PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
GUSTAVO LUIZ MESTRINER
A
CIDADE
COMPACTA
E
OS
PROJETOS
URBANOS
CONTEMPORÂNEOS
INVENTÁRIO
ANALÍTICO
DE
ESTUDOS
DE
CASO
EM
VAZIOS
URBANOS
EM
ÁREAS
CENTRAIS
Orientador: Profº Carlos Leite de Souza
GUSTAVO LUIZ MESTRINER
A CIDADE COMPACTA E OS PROJETOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS. INVENTÁRIO ANALÍTICO
DE ESTUDOS DE CASO EM VAZIOS URBANOS EM ÁREAS CENTRAIS
Dissertação apresentada à Coordenação do Programa de Pós‐graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Leite de Souza
Mestriner, Gustavo Luiz.
A Cidade Compacta e os Projetos Urbanos
Contemporâneos. Inventário Analítico de Estudos de Casos em Vazios Urbanos em Áreas Centrais / Gustavo Luiz Mestriner. São Paulo, 2008.
119 f.; 30cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2008.
GUSTAVO LUIZ MESTRINER
A CIDADE COMPACTA E OS PROJETOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS. INVENTÁRIO ANALÍTICO
DE ESTUDOS DE CASO EM VAZIOS URBANOS EM ÁREAS CENTRAIS
Dissertação apresentada à Coordenação do Programa de Pós‐graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Carlos Leite de Souza
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. José Magalhães Junior
Universidade Presbiteriana Mackenzie
AGRADECIMENTOS
Meus reais agradecimentos ao Mackenzie, pela estrutura de seu corpo docente e administrativo, para a o desenvolvimento sólido de seus alunos em suas pesquisas.
A CAPES, pela bolsa de estudo parcial propiciada, ao Mackenzie pela complementação da mesma, e ao Mackpesquisa, pelo apoio na publicação do material. Sem eles, este trabalho não teria sido realizado.
Ao Prof. Dr. Carlos Leite, pelo apoio, pela clareza na definição dos caminhos que poderiam ser tomados, pelo auxílio na construção do conhecimento, e pela sua dedicação para com seus orientandos. E ao Grupo de Pesquisa “Projetos Urbanos Contemporâneos”, pela riqueza bibliográfica ofertada.
À Prof. Dra. Gilda Collet Bruna, pelo incentivo, quando me orientou na graduação, a buscar a pós‐graduação.
À minha esposa novamente, pelo amor incondicional, pelo incentivo, pelo apoio e pela compreensão na graduação, na especialização, e agora no mestrado.
À minha família, em especial às mestrandas Vivian e Lilian (minha esposa e minha cunhada), por compartilhar da mesma experiência de uma pós‐graduação.
Aos meus amigos de sala, em especial, Camila Oliveira, Rechilene Maia e Ricardo Caco Ramos.
Às minhas irmãs, meu sobrinho, e aos meus amigos e parentes que tiveram paciência e compreensão pela minha ausência.
E a todas as pessoas que colaboraram para a efetivação e realização deste mestrado, e por fim, desta pesquisa.
RESUMO
Cidades pelo mundo inteiro passam por um processo de mutação urbana jamais visto. Os dados do desenvolvimento substancial demográfico nas cidades, somados aos êxodos urbanos
oriundos das zonas rurais são as causas do inchaço, e posterior espraiamento urbano explosivo causado nas cidades.
Neste processo, a valorização da terra nos centros urbanos e o incentivo fiscal e de mão de obra mais barata nas cidades vizinhas, fez com que as grandes indústrias se deslocassem dos centros urbanos, deixando grandes áreas obsoletas. Por outro lado, as cidades, inicialmente criadas para a celebração da vida, e para celebrar o que temos em comum, hoje são poços drenantes de recursos energéticos, e direta e indiretamente, a maior fonte poluidora do planeta.
Desta forma, os novos projetos urbanos devem levar em consideração essa realidade complexa, para então atender certos princípios contemporâneos, como o desenvolvimento urbano
construindo um inventário analítico das obras selecionadas, com maiores detalhamentos e sempre os relacionando à nossa realidade e contexto locais.
Palavras – chave: Cidade compacta. Projetos urbanos contemporâneos. Vazios urbanos. Desenvolvimento urbano sustentável.
ABSTRACT
Cities all over the world, go through a process of urban changing never seen before. Data from great developing population in cities, added with the urban exodus from rural areas, are the causes of swelling, and later, an explosive urban sprawlling caused in cities.
In this process, the land appreciation in urban centers and tax incentives and the cheaper labor in neighboring towns, made that big industries change from urban centers, leaving the obsolete large areas. On the other hand, the cities, originally created for the celebration of life, and to celebrate what we have in common, today are draining energy resources, and the most polluting source of the planet.
The new urban projects should consider this complex reality, then look for some contemporaries principles, such as sustainable urban development, productive restructuring, the environments of research and technological innovation and biotechnology. To do so, development agiencies have been created to conciliate the public and private interests. We explore the concept of compact city, in the light of contemporary urban projects in wastelands in central areas. To context, we selected some case studies, building an analytical inventory and always relating them to our context and reality.
