Estágio curricular supervisionado: o que vem sendo abordado
nos últimos 10 anos nas reuniões da ANPED
Resumo
O estágio curricular supervisionado proporciona significativas contribuições para a formação dos licenciados, repercutindo na profissão e na profissionalidade docente. Esta pesquisa teve por objetivo reconhecer o que vem sendo pesquisado sobre a temática estágio curricular supervisionado nas licenciaturas, a partir dos trabalhos publicados no GT08 ‐ Formação de Professores, nas últimas dez reuniões anuais da Associação Nacional de Pós‐Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED. A metodologia constituiu‐se do mapeamento, leitura e análise do conteúdo de 250 resumos de trabalhos, com princípios de natureza quali e quantitativa. Com a construção do estado do conhecimento, foi possível verificar o que se destaca nas pesquisas brasileiras, referente à temática pesquisada, bem como, as possibilidades de [re]significar o estágio curricular supervisionado como um legítimo espaço de formação. O processo educativo ocorre na interação do professor com os saberes da sociedade, porque os diversos contextos são os meios educativos do próprio homem. Portanto, a formação dos licenciados é balizada por uma trama de saberes, que provém de experiências da ação e reflexão, mostrando‐se o estágio curricular um espaço privilegiado para tal. Palavras‐chave: Estágio Curricular Supervisionado. Educação Superior. Licenciatura. ANPED. Formação de Professores. Luiza de Salles Juchem Universidade Federal de Santa Maria luizasj@hotmail.com Silvana Zancan silvanazancan@hotmail.com
1. Introdução
Estudos do tipo estado do conhecimento retratam o que já se estudou sobre um objeto, o que vem se discutindo e ainda sugerem fragilidades no conhecimento a cerca do tema em estudo. É necessário conhecer o que já se produziu, para possibilitar a compreensão de como vem sendo construídos os conhecimentos sobre estágio curricular supervisionado, para então poder avançar e enriquecer, ainda mais, os estudos nessa
área. Voltar o olhar para os trabalhos apresentados na ANPED1, significa optar por
estudos que cumprem com a rigorosidade científica, com reconhecimento no campo temático, permitindo ainda, tomar conhecimento do que vem sendo discutido no universo dos Grupos de Trabalhos da ANPED, no Brasil.
Segundo Castro e Werle (2004, p. 1045)
Um estado da arte ou conhecimento é uma análise da produção acadêmica em uma determinada área que permite reconhecer e identificar o conhecimento produzido, as áreas de tensão e possíveis avanços na compreensão do tema em estudo.
A partir da compreensão do significado de estado do conhecimento, o objetivo balizado para esta pesquisa buscou reconhecer, o que vem sendo abordado sobre a temática estágio curricular supervisionado nas licenciaturas, a partir dos trabalhos publicados no GT08 ‐ Formação de Professores, nas últimas 10 reuniões anuais da Associação Nacional de Pós‐Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED. A pesquisa norteou‐se pelo seguinte problema de pesquisa: o que é mais evidenciado nos trabalhos da ANPED, no período de 2004 a 2013, da 27ª a 36ª reunião, no GT08 ‐ Formação de Professores, referente ao tema estágio curricular supervisionado nas licenciaturas?
1 A ANPEd é uma associação sem fins lucrativos que congrega programas de pós‐graduação stricto sensu em
educação, professores e estudantes vinculados a estes programas e demais pesquisadores da área. Ela tem por finalidade o desenvolvimento da ciência, da educação e da cultura, dentro dos princípios da participação democrática, da liberdade e da justiça social. Dentre seus objetivos destacam‐se: fortalecer e promover o desenvolvimento do ensino de pós‐graduação e da pesquisa em educação, procurando contribuir para sua consolidação e aperfeiçoamento, além do estímulo a experiências novas na área; incentivar a pesquisa educacional e os temas a ela relacionados; promover a participação das comunidades acadêmica e científica na formulação e desenvolvimento da política educacional do País, especialmente no tocante à pós‐graduação. Disponível em: <http://www.anped.org.br/anped/sobre‐a‐
2. Aportes metodológicos
A metodologia constituiu‐se do mapeamento, leitura e análise de conteúdo, com princípios de natureza quali e quantitativa. O corpus de análise deste estudo foi composto pelos trabalhos apresentados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós‐Graduação e Pesquisa em Educação ‐ ANPED, no período de 2004 a 2013, no GT 08 ‐ Formação de Professores. Esta análise se deu, inicialmente, nos títulos e resumos, onde buscamos os seguintes descritores: estágio, estágio curricular, estágio curricular supervisionado e currículo. Assim, todos os trabalhos que contemplaram, pelos menos um dos 4 descritores, foram lidos na sua totalidade.
