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Raça, Recursos e Desigualdade Política em Belo Horizonte

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XIII Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia 29 de maio a 1 de junho

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

GT06: Democracia e Desigualdades Sociais

Raça, Recursos e Desigualdade Política em Belo Horizonte

Bruno Reis (UFMG) Fabrício Fialho (UFMG)

Natália Bueno (UFMG) Juliana Candian (IUPERJ)

Contato:

brunoreis@ufmg.br fabriciocs@ufmg.br nataliasbueno@gmail.com jfcandian@gmail.com

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Introdução

Um dos aspectos mais conhecidos da sociedade brasileira são seus elevados níveis de desigualdade social. E, dentre as diversas dimensões da desigualdade, uma das que certamente se destacam no Brasil é a desigualdade racial. Indivíduos não-brancos estão, histórica e persistentemente, em pior posição em todos os indicadores sócio-demográficos. Tais desigualdades raciais ultrapassam a barreira dos recursos materiais. Elas também se manifestam fortemente no plano simbólico. Certo “capital simbólico”, manifesto na forma de discriminação, estereótipos e preconceito e outros mecanismos de exclusão atuam como barreira tanto à realização sócio-econômica de negros como também afeta a auto-estima, a percepção de competência e mesmo as ambições de ascensão e mobilidade social.

Longa tradição em ciência política, por sua vez, tem apontado os efeitos de diferentes dimensões da desigualdade social sobre a propensão à participação política. Esta nota de pesquisa pretende apontar na direção de certa “agenda de pesquisa” que se situa entre estas duas linhas de pesquisa. No caso brasileiro, como as enormes diferenças sociais exercem influência sobre a mobilização e a ativação política da população? Mais especificamente, dada a forte presença do elemento racial na constituição desta desigualdade social, como brancos e não-brancos têm seu comportamento político afetado pelas assimetrias materiais e simbólicas?

Seguindo os trabalhos seminais de Bolívar Lamounier (1968) e de Amaury de Souza (1971), colocamos como problema de pesquisa saber em que medida a experiência de desigualdades sociais, em suas diversas instâncias, por parte de um grupo étnico, se expressa em atitudes e comportamentos políticos diferenciados. Tal agenda de pesquisa, numa tentativa de confluência entre o modelo da centralidade de Lester Milbrath (1965) e suas reelaborações em F. W. Reis (1983) e Verba, Schlozman & Brady (1995), de um lado, e as hipóteses de Carlos Hasenbalg (2005) em relação ao efeito do capital simbólico como desmobilizador da ação política dos negros, de outro, o que pretendemos é conhecer o efeito diferencial da raça sobre a propensão à participação política em diferentes níveis de centralidade, por diferentes grupos raciais.

Dentro desta perspectiva, diversas perguntas se apresentam, dentre as quais destacamos algumas (ainda que não venhamos a discuti-las todas no presente trabalho): de modo geral, negros participam politicamente menos do que brancos? Dentro de uma mesma faixa de estratificação social, negros apresentam diferentes

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intensidade e direção da participação política quando comparados ao grupo branco? Dentro dos mesmos estratos sociais, os negros apresentam diferente auto-percepção de competência política relativamente aos brancos? Partindo da premissa da existência de certos limiares sócio-econômicos abaixo dos quais dá-se forte alheamento em relação à política, esses limiares são distintos para negros e para brancos? Dentro do enquadramento teórico de que parte nosso trabalho, presume-se em princípio que a carência de recursos como renda, escolaridade e mesmo recursos cognitivos variados afetaria negativamente a propensão à participação política. No contexto brasileiro, portanto, espera-se uma propensão particularmente baixa à participação política no interior do grupo negro, por este ocupar, de forma geral, posição social mais desfavorecida. Só que, até aí, este seria um resultado um tanto trivial, pelo qual veríamos se produzir um efeito estritamente sócio-econômico, sobre a participação dos negros. Cabe, portanto, averiguarmos a existência de possíveis diferenças na propensão à participação política de grupos raciais distintos, controlados pelo menos os parâmetros sócio-econômicos mais elementares, em busca da identificação de diferentes padrões de participação política racialmente induzidos, identificáveis mesmo quando se mantêm constantes os atributos sócio-econômicos.

