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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS

ALINE CRISTINA DE SOUZA FOLLONI

DISCURSO POLÊMICO EM MÍDIAS DIGITAIS:

UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE ARENAS DISCURSIVAS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CURITIBA

2020

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ALINE CRISTINA DE SOUZA FOLLONI

DISCURSO POLÊMICO EM MÍDIAS DIGITAIS: UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE ARENAS DISCURSIVAS

Polemical discourse on the social media: a dialogical interaction analysis in discursive arenas

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagens da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nívea Rohling.

CURITIBA 2020

4.0 Internacional

Atribuição – Uso não Comercial

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam o devido crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos. Conteúdos elaborados por terceiros, citados e referenciados nesta obra não são cobertos pela licença.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu Deus toda vez que me lembro de vocês. Filipenses 1:3

Durante muitos anos o mestrado foi um sonho frustrado. Antes mesmo de concluir minha graduação, em 2013, comecei a me preparar para o exame de seleção da USP. Almejava continuar meus estudos, aprofundando-me na Linguística e, mais especificamente, na Semiótica.

Pensando nisso, comecei um curso de francês, onde me apaixonei pelo meu professor, hoje meu marido. Terminei a graduação e fui morar com ele em Porto Velho, Rondônia. Meses depois, voltei para Balsa Nova, Paraná, e resolvi retomar meu plano do mestrado. Fui então morar em São Paulo. Enfim, USP! Fui a convite do professor Ivã Carlos Lopes, após enviar a ele meu Trabalho de Conclusão de Curso, e tive a oportunidade de ter aula com José Luiz Fiorin, Mariana Luz Pessoa de Barros e Antonio Vicente Seraphim Pietroforte. Conheci pessoas maravilhosas e pude crescer tanto academicamente quanto pessoalmente.

Misteriosamente, aquele ano houve um erro, segundo um dos professores, e foi exigida proficiência em inglês, ao invés de francês; tudo parecia conspirar a meu favor. Gabaritei a prova e o sonho parecia real. Porém, no exame teórico, não passei. Voltei para casa e vi, mais uma vez, meu sonho ser adiado.

Participei em 2015 do exame seletivo do PPGEL, para a área de Literatura. Não passei.

Em 2017, comecei a estudar para concurso. Porém, a ideia de um dia ser mestre ainda permanecia. Foi quando me deparei com uma especialização na UFSC, à distância, e reacendeu em mim a chama acadêmica. Comecei a especialização e, simultaneamente, estudava para o processo seletivo do PPGEL, agora na área de Linguística. Foi, então, que me vi grávida!

Desta vez, não vi saída: uma vida crescia dentro de mim e iria depender das minhas escolhas. Queria que o Vinicius tivesse orgulho de sua mãe e que ele soubesse que ela não desistia de seus sonhos. Estudei, fiz o projeto e fiz a prova com ele. Passei!

Todo o percurso do mestrado foi de muito apoio. Apoio da minha família, apoio por parte dos colegas do mestrado, apoio por parte dos professores do Programa, apoio por parte da minha orientadora.

Meu marido e minha mãe foram meus alicerces em toda essa trajetória. Eles abraçaram comigo essa causa e não mediram esforços em oferecer todo o suporte necessário para que eu tivesse tranquilidade e condições para conduzir meus estudos. A eles, um “obrigada” com todo meu coração!

Meus colegas de mestrado, que conheci apenas no meu segundo semestre de pós-graduação, ofereceram-me suporte nas minhas dúvidas, quando ainda eu estava estudando à distância, e, posteriormente, me acolheram na turma, ajudando-me na fase de ambientação. Obrigada, meus companheiros de luta!

Meus professores, além de serem profissionais notáveis, foram também muito humanos em todas as etapas de aula. Aulas de muita qualidade, escolhas textuais ímpares e uma dedicação singular. Muito obrigada, vocês nos motivam e nos iluminam mostrando novos caminhos e olhares!

Minha orientadora, Nívea, foi minha primeira escolha no processo seletivo e, se eu tivesse que optar novamente a escolheria mais uma vez. Uma profissional de saber notável, muito correta e alguém para se inspirar. Minha admiração por ela, enquanto mulher e

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enquanto professora/orientadora, só cresceu ao longo desses dois anos em que tive a satisfação de conhecê-la e tê-la ao meu lado nessa jornada. Professora Nívea, muito obrigada por cada comentário, cada áudio, cada sugestão de leitura, por investir seu tempo e depositar sua confiança em mim!

Aos membros da banca, obrigada por aceitarem o convite de acompanhar meu trabalho. Obrigada, professor Atílio, pelas observações, pelas sugestões de leitura e, principalmente, por me apresentar Ginzburg sob um novo ângulo muito além do indiciário. Obrigada, professor Evandro, pelos mais variados questionamentos, os quais enriqueceram meu trabalho e me fizeram olhar para as lacunas, especialmente, no que concerne à retórica e à argumentação.

À UTFPR, meu “muito obrigada”, por oferecer a mim a chance de ser mais uma vez aluna. São nove anos podendo dizer que sou aluna da UTFPR. Sonhei em estudar no prédio verde desde menina e pude explorar seus corredores e todo o seu esplendor como centro de ensino, ao máximo. Obrigada!

Procurei trazer um tom mais pessoal a esse agradecimento, pois essa etapa da minha vida resume-se em uma palavra: GRATIDÃO! O título de mestre não é apenas, para mim, um título significativo na minha carreira, é também uma conquista pessoal após muitas negativas, muitas mudanças e uma pandemia.

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RESUMO

FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Discurso polêmico em mídias digitais: uma análise dialógica de arenas discursivas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2020.

Este trabalho tem como objetivo geral compreender e descrever os modos de construção, produção e circulação do discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital. Para tanto, foram estabelecidos os seguintes: a) identificar, descrever e analisar o discurso polêmico em propagandas em mídia digital, mais especificamente nas principais redes sociais, YouTube, Twitter, Facebook e Instagram; b) observar e descrever os espaços/mídias em que circula tal discurso (redes sociais), bem como seu papel na construção do discurso polêmico; c) reconhecer e analisar o papel dos enunciadores na ampliação, na reacentuação ou na contraposição do discurso polêmico; e, por fim, d) identificar e analisar o papel das

hashtags na ampliação do discurso polêmico. Desse modo, fundamentando-se teórica e

metodologicamente na Concepção Dialógica de Linguagem, do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003 [1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975]; BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), busca-se elucidar conceitos no tocante à linguagem, ao discurso e ao enunciado e assume como perspectiva analítica a Análise Dialógica do Discurso (ADD) com base em Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e Rodrigues (2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012 [1929]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]). No que diz respeito ao discurso polêmico, parte-se dos estudos desenvolvidos pela pesquisadora francesa Ruth Amossy (2017; 2018; 2019), cujos trabalhos aprofundam-se acerca da natureza da polêmica da arte da argumentação e da retórica. Sendo assim, esta pesquisa delineia-se a partir da materialização do discurso polêmico em três propagandas na cultura digital, publicadas na plataforma do YouTube e reverberadas em outras redes sociais, pelos próprios usuários da rede, por meio do endosso de uma opinião acerca do debate gerado com a divulgação da peça publicitária. A pertinência deste estudo reside no enfoque dado às práticas discursivas hipersemiotizadas e produzidas nessa e para esta cultura digital. Além disso, mostra-se também relevante uma vez que revisita o conceito de polêmica, resgatando-o, desde as raízes aristotélicas até as tradicionais acepções de Perelman e Olbrechts-Tyteca, para atualizá-lo no espaço da cibercultura. E, finalmente, esta pesquisa possibilita a ampliação das discussões propostas por Amossy em terras brasileiras, no que toca à arte de polemizar em prol de uma democracia mais plural.