Posteriormente a esse levantamento foi construída uma tabela dos artigos que referenciavam o tema em estudo, explicitando o GT, o número do artigo, a autoria, título, metodologia e seu resumo. A partir desses movimentos, a análise de dados foi construída com base em Moraes (1999, 2003), em que foi possível aproximar os achados,
organizando‐os em categorias e a partir disso, produzindo um metatexto2.
Dos 250 trabalhos do GT08 – Formação de Professores, do período de 2004 a 2013, apenas 06 artigos tratavam especificamente do tema estágio curricular supervisionado. Os outros 244 trabalhos faziam apenas menção sobre o tema no corpo do artigo, contudo associados a outros assuntos. Nos quadros abaixo, são demonstrados o número de trabalhos por reunião e a porcentagem do tema alvo deste estudo, em relação ao total de trabalhos aprovados no GT08 – Formação de Professores. ANPED GT 08 ‐ FORMAÇÃO DE PROFESSORES TEMA: ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISONADO REUNIÃO IDENTIFICAÇÃO DOS TRABALHOS N°. DE TRABALHOS ANO TOTAL DE TRABALHOS DO GT % 36ª GT08 ‐ 2668 GT08 ‐ 3293 2 2013 18 11,11 35ª GT08 ‐ 1566 1 2012 22 4,55 2 Diferentes tipos de textos podem ser produzidos por meio dessa metodologia, com ênfases diversificadas em descrição e interpretação e tendo como ponto de partida diversificados objetivos de análise. Alguns textos serão mais descritivos, mantendo‐se mais próximos do corpus original. Já outros serão mais interpretativos, pretendendo um afastamento maior do material original num sentido de abstração e teorização mais aprofundado. (MORAES, 2003, p. 202).
34ª 0 2011 23 0 33ª GT08 ‐ 6531 GT08 ‐ 6969 GT08 ‐ 6476 GT08 – 6843 4 2010 21 19,05 32ª GT08 ‐ 5678 GT08 – 5765 2 2009 21 9,52 31ª 0 2008 18 0 30ª GT08‐2858 GT08‐3591 GT08‐3231 GT08‐3165 4 2007 31 12,90 29ª GT08 – 1763 1 2006 29 3,45 28ª GT08 ‐ 278 GT08 ‐ 539 G08 ‐ 700 GT08 ‐ 356 GT08 ‐ 1157 GT08 ‐ 405 GT08 ‐ 75 GT08 – 1498 8 2005 45 17,78 27ª FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL: IDENTIFICANDO DIFICULDADES E DESAFIOS3 1 2004 22 4,55 Quadro 1: Fonte ANPED, 27ª a 36ª reunião. ANPED TÍTULOS DOS TRABALHOS ESPECÍFICOS SOBRE O TEMA "ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO” 28ª 2005 GT08 – 75 O ESTÁGIO CURRICULAR NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DIVERSOS OLHARES 32ª 2009 GT08 – 5678 ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO CURSO DE PEDAGOGIA NA PERSPECTIVA DE AÇÃO DE INTERVENÇÃO SOCIAL 3 Na 27ª reunião da ANPED, os trabalhos não eram numerados, constando somente, o título do trabalho e o autor.