Desigualdade Política, Participação e Centralidade

Em Poliarquia, Robert Dahl (1997: 26) pressupõe que, em governos democráticos, o governo deve ser responsivo às preferências dos cidadãos e considerá-las de forma eqüitativa. Desta forma, todos os cidadãos devem ter oportunidade:

1) de formular suas preferências, 2) de expressar preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e coletiva e 3) de ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência.

Todavia, um sistema político institucionalizado que garanta a todos os cidadãos o direito de formular e expressar preferência não implica, necessariamente, que suas preferências serão tomadas igualmente. Sem nos preocuparmos no momento com o processamento das preferências dentro das instituições do sistema político, temos, de saída, o problema do acesso a esse sistema. Devido a assimetrias

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pertencentes ao substrato social que subjaz o sistema político, os próprios volumes das vozes que levam suas preferências ao sistema político são assimétricos.

Verba, Nie & Kim (1979) referem-se a isso como desigualdade política, entendida como o desigual preenchimento de direitos políticos universalmente atribuídos (Reis 2003). Bem entendido, aqui não se trata de desigualdade política como proibição do usufruto de direitos políticos por parcelas da população, como foi o caso, por exemplo, do regime de Apartheid sul-africano. Tratamos o termo como a presença de assimetrias sistemáticas no interior de uma dada população no que diz respeito à propensão a participar politicamente, ou seja, de ter – de facto – o mesmo grau de ativação dos seus direitos políticos, em circunstâncias em que estes são universalmente atribuídos a todos cidadãos.

Outra advertência relevante quanto ao escopo deste texto diz respeito à dimensão do comportamento político que aqui observamos. Em termos comparativos internacionais, é comum que estudos semelhantes dediquem amplo espaço ao comparecimento eleitoral como variável dependente. Dada, porém, a obrigatoriedade legal do voto adotada no Brasil, essa variável perde acuidade analítica, e somos forçados a olhar para outras coisas. Em nosso caso, escolhemos a propensão ao engajamento em organizações políticas,1 que aqui se limitam àquelas levantadas pelo

questionário do survey utilizado como base empírica do trabalho. Estamos cientes, portanto, da dificuldade de generalização dos achados empíricos deste texto, uma vez que se trata de uma dimensão específica e limitada do comportamento político. Todavia, de qualquer forma, tanto as dificuldades quanto as possibilidades de generalização são potenciais e dependem, eminentemente, de estudo empírico. Dessa forma, nos permitiremos conjecturar de forma um pouco mais ambiciosa acerca dos nossos resultados, uma vez que suas contribuições podem, potencialmente, ser relevantes a outras dimensões do comportamento político (já que pouco se discute sua relação com o tema da raça – variável independente crucial do nosso trabalho).

1

Neste artigo, consideramos como organizações políticas os seguintes grupos: entidade ou associação ligada à defesa dos direitos humanos em sentido lato, o que inclui também minorias como mulheres, crianças e adolescentes, idosos, homossexuais, negros, portadores de deficiência física etc.; partido político; entidade empresarial/patronal; entidade estudantil; sindicato de trabalhadores; orçamento participativo; a ocorrência de reunião com representantes da Prefeitura nos doze meses anteriores para resolver problemas do bairro ou vila do entrevistado.

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Bruno Reis (2003: 16) apresenta de forma sintética a relevância do tema da desigualdade política e sua relação com o funcionamento de poliarquias responsivas a seus cidadãos:

It is OK if this unequal fulfillment is due solely to a personal decision. (…). However, we do have a problem if this decision tends to be systematically related to some objective attribute of a person. In this case, we would be in face of a biased political system. If we can identify certain specific, distinguishable kinds of citizens, with different probabilities to participate in the political process, then the entire political system is biased against those with lower probability to engage.

