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OVO HORIZONTE DE VALORIZAÇÃO
DAS FORÇAS ARMADAS
Ruy F a b ia n o
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csdc o fim d o regime militar, em 1985, e mais ainda após o fim da Guerra fria, cm 1988, com a queda do Muro de Berlim, as Forças Armadas brasileiras foram postas na berlinda. Passaram a ser questionadas em num erosos aspectos acerca de sua destinação, havendo mesmo quem indagasse se ainda faziam sentido, n u m m u n d o em q u e a g u e rra ideológica havia sido banida e a g u e r r a c o n v e n c io n a l d e f in iti vam ente substituída pela guerra tecnológica.
A e q u a çã o sim p ló ria era assim posta: se houver guerra, nossas Forças Arm adas não têm com o enfrentar a tecnologia implacável dos inimigos do Primeiro Mundo. Sc n ã o h o u v e r g u e rra , m en o s sentido ainda faria sustentar exér citos e armamentos, desperdiçando recursos q ue podem ser m elhor empregados na educação e saúde públicas, sobretudo num país pobre e carente de tudo como o Brasil. Esse ra c io c ín io chegou a ser explicitado, com todas as letras, pelo ex-presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, que exerceu
fun-A
s m ú ltip la s tr a n s fo r m a ções geopolíticas do p la neta, d ita d a s p e lo avançotecnológico, o f i m da Guerra Fria e a globa liza ção d a s econom ias,
recolocam em e xa m e o conceito de soberania, m a s n ã o e lim in a m o p a p el da s Forças Arm adas. No Bra sil, além de sua m issão essencial • de defesa d a integridade d o terri tório -, as Forças A rm a d a s exercem n u m e ro sa s fu n ç õ e s c o m p le m e n - tares, sobretudo no cam po social. Presentemente, em penham -se n u m p r o c e s s o d e r e c ic la g e m - d e tecnologias, m étodos e de p e s soal -, de m odo a m elh or a ten d er as crescentes d e m a n d a s que a so ciedade lhes impõe.
ções de comando junto à Secretaria de Defesa dos Estados Unidos, no governo de George Bush. Chegou a propor que os exércitos do Tercei ro Mundo se transformassem em polícias, voltadas exclusivamente ao combate ao narcotráfico. Q uanto aos eventuais inimigos externos, bastaria pedir socorro aos Estados Unidos, a policiado planeta, e tudo estaria resolvido, sem maiores pro blemas. Simples, não?
A Guerra do Golfo, segundo esse ra c io c ín io , te ria m o s tr a d o a
RSP
Ruy Fabianoinutilidade d o aparato bélico con v e n c io n a l d ia n te d a alta tecnologia dos mísseis controlados p o r c h ip s d e alta precisão. Os Estados Unidos deram um passeio n o s e x é rc ito s b e m -tre in a d o s e eq u ip ad o s de Saddam Ilussein, subm etidos a formidável vexame logístico.
A n a lo g ia
i ^ i a n t e do espetáculo arrasador oferecido pelas câmeras de TV, a indagação tom ou-se inevitável: o q u e aconteceria se fosse conosco? O que poderíam os concretam ente fazer se, p o r hipótese, os Estados U n id o s d e seja sse m d o m in a r a A m azônia? Do p o n to d e vista o p e ra c io n a l, p o u c a coisa. Não tem os, afinal, o m esm o aparato tecn o ló gico . Mas, do p o n to de vista político, é m elhor ter forças arm adas débeis que simplesmente não tê-las.
Um país sem forças armadas é, em si, um paradoxo, pois que estas são um d e se u s m ais e x p re ssiv o s sím bolos de soberania. Ter forças arm adas não significa qu e se vá g u e rre a r. O p rin c íp io clássico, aliás, é inverso: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, é o lema d o s e x é rc ito s . A Suíça, p o r exemplo, se tivesse, p o r hipótese, que se defrontar com a Inglaterra ou Estados Unidos - ou mesm o com o Ira q u e d e Sad d am Ilussein -, seria certamente dizima da do po n to de vista operacional.
A p licad o o r a c io c ín io d e Mc- Namara, a Suíça, diante dessa fria realidade tecnológica, dispensaria seus soldados - inclusive os qu e prestam guarda simbólica junto ao Vaticano - c iria cuidar apenas de fabricar relógios e ch ocolates e in c re m e n ta r seu s b a n c o s com c o n ta s s e c re ta s . Não g a s ta ria d in heiro com a m an uten ção de soldados inúteis.