32ª 2009 GT08 – 5765 ORIENTADORES DE ESTÁGIO CURRICULAR: ASPECTOS RELATIVOS À APRENDIZAGEM E À IDENTIFICAÇÃO COM A ATIVIDADE DE ORIENTAÇÃO 35ª 2012 GT08 – 1566 ANATOMIA E FISIOLOGIA DE UM ESTÁGIO 36ª 2013 GT08 – 2668 TECENDO RELAÇÕES ENTRE TESES E AÇÕES DESENVOLVIDAS POR PROFESSORES SUPERVISORES DE ESTÁGIO CURRICULAR 36ª 2013 GT08 – 3293 INTERVENTORIA: UMA PROPOSTA PARA O ACOMPANHAMENTO DE ESTAGIÁRIOS
Quadro 2: Relação de trabalhos mapeados contendo o tema estágio curricular
supervisionado. Fonte ANPED, 27ª a 36ª reunião. TOTAL DE TRABALHOS GT 08 FORMAÇÃOD E PROFESSORES TRABALHOS ESPECÍFICOS DO TEMA ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO RELAÇÃO % 154 6 3,90%
Quadro 3: Número e percentual de trabalhos mapeados contendo o tema estágio
curricular supervisionado, relacionado à totalidade de trabalhos apresentados no período pesquisado. Fonte ANPED, 27ª a 36ª reunião.
3. Caminhos do estágio curricular supervisionado
O estágio curricular supervisionado proporciona inúmeras contribuições significativas na formação dos licenciados trazendo implicações à profissão e profissionalidade docente. Sinaliza‐se na Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, que o estágio é um ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente do trabalho, visando a preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior (BRASIL, 2008).
No GT08 ‐ Formação de Professores, da ANPED, em 10 anos foram discutidos e apresentados 06 trabalhos referentes à temática estágio curricular supervisionado. Percebe‐se a relevância desse assunto quando deparamo‐nos com a questão da qualidade da formação dos licenciados e principalmente, quando visamos a indissociabilidade teórico‐prática da ação pedagógica. O estágio é uma atividade
integradora das graduações em licenciatura, pois possibilita o estudante vivenciar práticas do campo de atuação futura, fazendo conexões com os aportes conceituais desenvolvidos na universidade.
Os saberes e habilidades necessários aos licenciandos, durante o curso, implicam em ampliar um habitus que possibilite, ao exercitar a docência, a adaptação e realização sem cessar para ajustar‐se ao mundo (BOURDIEU, 1983b). Consubstanciado aos conhecimentos que embasam sua intervenção acadêmico‐profissional, é preciso que saiba transformar esses aprendizados em ações no contexto de atuação, pois o habitus constitui uma matriz cultural que dispõem os agentes para agirem coerentemente (NASCIMENTO, 2007).
O estágio curricular supervisionado, além de mobilizar para domínio dos conhecimentos que fundamentam e orientam a intervenção acadêmico‐profissional, permite a incorporação do perfil de educador, por meio da indissociabilidade teoria‐ prática, repercutindo na qualidade da formação. O estágio é, provavelmente, o primeiro momento em que o graduando tem o contato com situações concretas que perpassarão sua carreira docente, ou seja, onde tecerá os fios do conhecimento juntamente com os estudantes, para construir as teias de relações que envolvem o aprender como categoria fundante do processo educativo (FERNANDES, 2008). Nesse sentido, Freire (1996) tece uma importante crítica ao tipo de educação em que o professor deposita em seus alunos os conhecimentos que possui, chamando de educação bancária, ou seja, quando o profissional desconsidera os conhecimentos trazidos pelos estudantes e que pode aprender também com eles.
Assim, Pimenta e Lima (2004, p. 41) conceituam a “profissão de educador como uma prática social”, uma troca de saberes. Nestas ações e práticas, os futuros professores vão desenvolver, nos contextos escolares, um habitus mais enriquecedor e renovado, tanto diante de suas próprias concepções pedagógicas, quanto dos conhecimentos vindos do meio social, dos alunos e do contexto geral da escola.
O estágio curricular supervisionado merece destaque nos projetos políticos
objetiva transformar as instituições de trabalho, no sentido de contribuir para o processo de ensino e de aprendizagem dos educandos, por meio da práxis reflexiva (NÓVOA, 1992).