LISTA
DE
ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Exposição no Tate Modern 22
Figura 2 – As três maiores representações financeiras num mapa mundi invertido, formando “yes” 28
Tabela 1 – Ranking e classificação quanto ao índice de competitividade entre nações 29
Tabela 2 – Distribuição setorial dos investimentos estrangeiros diretos relativos aos países de origens e destinos destes investimentos, 1970‐2003 30
Tabela 3 – Estoque de IED no Brasil, participação estrangeira total, distribuição por atividade econômica principal, base 2000 31
Figura 3 – Foto de satélite da mancha urbana de São Paulo 32
Figura 4 – As cidades como pontos estratégicos 33
Figura 5 – Cabos de fibra óptica submarinos em uso 34
Figura 7 – São Paulo 37
Figura 8 – O território fragmentado de São Paulo 39
Figura 9 – Antigas áreas industriais de Barcelona 40
Figura 10 – Potsdamer Platz 41
Figura 11 – London Docklands Development Corporation, primeiro programa de regeneração urbana em vazios urbanos do Reino Unido, criado em 1981 42
Figura 12 – Cluster urbano em Barcelona 43
Figura 13 – Cluster urbano em São Francisco 44
Figura 14 – Crescimento populacional mundial nas áreas urbanas 46
Figura 15 e 16 – O espraiamento urbano americano. Cidade de Miami 47
Figura 17 – A poluição atmosférica em São Paulo mata indiretamente oito pessoas por dia, e reduz em dois anos a expectativa de vida dos habitantes 48
que proporciona a riqueza do encontro, do inesperado 50
Figura 20 – Usos mistos compactos cria nós de redução de jornadas, e criam vizinhanças mais atraentes e sustentáveis 51
Figura 21 – Foto exposta no Tate Modern: São Paulo em “Size and Diversity”. Contraste entre Paraisópolis e Morumbi. São Paulo 52
Figura 22 – Serra da Cantareira, em São Paulo. Área de proteção ambiental invadida pelo espraiamento urbano 53
Figura 23 e 24 – A mancha central marca a projeção que a população da metrópole inteira ocuparia se a densidade fosse igual a da Favela Paraisópolis, que atinge em alguns pontos 1.000hab/ha 54
Figura 25 – Foto exposta no Tate Modern. São Paulo em “Size and Diversity”. Copan, em São Paulo 55
Figura 26 – Docklands antes do processo de regeneração urbana 57
Figura 27 – Vazios urbanos no bairro Plobenou, em Barcelona 58
Figura 29 – Vazios urbanos em Paris (1989) 61
Figura 30 – Docklands em transformação 63
Figura 31 – Discussão sobre os projetos em Mission Bay 64
Figura 32 – Prédio onde fica instalada a agência 22@ em Barcelona 65 Figura 33 – Campus de biotecnologia da Universidade da Califórnia, em Mission
Bay, São Francisco 66
Figura 34 – Campus da Universidade de Barcelona em um edifício industrial
reconvertido, no bairro Poblenou, em Barcelona 67
Tabela 4 – Melhores cidades européias para expansão de negócios e investimento 68 Tabela 5 – Melhores cidades européias em termos de qualidade de vida
para empregados 69
Tabela 6 – Ranking das cidades não‐européias onde as empresas investiriam 70 Gráfico 1 – Cidades européias que mais investem em si mesmas 71
Figura 35 – Battery Park City, Manhatan, Nova Iorque 72
Figura 37 – Euralille, em Lille 74
Figura 38 – 22@, em Barcelona 75
Figura 39 – Vale do Silício, região da Califórnia 77
Figura 40 – Áreas de redesenvolvimento de São Francisco. 78
Figura 41 – Laboratório da UCSF em Mission Bay 79
Figura 42 – Projeto de Desenvolvimento de Mission Bay (geral) 80
Figura 43 – A linha amarela demarca a área de intervenção, e a linha vermelha demarca a área de implantação da UCSF 81
Figura 44 – Centro de visitação da Catellus na área de intervenção 81
Figura 45 – Padrões de ocupação e volumetria 82
Figura 46 – Uso das quadras. Plano de Redesenvolvimento Mission Bay Norte 82
Tabela 7 – Padrões de ocupação, por zoneamento 83
Figura 47 – Zoneamento do Plano de Redesenvolvimento Misssion Bay Sul 83
Figura 48 – Projeto urbano para o Campus da UCSF 84
Figura 50 – Centro de Tecnologia Genética 85
Figura 51, 52, 53 e 54 – Campus Centro Comunitário da UCSF 86
Figura 55 – Metrô de superfície em Mission Bay 87
Figura 56 – Linha de metrô que liga Mission Bay ao centro de São Francisco 87
Figura 57 – Rotas de pedestres e Ciclovias 88
Figura 58 – Espaço público no campus da UCSF 89
Figura 59 – Montreal, em destaque Cité Multimédia 90
Figura 60 – Localização das principais áreas de Montreal 91
Figura 61 – Vazio urbano, espaços desutilizados 92
Figura 62 – Espaço em transformação 93
Figura 63 – Edifício construído em Cité Multimédia 94
Figura 64 – Edifício reconvertido em Cité Multimédia 94
Figura 65 – Motorola, uma das empresas a se estabalecer na área 95
Figura 66 – Implantação da área e diversos usos 96
Figura 68 e 69 – Vista externa e interna de um dos edifícios da Cité Multimédia 98
Figura 70 – Canal Lachine após sua revitalização 99
Figura 71 e 72 – A revitalização do Canal Lachine e a criação de ciclovias 100
Figura 73 – Tranformação do território de Poblenou 101
Figura 74 – Vista aérea do bairro Poblenou, em Barcelona 102
Figura 75 – Projeto que demarca as quadras de intervenção na área do bairro Poblenou, em Barcelona 103
Figura 76 – Projeto de um edifício em uma das quadras 104
Figura 77 – Prédio da T‐systems, construído em 22@ 105
Figura 78 – Planta de infra‐estruturas a serem instaladas 106
Figura 79 – Instalação de novas infra‐estruturas 107
Figura 80 e 81 – Prédios residenciais e parque linear 109
Figura 82 e 83 – Avenida Diagonal 110
Figura 85 – Catálogo do patrimônio arquitetônico de Plobenou 111 Figura 86 – Skyline formado pelas gruas e guindastes em Plobenou 112 Figura 87 e 88 – Antigos prédios industriais reconvertidos 113
LISTA
DE
ABREVIATURAS
E
SIGLAS
LDDC London Docklands Development Corporation (Agencia de desenvolvimento dos Portos de Londres)
USFC University San Francisco Campus (Campus da Universidade de São Francisco)
TAV Trem de Alta Velocidade.
MPGM Modificação do Plano Geral Metropolitano.
PGM Plano Geral Metropolitano.
PEI Plano Especial de Infra‐estruturas.
TIC Tecnologia da Informação e Comunicação.
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
SFRA San Francisco Redevelopment Agency (Agencia de Redesenvolvimento de São Francisco)
SUMÁRIO
pag.
1 INTRODUÇÃO 22
2 CONCEITUAÇÃO
2.1 Cidades e sociedades informacionais 27
2.2 Regeneração urbana e reestruturação produtiva 39 2.3 A cidade compacta e o desenvolvimento urbano sustentável 46
3 PROJETOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS : CONTEXTUALIZAÇÃO
3.1 Vazios urbanos em áreas centrais 57
3.2 O papel das agências de desenvolvimento urbano 63
3.3 Projetos urbanos contemporâneos 72
4 ESTUDOS DE CASO : INVENTÁRIO ANALÍTICO
4.1 Mission Bay, São Francisco, EUA
4.1.1 Introdução 77
4.1.2 A agência de desenvolvimento 80
4.1.3 Projetos Urbanos 82
4.1.4 Desenvolvimento urbano sustentável 87
4.2 Cité multimédia, Montreal, Canadá
4.2.1 Introdução 90
4.2.2 A agência de desenvolvimento 93
4.2.3 Projetos Urbanos 96
4.2.4 Desenvolvimento urbano sustentável 99
4.3 22@, Barcelona, Espanha
4.3.1 Introdução 101
4.3.2 A agência de desenvolvimento 105
4.3.3 Projetos Urbanos 108
4.3.4 Desenvolvimento urbano sustentável 111
5 CONCLUSÕES 114
6 BIBLIOGRAFIA 115
1
.