Só que tal não acontece. Com toda a sua fragilidade op eracio n al e tecnológica, lá estão as forças ar madas suíças, a sim bolizar a sobe ran ia d a q u e le m in ú sc u lo país. Quem quiser afrontá-las, terá que arcar com o ônus moral do massa cre diante da opinião m undial - e sobretudo da história.
Cobiça
exem plo suíço p o d e ser tran sp o sto para n u m erosos o u tro s países: Paraguai, U ruguai, N a m íb ia , C o ré ia , B é lg ic a , H ungria - e, claro, Brasil. O q u e nos diferencia desses e de o u tro s países sem tecnologia bélica de últim a geração são alguns fatores f u n d a m e n ta is : e x te n s ã o territorial, im portância geo-polí- tica, população, pluralidade étni- co-cultural, entre outros. Em p o r tuguês claro, há razões bem m ais relevantes para que o Brasil d e s p erte hoje a cobiça internacio nal que q u a lq u e r o u tro país d o cha m ado Terceiro ou m esm o Segun do M undo.
is, então, que vivemos um I p a ra d o x o : in te rn a m e n te , H l desprestigiam os as Forças armadas, tratando-as mal, do po n to de vista orçam entário, o que se traduz em equipam entos bélicos precários e contingente hum ano mal-rcmunerado; porém, mais que n u n c a , d ad as as circun stân cias geopolíticas presentes, internas e externas, necessitamos dramatica m ente d e seus serviços.
D e m a n d a s
E s s e é o dilema m aior das insti tuições militares brasileiras no pre sente: tom a-se cada vez m aior e mais exigente a dem anda po r seus serviços, sem a contrapartida ób via da m elhoria d e suas condições de trabalho. Aí merece realce um aspecto que valoriza sobrem odo o papel p o lítico -in stitu cio n al das Forças Armadas brasileiras: o âm bito cada vez m aior de suas ativi dades com plem en tares.
Como se sabe - e sobretudo em um país pobre e com as peculiarida des territoriais do Brasil -, as For ças Armadas incorporam dois tipos básicos de atividade: a essencial, que consiste na defesa da integri dade do território e da soberania nacionais; e a com plem entar, que se traduz nas num erosas ações de apoio às dem ais instituições do país, sobretudo na área social. Exemplos? Som ente em 1994, as Forças Armadas - o Exército, sobre tu d o - tiveram papel de destaque em duas im portantes iniciativas. A
primeira: distribuição emergencial de alimentos. A segunda: a execu ção do convênio entre os governos federal e estadual do Rio d e Janei ro , com o fim d e c o m b a te r o narcotráfico.
No p rim eiro caso, trato u -se da maior operação de distribuição de alim en to s d o m u n d o , se g u n d o avaliação da Coordenação Nacio nal Executiva do Programa de Dis tribuição Emergencial de Alimen tos (PRODEA), pois que atendeu a um a população de dez m ilhões de pessoas - equivalente a toda a população de Portugal -, num a fai xa territorial m aior que a Europa Ocidental: Nordeste, norte de Mi nas, leste do Maranhão.
No segundo caso, a O peração Rio, ain d a em curso, está exigindo , além de equipam entos e mão-de- obra, sofisticada logística, pois que não se trata de operação d e guer ra convencional e sim de polícia, em que o inimigo é enfrentado a céu aberto, sob as vistas da p o p u lação civil, cuja integridade tem de ser preservada.
Não apenas: cabe ao C o m and o Militar do Leste a responsabilida de adicional pelo saneam ento das polícias civil e militar, cujo com prom etim ento com o crime orga nizado as inviabilizou tem porari am ente para o cum prim en to de sua missão institucional.
Esses dois episódios serviram para esvaziar a discussão acerca da in u tilidade de forças arm adas em país pobre, sem tradição guerreira. O
RSP
Ruy Fabianoc rim e o rg a n iz a d o d o Rio tem com o m atriz a precariedade da guarda das fronteiras, por onde passam o tóxico e o arm am ento pesado dos bandidos. Essa tarefa cabe prim ordialm ente às Forças Armadas (ainda que cm parceria com a Polícia Federal e a Receita Federal) e exige volumosos recur sos, dadas as dimensões c comple xidade geográficas do país. F mais: cresce a influência do Bra sil no âm bito internacional, o que o leva a ser requisitado, com fre qüência cada vez maior, a partici par de forças militares de paz, sob o com ando da ONU. Isso produz contrapartidas importantes, inclu sive na área econômica e diplom á tica, de que o Brasil tem sabido tirar proveito. Mais um campo de ação em que a presença militar ga nha realce.