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ABSTRACT

FOLLONI, Aline Cristina de Souza. Polemical discourse on the social media: a dialogical interaction analysis in discursive arenas. 2020. 134 f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2020.

This paper carries out a Dialogic Conception of Language investigation in order to understand and to describe how the polemical discourse is constructed, produced and worked in advertisements produced in digital media. To this end, the following specific objectives have been established: a) to identify, describe and analyze the polemical discourse in digital media advertisements, more specifically on YouTube, Twitter, Facebook, and Instagram; b) to observe and describe the spaces/media in which such discourse circulates (social medias), as well as its role in the construction of the polemical discourse; c) to recognize and analyze the role of enunciators in the expansion, in the re-emphasization or in the contraposition of the polemical discourse; and, finally, d) to identify and analyze the role of hashtags in the expansion of the polemical discourse. Thus, relying theoretically and methodologically on the Dialogic Conception of Language of the Bakhtin Circle (BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003 [1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975]; BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), seeks to elucidate concepts regarding language, discourse and enunciation and assumes as analytical perspective the Dialogical Analysis of Discourse (ADD) based on Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e Rodrigues (2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012 [1929]; VOLOCHINÓV, 2018 [1929]). With regard to the controversial discourse, we start from the studies developed by the French researcher Ruth Amossy (2017; 2018; 2019), whose works deepen on the nature of the polemic of the art of argumentation and rhetoric. Thus, this research is delineated from the materialization of the controversial discourse in advertisements in digital culture, published on the YouTube platform and forwarded to other social medias, by the network users themselves, through the endorsement of an opinion about the debate generated by the dissemination of the advertising piece. The relevance of this study lies in the focus given to hypersemiotized discursive practices and produced in and for this digital culture. In addition, it is also relevant since it revisits the concept of polemics, rescuing it, from the Aristotelian roots to the traditional meanings of Perelman and Olbrechts-Tyteca, to update it in the cyberculture space. And, finally, this research allows the expansion of the discussions proposed by Amossy in Brazilian lands, regarding the art of polemizing in favor of a more plural democracy.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?" ...17

Figura 2 - Repercussão no Twitter ...18

Figura 3 - Meme produzido a partir da polêmica envolvendo a Gillette, publicada no Twitter ...19

Figura 4 - Screenshot do vídeo publicado no YouTube postado no Instagram ...19

Figura 5 - Postagem no Facebook ...20

Figura 6 - Sistema de busca do Twitter ...56

Figura 7 - Sistema de busca do Instagram ...56

Figura 8 - Sistema de busca do Facebook ...57

Figura 9 - Exemplo de restrição de público em uma postagem no Facebook ...57

Figura 10 - Ferramentas de publicação no Twitter ...64

Figura 11 - Exemplo de tweet com mesclagem de texto e vídeo (TB01) ...65

Figura 12 - Opções dentro do campo "reações" do Twitter ...65

Figura 13 - Interface do Twitter, versão mobile ...67

Figura 14 - Interface do Facebook, versão mobile ...67

Figura 15 - Interface do Instagram, versão mobile ...68

Figura 16 - TK01 ...69

Figura 17 - IG01 ...71

Figura 18 - Opções de compartilhamento do Instagram ...71

Figura 19 - Ampliação do modo "curtir” (FK01) ...72

Figura 20 - Sequência de sentimentos recorrentes diante da postagem ...72

Figura 21 - Opções de compartilhamento do Facebook ...73

Figura 22 - Opções de compartilhamento do YouTube ...74

Figura 23 - YG01 ...74

Figura 24 - Campo comentários do YouTube ...75

Figura 25 - Modo de exibição dos comentários ...75

Figura 26 - Screenshot do anúncio da Empiricus ...76

Figura 27 - IG01 ...77 Figura 28 - TB02 ...77 Figura 29 - TB03 ...77 Figura 30 - TB04 ...78 Figura 31 - TB05 ...79 Figura 32 - TB06 ...79 Figura 33 - IB01 ...79 Figura 34 - IB02 ...80 Figura 35 - IB03 ...80

Figura 36 - Meme Bettina (TB07) ...85

Figura 37 - TB08 ...86

Figura 38 - Tweet que deu origem à hashtag #metoo...89

Figura 39 - Tweet de 30 de agosto de 2020 ...89

Figura 40 - A doxa de se barbear em frente ao espelho do banheiro ...92

Figura 41 - Propaganda de 1989 ...93

Figura 42 - Enunciado de 1989 citado no de 2019 (YG02)...94

Figura 43 - Segundo trecho da propaganda de 1989 exibido na campanha de 2019 (YG03) 94 Figura 44 - Rompimento com a voz do enunciado de 1989 (YG04) ...96

Figura 45 - Trecho da campanha em que noticiários comentam as denúncias envolvendo o movimento "me too." ...97

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Figura 46 - Clichê do Bullying (YG05) ...98

Figura 47 - Clichê do fiu-fiu, inclusive em desenhos animados (YG06) ...99

Figura 48 - Clichê dos programas de TV fazendo humor com assédio (YG07) ...99

Figura 49 - Clichê da objetificação da mulher (YG08) ...99

Figura 50 - Clichê do mundo de negócios ser chefiado por homens e a prática do manterrupting (YG09) ...100

Figura 51 - Clichê do clichê - Boys will be boys (YG10) ...100

Figura 52 - Terry Crews apoiando o movimento "me too." e declarando que a responsabilidade sobre tais atitudes recaem sobre os próprios homens (YG11) ...101

Figura 53 - Rapaz repreende o outro por mexer com as meninas (YG12) ...101

Figura 54 - Rapaz impede que o outro avance em direção à moça (YG13) ...101

Figura 55 - Exibição de homens reais "fazendo a coisa certa" : apartando brigas (YG14) ..102

Figura 56 - Exibição de homens reais “dizendo a coisa certa”: valorizando as mulheres desde cedo, enquanto pais (YG15) ...102

Figura 57 - Rompendo o clichê de "boys will be boys" (YG16) ...102

Figura 58 - Desfecho inspirador da cena que perpassa o vídeo (YG17) - vide YG04 e YG05 ...103

Figura 59 - The men of tomorrow ...104

Figura 60 - "The Best a Man Can Get" reenunciado (YG18) ...104

Figura 61 - Polêmica velada (YG19) ...105

Figura 62 - "Gillette não terá mais meu dinheiro" (TG01) ...106

Figura 63 - "Meu nome é #Mustard e eu estou destruindo minha lâmina de barbear #Gillette" (TG02)...106

Figura 64 - O boicote, inclusive, chegou ao Brasil (TG03) ...107

Figura 65 - "Eu trouxe a vocês o amor"; "Está trazendo amor! Não deixem que fuja! Quebrem as pernas deles!" (IG02) ...107

Figura 66 - Tweet repostado no Instagram (IG03) ...108

Figura 67 - Egard Watches publicou o vídeo tanto no YouTube quanto no Instagram (IG04) ...108

Figura 68 - Tweet elogiando a iniciativa da empresa, com um link de um jornal (TG4) ...109

Figura 69 - Vídeo de reação entre pais e filhos ao comercial (YG20) ...109

Figura 70 - Krespinha ...110

Figura 71 - Black Lives Matter no Brasil ...113

Figura 72 - O perfil Black Lives Matter americano propõe um boicote, em nível internacional, à rede Carrefour, após o ocorrido no Rio Grande do Sul ...114