INTRODUÇÃO
Em Londres, na galeria de arte moderna e contemporânea Tate Modern, onde se encontrava uma exposição chamada Global City discutiu‐se e foram expostos os dados e estatísticas demográficas e urbanas das dez maiores metrópoles do mundo, entre elas, São Paulo. E várias perguntas foram colocadas de modo a refletir como
essas metrópoles vão se comportar nos próximos
cinqüenta anos, ao absorver verdadeiros êxodos rurais, e indicies demográficos substanciais. Na entrada principal, a especulação introdutória era: “Há cem anos, apenas 10% da população mundial viviam em cidades.
Atualmente, somos mais de 50%, e até 2050, seremos mais de 75%”. 1
Somamos a isso, o crescimento absurdo da população mundial nos dois últimos séculos (de 1 bilhão para 7 bilhões de habitantes), e já visualizamos o impacto que o
1
Em visita feita em julho de 2007 pelo autor. Disponível também em www.tate.org.uk
crescimento urbano e demográfico causou ao meio ambiente. Na atual crise ambiental em que vive o planeta, vimos a importância da conscientização de todos os atores envolvidos, na construção de um ambiente urbano sustentável, e damos o primeiro passo, nós, arquitetos, quando transmitimos a esses atores, e a todos, o sentimento solidário dessa busca, em tentar quebrar essa barreira que impede a maioria da população, de projetar o futuro para além da sua segunda geração.
A atual reflexão em como serão desenhadas nossas metrópoles nas próximas décadas, desafia o papel do arquiteto nessa busca pelo desenvolvimento urbano sustentável, e nos faz buscar, uma base conceitual, uma construção inicial do conhecimento, para em estudos posteriores,
avançarmos nesse tema.
Nesse contexto, buscamos os projetos urbanos contemporâneos, que contemplam essa busca por um desenvolvimento urbano sustentável. Para tanto, focamos tais projetos, em áreas que se esvaziaram, por conta da saída das indústrias dos centros urbanos, ou pela transformação produtiva que ocorreu nas últimas décadas, da passagem do fordismo, com suas plantas produtivas enormes, para a atual fragmentação da indústria, num sistema produtivo mais complexo, mais compacto, mais eficiente, mais produtivo, e mais competitivo.
centrais. Essas áreas foram selecionadas, por causa da contradição em aumentar o espraiamento urbano, que, além de invadir áreas verdes destinadas às reservas, aumentam o fluxo de
deslocamento das pessoas e mercadorias, opondo‐se ao desenvolvimento urbano sustentável já citado. Para abordarmos estas contradições e justificativas, nos referenciamos sempre na conceituação da cidade compacta. Ou seja, visa‐se o estudo de casos de Projetos Urbanos Contemporâneos que tem atuado no sentido de fazer a cidade compacta2.
TEMA E OBJETO
O tema dessa pesquisa são os projetos urbanos contemporâneos, à luz de seu objeto, a
metrópole, e seus vazios urbanos em áreas centrais. Abordaremos este tema e objeto, levando sempre em consideração como background o conceito das cidades compactas.
Faz‐se necessário então, uma busca por estudos de casos, para ficar explícito o tema e o objeto que estamos dissertando. Vários estudos de casos foram analisados, mas apenas três deles foram selecionados para esta dissertação, pois levam fundamentalmente em consideração o conceito de cidade compacta, de desenvolvimento urbano sustentável, em vazios urbanos, e em áreas centrais. São eles:
2
esta investigação insere‐se no Grupo de Pesquisa Projetos Urbanos Contemporâneos em Vazios Urbanos, liderado
1 – Mission Bay, em São Francisco, Estados Unidos; 2 – Cidade Multimídia, em Montreal, Canadá; 3 – 22@, em Barcelona, Espanha;
Trata‐se de projetos urbanos que estão em evidência e em desenvolvimento, mas que estão em elevado estágio de eficiente realização3.
OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA
Busca‐se um inventário analítico dos projetos urbanos contemporâneos, em vazios urbanos em áreas centrais, a fim de constituir uma base conceitual e analítica desses projetos, e assim, trazer para São Paulo um aporte conceitual que ajude na promoção do desenvolvimento de projetos urbanos futuros. São Paulo, nossa maior metrópole, precisa urgentemente promover tais políticas públicas e receber projetos urbanos que promovam a sua regeneração de áreas centrais. A intenção é sistematizar um inventário que possa servir de instrumento crítico de pesquisa às abordagens possíveis para as nossas demandas locais: projeto se estuda e se pesquisa a partir daquilo que já foi produzido, através de uma análise crítica. Podem e devem servir de subsídio às nossas carências locais.
3
METODOLOGIA
Inicialmente, buscou‐se a conceituação dos temas envolvidos, através da definição do quadro teórico, logo após, a leitura dos autores envolvidos, para finalmente, avançarmos na construção e seleção de um quadro analítico de projetos urbanos contemporâneos, em vazios urbanos em áreas centrais. Foram selecionados apenas casos internacionais, pelo aporte dos projetos realizados. Enfatizamos que não se pode importá‐los como modelos, mas servem como referencial na construção de uma crítica construtiva a respeito.
2
.
CONCEITUAÇÃO
2.1
CIDADES
E
SOCIEDADES
INFORMACIONAIS
A economia capitalista passa por um processo constante de reestruturação, onde ocorre cada vez mais uma hierarquização das estruturas econômicas em cada país, mostrando o alto poder de adaptação do capitalismo contemporâneo.
Países e sociedades que se adaptaram a reestruturação capitalista, mesmo com alto ou baixo poder de desenvolvimento tecnológico e informacional, se incorporaram à economia global (Castells, 2005). A ação destas realidades se expressa na cidade e no seu tecido urbano.
