotivas que lhe dava

impulso e levava seus vagões para onde apontavam os trilhos.

Máquinas poderosas, locomotivas movidas a diesel e elétricas. E com potência superior a dois mil agapês e mais de cem toneladas de peso.

E eu lembro... que com elas eu conversava. Sim. O diálogo dava-se cada vez que meus pezinhos

calçando alpercatas tropicavam pelos dormentes em direção ao depósito, antiga oficina de máquinas

onde meu pai Vilson trabalhava.

A cada apito dessas máquinas meu coração tremia fazendo colar no peito a marmita embrulhada num

pano de prato, enquanto levava o almoço para aquele ferroviário anônimo, meu pai, motivo de

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E lá estava ele em meio à graxa patente, debaixo de uma dessas possantes máquinas construída pela

empresa fundada por Thomas Edson, a General

Electric, dando-lhes manutenção, vida e segurança.

A especialidade de meu pai - lembro -, eram os freios: freios dinâmicos, freios a ar comprimido ou

freios a vácuo. E o tal de sistema homem morto - vim saber depois -, tratava-se de um dispositivo de

segurança que envolvia o maquinista e um equipamento sofisticado para aquela época. Isso tornava meu pai, para mim, o homem mais

importante daquele depósito, pois era ele o responsável pela segurança de todos os passageiros do trem rebocado por aquela locomotiva, bem como a carga que transportava.

Ainda debaixo da máquina, depois de me ver, dizia: --Ah, você está aí. Pronto. Era o suficiente

para me encher de alegria ouvir aquelas palavras que conferiam a mim gratidão por, de certa forma,

quem sabe, também poder participar daquela grandiosidade.

Ao seu redor eram sons de martelo, ferragens e máquinas, num ruído ensurdecedor. E ele sem

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qualquer proteção aos ouvidos. Por isso, talvez, queixava-se em casa exigindo silêncio durante o

descanso.

Depois, limpando as mãos numa bucha de pano, ele vinha ao meu encontro. Um gigante. De macacão, estampando no peito RFFSA. Mãos grandes, unhas

sujas de óleo, braços fortes e um sorriso nos lábios. Era tudo o que eu precisava: poder servir a

quem eu mais admirava. O mundo se tornava pequeno naquele momento.

Hoje, o velho ferroviário aposentado, transformado em pescador, contempla o espelho das águas e vê que seus guris cresceram... viraram

homens. E partiram. Levaram para longe os pequenos gestos de ternura que semeou, como

aquele que o filho mais velho guardou. Depois de pegar a vianda e passar a mão sobre minha cabeça, descabelando-me de leve, dizia: --

Agora, vá para casa...Ou algo assim, pois a memória

nos golpeia sempre aos pedaços: Nacos de carne retirada aos poucos, qual churrasco,

deixando vazios no prato principal de nossos sentimentos.

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Voltava sempre cantarolando para casa. Desafiando o eco das locomotivas que por aquele

verdadeiro lençol de vagões cobria os trilhos e desvios espalhados pelo recinto ferroviário

da rede.

Algumas antigas maria fumaça que nesta época tinham sido substituídas pelas vermelhas elétricas e alguns casarões antigos dos ferroviários, o clube Apolo e a minha escola Fernão Dias... a tudo meus olhos contemplavam... e tudo ia ficando para trás. Hoje, morando distante de minha terra natal, não frequento as lagoas onde meu pai pescava. Mas

ainda escuto o apito do trem, que tem outros nomes e outros propósitos. E o rosto dos passageiros, entretanto, estão cada vez mais

esmaecidos.

Mas o caminho dos trilhos que me levavam ao velho depósito de máquinas e aos braços de meu pai, este, ainda o encontro... muito vivo. Não na campa,

mas nas lembranças de um tempo que não volta mais.

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QUEM É ESTA MULHER FELIZ?

Ela está na minha frente. Ao lado do pai amado, um herói do nosso tempo, num momento de rara

felicidade.