Para que tenha bons serviços nes sa área, a sociedade brasileira, por meio de seus governantes, preci sa viabilizar o reequipam ento da instituição militar e m elhor rem u nerar seus efetivos. Para isso, pre cisa aum entar sua participação no Orçam ento da União, que, desde o fim do regime militar, caiu subs tancialm ente.
C om to d o o d e s g a s te c d esp restíg io qu e sofreram pelo prolongam ento do exercício dire to e autoritário do poder, nos anos pós-64, as Forças Armadas jamais perderam a reputação de reserva de contingência da sociedade.
É preciso garantir a integridade da troca da m oeda cm todo o territó rio nacional para viabilizar o Pla no Real? Chama-se, então, o Exér cito para cu idar d o assunto. Há necessidade urgente de recapear as estradas e as em preiteiras, envol vidas em diversas ações de corrup ção, não m erecem confiança? Con- voque-se o Batalhão de Engenha ria do Exército. A adm inistração pública está liquidada pela ação pred ató ria d o G overno C ollor e precisam ser removidos os focos de corrupção interna? Nomeia-se um general (Rom ildo Canhim ) para ministro-chefe da Secretaria da Ad ministração Federal. A polícia ca rioca não dá conta dos bandidos? Chama-se os militares.
Ií assim por diante, num a cadeia infindável de exemplos, que confir mam a atualidade da presença das instituições militares no Brasil. Futuro
ara atender a essa nova reali dade institucional, cada vez mais complexa diante das vertiginosas transformações do m undo de hoje, as Forças Armadas brasileiras co meçam a rever posturas e padrões de serviços. O Exército, a m aior e mais representativa das três Forças, saiu na frente. Promoveu, em se te m b ro , s e m in á rio in te r n o , in titu lad o “Exército 2000”, cujo objetivo c iniciar estudos para am pla reciclagem de mão-de-obra.
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a prim eira parte do seminário, convidou gente in fluente da sociedade civil- intelectuais, políticos, econom is tas. Na segunda pane, ouviu espe
cialistas de exércitos de outros paí ses, que já passaram por reciclagem semelhante: listados Unidos, Ingla terra, França, Portugal etc.
O qu e se preten d e reciclar? Muita coisa. Num m undo transformado pela tecnologia - cujo poder não e s tá a p e n a s n a c a p a c id a d e destrutiva no campo do material bélico, mas sobretudo na velocida de e eficiência que dá à informa ção c à organização estrutural impossível m anter as coisas como dantes. Como lidar com a questão da soberania, num m undo em que as e c o n o m ia s se g lo b alizam e referenciais com o a m oeda ten dem a se internacionalizar? São p e rg u n ta s q u e desafiam a lógica m ilitar clássica, mas estão longe de inviabilizá-la. O Estado- Maior do Exército, sua instância f o rm u la d o r a d e e s tra té g ia s , detecta quatro aspectos sobre os q u a is p r e te n d e c o n c e n tr a r o p r o c e s s o d e tra n s fo rm a ç ã o e m odernização de sua estrutura, de m odo a adequar-se para m elhor cum prir sua função institucional, no futuro que já chegou:
1. E s tru tu ra O rg a n iz a c io n a l - Adoção d e técnicas m odernas de gerenciam ento, como a Gestão da Q ualidade Total, de m odo a raci o n a liz a r serviços e in c o rp o ra r tecnologias.
2. Estrutura de Pessoal - Adotar políticas que valorizam a profissão (aí incluída a família do militar). 3- Estrutura de Material - Absorver novas co n cepções de logística, a tu a liz a r m assa crítica na área te c n o ló g ic a , a p o ia n d o o desenvolvim ento d e p ro je to s e aquisição de material.