Busca‐se aqui ressaltar, que o estágio proporciona aos licenciandos a desenvolver a percepção e a reflexão, das inovações pedagógicas, [re]significando e reestruturando o seu trabalho docente, através da integração das diversas possibilidades que venham a surgir e a acrescentar. Quando o professor realiza aproximações e significações dos seus conhecimentos, as relações teórico‐práticas passam a ser fortemente estabelecidas e o processo de saberes e fazeres transforma o olhar do professor, para um processo formativo com mais criticidade.
Nóvoa (1992, p.28) refere que os professores precisam “assumir‐se enquanto
produtores de sua formação” e esse comprometimento com a práxis precisa estar
presente durante o estágio curricular para intensificar‐se na atuação profissional.
A prática educativa e a maneira como os professores organizam o seu trabalho pedagógico, oscilam entre a adaptação às condições estabelecidas pela escola e assumpção de posturas mais reflexivas em relação à ação pedagógica. Nesse sentido, quando pensamos sobre a construção e a afirmação da ação docente, tendo como cenário o estágio curricular supervisionado, reportamo‐nos a Sacristán (1991, p. 64), o qual define profissionalidade como “a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”.
Assim, a construção da identidade profissional desse futuro educador se desenvolverá na confluência entre momentos em sala de aula, como estudante, momentos de prática pedagógica, na realização do seu estágio e de reflexão sobre as práticas. Todos situados na dinâmica de um projeto onde o futuro professor, um sujeito ativo na própria formação, constrói seus saberes ancorados na superação da fragmentação do conhecimento.
4. Análise de dados
O estágio curricular supervisionado é relevante em todo o seu processo, pois possibilita aos licenciados, a apreensão das ideias, de forma a articular a compreensão da prática à luz dos conhecimentos teóricos, os quais podem agir como instrumentos de reflexão, indagação e de novas aprendizagens, a partir das vivências no contexto educacional, compreendido pelo campo formativo (academia) e pelo campo profissional (escola).
A presente análise segue com base em responder o problema de pesquisa, que consiste em compreender o que é mais evidenciado nos trabalhos da ANPED, no período de 2007 a 2013, da 27ª a 36ª reunião, no GT 08 Formação de Professores, referente ao tema estágio curricular supervisionado.
Com base nos 06 trabalhos encontrados, que continham especificamente a
temática almejada, realizamos uma divisão dos assuntos abordados, com o intuito de melhor discutir e refletir a cerca das suas evidências. Essa divisão se deu em três grandes categorias: Intervenção Social, Relação Teoria e Prática e Estágio Curricular: novas possibilidades.
4.1 Intervenção Social
A aprendizagem docente é um processo cultural, cotidiano, de trocas e construção. A universidade, a escola e a sociedade constituem‐se em espaços de intervenção para a formação docente, porque o diálogo de saberes é construído nas vivências em diferentes contextos. O estágio vem, nesse sentido, possibilitar aos estudantes vivenciarem esses espaços de formação, fora da universidade. Gentil (2010) refere que o estágio é uma situação real, onde o licenciando vai aprender a sua profissão, de fato, com as suas possibilidades de avanços e com os entraves da profissão docente.
Assim, a formação docente vai acontecendo a partir do sentido e significado que o estudante é capaz de atribuir às situações formais e não formais que vivencia, bem como, à capacidade individual de estabelecer relações entre elas. De acordo com Pierro e
Fontoura (2009)
esses modelos do sistema educativo estão comprometidos com uma dimensão da complexidade onde os saberes tanto vividos como aprendidos referenciam‐se na sociedade. Esses dois setores postulam compromisso com a educação quando estudam a cultura, acumulam, preservam, constroem e divulgam saberes (p. 3‐4).
Consubstanciado ao processo de aprendizagem, na intervenção do licenciando no contexto de estágio e na sociedade, também se manifesta a intervenção acadêmico‐ profissional do professor supervisor de estágio, que através de suas experiências e orientações auxilia o futuro educador a organizar a sua prática pedagógica.