Uma relativamente longa tradição em ciência política, que encontra uma síntese em Milbrath (1965), deu origem ao chamado “modelo da centralidade”. Uma proposição central no trabalho de Milbrath é a de que a participação cresce com a “centralidade” da posição social de um indivíduo, sendo a “centralidade” ali definida por duas dimensões: uma subjetiva (em última análise baseada no nível de informação política e em alguns outros aspectos sociopsicológicos) e uma objetiva (“verticalmente” relacionada ao status socioeconômico, e “horizontalmente” à experiência urbana e à extensão das redes sociais). Este modelo chama atenção para o impacto das desigualdades sociais sobre a participação política, já que a maior posse de recursos permitiria, entre outras coisas, maior participação política: se tais recursos não estão igualmente distribuídos entre diferentes grupos sociais, conclui-se que alguns grupos participariam, sistematicamente mais que outros.

Sidney Verba, autor que ocupa lugar destacado nesta tradição de pesquisa, aponta um enviesamento no acesso ao sistema político, já que a posição socioeconômica de um indivíduo lhe proveria ou não os recursos iniciais necessários para participar (ou, pelo menos, facilitaria sua participação). Verba, Schlozman & Brady (1995), em pesquisa realizada nos Estados Unidos em 1990, detectaram que a estratificação social é a principal fonte de desigualdade política, uma vez que os recursos necessários para a participação são obtidos nas instituições sociais (como família, escola, igreja, local de trabalho etc.) e o diferente acesso a essas instituições provê diferentes níveis de recursos, o que molda a ativação política. Também deve ser pontuado que o próprio interesse por política é influenciado pelos mesmos fatores que produzem participação (com ênfase, sobretudo, na educação).

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No Brasil, linhas de pesquisa semelhantes foram ocasionalmente perseguidas, encontrando resultados que também apontam na direção da associação positiva entre posição socioeconômica e participação política. Fábio Wanderley Reis (1983) faz uma releitura do modelo da centralidade de Milbrath (1965) ao fazer uso simultâneo deste com o modelo da “consciência de classe” tal como apropriado por Alessandro Pizzorno (1975). Suas conclusões endossam as teses de Verba, apontando a existência de um “limiar de participação”, abaixo do qual há uma carência tal de “recursos participatórios” que tende a produzir-se completo alheamento em relação à política. Reis ainda sustenta que o próprio acionamento do modelo da consciência de classe é condicionado por um aumento na centralidade. Dessa forma, um voto cuja rationale seja próxima da proposta pelo modelo da consciência de classe é mais plausível em grupos mais centrais da sociedade.

Raça e desigualdade social

Diversos estudos foram e continuam sendo realizados nas últimas quatro ou cinco décadas sobre raça e desigualdade social. E todos têm apontado de forma sistemática na mesma direção: quanto mais escura a cor da pele, menor a média salarial, menor a escolaridade, menor a possibilidade de ascensão profissional e mais curta a mobilidade social, tanto inter como intra-geracional. Além de o pertencimento a diferentes grupos raciais estar fortemente associado a persistentes desigualdades sociais (Fernandes 1968; Hasenbalg 2005/1979; Hasenbalg, Valle Silva & Lima 1999; Telles 2003), mais preocupante é constatar que a desigualdade relativa entre tais grupos tem aumentado (Skidmore 1992a).2 Embora, evidentemente, possamos

encontrar indivíduos brancos, pretos ou pardos em diferentes pontos da escala de estratificação, brancos tendem a gozar sistematicamente de posição social média melhor do que a de negros; e, dentre os negros, pretos tendem a estar em posição pior que a de pardos. Tal fenômeno tem recebido o nome de “cromatismo da escala social” (Nogueira 1998).

2 Outro ponto cujo tratamento seria riquíssimo, mas que não parece possível hoje pela carência de dados

adequados, seria a exploração a respeito impacto da crescente desigualdade social entre brancos e não-brancos, no sentido de se averiguar se tal aumento da desigualdade sócio-econômica tem significado aumento da assimetria no que tange à participação política, ou se eventuais mudanças no plano simbólico – como efeitos possíveis das recentes políticas de ação afirmativa – têm exercido efeito positivo sobre o engajamento político a ponto de contrabalancear as desigualdades “materiais”. Entretanto, isto fica apenas como possibilidade de pesquisas futuras.