Figura 73 - Uma das reações-resposta ativa direcionada à Bombril (IK03) ...115

Figura 74 - Repercussão por parte de maioria negra diante do produto Krespinha (TK02) 116 Figura 75 - TK03 ...117

Figura 76 - IK01 ...118

Figura 77 - YK01 ...119

Figura 78 - IK02 ...120

Figura 79 - Comentário em IK02 ...120

Figura 80 - Réplica do comentário agressivo (IK02) ...121

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Corpus ...58

Tabela 2 - Hashtags buscadas sobre a campanha da Gillette ...59

Tabela 3 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Empiricus ...59

Tabela 4 - Hashtags buscadas sobre a propaganda da Bombril ...59

Tabela 5 - Legenda para organização dos dados (redes sociais) ...59

Tabela 6 - Legenda para organização dos dados (propagandas) ...59

Tabela 7 - Relação dos vídeos da Empiricus protagonizados por Bettina antes da propaganda que gerou a polêmica ...81

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SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 13

2. REFERENCIAL TEÓRICO ... 24

2.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM...24

2.2 A POLÊMICA EM BAKHTIN: CONCEITUANDO ARENA DISCURSIVA... 30

2.3 DA RETÓRICA AO DISCURSO POLÊMICO... 38

3. PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ... 49

3.1 O FAZER PESQUISA NA ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO... 49

3.2 SOBRE O PARADIGMA INDICIÁRIO... 53

3.3 GERAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA... 55

4. VAMOS ÀS POLÊMICAS? ... 61

4.1 A POLÊMICA E AS MÍDIAS: ACENTUAÇÃO, AMPLIAÇÃO E VALORAÇÃO... 61

4.2 “OI, MEU NOME É BETTINA”: A POLÊMICA DE UM MILHÃO E QUARENTA E DOIS MIL MEMES... 76

4.3 OS MELHORES HOMENS PODEM SER ALVOS DE POLÊMICA: A ARQUITETÔNICA DO DISCURSO POLÊMICO... 87

4.4 ENCRESPOU PARA A BOMBRIL: KRESPINHA E A COMPREENSÃO RESPONSIVA-ATIVA... 110

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DIALOGISMO NA PRÁTICA ... 124

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Integrado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e, mais especificamente, inserido na linha de pesquisa Multiletramentos, discurso e processos de produção de sentidos, este estudo procura contemplar questões pertinentes à área de concentração do programa,

Linguagem e Tecnologia.

Esta pesquisa tem como objetivo compreender e descrever os modos de construção, produção e circulação do discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital. Partindo do mirante teórico-metodológico da Análise Dialógica do Discurso (ADD), assume-se que o objeto de análise é a própria linguagem e sua unidade básica, o enunciado, o discurso polêmico. Discurso, na perspectiva do Círculo de Bakhtin, é a “língua em sua integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1981, p. 157), isto é, permeada por relações

dialógicas.

O enunciado vivo, que surgiu de modo consciente num determinado momento histórico em um meio social determinado, não pode deixar de tocar milhares de linhas dialógicas vivas envoltas pela consciência sócio-ideológica no entorno de um dado objeto da enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. É a partir daí que o enunciado emerge, desse diálogo como sua continuidade, como uma réplica e não como se com ele se relacionasse à parte. (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 49).

Em outras palavras, o caráter dialógico da linguagem diz respeito às relações de um enunciado com outros que já foram proferidos ou que virão a ser ditos. É importante destacar que o dialogismo bakhtiniano não implica em um consenso ou uma síntese, mas em um constante jogo discursivo de palavras e contrapalavras que se dão nas arenas enunciativas. E é aí que reside a polêmica.

Amossy (2017) adota uma perspectiva que contempla justamente essa relação dissensual do discurso, pois, segundo ela:

Se, de fato, o conflito é inevitável em nossas democracias pluralistas e se o cerne da democracia não é o consenso, mas a gestão do dissenso, então a polêmica como confronto verbal de opiniões contraditórias que não leva a um acordo utópico deve ser reconsiderada em profundidade. É, por conseguinte, uma retórica do dissenso que é necessário desenvolver, na qual a polêmica deve ter lugar de destaque. (p.38, grifos originais).

Compreendendo, desse modo, a importância de se refletir sobre o papel da polêmica e da relação dissensual dentro de uma cultura, onde há o constante encontro/confronto de opiniões divergentes sobre assuntos de interesse coletivo, considera-se pertinente trazer à

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luz, sob uma perspectiva dialógica de linguagem, estudos que contemplem a materialização dos discursos produzidos nas mídias digitais; uma vez que essas mídias têm representado um dos principais meios de interação entre os integrantes da vida pública.

Nesse sentido, confere-se às mídias um papel de destaque na formação de opinião pública. Os materiais impressos, tais como jornais e revistas, os equipamentos eletrônicos, como a televisão e o rádio, e os conteúdos digitais, presentes, especialmente, na Internet, propiciam a produção e a circulação de discursos, de modo a cambiar valorações sobre os temas em circulação social. Essa função torna-se ainda mais acentuada no meio digital, visto que se verifica uma simultaneidade de vozes dissonantes entre si, promovendo um embate de ideias; sendo, dessa forma, um campo fértil para a criação da polêmica.

É importante destacar que, na esfera pública, o que se observa é um predomínio do

dissenso, principalmente, em se tratando da produção discursiva que circula na Internet. Isso

porque o usuário, diferentemente do telespectador/ouvinte de rádio/leitor de impressos, tem maior possibilidade de interagir e, consequentemente, de expor/materializar sua opinião, por meio dos comentários nos próprios sites de notícias, de uma postagem no Facebook, de um

tweet no Twitter ou do stories no Instagram.

O usuário digital, a partir dessa responsividade ativa, contribui para a circulação, a promoção de debates e o acaloramento de discussões acerca dos temas que circulam na mídia; enquanto as instituições são as responsáveis por controlar e manipular o agendamento de temas a serem veiculados, direcionando o interesse do público, favorecendo a falsa ilusão de autonomia por parte dos usuários1. De acordo com o professor e jornalista Maxwell McCombs (2009), “Enquanto muitos temas competem pela atenção do público, somente alguns são bem-sucedidos em conquistá-lo, e os veículos noticiosos exercem influência significativa sobre nossas percepções sobre quais os assuntos mais importantes.” (p. 19).

Quem se beneficia desse agendamento são as propagandas de marcas, de produtos ou de serviços que ganham notoriedade nas mídias por alguma razão, inclusive, sendo objeto de polêmicas.

Propaganda, segundo a definição de Nickels e Wood (1999), é “qualquer comunicação paga e não-pessoal iniciada por uma empresa com o objetivo de criar ou

1 A polêmica pode irromper também a partir do descontrole; isto é, os usuários, por meio de comentários e postagens, podem encaminhar a discussão nas mídias digitais de modo a desestabilizar o debate, podendo acarretar em bloqueios e/ou banição de comentários, denúncias e, inclusive, tentativa de exclusão do conteúdo, por parte das empresas. Essas ações podem inflamar ainda mais a polêmica uma vez que representa uma posição dentro da arena discursiva: dar voz ao silenciamento. Entende-se que o silêncio, dentro da Análise do Discurso Francesa, é prenhe de sentidos (ORLANDI, 1997), assim, provocar o silenciamento dos usuários (censurar) ou abster-se em se pronunciar a respeito de um assunto é também uma forma de resposta.

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continuar relações de troca com os clientes, e muitas vezes com os outros grupos de interesses.” (p. 323). A concepção de “não-pessoal” empregada aqui refere-se, justamente, pela intermediação da mídia, isto é, existe um veículo responsável em produzir e fazer circular a propaganda, não sendo, portanto, repassada de pessoa para pessoa (pessoal).

