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Oportunidades na base da pirâmide

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Academic year: 2021

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sem depender de infindáveis doações e apoios, e a disciplina do mercado assegura que os erros sejam corrigidos de forma rápida.

Isso pode até ser considerado óbvio, mas não é, pois, se fosse, o papel dos negócios seria visto de maneira muito mais favorável. Como afirmou C.

K. Prahalad, “senso comum não é tão comum!”

(comentário feito ao autor numa conferência da Universidade de Michigan, em Ann Arbor).

Antes de avançarmos, vejamos alguns dados sobre a China e a Coréia do Sul.

Na Figura 1, vemos que o crescimento eco- nômico da China provocou a maior redução da pobreza humana na história, tirando perto de 600 milhões de pessoas da pobreza absoluta em 26 anos. Destaca-se, sobretudo, a queda a partir de 2001, quando a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Vejamos agora os dados da Coréia do Sul, de 1970 a 2008 (Figura 2), para compararmos com Coréia do Norte e Gana, no mesmo período.

Novamente, os dados apresentam um forte argumento de que a industrialização é fundamen- tal para o crescimento de produtividade/renda e Raramente, a palavra “negócios” é mencio-

nada no debate sobre pobreza e desenvolvimento econômico. De certa forma, isso não nos surpre- ende, pois os comerciantes e os negócios sempre foram tratados com indiferença, desde os tempos das frotas mercantis fenícias até a Índia de Nehru (embora isso não tenha impedido o Partido do Congresso, no poder, de solicitar benefícios das empresas). Os negócios sempre foram tolerados como um mal necessário, em vez de encorajados.

Mas, qual seria a realidade de hoje? Mesmo quem assume ser a favor da redistribuição (e eu sou), o que realmente está sendo redistribuído?

Afinal, não podemos redistribuir a pobreza – ape- nas a riqueza –, e, para isso, primeiro é preciso criá-la. E o único agente social que pode criar riqueza são os negócios.

Podemos discutir se são os negócios priva- dos ou os conduzidos pelo Estado que fazem um melhor trabalho de geração de riqueza. Minha tendência é favorecer os negócios privados, pois acredito que eles têm sistemas de incentivos cons- truídos para a melhor alocação de recursos. E ain- da mais importante – os negócios são sustentáveis

Oportunidades na base da pirâmide

P O R

R e u B e n a B R a h a m

(2)

634

375

212 0 52

100 200 300 400 500 600 700

1981 1990 2001 2007

FIGuRA 1 | POBREZA NA CHINA (EM MIlHõES DE PESSOAS) Percentual de pessoas vivendo com menos de US$ 1.08 por dia (PPP)

0 5000 10000 15000 20000

388 244 291 555 709

20000 Coréia do Norte Coréia do Sul

1970 2008

Gana

FIGuRA 2 | PIB PER CAPItA (1970-2008) NA CORÉIA DO NORtE, GANA E CORÉIA DO SUl (EM US$)

FONtE: NAtIONAl ACCOUNtS EStIMAtES OF MAIN AGGREGAtES.

UNItED NAtIONS StAtIStICS DIVISION: http://data.un.org

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diminuição da pobreza. Observamos, nas duas figuras, que os países que conseguiram criar um ambiente favorável aos negócios e ao mercado foram muito bem-sucedidos na redução drástica da pobreza. Portanto, é quase inacreditável que ainda haja dúvidas sobre o papel central dos negó- cios e do empreendedorismo no desenvolvimento econômico.

Outro fator que contribuiu para que as solu- ções de negócios para diminuição da pobreza ganhassem força nos últimos anos foi a fenomenal penetração da telefonia móvel em todo o mundo.

Ainda que as condições iniciais tenham sido par- cialmente subsidiadas, o crescimento da telefonia móvel vem sendo liderado pelo mercado, na medi- da em que os mercados competitivos em tele- comunicações baixaram fortemente o preço dos aparelhos telefônicos e das tarifas. O número de assinantes de telefonia móvel disparou, de cerca de 1 bilhão (quase todos em países desenvolvidos) para mais de 5 bilhões no momento, a maioria pes- soas pobres ou de classe média baixa, localizadas em países em desenvolvimento. Apenas na Índia, o número de assinantes subiu de três milhões, em 2000, para mais de 850 milhões este ano. Nos últimos dois anos, o país registrou de 15 a 20 milhões de novos assinantes por mês. A adoção da telefonia móvel provocou um aumento de produti- vidade e renda em vários mercados de baixa renda.