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O preconceito racial, e sua manifestação sob a forma de discriminação,3

além de produzir efeitos sobre aspectos “objetivos”, como escolaridade, mobilidade social, renda etc., também atua no plano “subjetivo”. Na dimensão “simbólica” ou “subjetiva” também é percebida uma grande desigualdade entre brancos e negros. Embora esteja hoje pacificamente estabelecida a inexistência de “raças humanas” no sentido biológico (Templeton 1999, Pena 2005), a existência de raças como construtos sociais retém ainda patente relevância sociológica.4 Guimarães (2005: 61) sugere que

raças são

construtos sociais, formas de identidade baseadas numa idéia biológica errônea, mas socialmente eficaz para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios. Se as raças não existem num sentido estrito e realista de ciência, ou seja, se não são um fato do mundo físico, elas existem, contudo, de modo pleno, no mundo social, produtos e formas de classificação que orientam as ações humanas.

Deste modo, a idéia de raça tem importante papel na atribuição de sentido a ações sociais. A existência de certa gramática social que atribui ao grupo negro (sobretudo aos pretos) uma série de valores socialmente negativos gera déficits de reconhecimento (Feres 2006) que comprometem – quando não minam completamente – a auto-estima, auto-confiança e a auto-percepção enquanto atores social e politicamente relevantes.

Alguns estudos sobre raça e política no Brasil

O estudo das relações entre raça e política no Brasil ainda é um campo bastante inexplorado (Skidmore 1992b). Um número relativamente pequeno de trabalhos foi produzido a este respeito desde meados da década de 1960 até hoje – e a grande maioria deles (pelo menos até onde é de nosso conhecimento, poderíamos dizer todos) voltou-se para o comportamento eleitoral dos negros ou para o estudo de movimentos sociais relacionados ao tema.

3

Para tal distinção, ver Guimarães (2004).

4

“‘Raça’ é não apenas uma categoria política necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria analítica indispensável: a única que revela que as discriminações e desigualdades que a noção brasileira de ‘cor’ enseja são efetivamente raciais e não apenas de ‘classe’” (Guimarães 2002: 50).

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Um estudo competente sobre o comportamento político de negros no Brasil foi realizado por Mônica Mata Machado de Castro (1993). Utilizando dados sobre comportamento eleitoral em Juiz de Fora (MG), Niterói (RJ), Presidente Prudente (SP) e Taguatinga (DF)relativosàs eleições de 1989, Castro aponta – entre outras coisas – que o aumento da escolaridade está ligado a um aumento no voto em partidos considerados de centro; o aumento do interesse por política leva tanto à diminuição da propensão por voto nulo ou branco quanto a um aumento no voto em partidos de esquerda; e o aumento da idade diminui a propensão ao voto em partidos de esquerda e de centro. Além disso, os resultados de Castro indicam que indivíduos não-brancos apresentam menor probabilidade de deixarem de votar nulo ou branco à medida que melhoram seu status sócio-econômico, quando comparados com indivíduos brancos. Ainda tendo raça como variável de controle, é interessante notar que o fato de ser negro apresenta efeitos contrastantes: os negros têm maior propensão a voto nulo ou branco que os brancos; mas, quando validam seu voto, têm maior probabilidade de escolher candidatos situados à esquerda.

Um dos pontos mais interessantes levantados pelo trabalho de Castro foi a detecção do comportamento ambíguo dos negros. De acordo com sua posição social, o comportamento desse grupo oscilava entre uma maior apatia ou um maior radicalismo, quando comparado com o comportamento do grupo branco. Assim como o estudo de Castro, vários outros focalizaram a relação entre raça e comportamento eleitoral, como os trabalhos de Souza (1971), Valle Silva & Soares (1985), Berquó & Alencastro (1992) e Prandi (1996).