Entretanto, observa-se que essa característica de impessoalidade da mídia vem sendo desmontada a partir da relação entre usuários de redes sociais. Apesar de ainda haver uma mídia intermediando a propaganda, os próprios usuários podem retransmitir esses materiais em suas páginas/perfis pessoais, aumentando o alcance da publicidade em questão.

As redes sociais são, segundo Recuero (2014), grupos sociais formados por pessoas em interação. Portanto, Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Whatsapp, entre outros ciberespaços, são ferramentas que proporcionam a interação de seus usuários. Assim, são as pessoas e, mais especificamente, suas conversações que compõem esses ambientes digitais, “traze[ndo] informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e intenções de grandes grupos de pessoas.” (p.17).

Desse modo, nota-se um crescente interesse das marcas em promover propagandas inseridas, quase que exclusivamente, nas redes sociais. Essa estratégia é profícua, conforme aponta Philip Kotler (2009), uma vez que a publicidade faz-se “sozinha”, acarretando menor custo para as empresas; maior liberdade de criação dos comerciais, tendo em vista a vasta gama de recursos audiovisuais possíveis dentro das ferramentas digitais, além da inexistência da limitação no tempo de exibição/transmissão, como ocorre com as mídias tradicionais, tais como o rádio e a televisão; além de tornar-se atemporal, considerando a facilidade em resgatá-la por meio dos mecanismos de busca disponíveis na Internet.

Santos (2018) adaptou um quadro comparativo proposto por Ferreira Jr. e Queiroz (2015) entre as mídias tradicionais e as digitais; e o que se observa é o papel ativo do consumidor na propagação e na manutenção da publicidade, uma vez que o veículo – mídias sociais -, em que é divulgada a propaganda, possibilita a interação de usuários, seu compartilhamento e ganha repercussão por meio de comentários, memes ou polêmicas envolvendo seu conteúdo. No que diz respeito ao marketing tradicional, o qual se utiliza do rádio, da televisão e de materiais impressos para sua divulgação, além de uma relação mais agressiva com o consumidor, ao “empurrar” o conteúdo, interrompendo a programação, a mensagem transmitida é unilateral, isto é, não traz o elemento da pessoalidade ao produto ou à marca, permitindo o estabelecimento de uma relação entre seus clientes e seu anúncio.

A partir desse panorama, podemos aventar que há uma posição mais ativa por parte dos usuários na propagação e manutenção da publicidade disponibilizada por meio do

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marketing digital2. Essa relação pode ser percebida com base nos verbos elencados na comparação: divulgar x publicar – “publicar” nesse contexto está relacionada com a ação digital de postar algo em algum lugar na rede, em oposição à ideia de “divulgar”, que pressupõe um ato unilateral, próximo à noção de “comunicar”; esperar x buscar – as empresas esperam em uma mídia tradicional o interesse pelo público, enquanto na digital, o público busca as empresas; interromper x compartilhar – aqui as ações remetem a uma relação mais amistosa entre consumidor e empresa, enquanto na mídia tradicional a publicidade é imposta, na digital, há uma conexão consensual; comunicar x interagir – novamente, nesse aspecto, busca-se com o espaço virtual uma aproximação entre cliente e empresa, diferentemente de um relacionamento impositivo.

Essa relação de proximidade estabelecida entre consumidor e empresa favorece a formação de uma identidade, isto é, o usuário da rede identifica-se, ou não, com determinada marca ou determinado produto3. E “[à] proporção que as características do consumidor forem similares às da marca - e vice-versa -, podemos dizer que há uma grande possibilidade desses parceiros estabelecerem um relacionamento (duradouro).” (MELLO; FONSECA, 2008). Tal relacionamento pode ser fomentado a partir de propagandas, em que há a mobilização de emoções (pathos) a fim de atrair e aproximar o público-alvo. São por meio de anúncios publicitários que a empresa coloca-se no mercado, expondo sua missão, seus valores e seu posicionamento diante de temas da sociedade. Assim, ao abordar assuntos relevantes, dentro de uma sociedade, por meio de propagandas, em que há a opinião veiculada de uma empresa/marca sobre aquele tópico, propõe-se a discussão entre seu público-alvo e outros, que podem ser favoráveis ao posicionamento e passar a estar, então, dispostos a contribuir com aquela causa, divulgando ou adquirindo produtos. Por outro lado, haverá outra parcela de público contrário, o qual poderá promover um debate e, às vezes até mesmo, sugerir um boicote, tendo em vista sua indisposição com as ideias daquela empresa. Esse movimento gera uma polêmica entre públicos o que direciona a empresa ou a marca para uma arena discursiva. Sendo as redes um dos maiores espaços em que há a promoção de debates, a peça publicitária passa a ganhar uma visibilidade dentro desse espaço virtual, gerando um maior alcance de seu nome.

2 O marketing digital é um desdobramento do conceito de marketing em que há a utilização dos recursos digitais visando o relacionamento entre empresa e cliente de modo mais rápido, personalizado e significativo, de acordo com a explicação da Escola do Marketing Digital, em sua página de apresentação.

3 Essa formação, inclusive, tem sido denominada de tribalismo pós-moderno, uma vez que usuários agrupam-se virtualmente de acordo com agrupam-seus interesagrupam-ses comuns. O conceito foi proposto por Lívia de Pádua Nóbrega, na obra Construção de identidades nas redes sociais. Definição em:

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Exemplos nas redes sociais não faltam. Basta digitar na barra de busca do YouTube “propaganda polêmica” e ter acesso às mais variadas propagandas, de diferentes produtos, marcas ou serviços, antigas ou atuais, protagonistas de debates por diversos motivos. Porém, o que se verifica é que a arena em que se instaura a discussão dos pontos de vista divergentes migra, com relativa frequência, de rede social, ganhando contornos próprios de cada rede. Não é incomum deparar-se com um tweet acerca de uma publicidade originária do YouTube, por exemplo.

Apenas à título de ilustração, tome-se a propaganda da Gillette4, lançada em 13 de janeiro de 2019. “The best men can be”5 é uma atualização do antigo slogan da marca, “The best a man can get”6, lançado em 1989. Esse relançamento busca ressignificar a concepção de masculinidade, criticando atitudes “típicas” de homens que se repetem geração após geração: o fiu-fiu nas ruas, a briga entre colegas, o bullying, a agressividade nas brincadeiras, entre outros comportamentos. A ideia da peça publicitária é rebater essa postura de normalizar para as crianças o assédio sexual e a violência, considerados próprios do sexo masculino, podendo ser encarada como uma masculinidade tóxica, uma alusão ao movimento MeToo7.

Figura 1 - "Boys will be boys" x "That’s not how we treat each other, okay?"8

Fonte: Propaganda Gillette (2019)

4 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0 5 “O melhor que os homens podem ser” (tradução da autora) 6 “O melhor que um homem pode conseguir” (tradução da autora)

7 O movimento MeToo criado pela ativista norte-americana Tarana Burke, em 2006, busca apoiar, principalmente, mulheres jovens negras a denunciarem abusos e assédios sexuais. Em 2017, a frase tornou-se

hashtag (#metoo) e invadiu as redes sociais após a série de denúncias contra o produtor hollywoodiano Harvey

Weinstein. Alyssa Milano, atriz americana, foi a primeira a utilizar a #metoo em sua conta pessoal do Twitter e lançou um convite a todos que já sofreram algum tipo de violência sexual a responderem seu tweet com a mesma hashtag. A atitude dela ganhou proporção mundial, graças ao alcance das redes sociais, e deu a oportunidade de homens e mulheres de demonstrar empatia e, de certa forma, caminharem para a superação de um trauma. No último capítulo, há mais detalhes acerca desse movimento.