Caracterizada pela revolução tecnológica4, pela formação de uma economia global e pelo
surgimento de uma forma informacional de produção econômica e gestão, este momento
do capitalismo provoca profundas modificações na estrutura das cidades, condicionando
sua dinâmica de crescimento. (Carlos Leite, 2007 – pg. 2)
4 Conforme Manuel Castells (2005), a revolução tecnológica é composta por um conjunto de tecnologias, como tecnologia da informação, da comunicação, genética, eletrônica, informática, nanotecnologia, entre outras. Porém,
a associação entre revolução industrial e revolução informacional deve ser cautelosa, por causa da disparidade de
avanço na produção de bens e riquezas, que a revolução industrial proporcionou, sendo esta, muito maior do que a
Vimos assim, que as grandes corporações e empresas multinacionais, visando lucratividade, com mão de obra mais barata, somados a incentivos fiscais, exportam a produção de seus produtos, gerando assim, filiais estabelecidas fora de seu país de origem. Porém, são apenas filiais de produção, mas não de concentração do grande capital, apenas geram administração e gerenciamento no local da produção. No entanto,para a administração e gerenciamento, as movimentações financeiras internacionais, a produção e transporte de mercadoria, as empresas determinam lugares estratégicos para implantação das suas filiais, como zona de processamento das exportações, centros bancários off‐shore, cidades globais, portos, e enormes distritos
industriais (Sassen, 2001).
Segundo Castells (2005), na economia atual, a tecnologia é o principal fator gerador de produtividade, inclusive, a tecnologia organizacional e a de gerenciamento. A
produtividade está ligada à fonte de riqueza das sociedades. Todavia, agentes econômicos trazem a perspectiva de que a produtividade não é um objetivo em si, assim como investimentos em tecnologia não são feitos por causa da inovação
Figura 2: As três maiores representações financeiras
num mapa mundi invertido, formando “yes”.
Fonte: foto do autor na exposição do escritório OMA
Tabela 1
Ranking e classificação quanto ao índice de
competitividade entre nações.
Fonte: Fiesp.
tecnológica. As empresas e a sociedade não buscam tecnologia ou aumento da produtividade por causa do desenvolvimento da humanidade, mas se enquadram às regras do sistema econômico vigente, que trará sucesso ou fracasso na sua escolha.
“...as empresas estarão motivadas não pela produtividade, e sim pela lucratividade e pelo aumento do valor de suas ações, para os quais a produtividade e a tecnologia podem ser meios importantes, mas com certeza, não são os únicos. E as instituições políticas, moldadas por um conselho maior de valores e maximização da competitividade de suas economias5. A lucratividade e a competitividade são os verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do crescimento da produtividade.” (Castells, 2005 ‐ pg. 136).
5 Conforme a tabela 1, o Brasil ocupa a 39ª colocação, pois este índice está formulado com base na renda per capita (PIB), no desenvolvimento humano, taxa de crescimento, e outros fatores que constituem o conceito de
Fonte: Fiesp.
Mas um fator que incidiu bruscamente no capitalismo global nas últimas décadas, foi o Investimento
Estrangeiro Direto. O Investimento Estrangeiro Direto é a causa de mudanças radicais em diversas sociedades, e nas suas estruturas econômicas. O IED se caracterizou, quando o processo de exportações de mercadorias se transformou, e os países começaram a exportar capital, gerando assim, instituições financeiras diferenciadas, refinadas e
especializadas numa nova forma de gerar capital no mercado financeiro internacional (Sassen, 2001).
Na tabela 2, vimos os investimentos estrangeiros em diversos setores, e
Tabela 2
Distribuição setorial dos investimentos estrangeiros diretos relativos aos
países de origens e destinos destes investimentos, 1970‐2003.
Grupo de países e setores
1970 1990 2003 1970 1990 2003
Bilhões de dólares Participação
(porcentagem)
A. Origem dos fluxos de IED
Países desenvolvidos
Primário 29 160 400 22,7 11,2 5,3
Secundário 58 556 2117 45,2 38,7 27,9
Terciário 41 720 5058 32,1 50,1 66,8
Total 129 1436 7575 100 100 100
B. Destino dos fluxos de IED
Países desenvolvidos
Primário 12 94 428 16,2 9,1 6,5
Secundário 44 439 2081 60,2 42,5 31,9
Terciário 17 499 4015 23,6 48,4 61,5
Total 73 1032 6524 100 100 100
Países em desenvolvimento
Primário ‐ 46 144 ‐ 21,9 7,1
Secundário ‐ 102 779 ‐ 48,6 38,3
Terciário ‐ 62 1110* ‐ 29,5 54,6
Total ‐ 210 2033 ‐ 100 100
Fonte: UNCTAD
*Dentro deste setor, em Atividades de Negócios, uma parte considerável do
investimento está na China, o qual responde por 60% das economias em
como a exportação do capital alternou‐se nesses setores, mas nada se compara a evolução do setor terciário entre países desenvolvidos nas últimas 3 décadas.
Segundo dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados ‐ SEADE (2003), só o Estado de São Paulo representa 31,8 % do Produto Interno Bruto nacional (PIB), e ainda, a Região Metropolitana de São Paulo, representa 49,4 % do estado. Se somarmos o PIB das 12 cidades do Estado de São Paulo mais bem colocadas no ranking da produção do PIB nacional, teremos 17,14% do montante nacional, sendo que só a capital do Estado, responde por 9,44% de tudo que é produzido no país. Isso nos mostra uma hierarquia radiocêntrica, uma distribuição organizada e polarizada das cidades dentro do Estado, demonstrando que a capital é a grande representante no cenário econômico internacional, conforme mostra a tabela 3. Seus recursos são maiores do que todos os outros estados
somados.
Segundo Sassen (2001), o Investimento Estrangeiro Direto exige de cidades que representam seu país no mercado financeiro internacional e globalizado, uma infra‐ estrutura de serviços e telecomunicações,
Tabela 3
Estoque de IED no Brasil, participação estrangeira total,
distribuição por atividade econômica principal, base 2000.
Setores U$ em
bilhões
Estado
de S.P.
(U$ bi)
% do
total
Primário 2,4 1,4 58,3
Secundário 34,7 23,3 67,1
Terciário 65,9 43,3 65,7
Total 103,0 68,0 63,7
caracterizando assim, o que vários autores chamam de cidade global6.
Por causa da descentralização industrial, achou‐se que as cidades ficariam obsoletas, e que, com a criação de tecnologia que levasse comandos de
operações a qualquer lugar do planeta, as cidades grandes faleceriam. Mas, uma nova estruturação de controle centralizado e a expansão das
telecomunicações em larga escala nas cidades
centralizadas, trariam uma densificação, gerando uma estrutura informacional densa, com geração da economia diversificada e globalizada (Sassen, 2001).
Antes, onde costumava haver dois principais parceiros econômicos – empresas e governos federais – há agora um terceiro: a cidade global.