O MODElO Da basE Da pirâMiDE Stuart Hart e C. K. Prahalad desenvolveram um modelo conceitual para pensar em mercados de baixa renda (The Fortune at the Bottom of the Pyramid, Strategy+Business, número 26, 2002), com a divisão da pirâmide econômica em camadas, incluindo uma base substancial. Eles argumentam que existe uma oportunidade gigantesca na oferta de produtos de alta qualidade a preços acessíveis para a base da pirâmide econômica.

Para simplificar, calculo a última camada da pirâmide em aproximadamente um bilhão de pes- soas que vivem com menos de US$ 1,50 por dia e, provavelmente, estão fora do alcance dos mer- cados atuais. No topo da pirâmide há pelo menos um bilhão de pessoas com alta renda, a maioria vivendo em países desenvolvidos, apesar de que as elites dos países em desenvolvimento talvez também pertençam a essa mesma a categoria. No

meio, estão algo em torno de 4 a 4,5 bilhões de pessoas, que provavelmente recebem de US$ 1,50 a US$ 15,00 por dia. Esse segmento representa um grande mercado inexplorado. Mas é preciso cuidado para não sermos teocráticos com essas definições, já que elas não são exatas e utilizadas apenas para criar um modelo conceitual.

inDO aléM DO MODElO Da basE Da pirâMiDE Ainda que as premissas de Hart e Prahalad for- neçam um aparato extremamente útil para pensar em oportunidades nos mercados de baixa renda, seria importante ir além do modelo apresentado, abordando também as principais críticas feitas a esse modelo (um de seus críticos mais ferozes foi Aneel Karnani, colega de Prahalad na Ross School of Business) – foco excessivo em multinacionais estrangeiras e no consumo (que os pobres mal podem custear), ao invés da produção.

É fundamental manter o foco não no seg- mento mais pobre do mercado, mas nos estratos medianos, que formam um mercado real (e muito grande). Nesse segmento, é menos relevante o questionamento se as pessoas estão consumindo produtos que não precisam, já que aí o custo de oportunidade de cada dólar é menor do que para aqueles que são absolutamente pobres.

Acredito também que o foco em empresas multinacionais erra o alvo em relação às pequenas e médias empresas (PMEs), que são o coração de qualquer economia, especialmente na criação de empregos. As grandes empresas, em sua persegui- ção implacável por maior produtividade, não criam tantos empregos. De fato, observando os números, o segmento das PMEs é responsável por algo em torno de 85% dos empregos nos Estados Unidos e acima de 90% na Europa. Na verdade, a queda na criação de empregos nesse setor é a maior responsável pela atual taxa de desemprego nos Estados Unidos.

A maioria dos empregos em países da OCDE é criada no segmento das PMEs. No entanto, em países como a Índia, essas empresas empregam menos de 10% da população. Na medida em que esses países vivem a transição de uma economia primariamente agrícola, precisam que as PMEs cresçam rapidamente e absorvam a força de trabalho liberada pelos ganhos de produtividade na agricultura. Portanto, uma questão relevante é: se essas empresas são tão importantes como

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parecem, o que retarda seu crescimento em países em desenvolvimento? Creio que alguns custos de transação têm papel importante nesse contexto:

• Governos e políticas regulatórias: apesar de suas boas intenções, os governos acabam sendo um imenso empecilho para o segmento das PMEs, sobretudo porque criam um ambiente de negócios hostil, apesar de toda a evidência de que os países amigáveis aos negócios tendem a ser mais ricos do que os menos amistosos. Um exemplo disso são as restrições de muitos deles para a entrada e saída de negócios, além de leis trabalhistas onerosas na contratação e desligamento de pessoal.

• Acesso a financiamento: junto com as questões de políticas públicas, o acesso ao finan- ciamento é outro dificultador do desenvolvimento das PMEs. Pequenos empreendimentos, especial- mente em negócios simples (em contraponto aos de tecnologia), têm sérias dificuldades em levantar capital, seja por empréstimos ou capital acionário.

Isso leva a um custo de capital mais alto do que o necessário e as fontes de recursos continuam sendo os amigos e a família. Outro problema das empresas é a obsessão pela propriedade (os empreendedores parecem preferir ter 100% de uma empresa de US$ 1 milhão, do que 20% de uma empresa de US$ 1 bilhão), o que torna o acesso ao capital acionário muito mais difícil.

• Acesso a mercados: mesmo no cenário mais favorável, quando as PMEs estão indo bem, elas têm problemas em acessar os mercados, principal- mente os mais distantes (tipicamente de margens mais altas).