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O anúncio foi divulgado na plataforma YouTube, no canal norte-americano, porém, ganhou repercussão mundial. Isso porque o comercial tornou-se polêmico, instaurando uma discussão nas próprias redes sociais acerca do posicionamento generalizante da marca Gillette; a qual, segundo alegam alguns internautas, sugere que todos os homens têm um comportamento agressivo e abusador.

A polêmica, todavia, não se restringiu ao YouTube, onde foi primariamente lançado. Com uma avaliação negativa de 1,5 milhões contra 811 mil9 na plataforma inicial, o vídeo tornou-se pauta também no Twitter e tem sido assunto mesmo meses10 depois de ter sido divulgado.

Figura 2 - Repercussão no Twitter11

Fonte: Tweet do jornal "The Independent" (15 jan. 2019)

No dia 10 de maio de 2019, um meme criado a partir da propaganda da Gillette, em uma atividade proposta na aula de Teoria Feminista, transformou-se em um tweet, após ter sido publicado pelo departamento de Estudos Femininos e de Gênero da Universidade do Missouri.

9 Likes e dislikes em 05 abr. 2020, às 11h13.

10 O que se observa é a manutenção do uso de hashtags que perpetuam a polêmica, conectando enunciados constituindo uma cadeia enunciativa. Todos os screenshots, apresentados neste capítulo inicial, foram obtidos por meio da pesquisa do uso da hashtag #thebestmencanbe, o slogan da campanha.

11 Piers Morgan: “Eu sempre usei a lâmina de barbear @Gillette, mas esse moralismo sem noção faz com que eu queira me afastar desse atual ataque patético global sobre masculinidade. Deixem meninos serem meninos, droga. Deixem homens serem homens, droga.” (Tradução da autora).

Paul Joseph Watson: “Insultar a maioria dos seus próprios consumidores afirmando que todos devem

ser abusadores e desagradáveis tem que ser considerada como a campanha de marketing mais original em décadas” (Tradução da autora).

James Woods: “Tão legal ver a @Gillette juntando-se à campanha promovida pela mídia e por

Hollywood de que “homens são horríveis”. Eu sou um que nunca mais uso um produto deles novamente.” (Tradução da autora).

Greg Gutfeld: “Os únicos aplaudindo a propaganda da Gillette são aqueles que trabalham com

publicidade, todos os outros veem pelo que é: Um sinal condescendente e bajulador de um moralismo direcionado a homens trabalhadores e decentes que eles têm "enfiado a faca" por anos.” (Tradução da autora).

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Figura 3 - Meme produzido a partir da polêmica envolvendo a Gillette, publicada no Twitter

Fonte: Tweet do Departamento de Estudos Femininos e de Gênero da Universidade do Missouri (10 mai. 2019)

A propaganda repercutiu também no Instagram, por meio de screenshots do próprio vídeo e de tweets, e também de referências à marca em legendas de fotos, via hashtags.

Figura 4 - Screenshot do vídeo publicado no YouTube postado no Instagram12

Fonte: Instagram (@bitacoradesiglo, 2019)

12 “Convido vocês a darem dislike no YouTube no comercial da Gillette. Por quê? Pela sua contribuição a guerra dos sexos e a demonização do homem.” (Tradução da autora)

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No Facebook, os usuários também deram sua contribuição, por exemplo, republicando notícias sobre a propaganda.

Figura 5 - Postagem no Facebook

Fonte: Facebook (PapoPreta, 2019)

Nota-se com isso, a ampliação, a reacentuação e a manutenção do discurso polêmico interredes sociais disparado por uma propaganda lançada há meses.

Investigar o percurso traçado pelo discurso polêmico é o que justifica a mobilização, nesta pesquisa, do paradigma indiciário. Paradigma indiciário, ou método indiciário, caracteriza-se como sendo um conjunto de princípios e procedimentos de investigação voltado para o detalhe, isto é, quando na observação do dado, busca-se o marginal, o vestígio, a pista, que pode ser a chave para a interpretação de certo objeto e de seu papel em determinado contexto social. (COELHO, 2014).

Partindo dessa metodologia e da noção de discurso polêmico, este estudo focaliza enunciados caracterizados como “polêmicos” produzidos na cultura digital a partir da Análise Dialógica do Discurso (ADD) e da concepção de polêmica trazida por Amossy (2017). Segundo Rohling (2014), no que tange à ADD, houve um movimento na década de 1990, por parte de pesquisadores brasileiros, de recuperar conceitos bakhtinianos e de mobilizá-los em estudos envolvendo a linguagem. Esse resgate possibilitou o que podemos chamar de uma análise/teoria dialógica do discurso, a ADD. Sendo assim, “esse embasamento constitutivo diz respeito a uma concepção de linguagem, de construção e produção de sentidos necessariamente apoiadas nas relações discursivas empreendidas por sujeitos historicamente situados.” (BRAIT, 2018, p. 10).

Logo, nesse contexto de produção de discursos polêmicos, esta pesquisa tem por objetivo geral compreender e descrever os modos de construção, produção e circulação do

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discurso polêmico em propagandas produzidas em mídia digital. Assim, o próprio discurso polêmico, sobre variadas temáticas, é objeto do presente estudo. Para alcançar o objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) identificar, descrever e analisar o discurso polêmico em propagandas em mídia digital, mais especificamente nas principais redes sociais, YouTube, Twitter, Facebook e Instagram; b) observar e descrever os espaços/mídias em que circula tal discurso (redes sociais), bem como seu papel na construção do discurso polêmico; c) reconhecer e analisar o papel dos enunciadores na ampliação, na reacentuação ou na contraposição do discurso polêmico; e, por fim, d) identificar e analisar o papel das hashtags na ampliação do discurso polêmico.

Para tanto, o estudo toma como base teórica e metodológica a Concepção Dialógica de Linguagem, do Círculo de Bakhtin (BAKHTIN, 1981 [1963]; BAKHTIN, 1987; BAKHTIN, 2002 [1975]; BAKHTIN, 2003 [1951/1953]; BAKHTIN, 2008 [1963]; BAKHTIN, 2010 [1920]; BAKHTIN, 2014 [1975]; BAKHTIN, 2015 [1930]; MEDVIÉDEV, 2012 [1928]; VOLÓCHINOV, 2013 [1930]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]), a fim de elucidar conceitos no tocante à linguagem, ao discurso e ao enunciado, e assume como perspectiva analítica a Análise Dialógica do Discurso (ADD) com base nos trabalhos de Brait (2006); Rohling (2009; 2014) Acosta Pereira (2012) e Rodrigues (2005) e no Método Sociológico de Estudo da Linguagem (MEDVIÉDEV, 2012 [1929]; VOLÓCHINOV, 2018 [1929]).

Quanto ao discurso polêmico, recorrer-se-á às reflexões da pesquisadora francesa Ruth Amossy (2017; 2018; 2019), cujos trabalhos aprofundam acerca da natureza da polêmica e da retórica.