A prática do futuro professor depende, em grande medida, da atuação dos
docentes que participaram da sua formação. Winch (2009)4 expõe no objetivo de sua
pesquisa, que estudar a formação dos professores de estágio curricular é de suma importância, devido a implicação que esta formação vem a ter nos outros níveis de ensino. Esse olhar mais atento para a qualidade dos professores formadores vem alertar para a importância de haver uma [...] identificação do orientador com o trabalho que está realizando (MENDES e PRUDENTE, 2010). Essa aproximação constitui‐se como fator determinante na autoformação dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas experiências escolares, e o de formação nas instituições que atua (PIMENTA e LIMA, 2004).
Acrescenta‐se ainda com Bourdieu (1998, p. 65), “que o volume do capital social que um agente individual possui depende da extensão das relações que ele pode efetivamente mobilizar e o volume do capital que é posse exclusiva de cada um daqueles em que está ligado”. Ressalta‐se, dessa forma, o processo de intervenção, que está nas trocas de experiências entre o professor supervisor de estágio, com o estudante estagiário e com o contexto envolvido nesse processo.
Assim, o processo de intervenção social é potencializado a partir dos constructos de saberes feitos pelo futuro professor em conjunto com o professor formador e, de
4 Artigo da 32ª reunião da ANPED, intitulado “Orientador de estágio curricular: aspectos relativos à
ambos com a sociedade, de modo a tornar esse processo dinâmico, organizado e gerador de conhecimento, pois Pierro e Fontoura (2009) sinalizam que se aprende melhor quando o aprender não é considerado apenas um ato cognitivo, mas também uma experiência vivida e construída nos diversos espaços de formação.
4.2 Relação Teoria e Prática
A articulação teórico‐prática precisa acontecer intensamente desde o início do curso, por meio da prática como componente curricular, pois os saberes construídos durante o curso serão externalizados nos contextos de atuação, iniciando no momento da realização do estágio curricular supervisionado. Nesse sentido, articular a teoria e a prática, se torna uma tarefa difícil, uma realidade muito visível nas graduações em licenciatura, em virtude da alta valorização atribuída aos conhecimentos específicos quando comparados aos conhecimentos acadêmico‐profissionais, pouco referenciados. Essa preocupação com a indissociabilidade entre teoria e prática pode ser percebida na referência de Pierro e Fontoura (2009, p.07) quando sinalizam que “envolver‐se no processo de formação, enquanto prática converte‐se em experiência refletida e vivida”. Esse envolvimento repercute na qualidade da formação e consequentemente na elaboração de estratégias pedagógicas mais significativas ao ensinar e na aprendizagem do estudante.
Prudente e Mendes (2010) comentam sobre as propostas das atividades de estágio, que algumas instituições realmente asseguravam a indissociabilidade teoria‐ prática, por meio dos estágios supervisionados e da prática como componente curricular. Diante do exposto, podemos afirmar a importância desse entrecruzamento, pois, a interlocução teórico‐prática apresenta uma relação intrínseca entre conhecimento na ação e a reflexão na ação (SCHÖN,1993). É mais do que dominar os conhecimentos oriundos dos cursos, é sensibilizar‐se ao contexto de formação e de atuação dos licenciados. Salienta Gentil (2010) que muitos pensam que o estágio curricular é uma disciplina prática, quando, na verdade ela é uma disciplina teórico‐prática, que visa
exatamente fazer a interlocução, a aproximação do futuro profissional, o docente com o seu campo de trabalho, que é a escola.
Portanto, a relação teoria e prática é uma evidência muito forte quando se discute estágio curricular supervisionado, por este ser uma atividade que potencializa a atuação do estagiário e ainda favorece a tessitura dos fios dessa inter‐relação no contexto que envolve as licenciaturas, sinalizando a emersão dos processos de ensino, pesquisa e extensão.
4.3 Estágio Curricular: novas possibilidades
O estágio curricular supervisionado reforça a tendência de compreender o impacto da formação acadêmica sobre a prática docente. No caso dos 06 trabalhos que tratavam especificadamente do tema, estes abordavam a ação pedagógica do aluno em formação, o papel do professor supervisor de estágio, o distanciamento da universidade a escola, lócus do estágio curricular e as fragilidades na interação entre teoria e prática.