Outra vertente predominante de estudos sobre raça e política no Brasil é o estudo sobre movimentos negros. A própria história política brasileira justifica a importância destes estudos na agenda acadêmica. Movimentos políticos orientados por questões raciais têm ocorrido de forma mais ou menos freqüente pelo menos desde o período imperial. Embora nunca tenham se tornado movimentos “de massa”, com adesão e participação de grandes números de indivíduos, não se pode negar que tal movimento tenha existido e ainda exista (Fialho & Drumond 2005). O movimento abolicionista foi aquele que teve maiores efeitos políticos, tendo atuado de forma veemente contra a instituição da escravidão – movimento que culminou com a extinção de tal regime. Durante o século XX, em diversos momentos o movimento negro teve importante papel político, como a Frente Negra Brasileira nas primeiras décadas do século, e o Movimento Negro Unificado que, a partir dos anos 1970, tem atuado de forma bem-sucedida na apresentação e defesa de interesses do grupo

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negro (Andrews 1991). Todavia, embora em diversos momentos tenha exercido tal papel político, o movimento negro no Brasil foi, em boa medida, marcado por um viés “culturalista”, tendo como preocupação principal a integração do negro na sociedade brasileira (principalmente nas primeiras décadas do século XX) e a defesa da legitimidade de certa cultura e identidade negra – como, por exemplo, o Black Soul durante a década de 1970 (Hanchard 1993).

Estes poucos exemplos ilustram, de alguma maneira, como tem se pautado a pesquisa sobre raça e política no Brasil. Embora tais estudos sobre comportamento eleitoral e sobre movimentos sociais tenham apresentado resultados significativos, cabe lembrar que o fenômeno da participação política pode tomar outros formatos – como a participação em organizações políticas, que será explorada neste texto – e que estas outras formas de atuação política ainda não foram alvo de tratamento mais sistemático na literatura.

O presente trabalho pretende levantar algumas sinalizações nesta direção ainda praticamente inexplorada na literatura brasileira sobre comportamento político. Filia-se, de alguma maneira, à tradição de pesquisa que investiga os efeitos de diferentes componentes da “centralidade” sobre a propensão à participação política. De que modo as desigualdades sociais “objetivas” experimentadas pelo grupo negro, que significa menor acesso a uma série de recursos necessários à participação política, desdobram-se em menor propensão ao engajamento em organizações políticas? Ações políticas são também influenciadas, por exemplo, por senso de competência política e percepção da capacidade de participação e influência em decisões políticas. A violência simbólica sofrida por negros teria efeito negativo sobre a propensão à participação política?

No restante deste texto, apresentaremos alguns dados relacionados à desigualdade social entre grupos raciais, bem como à participação política dos mesmos, e aventaremos algumas hipóteses e conjecturas para a compreensão dos resultados encontrados, bem como para a orientação de encaminhamentos de pesquisa futuros.

Alguns dados sobre raça e política

Para a exploração de algumas das relações entre raça e política anteriormente esboçadas, exploraremos dados relativos à Pesquisa da Região

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Metropolitana de Belo Horizonte realizada em 2005.5 Primeiramente, apontaremos

alguns dados relacionados à composição racial da amostra, assim como à distribuição de diferentes recursos entre os grupos raciais em Belo Horizonte. Em seguida, apresentaremos alguns cruzamentos entre tais recursos e a propensão à participação em organizações políticas para cada grupo racial.

Composição racial: a amostra da pesquisa é racialmente composta da seguinte maneira:6 37,8% dos entrevistados se auto-identificaram como brancos,

43,2% como pardos, e 19,1% como pretos. Deste modo, os negros (soma de pretos e pardos) representam 62,3%, constituindo, assim, a maioria da amostra.