Essa investigação mostra-se pertinente uma vez que põe em relevo práticas discursivas hiperssemiotizadas e produzidas nessa e para essa cultura digital. Tais práticas têm sido amplamente utilizadas em portais de notícias e nas redes sociais, diversificando o modo de divulgar informações e ampliando sentidos. Conforme apontado por Barton e Lee (2015),

As pessoas mobilizam recursos semióticos para construir sentido e afirmar suas relações com os significados expressos. Em particular, elas combinam imagens e outros recursos visuais com a palavra escrita online. Novas relações de linguagem e imagem estão se desenvolvendo. A imagem não está substituindo a linguagem, mas estamos percebendo novas formas de esses modos trabalharem poderosamente em conjunto. (p. 33)

Dessa forma, voltar-se para esse modo de produção é uma possibilidade de ampliar a compreensão que se tem do que é a cultura digital e de que modo ela opera, contemplando sua principal ferramenta: a linguagem.

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Ademais, o estudo mostra-se relevante ao trazer à arena de discussão a polêmica revisitada, tal qual postula Amossy (2017), isto é, passando pela retórica aristotélica, pelos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca, chega-se a uma teoria mais recente relativa ao que denomina polêmica, não mais em um sentido negativo do termo, mas enquanto requisito para o exercício de uma democracia plural.

Com relação a pesquisas já desenvolvidas sobre o discurso polêmico e propagandas, podemos citar a dissertação intitulada “A polêmica como estratégia persuasiva no discurso da publicidade e propaganda” (AZEVEDO, 2013), dentro da área da comunicação social. O estudo preocupou-se em analisar em que medida o choque, o sensacionalismo e o espetáculo contribuem para a promoção de peças publicitárias. Contudo, tanto o aporte teórico quanto a metodologia empregados nesse trabalho diferem em relação à proposta da presente pesquisa. Além disso, este trabalho promove uma aproximação entre a Concepção Dialógica da Linguagem do Círculo de Bakhtin e os estudos da polêmica, algo que ainda tem sido feito timidamente. Uma das pesquisas mais recentes, nesse sentido, é o artigo “Violência verbal nos comentários de leitores publicados em sites de notícia”, de Dóris de Arruda C. da Cunha (2013)13, o qual busca analisar o modus operandi da violência verbal em comentários online, assumindo um ponto de vista dialógico da linguagem. Outros textos estabelecendo uma relação epistemológica entre os estudos do Círculo de Bakhtin e as pesquisas recentes de Amossy foram localizados, em uma busca virtual, entretanto, constatou-se que outros conceitos de Amossy serviram de base – e não a polêmica – como a questão do ethos e do estereótipo, para citar apenas dois exemplos.

Diante disso, esta investigação pretende responder à seguinte questão de pesquisa: Como o discurso polêmico é constituído a partir de propagandas que circulam em mídias digitais? A fim de solucionar a questão, foi realizado um recorte de dados a partir do conceito discurso polêmico, e não por uma temática em si. Nesse sentido, o que se busca são discursos polemizados em propagandas na cultura digital, compreendidos entre 2019 e 2020, publicadas na plataforma do YouTube e, posteriormente, veiculadas no Instagram, Facebook e Twitter pelos próprios usuários, os quais adotam um ponto de vista diante do debate instaurado pelo anúncio publicitário. Apesar de tais polêmicas – recortadas nesta pesquisa – terem um horizonte temático diversificado, o fio condutor da análise partirá não sobre o que gerou a polêmica, e sim, como.

Esta dissertação está organizada três em capítulos. No primeiro, há uma apresentação

13 Calidoscópio Vol. 11, n. 3, p. 241-249, set/dez 2013 © 2013 by Unisinos - doi: 10.4013/cld.2013.113.02. Disponível em: http://www.revistas.unisinos.br/index.php/calidoscopio/article/viewFile/cld.2013.113.02/3761

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da fundamentação teórica. Nesse momento, os seguintes assuntos são abordados: a) linguagem, discurso e a concepção de enunciado concreto, na perspectiva bakhtiniana; b) o conceito de arena discursiva, ainda do ponto de vista de Bakhtin; e, c) o percurso da retórica até o discurso polêmico, na perspectiva de Ruth Amossy. No segundo capítulo, por sua vez, é apresentado o caminho metodológico que foi percorrido. Assim, na seção de Metodologia, portanto, contempla-se o objeto da pesquisa, seguido de uma descrição do contexto em que foram gerados os dados. Finalmente, no terceiro e último capítulo, há a análise, em que se buscou compreender inicialmente os elementos que tornam uma propaganda alvo de polêmicas e seu percurso dentro da Internet, principalmente, dentro das redes sociais. Por fim, as considerações finais resultantes da pesquisa.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

“A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor.” (BAKHTIN, 2003, p. 291, grifos originais). Com essa afirmação, abrimos este capítulo, que tem como objetivo, em um primeiro momento, discutir aspectos da linguagem a partir de um viés dialógico, seguida da mobilização de conceitos pertinentes à compreensão da polêmica.

Promover uma aproximação entre os pressupostos bakhtinianos e os estudos mais recentes envolvendo a polêmica é um dos interesses desta pesquisa. Desse modo, justifica-se iniciar a discussão teórica com essa concepção da atitude responsiva ativa por parte dos interlocutores, uma vez que são assentados nela os embates produzidos no discurso polêmico.

Sendo assim, ancorada em uma perspectiva dialógica da linguagem, esta pesquisa articula: a) conceitos-chave do filósofo russo Mikhail Bakhtin e seu Círculo, tais como a concepção de linguagem, discurso e enunciado concreto, e seus desdobramentos a partir da Análise Dialógica do Discurso (ADD) e b) as discussões promovidas por Ruth Amossy, no que diz respeito ao discurso polêmico.

Partindo disso, este capítulo de referencial teórico organiza-se em subseções a fim de contemplar os conceitos mobilizados nesta pesquisa. Assim, inicialmente, tratamos da acepção bakhtiniana acerca: a) da linguagem, do discurso e do enunciado concreto; e, b) da arena discursiva. Em seguida, discorre-se sobre o percurso dos estudos argumentativos até o que se entende hoje por discurso polêmico, culminando nos estudos desenvolvidos por Amossy.

2.1 CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE LINGUAGEM

As reflexões desenvolvidas acerca da linguagem a partir da concepção dialógica distanciam-se de uma visão reducionista da língua enquanto sistema estável, abstrato e desprovido de ideologia.

Não tomamos a língua como um sistema de categorias gramaticais abstratas; tomamos a língua ideologicamente preenchida, a língua enquanto cosmovisão e até como uma opinião concreta que assegura um maximum de compreensão mútua em todos os campos da vida ideológica. (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 40, grifos do

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autor)

Sob esse prisma, portanto, assume-se língua como um objeto vivo e dinâmico, estratificado e impregnado de ideologia, valores e sentidos. Nela, registram-se camadas tanto de dialetos, no sentido linguístico do termo, quanto na variedade de linguagens (socioideológicas, de grupos sociais, profissionais, de gerações, de gêneros, etc.) (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 41); enredando-se em sua materialidade heterodiscursiva14.

Heterodiscurso, na visão bakhtiniana, segundo palavras de Bezerra, no prefácio de

Teoria do Romance I (2015),

é o produto da estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos sociais, falares de grupos, jargões profissionais, e compreende toda variedade de vozes e discursos que povoam a vida social, divergindo aqui, contrapondo-se ali, combinando-se adiante, relativizando-se uns aos outros e cada um procurando seu próprio espaço de realização. O resultado de tudo isso é um mundo povoado por um heterodiscurso oriundo das linguagens de gerações e das faixas etárias, das tendências e dos partidos, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras, dos dias sociopolíticos e até das horas, em suma, de todas as manifestações da experiência humana individual e social e da vida das ideias. Trata-se de um universo discursivo povoado por uma diversidade de linguagens e vozes sociais, que são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua compreensão verbalizada, horizontes semânticos e axiológicos. (p. 12-13)

A heterodiscursividade, portanto, associa-se a uma ideia de mundo enquanto acontecimento, de realidade construída socialmente, em um dado tempo-espaço, e de conceber o ser como sendo constituído pelo discurso (BEZERRA, 2015)15. O heterodiscurso é situado, sob essa perspectiva, na relação dialógica entre falantes e ouvintes, os quais agem sobre a língua referenciando um objeto no mundo a partir de seus horizontes valorativos e ideológicos; assim como se estabelece uma relação dialógica entre os enunciados acerca desse mesmo objeto, mobilizando os “já-ditos” sobre ele e antecipando uma responsividade, ou seja, os serão-ditos.