• Acesso a melhores práticas, tecnologia e redes de conhecimento: este é um ponto óbvio, mas a falta de acesso leva à constante “reinven-

ção da roda” e ao uso de tecnologias e processos

“subótimos” e ineficientes.

• Acesso a talentos: as PMEs tem um sério problema para acessar os talentos, tanto na faixa mais alta quanto na mais baixa do mercado. As poucas empresas que conseguem ter esse acesso enfrentam pedidos de demissão e alta rotatividade O problema é agravado por questões de proprie- dade e controle: dificilmente os proprietários con- cordam em transferir decisões e responsabilidades para gestores profissionais.

tipOs DE EMprEEnDEDOrEs Antes de discutir- mos como enfrentar esses desafios, é importante ter mais clareza sobre o empreendedorismo, que, infe- lizmente, se tornou bastante confuso desde o sur- gimento de “estórias” em torno das microfinanças.

Considero a existência de três tipos de empre- endedores: aquele que vende um produto numa barraca de beira de estrada, o proprietário de uma PME e outros do tipo Steve Jobs/Bill Gates, que constroem negócios imensos, criam enorme riqueza para os acionistas e empregam centenas de milhares de pessoas. Qualquer sociedade com um bom funcionamento tentará eliminar o primeiro tipo de empreendedor, por ser um meio de subsis- tência disfarçado de empreendedorismo, embora ainda seja frequentemente assim reconhecido.

Um efeito colateral do boom de microfinanças na última década foi a celebração desse tipo de empreendedor.

O empreendedorismo é um conjunto de habi- lidades muito especializadas, que apenas uma pequena fatia da população possui. Obviamente, traz uma grande recompensa para os que têm essas habilidades e são bem-sucedidos.

é FunDAMEnTAL MAnTER O FOCO nãO nO SEGMEnTO MAIS POBRE DO MERCADO, MAS nOS ESTRATOS MEDIAnOS, quE FORMAM uM

MERCADO REAL (E MuITO GRAnDE)

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Observando a média das turmas de MBA na Indian School of Business (ISB), onde sou pro- fessor, constatamos que menos de 5% dos alunos se tornam empreendedores, enquanto o restante apenas está buscando melhores oportunidades de emprego. Por que devemos assumir que as popula- ções de baixa renda são, de alguma forma, diferen- tes? E, mais importante: por que devemos assumir que elas têm maior talento para o empreendedoris- mo? De fato, o que um empreendedor no nível de subsistência mais deseja é um emprego formal de tempo integral que lhe garanta renda e benefícios fixos. E não o jogo variável e arriscado no qual o empreendedorismo às vezes se transforma.

O pior é que numa equivocada tentativa de transformar empreendedores de subsistência em empreendedores reais, podemos perder boas opor- tunidades de criar negócios. A experiência me leva a crer que o vendedor de chá em frente à ISB não tem interesse em expandir e se tornar uma Starbucks do Chá. Realmente, ele preferiria ser um motorista na minha escola, com emprego formal, renda fixa e alguns benefícios.

É muito importante perceber essa diferença, especialmente numa época em que a noção de microempreendedorismo está na moda. O cres- cimento do setor formal é bom não apenas para as autoridades tributárias, mas também para os empregados que atualmente definham na sombra do setor informal.

Má avaliaçãO DE riscO E acEssO aO finan- ciaMEntO Estando claro o tipo de empreendedo- rismo que queremos endossar, podemos analisar

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os custos de transação, especialmente o acesso ao financiamento. Acredito realmente que há muitas oportunidades de investimentos na oferta de bens e serviços de alta qualidade para os mercados de baixa renda. Em minha opinião, os mercados dos países em desenvolvimento, especialmente os da base da pirâmide, se caracterizam por avaliações incorretas dos riscos e assimetrias de informação.

Existe, portanto, oportunidade real de aplicar capital social e filantrópico ao se reavaliar esses riscos. Além disso, há um papel destinado à pesquisa acadêmica: desvendar algumas dessas oportunidades de investimentos. Estudos e insi- ghts dessa natureza podem ser comercializados internamente ou disponibilizados para agentes externos, que possam construir novos negócios com base neles (veja o papel importante que universidades como Stanford desempenharam na catalisação do cluster de alta tecnologia em torno do Vale do Silício, nos EUA).