E lá está a caçula Laureci, na Praça Santa Maria, Brasilândia, Mato Grosso do Sul, trocando liras

com seu João, nosso avô adorado.

Atravessaram oceanos e matas pelos ares para estarem aqui se deliciando num encontro de vida

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A natureza sempre fora generosa com ela. Corpo e rosto bonito. Sonhos amplos, cruzando pontes,

arremessando dardos sobre os rios. Pode passar o tempo, mas a beleza e juventude

sempre, nunca se apartou dela.

Os maus bocados, as desilusões e os passamentos, tudo fora levado pelo trem da historia. O mesmo

trem que também lhe trouxe alegrias.

E o novo horizonte logo ali, sempre a lhe espreitar, na ocasião festejada, ele estava bem ali, ao seu

lado, naquele momento mágico.

Vencedora de batalhas, filhos criados, sonhos sonhados e vidas repartidas, depositou sua confiança sempre no alto e olhando de frente pra

vida.

O sorriso e o gesto desprendido de Laureci, revela todo o esplendor e o significado daquele encontro,

e profundidade daquele momento.

“O valor das coisas”, escreveu Fernando Pessoa, “não está no tempo que elas duram, mas na

intensidade com que acontecem”.

O instante da foto, deve ter sido rápido e fugaz. Foi um “clic”, que logo foi substituído por outros sons e ruídos. E só restou a emoção que perenizou

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no tempo o que a imagem captou da euforia da ocasião.

Mãe e mulher, empresária e esposa, filha e irmã, avó e tia querida, foi sempre maravilhosa pelo que fez enquanto esteve entre nós, e deixou saudade. E lá estava o escrevinhador ainda de calças curtas,

à distância, curtindo os sonhos da tia amada, seus encontros pelos trilhos da estação de Entroncamento, cupido em segredo, sentindo-se

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AS LIÇÕES DE AFETO DO PROFESSOR.

Para quem não sabe, Lauro dos Santos era professor catedrático em matemática e vivia em

Porto Alegre/RS.

Ensinava com gosto e conquistou ao longo de seus 87 anos de idade uma legião de amigos, alunos e

admiradores.

Calmo e profundo desde a sua juventude semeava lições que serviam para a vida e as coisas práticas

do dia a dia, vencendo o temor que acomete a todos quando se trata de contas e números.

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Tive o privilégio de ser seu aluno particular por alguns dias em preparação a uma prova de admissão ao Colégio Agrícola (do ensino médio pela

UFSM, no Alegrete/RS), lá nos idos anos 1970. Lições de aritmética e geometria que guardo até

hoje na memória, e que me foram dadas com lucidez e brandura.

Homem de um brilhantismo singular viveu para a Educação, lecionando no Centro de Formação de

Professores do Estado do Rio Grande do Sul. Viajou pelo interior gaúcho e Brasil afora, sacrificando muitas vezes o convívio da família

para ver brilhar nos olhos dos alunos e professores as maravilhas do conhecimento e do

saber tão necessário à vida de todos. Nos anos 1990, já aposentado, um dia desses esteve em Brasilândia/MS visitando seu sobrinho,

este escrevinhador.

Acolhido pela nossa cidade, teve a oportunidade de se reunir com professores da Escola Adilson Alves da Silva num gostoso bate-papo conversando sobre técnicas de ensino, trocando experiência, no ofício

que o mestre nunca se apartou. Alguns

professores locais daquela época ainda se lembram deste feito.

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Ao lado dos livros, de gosto apurado, também era um amante da música, em especial a latina e o ritmo portenho com o qual se familiarizou desde o tempo de estudante na fronteiriça Uruguaiana/RS.

Em uma de suas últimas fotografias, ainda cheio de charme, tive a graça de encontrá-lo

deliciando-se ao som de Carlos Gardel nos braços de sua imã Laura, minha mãe, música tocada numa antiga vitrola da família: momento arrebatadoramente

imorredouro.