6 As transformações na economia mundial teriam conduzido a uma crise da centralidade econômica das metrópoles que perderam o controle sobre as atividades industriais, porque as empresas por elas responsáveis, favorecidas
pelo desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e informação, passaram a dispor de maior
flexibilidade para escolher os lugares de menor custo para suas sedes. Se, por um lado, as metrópoles pareciam
caminhar para um futuro incerto, por outro, readquiriam importância estratégica como locais destinados ao setor
terciário, acompanhando a mudança de direção da economia mundial. Não se tratava, portanto, da perda de sua
centralidade econômica, mas de sua re‐significação no interior do sistema produtivo internacional (Carvalho,
2000)."
Figura 3: Foto de satélite da mancha urbana de São
Paulo
A tecnologia de informação, que tornou possível a economia global, criou intensas redes de comunicação centradas na cidade. Empresas que operam globalmente dependem de uma infra‐estrutura de serviços e recursos humanos capacitados, existentes apenas nas cidades.(Rogers, 2001 – pg. 161)
A partir do quadro da economia mundial, Sassen (2001) definiu as cidades globais como os lugares mais propícios ao desenvolvimento de estruturas chave da sociedade informacional, identificando Nova Iorque, Londres e Tóquio como seus três principais pólos. Essas metrópoles cobrem, sem interrupção, todas as zonas horárias de um dia, o que permite que o mercado financeiro esteja sempre aberto. Para Sassen, são quatro as principais determinantes que definem as cidades globais: empresas financeiras que operam nos mercados globais,
conseqüentemente pontos de comando da economia mundial; centro de inovação de produção tecnológica; e enfim, um mercado para tais
inovações.
A cidade global está no centro desta nova ordem econômica e espacial, que propõe uma nova interação entre pessoas, conhecimento e meio ambiente. Além disso, as cidades globais são locais de imensa concentração do poder
econômico. Os serviços financeiros proporcionam enormes lucros. No início de 2000, conforme informativo da Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, todas as operações no mercado de renda variável do país se concentraram apenas na Bovespa, que hoje é realizada exclusivamente por meio de seu sistema eletrônico. Ainda segundo dados da Bovespa, o mercado de ações no Brasil movimentou mais de 200 bilhões de dólares em 20057.
Figura 5: Cabos de fibra óptica submarinos em uso
Fonte: TeleGeography Research
7 No início de 2000, a Bovespa respondia por 95% das operações no mercado de renda variável do país, o que culminou, no mesmo ano, com a integração de todas as bolsas de valores do país, passando assim, a concentrar
Segundo o Banco Mundial, só a bolsa de Nova York responde por 2/3 de todas as ações norte‐ americanas, e a bolsa de Tóquio, por 90% das ações japonesas, o que nos mostra uma alta concentração de movimentação financeira num mercado internacional globalizado.
Porém, segundo o GaWC (Globalization and World Cities ‐ Study Group & Network), um grupo de estudos fundados por Peter Hall, Saskia Sassen e Nigel Thrift, São Paulo se enquadra num
segundo quadro de cidades globais. Eles dividem esse ranking em três grupos principais: A – Alpha world cities (Londres, Nova Iorque, Paris, Tóquio, Chicago, Frankfurt, Hong Kong, Los Angeles, Milão e Singapura); B – Beta world cities (São Francisco, Sydney, Toronto, Zurich, Bruxelas, Madri, Cidade do México, São Paulo, Moscow e Seul); C – Gamma world cities (outras 35 cidades).
E ainda, Ferreira (2003), em sua tese de doutorado, afirma que a cidade de São Paulo pouco corresponde à essa imagem de cidade global: “Mais do que globais, as dinâmicas que dirigem a produção da cidade de São Paulo são a representação do mais arcaico patrimonialismo”.
compreensão só se realiza quando todas são percebidas como expressão de um único processo: a transformação das metrópoles em cidades globais.
Figura 6: As cidades globais, segundo o GaWC
Fonte: www.lboro.ac.uk/gawc/
Figura 7: São Paulo Fonte: www.wikipedia.org
áreas centrais, para preparar estas áreas para a instalação de empresas voltadas às novas economias baseadas em pesquisas, em tecnologia, em biotecnologia, e outros. Mas para tanto, vários critérios foram considerados, como as questões de regenaração urbana, reestruturação produtiva e o desenvolvimento urbano sustentável.
Esses critérios, que recolocam em destaque certas cidades e principiam a rearticulação de outras, foram criadas em determinados lugares, necessitando um meio cultural, financeiro e social diverso do das cidades industriais. Porém, as cidades guardam seu papel fundamental, pois formam diversidade, atraem e dispersam valores que nelas se transformam (Carvalho, 2000; Duarte, 2002).
suas ações.
A nova tecnologia está libertando o aprendizado das atividades de ontem – as fábricas, o escritório, a universidade – e estão sendo substituídos por conexões flexíveis ligadas em rede às fontes de informação. As pessoas, cada vez mais, irão utilizar o conhecimento quando quiserem e não apenas onde ele é institucionalizado: as pessoas serão capazes de conectar a rede mundial de computadores e comunicar‐se em casa, num café ou no parque. O aprendizado, a moradia e o trabalho irão se sobrepor continuamente.(Rogers, 2001 – pg. 162)
Para estas sobreposições acontecerem, as novas tecnologias atuarão como recursos indispensáveis. A rapidez e a escala das transformações são fatores importantes nesta discussão, pois atuam sobre os processos de reestruturação produtiva.
Figura 8: o território fragmentado de São Paulo. Foto: Nelson Kon
Fonte: Leite, 2002
Figura 8: O território fragmentado de São Paulo. Foto: Nelson Kon
Fonte: Leite, 2002
2.2
REGENERAÇÃO
URBANA
E
REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA
Regeneração urbana é um processo de recuperação de áreas em transformação, que prioriza a reestruturação produtiva. Um novo conjunto de ações que programam novas funções ao território deteriorado, em um processo chamado de refuncionalização urbana.
Os processos de regeneração urbana e os novos equipamentos urbanos operam como agentes transformadores da metrópole, enquanto o vazio urbano se revela no processo de reorganização do território fragmentado e desarticulado,
ilustrando a imensa dificuldade dos países
periféricos em resolver os problemas espaciais de suas metrópoles superpopulosas (Carlos Leite, 2002).
Analisar o desenvolvimento urbano a partir do processo de reestruturação produtiva, contempla as mudanças de mercado de trabalho e a
redefinição do papel das cidades. O
Figura 9: antigas áreas industriais de Barcelona
Fonte: www.22barcelona.com dos vazios urbanos e o desenvolvimento de infra‐estruturas, são algumas das condições contemporâneas para o surgimento do conceito de planejamento estratégico.