ExEMplOs DE invEstiMEntOs pOr invEstiDO- rEs cOMErciais Vejamos agora alguns exemplos de investimentos ocorridos na Índia. Em 2005, poucas pessoas estavam atentas às oportunidades no treinamento de habilidades profissionais, apesar dos cenários macroeconômicos sinalizarem um grande desafio para a educação nos 20 anos seguin- tes, especialmente nos negócios. A Índia precisaria educar 700 milhões de estudantes até 2025, 200 milhões deles com educação universitária e 500 milhões com ensino técnico-profissional. A linha divisória entre um bônus demográfico e um pesade- lo demográfico pode ser quase imperceptível.

Uma quantidade razoável de pesquisas indicou como poderia ser a evolução desses grandes núme- ros, e um fundo de hedge adquiriu parte de uma empresa de treinamento no ensino básico de eletrô- nica (manutenção de computadores, iPods, rádios, aparelhos de tV, etc.) para classes de baixa renda.

Menos de dois anos depois, quando se retirou do negócio, o fundo tinha conseguido 350% de retor- no nesse investimento, enquanto a empresa estava criando 20.000 empregos de baixa renda por ano.

Em 2007, outro fundo de hedge investiu numa oportunidade “inviável” – a coleta e gestão de resíduos sólidos. Hoje, essa companhia é a maior empresa individual desse serviço na Índia, com receita de US$ 75 milhões e margens de EBItDA de cerca de 40% (existem empresas maiores no setor de tratamento de resíduos, em geral conglo- merados que atuam em diversos outros setores).

Do lado social, a companhia dá emprego direto para milhares de trabalhadores de baixa renda, enquanto a sua “pegada” ambiental (esse é um ponto crucial, pois os resíduos não coletados cau- sam diversas doenças, como dengue e malária) afeta a vida de mais de 15 milhões de pessoas, numa estimativa conservadora.

Certamente não havia nada de errado com esses investimentos e hoje podemos observar um grande número de investidores e empreendedores, tanto na gestão de resíduos como no treinamen- to vocacional. Podemos, então, concluir que foi a percepção do risco e a falta de compreensão que afastaram os investidores em 2005 e 2007.

Analisando esses investimentos mais de perto, tirei algumas conclusões:

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essas empresas (uma empresa financeira não ban- cária, a NBFC, é o mais provável veículo para esse tipo de empréstimos).

O funDO sOng O Fundo SONG foi estabelecido em 2009, na Índia, para cuidar do financia- mento de negócios em estágio inicial, voltados para mercados da base da pirâmide. A premissa fundamental desse fundo era a de que se fosse- mos focar nos mercados da base da pirâmide, o impacto social viria em seguida. Por exemplo, se financiássemos a educação para faixas de baixa renda, não precisaríamos de medidas complexas para perceber que tínhamos tido um impacto na vida dos mais pobres.

Como o Fundo SONG tem em primeiro lugar a ambição de um retorno dos investimentos, o impacto social não pode ser desculpa para o não retorno do capital dos investidores. O fundo foi for- mado com a crença de que a visão social pertence ao investidor e não ao empreendedor.

Isso merece uma explicação. Algumas vezes, os investidores erram ao sustentar pessoas orien- tadas a uma missão, que se tornam empreende- doras como um caminho para executar aquela missão. Entretanto, ao manter a nossa crença de que o empreendedorismo é uma habilidade altamente especializada, apoiamos empresários que trabalham em mercados da base da pirâmide.

Isso garante um impacto social, independente do empreendedor estar buscando, ou não, esse resultado. Nossa experiência mostra que a escala e o sucesso estão intimamente relacionados com a capacidade de apostar no tipo certo de empresário, e não na causa certa.

• A demonstração tem um papel primordial na abertura dos mercados de baixa renda. Um inves- timento de sucesso pode atrair outros.

• A má avaliação do risco pode ser corrigida com uma combinação de pesquisa de alta qualida- de e capital de longo prazo inteligente.

• Os empreendedores, apesar de terem criado benefícios sociais e ambientais enormes, não foram empreendedores sociais, mas simplesmente os que criaram esses benefícios, ao gerir bem um negócio.

• Ambos os investimentos exigiram grandes somas de recursos e parece óbvio que o acesso ao capital foi um considerável empecilho nos estágios iniciais do crescimento das empresas.

Baseados nesse entendimento e nas pesquisas sobre os mercados da base da pirâmide, atuamos de maneira ativa no estágio inicial de constituição de um fundo de capital de risco em PMEs, tendo o Soros Economic Development Fund, a Omidyar Network e a Google como investidores. O fundo teve recursos de US$ 17 milhões e foi criado para realizar aportes de US$ 1 milhão a US$ 1.5 milhões em negócios atraentes voltados para a base da pirâmide.