Assim, acreditamos na necessidade de uma [re]significação da disciplina de estágio curricular supervisionado, para que a prática pedagógica possa realmente “representar o ponto de partida para a teoria, para sistematizar novos conceitos e para compreender e decodificar a realidade vivenciada” (MELLO, 2007, p. 12).
Cabe destacar que o estágio é uma possibilidade de ampliar as experiências intrinsicamente articuladas com a prática como componente curricular e é um viés para complementar o ensino construído na universidade (PRUDENTE E MENDES, 2010). Assim, não cabe mais pensar no estágio como uma exigência burocrática, sendo o estagiário um substituto de professor ou um recreacionista. Esse tipo de atividade começou a ser visto “como um legítimo espaço de formação” (AUTH, 2007, p. 09), na qual é possível refletir sobre os insucessos e sucessos da ação docente.
Elucidamos que a aproximação da academia com o campo de atuação futura, necessita acontecer, desde a formulação de uma política educacional clara relativa ao estágio curricular, até ao acompanhamento do professor supervisor do estágio na prática
de sala de aula (CALDERANO, 2013). Essa integração entre os campos de educação possibilitará qualificar o estágio curricular supervisionado, como um espaço legítimo de saberes e fazeres que aproximem o estudante da futura ação docente.
Outro aspecto desvelado são os constructos docentes, que podem ainda ser enriquecidos com a introdução da pesquisa no campo de estágio, para que o futuro professor tenha o entendimento dos desafios à sua formação e vislumbrem a investigação como meio para qualificar sua práxis pedagógica (RAUSCH, 2010; FONTANA, 2007).
Portanto, vislumbrar o estágio curricular supervisionado como um campo para pesquisas representa uma nova possibilidade para o alavancar da profissão docente, no sentido de investigar a própria prática e perceber a realidade do processo de ensino e de aprendizagem, para ampliar saberes e aprimorar fazeres.
5. Considerações finais
Com a construção do estado do conhecimento envolvendo os trabalhos apresentados nas últimas dez reuniões anuais da ANPED, foi possível verificar os aspectos mais evidenciados na temática estágio curricular supervisionado.
Na 32ª e 36ª reunião da ANPED, foram aprovados 4 trabalhos que trataram do tema estágio curricular supervisionado, respectivamente 02 em cada ano, enquanto na 28ª e 35ª apenas 01 trabalho foi aprovado em cada ano. Sinalizamos que nas reuniões de número 27, 29, 30, 31, 33, 34 e 35 não obtivemos registro de nenhum trabalho que abordasse especificamente o tema em estudo, apenas alguns parágrafos de discussão, dentro de outros temas evidenciados dentro do GT08 ‐ Formação de Professores.
Cabe salientar a qualidade dos trabalhos que contribuíram com esta pesquisa, os quais foram unânimes ao evidenciar a relevância do estágio curricular supervisionado para a formação dos futuros docentes. Por outro lado, chamou‐nos a atenção para a ínfima quantidade de trabalhos abordando essa temática. Pela relevância do tema, esperamos um maior número de publicações nas próximas reuniões da ANPED, para que
mudanças significativas aconteçam nos currículos dos cursos de licenciatura e para que a práxis pedagógica desse futuro professor seja ancorada de qualidade.
O estágio é considerado um retrato vivo da prática docente, tendo em vista, que os caminhos percorridos pelo acadêmico representam as primeiras experiências de professor‐aluno, no ato de planejar, ensinar, aprender e vivenciar semelhantes desafios e crises da escola e da sociedade contemporânea (PIMENTA e LIMA, 2004). Diante disso, instigou‐nos a repensar sobre a função docente, o desempenho docente, o conhecimento profissional e de que forma os saberes podem ser construídos no contexto do estágio curricular supervisionado.
O processo educativo ocorre por meio da intervenção do professor com os saberes da sociedade, porque os diversos contextos são os meios educativos do próprio homem. Portanto, a qualidade da formação dos licenciados é balizada por uma teia de saberes, enriquecida pelas experiências da ação e da reflexão. Sendo assim, pensamos ser oportuno [re]significar esse componente integrante do currículo, o estágio curricular supervisionado, como um legítimo espaço de formação.
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