Porém, estratégias e projetos urbanos em vazios urbanos, dos quais abordamos neste trabalho, devem operar novas funções e programas produtivos – diferentemente, portanto, dos
programas de revitalização de áreas centrais tradicionais, normalmente de viés cultural, turístico e cenográfico. Por outro lado, no atual quadro de
competição global das cidades, os programas de reestruturação produtiva devem buscar aliar competitividade e inovação através das várias
oportunidades geradas pelos novos sistemas produtivos. Esses novos sistemas produtivos estão relacionados a um intenso movimento de desindustrialização nos países centrais, tornando as antigas áreas industriais em áreas decadentes e ao mesmo tempo, em espaços potenciais para a implantação de grandes complexos imobiliários
elaborados para regenerar e recuperar essas áreas.
Figura 10: Potsdamer Platz Fonte: Powell, 2000
subsídio fundamental na regeneração urbana de nossas metrópoles. Os projetos atuais de “refuncionalização” do território apontam novos parâmetros de atuação: a refuncionalização do espaço deteriorado é a alternativa que o projeto urbano contemporâneo deve oferecer.
Programas urbanos regeneradores do território de vocação produtiva: atividades sócio‐
econômicas específicas para cada área que de fato impulsionem o seu crescimento através de atividades, funções e programas claros.
Não podemos confundir aqui, a perda da produtividade econômica com a descaracterização de uma área. Projetos e programas já realizados na Europa mostram a importância das antigas áreas produtivas ao buscar novos papéis, novas funções e novos programas produtivos, mas que conservam sua característica fundamental, sua
vocação produtiva. Nesse contexto, a
regeneração urbana deve estar envolvida num processo de desenvolvimento balanceado, onde projetos pilotos devem atrair e estabelecer novos usos e novos programas produtivos.
Figura 11: London Docklands Development Corporation, primeiro
programa de regeneração urbana em vazios urbanos do Reino
Unido, criado em 1981, que gerou grande gentrificação.
Fonte: www.dockland.co.uk
princípios gerais devem buscar combinar: uma visão compartilhada; promover resultados o mais rápido possível; responder a uma demanda potencial; buscar objetivos sociais e ambientais que beneficiam as necessidades comerciais e de investimento; capital humano para novas atividades; senso de parceria e cooperativismo entre interesses públicos e privados.
No entanto, existem ainda algumas preocupações. Primeiro, o problema da especulação imobiliária, que pode trazer gentrificação8.
Segundo, o problema dos pacotes de financiamentos para os tipos de projetos complexos que são necessários, e que podem levar anos para serem realizados. E ainda, a descontinuidade política, que em longos
contratos de gerenciamento, principalmente em parcerias público‐privado, podem sofrer
alterações em seus mecanismos, advinda de possível alteração das prioridades políticas.
8 Derivado do termo gentrification, a gentrificação é um processo de enobrecimento de uma determinada área, onde ocorre a expulsão de moradores, quando a valorização de uma área degradada anteriormente, forma uma
especulação, tornando o custo de vida e o preço dos aluguéis inviáveis aos padrões dos moradores originais,
Figura 12: Cluster urbano em Barcelona. Fonte: www.22barcelona.com
Recentemente estudado, uma das ferramentas eficientes contemporâneas para a regeneração urbana através de programas urbanos regeneradores, é o cluster urbano. Responsável por transformações no espaço urbano reutilizado, o cluster urbano se apresenta como um instrumento de desenvolvimento local e um indutor de processos inovativos aliado às novas demandas industriais e aos novos serviços
tecnológicos. O território se reorganiza, atuando com novas funções e demandas.
Figura 13: Cluster urbano em São Francisco. Fonte: www.sfgov.org
O capital humano é a chave para o desenvolvimento econômico local desta nova economia: empresas e pesquisas inovadoras e de alta tecnologia. Idéias criativas são o maior ingrediente nas empresas ligadas a esse tipo de economia que predominará neste século. Nesta nova economia baseada no conhecimento, estar em ambiente criativo é fundamental.
Jamies Simmie (2001) co‐relaciona densidade e inovação, espaços inovativos e os padrões da indústria de alta tecnologia, mostrando que densidade, diversidade e conhecimento, são aspectos inseparáveis no
processo de criação de um ambiente inovador e criativo.
A nova geografia industrial tem mostrado algumas hipóteses interessantes para explicar as razões pelos quais novas economias
está associado a um cooperativismo e competitivismo entre as empresas, em um ambiente que permite trocar experiências, fundamentadas em pesquisas. Para tanto, unir espacialmente áreas de estudo, trabalho e moradia, é essencial para entender as inovações como um processo econômico e social, e para a criação de um ambiente próspero e inovador.
Nos próximos capítulos, veremos que diversidade, tolerância e ambiente inovador, são ingredientes fundamentais para o crescimento econômico, e para o desenvolvimento urbano sustentável.
Figura 14: Crescimento populacional mundial nas
áreas urbanas
Fonte: Urban Age, em www.urban‐age.net
2.3
A
CIDADE
COMPACTA
E
O
DESENVOLVIMENTO
URBANO
SUSTENTÁVEL
As cidades, como são concebidas atualmente representam uma enorme ameaça à própria sobrevivência da humanidade – as áreas urbanas geram 75% da poluição, e o impulso ao
crescimento urbano ultrapassam os limites considerados pelas instituições de proteção ao meio ambiente.
Em apenas um século, a população mundial quadriplicou. O futuro da civilização será
determinado pelas cidades e dentro das cidades. O futuro das cidades é o futuro do planeta. Desta forma, o volume de recursos consumidos e poluição gerada aumentarão substancialmente. Porém, pelo menos metade desta população urbana em crescimento estará morando em favelas sem as mínimas condições de
Figura 15 e 16: O espraiamento urbano
americano. Cidade de Miami.
Fonte: www.transitmiami.com
bairros residenciais distantes levaram a um enorme desenvolvimento dos subúrbios, construção de estradas, aumento substancial do uso de automóveis,
congestionamento e poluição do ar.
As cidades são antes de tudo, o lugar de encontro das pessoas. No entanto, uma grande parcela dos
espaços públicos da cidade, incluindo quase a
totalidade das ruas e praças, é agora dominada pelos veículos automotivos: são lugares pensados para atender às necessidades do trânsito. (Rogers, 2001 – pg. 126)
O deslocamento dos centros urbanos teve sua origem no modelo de cidade‐jardim inglês, liderado por Ebenezer Howard, que em 1898 produziu o livro “Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform”, produzindo zonas de uso e baixas densidades, visto como a resposta para os problemas da época, desde a tuberculose até os preconceitos raciais.