4. Adestram ento - Preparar recu r
sos hum anos para lidar com es sas novas realidades e, s o b re tu do, adestrá-los para as novas con cepções logísticas d ecorren tes da aquisição de novas tecnologias. É preciso, q u a n to a isto, reciclar os c o lé g io s m ilita r e s e in te r io r iz á - lo s , m a n te n d o - o s com o estabelecim en tos-m od elo d e ensino, mas em sintonia com os novos tem pos.
Esse esforço de m odernização do E x ército p a ssa , s e g u n d o d o is estrategistas de seu Estado-Maior, general-de-divisão Gilberto Alfama Bandeira (3° subchefe) e general- d e -b rig a d a S y nésio S c o fan o Fernandes (assessor para Assuntos d e Ensino e M odernização) pela c ria ç ã o d e um n ú c le o d e excelência, q u e co n sistirá num co n ju n to de órgãos, no qual se façam in v e s tim e n to s m ais expressivos em pessoal e em meios: os institutos de pesquisa, as escolas d e formação, especiali zação, aperfeiçoam ento e altos es tudos, além das diversas unidades de pro n to em prego, incluindo a aviação do Exército.
RSP
Ruy FobianoC
om isso, prctcndc-sc suprir deficiências estruturais de correntes da precariedade de recursos e atingir, num prazo relativam ente curto, os seguintes objetivos:1. m anter força de pronta resposta, capaz de atend er com p reste/a e eficácia a eventuais ameaças. 2. conservar, d entro da estratégia de dissuasão, po d er de combate capaz d e desestim ular eventuais antagonistas.
3. possibilitarao país atender com prom issos internacionais.
4. reduzir o hiato tecnológico em
relação a exércitos mais modernos. 5. m an ter os efetivos m otivados para a necessidade de contínuo aperfeiçoam ento profissional. 6. servir de centro irradiador de novas técn icas e táticas p ara a totalidade da instituição.
O objetivo, num prazo mais longo, é q u e a q u alid ad e inicialm ente o b tid a com e sse n ú c le o d e excelência alcance todas as Forças Armadas. Uma coisa é certa: sem elas, n ã o há s o b e ra n ia ou paz social. Mas, p ara q u e cum pram bem essa missão, precisam estar em sintonia com as crescentes de m andas de um m undo em m uta ção, q u e a cada três anos dobra o v o lu m e d e c o n h e c im e n to tecno lóg ico acum u lad o e exige a p e rf e iç o a m e n to p ro fis s io n a l
constante de todas as instituições. No ritm o possível, o Brasil acom panha esse processo. E, ao q ue parece, ninguém mais, de boa fé, perde tem po discutindo se as For ças Armadas são ou não necessári as. Discute-se, sim, com o tom á-las aptas, daqui para a frente, para a te n d e r a ta n ta s n e c e s s id a d e s institucionais.
Resum en
NUEVO HORIZONTE DE
VALORIZACIÓN DE LAS FUERZAS ARMADAS
Los m ú ltip le s c â m b io s geopolíticos dei planeta, dictados p o r el avance tecnológico, el tér m in o d e la G u e rra F ria y la globalización d e las econom ias, ponen nuevam ente en análisis el concepto de soberania, p ero no eliminan el papel de las Fuerzas Armadas. En Brasil, adem ás de su misión esencial - de defensa de la in te g rid a d d e i te r r ito rio -, las Fuerzas Armadas ejercen num ero sas funciones com plem entarias, sobre todo en el campo social. Pre sentem ente, se em penan en un p ro c e s o d e re c ic la je - d e te c n o lo g ia s , m é to d o s y d e personal -, para aten der m ejor las c re c ie n te s d e m a n d a s q u e les im pone la sociedad.
A bstract
NEW HORIZONS FOR INCREASED VALUE ON THE ARMED FORCES
The m ultiple geopolitical changes in th e w o rld , d ic ta tc d by technological advances, the end of the Cold War and globalization of e c o n o m ie s , call fo r a n ew e x a m in atio n o f th e c o n c e p t of sovereignty, b u t d o not climinatc the role o f the Armed Forces. In B razil, b e s id e s th e ir e ssc n tia l mission of defending the national territory, the Armed Forces carry o ut many complementary dutics, especially in th e area o f social work. Currently, they are working o n a rec y c lin g p ro c e s s - o f te c h n o lo g ie s , m e th o d s a n d personnel in order to better meet the grow ing d em and s m ade on them by society.
Ruy Fabiano é ed ito rialista do Correio Braziliense.