Escolaridade: como tem sido fartamente reportado na literatura sobre desigualdades e estratificação social, os diferentes grupos raciais no Brasil apresentam diferenças significativas de escolaridade e renda. Embora possamos encontrar tanto brancos como pardos e negros seja entre analfabetos seja com educação superior, o grupo negro apresenta alcance educacional médio inferior ao do branco, com negros apresentando menor média de escolaridade, com pardos em situação intermediária. O mesmo pode ser verificado na população de Belo Horizonte. Para com nossa amostra, brancos apresentam escolaridade média de 9,6 anos, ao passo que pardos apresentam 8,1 anos, e negros 6,32. Quando agrupamos pardos e pretos, obtemos para o grupo negro média de 7,5 anos completos de escolaridade.7

Renda: quando analisamos a renda média dos diferentes grupos obtemos um quadro semelhante àquele apresentado pela escolaridade. Novamente, brancos, pardos e pretos aparecem em ordem decrescente de renda, com a média para negros situando-se entre os pardos e pretos. Brancos apresentam renda média de 1.040 reais, pardos de 502 reais, e pretos de 386 reais. Negros apresentam renda média de 466 reais. Embora o ordenamento entre os grupos se mantenha, cabe notar que a

5

A amostra de tal pesquisa é aleatória e composta por indivíduos com idade superior a 18 anos e residentes na Região Metropolitana (N = 1.122).

6 Foi considerada a auto-declaração racial, de acordo com as categorias utilizadas pelo IBGE. Dado o

foco da pesquisa, foram excluídos da amostra aqueles que se auto-declararam indígenas ou amarelos. Deste modo, a amostra foi reduzida para 1.010 casos.

7 O teste para diferença de médias mostra que os grupos apresentam diferenças entre as médias de anos

de estudo estatisticamente significantes. O mesmo é verificado com relação às médias de renda. Por questões de espaço os resultados não podem ser aqui reportados. Todavia, podem ser obtidos mediante solicitação aos autores pelo e-mail fabriciocs@ufmg.br.

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diferença relativa entre os grupos parece maior quando consideramos a renda do que com relação à escolaridade. A renda média dos pretos é de aproximadamente um terço da média dos brancos, e a média dos pardos, cerca de 50%.

Ocupação: dentre os 1.010 casos considerados, 653 indivíduos declararam exercer algum tipo de atividade profissional à época da realização da pesquisa. Destes, 29,3% declararam ocupar algum cargo de chefia ou supervisão. Quando consideramos a composição racial destes que desempenham funções não-manuais em seu local de trabalho, nota-se que 43% destes cargos são ocupados por brancos, 24% por pardos, e apenas 12,9% por pretos.8 Vê-se, portanto, que negros apresentam

menor acesso à ocupação em funções não-manuais.

Participação em associações civis: a participação em associações não-políticas9 – sobretudo a participação efetiva em suas atividades – é considerada uma

importante fonte de habilidades que podem ser mobilizadas em ações políticas (Verba, Schlozman & Brady, 1995). Dentre os componentes de nossa amostra, 39,8% alegam serem membros de uma ou mais associações civis, enquanto 60,2% não seriam vinculados a nenhuma organização do tipo. No que diz respeito à participação efetiva em atividades dessas organizações, o quadro se mostra ligeiramente distinto: 29,8% atestam serem membros ativos, participantes de atividades no interior dessas associações. Ponto interessante a ser apontado sobre participação e principalmente sobre atividade em associações civis é que este recurso, diferentemente dos demais apontados acima (renda, escolaridade e ocupação), não são assimetricamente distribuídos entre indivíduos que se auto-declaram pertencentes a diferentes grupos raciais (seja considerando a classificação binária branco/negro como a classificação tricotômica branco/pardo/preto).

Participação em organizações políticas: quando passamos para a análise do vínculo a organizações políticas, temos um quadro bastante diverso daquele

8

O teste de qui-quadrado mostra que há dependência estatisticamente significante entre as variáveis “ocupar cargo de supervisão ou chefia” e “raça”.

9 Classificamos como associações não-políticas os seguintes tipos de organizações: entidades

beneficentes ou de caridade; entidades ou associações recreativas e/ou esportivas; entidades ou associações ligadas à defesa dos consumidores; associações religiosas não beneficentes (igrejas, templos, centros espíritas, pastorais, grupos de fé e política, grupos de casais etc.); grupos de jovens não ligados a igrejas; associações comunitárias; entidades ou associações ligadas a questões específicas (como saúde, educação, meio-ambiente, cultura etc.); associações de auto-ajuda; associações profissionais.