Figura 17: A poluição atmosférica em São Paulo mata
indiretamente oito pessoas por dia, e reduz em dois anos a
expectativa de vida dos habitantes.
Fonte: Núcleo de Estudos para o Meio Ambiente da USP urbana central, por causa da procura por segurança privada, pelo transporte individual e a proliferação de espaços monofuncionais.
O modelo americano de espraiamento urbano passou do limite de centro urbano e subúrbio, para centro urbano, subúrbio e exúrbio (subúrbio do subúrbio), exponenciando a conurbação, e trazendo trágicos desastres ambientais, além do aumento substancial de emissão de CO² pelos automóveis, pois os transportes públicos de massa são pouco promovidos.
A cada hora, 20 hectares de terreno cultivável se submetem ao desenvolvimento imobiliário desenfreado. Entre 1970 e 1990, a população da área metropolitana de Chicago cresceu 4%, enquanto que o terreno edificável aumentou
46%9
As comunidades devem se organizar com usos mistos que devam ser agrupados em torno de núcleos de transporte público de massa, com a comunidade planejada em torno de distâncias capazes de serem vencidas a pé ou de bicicleta.
9
Figura 18: Sistema de bicicletas públicas em Barcelona, que
visa a meta de despoluição da cidade
Fonte: do autor, em visita feita em julho de 2007
Um fator claro que tem mudado significamente o processo de desenvolvimento da cidade, é a acessibilidade ao transporte. A expansão da rede de transporte público iniciou um processo de dispersão e expansão nas cidades, de sua densidade e usos mistos tradicionais, para o
desenvolvimento de subúrbios providos das estações de transportes públicos. O preço baixo das terras em subúrbios, o expansivo uso do carro como meio de transporte individual, e a
construção massiva de rodovias, fizeram com que os centros das cidades ficassem mais distantes ainda de seus subúrbios, Esses fatores são os responsáveis pelo grande incremento de
congestionamentos, barulho, poluição e pobreza ambiental, e contribuem para esse processo de descentralização.
Hoje, o desenvolvimento urbano sustentável objetiva, a longo prazo, a criação de uma estrutura flexível para uma comunidade forte, dentro de
um ambiente saudável e limpo. Quando
Figura 19: La Rambla, em Barcelona, modelo de
espaço público multifuncional que proporciona a
riqueza do encontro, do inesperado.
Fonte: do autor, em visita feita em julho de 2007
um planejamento sustentável.
O encontro das funções sociais dos cidadãos (moradia, trabalho e lazer) deve ser expresso na condição urbana que o centro propicia. Os usos mistos e as densidades tradicionais dos centros urbanos devem trazer de volta a vivência que foi perdida após a implementação do uso do carro como transporte individual, e que, em algumas sociedades, onde essa mentalidade pobre é tão exacerbada, que o carro acaba se transformando em status social, para demonstração do poder de compra de cada indivíduo, mostrando claramente, a falta de cidadania e do espírito de coletividade necessários para se viver em comunidade.
A composição de atividades sobrepostas, permite maior convivência e reduz as necessidades de deslocamentos em automóveis, reduzindo drasticamente a energia utilizada para transporte, reduzindo também o
Figura 20: usos mistos compactos criam nós de redução de jornadas, e criam vizinhanças mais atraentes e sustentáveis.
Fonte: Rogers, 2001
Figura 21: Foto exposta no Tate Modern: São Paulo em “Size and Diversity”. Contraste entre Paraisópolis e Morumbi. São Paulo
Fonte: Tuca Vieira. Folha Imagem
Figura 22: Serra da Cantareira, em São Paulo. Área de
proteção ambiental envadida pelo espraiamento
urbano.
Fonte: Leite, 2002
Nesse sentido, uma cidade mais densa e pouco espraiada evitaria a invasão das áreas rurais, ou, como no caso de São Paulo – pior ainda – a não invasão das reservas ambientais. Isto traz benefícios ecológicos maiores. Através de um planejamento integrado, as cidades podem ser pensadas tendo em vista um aumento de sua eficiência energética, menor consumo de recursos, menor nível de poluição. Uma cidade densa e socialmente diversificada onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham e onde as comunidades sejam concentradas em torno das unidades de vizinhança (Rogers, 2001)
Podemos imaginar a cidade ocupando menos seu entorno, densificando seu centro. Podemos comparar a ocupação que a cidade de São Paulo teria, se sua densidade fosse comparada a outros centros urbanos, ou outras densidades de
seus próprios bairros.
A região metropolitana de São Paulo possui hoje 20 milhões de habitantes, numa área de
8.500km2, e uma densidade de 23,5 hab/ha ‐ a 25ª cidade mais densa do mundo, porém, a 2ª mais populosa10. Se aplicássemos a densidade
10
média da Favela Paraisópolis (1000hab/ha11), toda essa população ocuparia apenas esta mancha quadrada mais clara (figura 23), que possui 15 km em cada lado, e ocuparia apenas essa faixa do centro expandido da cidade.
Figura 23 e 24: a mancha central marca a projeção que a população da metrópole inteira ocuparia se a densidade fosse igual a da Favela
Paraisópolis, que atinge em alguns pontos 1.000hab/ha.
Fonte: do autor, em trabalho apresentado no Mackenzie
Claro, que esta densidade estaria longe de ser adotada e aceita, mas trata‐se de uma simulação para visualizarmos essas densidades à que estamos nos referindo. Este conceito, difere
radicalmente do atual modelo urbano dominante, aquele dos Estados Unidos: uma cidade dividida em zonas por funções, com áreas de escritórios centrais, shopping centers e áreas de
11
Figura 25: Foto exposta no Tate Modern. São Paulo em “Size and Diversity”. Copan, em São
Paulo.
Fonte: Montagem de Andreas Gursky. Disponível em www.tate.org.uk
lazer fora da cidade, bairros residenciais distantes e vias expressas. Tão poderosa é esta imagem e tão intensas as forças que motivaram sua criação (estabelecidas pelos critérios comerciais de mercado), que os países menos desenvolvidos estão ainda focados em uma trajetória que já fracassou nos países desenvolvidos.