É relevante destacar que, sobre o heterodiscurso atuam forças centrípetas e

centrífugas. As forças centrípetas realizam um movimento de centralização da língua e da

cultura.

A língua única e comum é um sistema de normas linguísticas. Contudo, essas normas não são um imperativo abstrato, mas forças criadoras da vida da língua, que superam o heterodiscurso da linguagem, unificam e centralizam o pensamento

14 Paulo Bezerra, tradutor das obras de Bakhtin direto do russo, destaca no Prefácio de Teoria do Romance I, a dificuldade em manter-se fiel ao conteúdo da obra e a escolha lexical da língua de partida, uma vez que, nem sempre a língua contempla o termo adequado a atender a demanda de tradução. Um desses casos, segundo o autor, é a palavra russa “raznorétchie”, que significa “diversidade de discursos” ou “heterodiscurso”. No Brasil, adotou-se “heteroglossia” ou “plurilinguismo”, em algumas traduções, porém, o tradutor entende que tais termos não correspondem à ideia bakhtiniana de “diversidade de discursos”. Portanto, Bezerra optou, em Teoria do Romance I (2015), utilizar a expressão “heterodiscurso” a fim de aproximar-se da noção russa do termo. Sendo assim, assume-se também nesta pesquisa o emprego do termo “heterodiscurso”.

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verboideológico, criam no interior da língua nacional heterodiscursiva um núcleo linguístico firme e estável da língua literária oficialmente reconhecida ou protegem essa língua já formada contra a pressão do crescente heterodiscurso. (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 40).

Logo, a força centrípeta regula e impõe limites à língua, “assegura[ndo] certo

maximum de compreensão mútua” (BAKHTIN, 2015 [1975], p. 40), além de protegê-la do heterodiscurso.

Simultaneamente, a força centrífuga age em um movimento de descentralização e

separação (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 41, grifos do autor).

A estratificação e o heterodiscurso se ampliam e se aprofundam enquanto a língua está viva e em desenvolvimento; ao lado das formas centrípetas segue o trabalho incessante das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização verboideológica e da unificação desenvolvem-se incessantemente os processos de

descentralização e separação. (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 41, grifos do autor).

Sendo assim, em cada enunciado concreto ambas as forças, centrípetas e centrífugas, atuam sobre a língua, consistindo em um heterodiscurso dialogizado. “O autêntico meio da enunciação, no qual ela se forma e vive, é justamente o heterodiscurso dialogizado, anônimo e social como a língua, mas concreto, rico em conteúdo e acentuado como enunciação individual.” (BAKHTIN, 2015 [1930], p. 42, grifo meu).

O enunciado concreto constitui-se, desse modo, enquanto arena, uma vez que representa “um microcosmo da luta entre as forças de centralização (centrípetas) e as de descentralização da linguagem (centrífugas), em todos os estágios da existência histórica e social.” (CAMPOS, 2009, p. 118).

Tal existência histórica e social da linguagem se materializa semioticamente, de modo que Bakhtin (1981) reconhece a importância das relações lógicas e concreto-semânticas, isto é, linguísticas, porém, enfatiza que “[a]s relações dialógicas (...) são irredutíveis a estas e têm especificidade própria.” (p. 159). Isso porque para cumprirem seu papel na qualidade de linguagem, “as relações lógicas e concreto-semânticas devem (...) materializar-se, ou seja, devem passar a outro campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela expressa.” (p. 159, grifo do autor).

Diante do exposto, toma-se linguagem, conforme já mencionado, como sendo “um produto da vida social” (VOLÓCHINOV, 1981 [1930], p. 288) não estático, visto que “ela está em perpétuo vir a ser e, em seu desenvolvimento, ela segue a evolução da vida social” (VOLÓCHINOV, 1981 [1930], p. 288), sendo a interação verbal sua realidade fundamental (TODOROV, 1981, p. 71).

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No que diz respeito à concepção de discurso, portanto, tem-se que “é a língua em sua totalidade concreta e viva, e não a língua como o objeto específico da linguística, obtido por meio de uma abstração totalmente legítima e necessária de vários aspectos da vida concreta da palavra” (BAKHTIN, 2003 [1961], p. 181). Dessa maneira, o que se compreende como discurso é o entrecruzamento de vozes e seu estabelecimento dentro das relações dialógicas, englobando as forças centrípetas e centrífugas que atuam na produção do discurso.

Enunciado16, por sua vez, é a materialidade concreta do discurso proferida por falantes historicamente situados em um tempo e um espaço. Segundo Bakhtin (1997 [1979]), “o discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma”. (p. 293). Logo, assume-se que, no trabalho de investigação do material sígnico concreto, parte-se do enunciado concreto (escrito e oral) relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação [gêneros do discurso] de onde os pesquisadores haurem os fatos linguísticos de que necessitam. (BAKHTIN, 1997 [1979] p. 264).

Diferentemente das concepções apresentadas na linguística sobre enunciado17, o Círculo assume tal conceito como fruto das relações dialógicas. Rodrigues (2005) sintetiza essa perspectiva afirmando que o enunciado, para Bakhtin, é “a unidade da comunicação discursiva.” (p. 157); em outras palavras, o enunciado é constituído a partir da interrelação com outros já-proferidos, sendo a dimensão extraverbal elemento constitutivo enunciados. Assim, os interlocutores, a partir da materialização dos enunciados por meio dos gêneros discursivos, enunciam de modo único e inédito novos enunciados ancorados em enunciados já-ditos (questão da historicidade) e prevendo outros enunciados-resposta (reação resposta-ativa) a partir de sua fala. Desse modo, compreende-se a importância do material semiótico (o texto/o signo) para a concretização do enunciado; porém, entende-se que este não se restringe ao material sígnico em si, uma vez que é necessário considerar a situação social para que o enunciado seja constituído e a ele seja atribuído sentido.

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. Ele

16O conceito de enunciado é fundante nesta pesquisa, uma vez que a propaganda é tomada como tal.

17 Rodrigues (2005) faz uma compilação das principais definições de enunciado para a linguística textual e para a semântica argumentativa: a primeira concebe enunciado como sendo a parte constituinte de um texto, podendo ser, inclusive, considerado como sinônimo de frase (KOCH; TRAVAGLIA, 1989). A segunda, por sua vez, toma enunciado como sendo a manifestação concreta de uma frase em um dado contexto (DUCROT, 1987). Ambas definições assumem, ainda segundo Rodrigues (2005), uma subordinação do enunciado em relação ao texto.

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também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua réplica, e não sabe de que lado ele se aproxima desse objeto. (BAKHTIN, 2002 [1975], p. 86).