É a imagem eterna e brilhante que fica, substituindo outras, quando ele já se encontrava

numa casa de repouso e tratamento hospitalar. Esse era o meu tio Lauro sorridente, amado pelos filhos e festejado pelos netos e bisnetos. Esse era

o professor Lauro dos Santos.

Porto Alegre, com certeza saberá prestar honrosa e póstuma homenagem a esse operário do saber que se doou em grau máximo, como bem lembrou meu irmão João reportando-se a frase lapidar dita

por um de seus amigos.

Por que o sol -- dizia ele --, se dá por inteiro. Não se esconde, a exemplo da lua, em nuances. Assim

como o amor e o afeto, esses sentimentos não podem ser vividos aos pedaços,

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Tio Lauro parte, mas sua memória permanece em nós. Continua a ser aquele farol sobre o céu de brigadeiro que nos protege, iluminando o comboio

pelos trilhos do tempo que segue, inexoravelmente, o seu curso.

“Um homem íntegro, um exemplo irrecusável”, lembra o filho Luiz Antônio. Mestre como poucos, tinha sabedoria do ensinar, lembra a prima Marisa: “era fácil aprender suas aulas”. O difícil agora é se apartar da saudade, recorda o sobrinho João, para quem “ele foi muito mais que um tio: teve por mim

o zelo que um pai tem pelo seu filho”. A mão suave repousa sobre a outra, alma gêmea,

sob o acalanto de ternura que o envolve. Os pés deslizam sobre o tapete da vida que viveu e fez viver. Os cabelos brancos e os gestos elegantes que sempre lhe acompanharam deliciam-se no

eterno comboio dos anos, pelos trilhos da existência.

E tudo isso, hoje, depositam em nossos olhos gotas de saudade e sobre nossos rostos e corações, pétalas de felicidade, em agradecimento por ter

estado entre nós. Um beijo no coração Lauro querido.

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UMA NOVA ESTRELA NO CÉU.

Dia 11 de janeiro de 2001, a família Dutra Batista estava toda reunida. Acontecimento especial os unia. Ingrid Maria partia, Ingrid Maria nascia. Ela

que tão cedo, menina, logo moça, tinha sonhos. Também tinha, tinha pressa...

Sobre ela só olhar, longos olhares e lágrimas. Sentimentos e abraços. Pai, mãe, irmãos, tios,

avós, primos, sobrinhos, colegas e amigos. Perplexos com a partida tão breve. Um sopro

divino e leve, dentro do peito contido... No dia anterior, sempre lúcida, recebeu um a um

os parentes, como se se despedisse. Um largo gesto da mão: é sua alma que acena. Seu olhar que

tudo vê nos acolhe e nos compreende... Nossa impotência de tê-la, nosso fracasso em retê-la,

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Sorria com dificuldade, pois afinal, essa leucemia mieloide aguda nunca esteve para brincadeiras. Dia

a dia sequestrou-lhe a vida que transbordava esperança. A cor pálida e o sangue, a revolta e o

medo...

Graças ao esforço da equipe médica, enfermeiras, doadores e amigos, a solidariedade espiritual e

material prolongou sua presença entre nós. Foram 3 transplantes e 18 meses de luta, corajosa

jovem Kica. Negava-se entregar ao desânimo: “-tenho uma imagem a zelar!”, disse certa vez. Intempestiva artesã, trabalhou até os últimos dias. Partilhou com a mãe, guerreira de fé, via

crucis redentora. Abraçando a família, redimiu-os

um a um em sua grandeza... Quando os anjos vieram buscá-la, acolheu-os: “-tinham cabelos, não

tinham asas”, confessou.

Hoje, ela se encontra diante de nós, todos os dias, no firmamento. Basta coragem encará-la. A lembrança da partida, contudo ainda permanece:

Rosto suave, aspecto sereno, parece dormir. Nem mesmo a doença, nem mesmo a sorte, nem

mesmo a morte, pôde arrancar de seu rosto o brilho dos sonhos e a gana de viver! Ingrid Maria

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