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apresentado, seja pela filiação, seja pela atividade em associações civis. Um contingente menor de entrevistados, contabilizando 17,2%, declararam ser filiados a alguma organização política. Quando separamos a filiação a tais organizações por grupo racial, percebe-se que negros tendem a participar politicamente menos do que brancos. Enquanto 22% dos brancos declaram vínculo a alguma organização política, apenas 14,2% dos negros o fazem,10 e o teste do qui-quadrado indica que existe

evidência estatística para se admitir uma relação de dependência/correlação entre as variáveis. Ou seja, pode-se dizer que negros participam politicamente menos do que brancos.

Todavia, em trabalho apresentado com os mesmos dados, Bueno & Fialho (2007a: 18) constataram que, quando controlada por renda, anos de escolaridade e atividade em associações não-políticas, a relação entre raça e atividade política não se mostra estatisticamente significante. Todavia, com a inclusão de termos interativos nos modelos de regressão se percebe que grupos raciais distintos são influenciados diferentemente por variáveis do modelo da centralidade e do “Modelo do Voluntarismo Cívico”.

De forma geral, os resultados que se destacam, a princípio, são os seguintes: 1) participar de atividades em associações não-políticas tem efeito na propensão a participar tanto para brancos quanto para negros; 2) renda não possui efeito no caso de indivíduos negros não-ativos; e 3) para indivíduos ativos, a renda tem maior efeito para brancos do que para negros, ainda que esta variável tenha efeito, neste caso, para estes últimos.

A figura 1 tem o objetivo de esclarecer o que o modelo elaborado por Bueno & Fialho (2007b) nos traz.

10 Esse teste também foi realizado aplicando-se a classificação racial tripartite. Entretanto, a análise do

qui-quadrado delta aponta que a inclusão de uma nova categoria na classificação racial não traz ganhos estatísticos à análise.

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Como se pode ver,11 embora raça não se mostre estatisticamente significante

quando controlada por variáveis do modelo da centralidade e do voluntarismo cívico, a propensão de grupos raciais a participar de organizações políticas é condicionada diferentemente por estas variáveis.

Todavia, o modelo de regressão utilizado por Bueno e Fialho não controla outras variáveis como gênero, classe e idade, que podem estar influenciando os resultados encontrados. Além do mais, o modelo estatístico pouco nos diz acerca dos mecanismos que levam a esses resultados. Trata-se de discriminação? Trata-se do efeito desmobilizador do “mito da democracia racial”? Passa a explicação pelas redes de socialização política entre diversas associações? Os próximos passos da pesquisa em curso deverão dedicar-se, portanto, a testar conjecturas acerca desses resultados, com vistas ao desenvolvimento de uma agenda de pesquisa acerca de raça e desigualdade política no Brasil.

11

Vale apontar que a figura acima é uma representação não fidedigna do modelo estatístico – todavia, a figura apresenta de forma clara a rationale de seus resultados.

Negros não-ativos Centralidade Brancos não-ativos Negros ativos P ar tic ip aç ão P ol íti ca Brancos ativos Figura 1

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Resumo

Pretende-se explorar em que medida a experiência de desigualdades sociais por parte de um grupo racial se expressa em atitudes e comportamentos políticos diferenciados. Propomos uma confluência entre dois distintos caminhos teóricos que oferecem enfoques complementares à questão. Partimos do chamado "modelo da centralidade", segundo o qual quanto mais “central” a posição social de um indivíduo – ou seja, quanto mais escolarizado, rico, de maior status ocupacional, ser oriundo de meios urbanos, etc. – maior sua propensão à participação política. Incorporamos a esta abordagem as contribuições de Hasenbalg sobre os efeitos da discriminação, estereótipos e preconceitos por parte do grupo racial branco como desmobilizadores da ação política dos negros brasileiros, afetando negativamente a auto-estima e o senso de competência política deste grupo de cor. Para tentarmos conhecer e interpretar o efeito diferencial da variável "raça" sobre a sofisticação e a participação política em diferentes níveis de centralidade, lançaremos mão de análise dos dados da Pesquisa da Região Metropolitana de Belo Horizonte, realizada em 2005.

Referências

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