Sob esse prisma, o enunciado pode ser considerado fruto de um intenso diálogo na historicidade. Do ponto de vista da historiografia, Carlo Ginzburg, referência neste trabalho no tocante à metodologia, pontuou em um de seus trabalhos a relação dialógica presente em processos inquisitoriais. Segundo o historiador, é possível verificar, nesses processos, a presença de vozes conflitantes – a do inquisidor e a do réu. Os interrogatórios servem de arquivo linguístico ao registrar as perguntas e as respostas envolvendo questões de feitiçaria e rituais em uma dada época. Entretanto, Ginzburg (1991) pondera que muitos desses materiais representam uma relação monológica, uma vez que ao interrogar, os inquisidores apenas buscavam uma comprovação de suas acusações, “no sentido de que as respostas dos réus eram muito frequentemente apenas um eco das perguntas dos inquisidores.” (p.14).

Cabe nesse ponto, trazer à luz as reflexões de Souza (2015), o qual se opõe a essa visão de Ginzburg em que há relações monológicas na linguagem, no sentido bakhtiniano do termo. Souza (2015) defende que a historiografia é construída por meio das lentes do historiador, isto é, as escolhas e os recortes são feitos sob a ótica do pesquisador e o que se tem é um “quebra-cabeça narrativo” (p. 8):

Pensar teoricamente o dialogismo, contudo, leva-nos também a considerarmos que, dentro de tal cadeia enunciativa, pensar um contexto é nada mais que pensar um agenciamento de textos históricos que completam um quebra-cabeça narrativo. As peças utilizadas podem variar em diversos graus. Mais ainda, o passado em si está nublado pelo número abundante de textos que precedem uns aos outros, num túnel sem luz de saída. O passado, portanto, e a história “em si”, são opacos. Há apenas a historiografia, imbuída da ambiguidade inevitável de sua linguagem, informando-nos sobre o sucedido. (SOUZA, 2015, p. 8).

Esse olhar permite-nos entender a História como resultado de relações dialógicas, o que amplia a noção de dialogismo apontada por Ginzburg (1991) dentro da historiografia. Portanto, mesmo em um processo inquisitorial em que se verifica apenas a “fala” do inquisidor perpassam outros enunciados, construídos historicamente e com atribuições de sentido em um dado tempo-espaço.

Da mesma forma pensa-se a polêmica. O discurso polêmico está integrado em uma rede de enunciados e dialoga com outros, compondo uma trama narrativa e tendo seu sentido atribuído dentro da historicidade. Somado a isso, enquanto pesquisadora, realizo um “trabalho de fixação e enquadramento” (AMORIM, 2018, p. 100) desses enunciados polêmicos conferindo à História uma nova peça a esse quebra-cabeça narrativo.

[p]esquisador e sujeito pesquisado são ambos produtores de texto, o que confere às Ciências Humanas um caráter dialógico. Uma primeira consequência disto é que o texto do pesquisador não deve emudecer o texto do pesquisado, deve restituir as

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condições de enunciação e de circulação que lhe conferem as múltiplas possibilidades de sentido. Mas o texto do pesquisado não pode fazer desaparecer o texto do pesquisador, como se este se eximisse de qualquer afirmação que se distinga do que diz o pesquisado. O fundamental é que a pesquisa não realize nenhum tipo de fusão dos dois pontos de vista, mas que mantenha o caráter

dialógico, revelando sempre as diferenças e a tensão entre elas. (p. 98, grifos da

autora).

Aqui, é interessante resgatar o conceito de exotopia, postulado por Bakhtin.

Exotopia tem suas raízes na estética literária, e foi primeiramente estabelecida a partir da

relação entre autor e herói. Em Estética da Criação Verbal, Bakhtin discorre acerca da construção do herói, tendo como referência o excedente de visão advindo do autor; isto é, o autor, enquanto criador, possui o acesso ao todo, ao todo da obra e ao todo do próprio herói. Isso confere ao autor uma posição exterior à consciência e ao acontecimento da existência desse herói: “O autor não só vê e sabe tudo quanto vê e sabe o herói em particular e todos os heróis em conjunto, mas também vê e sabe mais do que eles, vendo e sabendo até o que é por princípio inacessível aos heróis.” (BAKHTIN, 1997 [1979], p. 32).

Esse lugar em que se encontra o autor possibilita visitar outras realidades e experimentar, com o olhar do outro, uma existência que não lhe pertence.

Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento. (BAKHTIN, 1997 [1979], p. 45).

Tal reflexão não se restringe apenas à criação estética. É possível trazê-la à vida diária na relação entre o mundo à nossa volta e a todos ao nosso redor. Apenas por meio do olhar e da memória do outro podemos ter acesso ao nosso “todo”, ou seja,

[...] o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, da sua visão e da sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem

exterior pela primeira vez num novo plano da existência. (BAKHTIN, 1997

[1979], p. 55, grifo do autor).

Aproximando essa perspectiva da polêmica, pensa-se que, em um ambiente virtual, o acesso ao outro se dá por meio de uma plataforma digital e o exterior desse outro é dado por meio do material sígnico publicado por ele, englobando o linguístico, o pictográfico (emoji,

gif) e o perfil do usuário, dado tanto pelas escolhas de foto quanto do recorte de postagens

de seu interesse. Esse acabamento do outro pode impulsionar a polêmica, uma vez que seu perfil, bem como seu comentário ou publicação, é atravessado por uma apreciação valorativa desse “autor”.

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totalmente dado; o simples fato de que eu comecei a falar sobre ele já significa que eu assumi uma certa atitude sobre ele – não uma atitude indiferente, mas uma atitude efetiva e interessada. E é por isso que a palavra não designa meramente um objeto como uma entidade pronta, mas também expressa, por sua entonação (...),

minha atitude valorativa em direção ao objeto, sobre o que é desejável ou

indesejável nele, e, desse modo, coloca-o em direção do que ainda está para ser determinado nele, torna-se um momento constituinte do evento vivo em processo. (BAKHTIN, 2010 [1986], p. 50, grifo meu).

Logo, meu posicionamento diante da resposta do outro, o que consiste o dialogismo, está diretamente associado à minha apreciação valorativa em relação a esse outro, ao acabamento dado por mim, em um movimento exotópico. A minha réplica constrói-se a partir dessa valoração atribuída por mim, não somente direcionada à resposta, mas também ao que esse outro se mostra a mim, por meio de sua apresentação em uma rede social. Pode-se dizer que essa noção extrapola a concepção bakhtiniana de outro, porque, diferentemente de uma conversa em que duas pessoas estão face a face, o ambiente virtual, por si só, já representa um acabamento desse outro; em outras palavras, o que se tem é apenas um recorte das escolhas feitas por esse outro como manifestação de si mesmo. Assim, a

polêmica é constituída com base em pequenas janelas de realidade; em que o acesso ao todo

do outro é apenas parcial.

2.2 A POLÊMICA EM BAKHTIN: CONCEITUANDO ARENA DISCURSIVA

Ao tomar a polêmica a partir da Análise Dialógica do Discurso (ADD) é preciso considerar que o objeto de pesquisa constitui a própria linguagem e sua unidade básica o enunciado, o discurso polêmico. O discurso vivo, nessa perspectiva, é constituído pela futura palavra-resposta: provoca a resposta, antecipa-a e constrói-se voltado para ela. Formando-se num clima do já dito, o discurso é ao mesmo tempo determinado pelo ainda não dito, mas que pode ser forçado e antecipado pelo discurso responsivo. (BAKHTIN, 2015 [1930]). E, como dito antes, discurso, na perspectiva do Círculo de Bakhtin, é a “língua em sua integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1981, p. 157), isto é, constituída por relações dialógicas.

Essas relações, de acordo com o pensador russo, dependem das relações lógicas e concreto-semânticas inerentes à língua, porém, elas devem “materializar-se, ou seja, devem passar a outro campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela expressa.” (BAKTHIN, 1981 p. 159, grifo do autor).

Referências

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