Se o modelo de cidade compacta e sobreposta inclui a complexidade, o modelo de divisão por zonas a rejeita, reduzindo a cidade a divisões simplistas e pacotes econômicos e administrativos facilmente manejáveis. Os
Projetado por Oscar Niemeyer em 1951, o edifício foi concluído em 1966, e é a maior estrutura de concreto armado do país. O prédio tem 115 metros de altura, 120 mil metros quadrados de área construída, 1.160 apartamentos que variam de 26 a 350 metros quadrados e cerca de cinco mil moradores distribuídos em seis blocos. No térreo distribuem‐se cerca de 70 lojas, sendo algumas delas: igreja (antigo cinema), alfaiate, fast‐food chinês, restaurantes, lavanderia, lanchonetes, lojas de roupa e acessórios de moda, cabeleireiros, imobiliária, relojoaria, cafés, vídeo locadora, telefones públicos, doceria, agência de turismo, papelaria e despachante. Esse uso misto, permite aos moradores a aquisição de suas necessidades no próprio prédio. Neste sentido, o edifício é um exemplo de ‘cidade sustentável’, pois se trata de uma cidade dentro de outra cidade.
Porém, o conceito de cidade sustentável reconhece que a cidade precisa atender aos nossos objetivos sociais, ambientais, políticos e culturais, bem como aos objetivos econômicos e físicos. É um organismo dinâmico tão complexo quanto à própria sociedade e suficientemente ágil para reagir rapidamente às suas mudanças.
Para ampliar esse conceito, recorreremos aos projetos urbanos contemporâneos, que atuam nos vazios urbanos em áreas centrais.
Figura 26: Docklands antes do processo de regeneração
urbana, em 1982.
Fonte: www.lddc‐history.org.uk
3
.
PROJETOS
URBANOS
CONTEMPORÂNEOS:
CONTEXTUALIZAÇÃO
3.1
VAZIOS
URBANOS
EM
ÁREAS
CENTRAIS
Entre as diferentes dimensões da crise urbana provocada pelo processo global de reestruturação econômica que se tem identificado ao longo dos últimos 25 anos, destaca‐se o surgimento de grandes áreas ociosas ou subutilizadas, particularmente nas cidades e setores urbanos, cujo crescimento havia se amparado na indústria de transformação. Na última década emergiram as metrópoles pós‐industriais e, com elas, as oportunidades e desafios oferecidas aos novos projetos urbanos enquanto instrumento de
regeneração territorial das áreas produtivas deterioradas ou em transformação.
Figura 27: Vazios urbanos no bairro Plobenou, em
Barcelona. Áreas centrais desutilizadas com grandes
expectativas de transformação.
Fonte: www.22barcelona.com
mar. O declínio industrial gerou o esvaziamento de áreas urbanas inteiras, transformações que os territórios metropolitanos vêm sofrendo ao passar
de cidade industrial para pós‐industrial e de serviços, abandonando imensas áreas de atividades
produtivas.
O território metropolitano tornou‐se depositário de enormes transformações ao mesmo tempo em que o abandono e desperdício urbanos tornaram‐se
evidentes: zonas industriais subtilizadas, armazéns e depósitos industriais desocupados, edifícios centrais abandonados, corredores e pátios ferroviários desativados, os chamados vazios urbanos12.
12 A definição desse espaço residual em sua origem francesa, terrain vague, está sob um contexto cultural: uma área
sem limites claros, sem uso atual, vaga, em vacância, de difícil compreensão na percepção coletiva dos cidadãos,
constituindo normalmente um rompimento na trama urbana. Mas é também uma área disponível, cheia de
expectativas, de forte memória urbana, com potencial original: o espaço do possível, do futuro. (SOLÀ‐MORALES,
Figura 28: Vazios urbanos em Montreal. Áreas centrais desutilizadas com grandes
expectativas de transformação.
Fonte: www.citemultimedia.com
A maior parte das cidades sofreram um agudo processo de diminuição da função
industrial nos últimos 20 anos, deixando grandes áreas abandonadas, geralmente
localizadas ao longo das principais vias de transporte, ao longo de rios, canais e junto ao
mar. Não importa a causa que levou à decadência dessas áreas, se guerra ou perda da
função industrial, tais áreas a serem recuperadas são uma importante oportunidade para
melhorar o grau de sustentabilidade das cidades. (ROGERS, 2001 – pg. 56)
Cada cidade tem sua história, seus pontos de referência. Locais que pertencem à memória da cidade e que são pontos
desativado. Mas como já não é mais possível recuperar essas áreas e reviver as antigas atividades, temos que encontrar novos usos, novas atividades que tragam vida a essa área. Assim como os demais recursos, os ambientes existentes não podem deixar de ser reciclado e transformado. É mais inteligente a transformação dos espaços existentes e subutilizados do que a sua negação e substituição.
Muitos dos grandes problemas urbanos ocorrem por falta de continuidade. O vazio de uma região sem atividade ou sem moradia pode se somar ao vazio dos terrenos baldios. As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos urbanos e articular as novas
territorialidades. O vazio urbano e o terreno vago como instrumento potencial para a construção do novo espaço público.
As áreas residuais são também a presença viva de um potencial imenso. Da reconstrução,
renovação, revitalização, mudança. A construção do novo território. Da nova vida
coletiva. Da nova metrópole que está à espreita. A crise traz a angústia da ausência clara
do uso atual, mas também a esperança de algo novo, indeterminado e promissor. (Carlos
Leite, 2002 – pg. 113)
No atual quadro de competitividade entre as cidades, somados à crise ambiental tão divulgada, faz‐se necessário o reaproveitamento dessas áreas abandonadas, espaços urbanos com
Figura 29: Vazios urbanos em Paris (1989). Áreas centrais desutilizadas com grandes
expectativas de transformação.
Fonte: www.cabe.org
sua regeneração urbana, e sua reestruturação produtiva. Tais projetos são casos de sucesso em diversas cidades.
Nessa nova análise do desenvolvimento urbano, a partir do processo de reestruturação
produtiva em vazios urbanos em áreas centrais, devemos contemplar a redefinição do papel das cidades num mercado globalizado e competitivo, onde as novas formas de planejamento e de gestão urbanos, atendem os quesitos conceituais de uma nova ordem, da implantação de novas formas de produção do capital, do conhecimento, e das novas tecnologias. Espaços urbanos que perderam boa parte de suas
funções produtivas, se reconverteram em bairros especializados nas indústrias baseadas nas novas tecnologias da informação e comunicação,
biotecnologia, nanotecnologia, e outras demandas desse mercado que, são diretamente
um mercado inovador e criativo, atrelado à pesquisa, com cooperação e competitividade entre empresas e instituições de ensino e pesquisa.
Vazios urbanos e terrenos vagos, regeneração urbana e reestruturação produtiva, mercado inovativo e informacional, trabalho e pesquisa, ambiente criativo e sustentável. Ingredientes na expectativa de uma nova forma de planejamento, que tem conseguido sua efetividade através das agências de desenvolvimento urbano.