É preciso aqui fazer um esclarecimento.

Acredito que existam dois tipos de PMEs – um com imenso potencial de crescimento e outro que sempre será uma PME. O fundo SONG (acrônimo para Soros, Omidyar Network e Google), como veí- culo de participação na propriedade de empresas, foi criado tendo como alvo o primeiro tipo, embora exista uma oportunidade de fornecer empréstimos a o outro tipo de PMEs, principalmente conside- rando que os bancos não querem emprestar para

nOSSA ExPERIênCIA MOSTRA

quE A ESCALA E O SuCESSO ESTãO

InTIMAMEnTE RELACIOnADOS

COM A CAPACIDADE DE APOSTAR

nO TIPO CERTO DE EMPRESáRIO,

E nãO nA CAuSA CERTA

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habitaçãO para pOpulaçãO DE baixa rEnDa Esta é outra oportunidade não aproveitada na maioria dos países em desenvolvimento, especial- mente quando eles crescem rápido e acabam se urbanizando em velocidade ainda maior (a urba- nização é causa e consequência do crescimento econômico). Somente na Índia, a estimativa é de um déficit de 30 milhões de habitações, mais de 95% no segmento de baixa renda. Nossa pesquisa sobre o mercado imobiliário identificou apenas dois projetos focados nesse segmento, o que representa um imenso desajuste entre a demanda e oferta. Em 12 meses de pesquisas, identificamos os seguintes insights-chave:

• A maioria das empresas imobiliárias comete um erro fundamental quando segmentam o mer- cado pela renda – um habitante de uma favela em Mumbai tem provavelmente uma renda mais elevada do que uma pessoa de classe média numa cidade de nível 3. Descobrimos que a segmentação seria mais adequada se fosse feita com base na geografia e cada uma exigiria uma solução habita- cional diferente.

• Apenas os clusters industriais têm um déficit de seis milhões de residências, apesar dos empre- gos formais e o potencial de descontos nas folhas de pagamento, conforme pesquisa realizada por Roopali Raghavan e Reshma Apte, pesquisadores do Centro para Soluções em Mercados Emergentes (CEMS) da ISB.

• fora das grandes cidades, os proprietários de baixa renda preferem viver em casas de um único andar, com estruturas simples.

• se fosse adotado um modelo de capital de giro com rápidas saídas, em vez do tradicional modelo de empréstimos bancários, haveria poten- cial para a geração de lucros significativos. Nesses casos, a valorização da terra é fonte de grandes lucros e, em consequência, os proprietários promo- vem os empreendimentos lentamente, na medida em que o valor da terra aumenta.

Baseados nesses insights e no levantamento de cerca de US$ 500.000,00 de capital, deci- dimos testar a hipótese com um projeto piloto comercial de cerca de 220 residências, vendidas por US$ 6.000,00 a US$ 11.000,00 (casas de 20 a 28 metros quadrados, não incluindo um jardim e um quintal, que existem em todas as residências).

Esse preço tornaria possível a propriedade de residências para famílias com renda entre US$

150,00 e US$ 300,00 por mês (tipicamente com duas pessoas gerando renda por família). Os proprietários teriam que dar um sinal de 20% e depois pedir um financiamento. O emprego no setor formal torna o processo mais fácil para os bancos, especialmente aqueles que focam priori- tariamente em alguns segmentos da sociedade.

Considerando a demanda não atendida do mercado, 75% das residências foram vendidas no primeiro dia da pré-venda. Somando os baixos custos de construção e os 20% de sinal, garantiu- -se que o projeto ficasse livre de dívidas (sem necessidade de um project finance) e o fluxo de caixa positivo, desde o primeiro dia. Ao final, o projeto gerou uma taxa interna de retorno de mais de 100%. Agora, os investidores privados estão investindo na empresa, permitindo que ela aumen- te sua escala de operações.

Baseados em nossa pesquisa e na experiência de comercialização, identificamos três oportunida- des comerciais no segmento de habitação para a população de baixa renda:

1. Compradores potenciais em diferentes segmentos geográficos (como mencionado ante- riormente).

2. Residências para aluguel – há um imenso déficit no estoque de residências para aluguel no mercado, em todos os segmentos, mas especial- mente para a população de baixa renda. Abaixo de certo nível de renda, a propriedade não é uma alternativa viável e o aluguel se torna uma opção mais atraente. Um trabalhador migrante recém- -chegado a uma cidade não tem necessidade nem capacidade de manter uma casa, até que sua família se junte a ele e a necessidade de espaço aumente.

3. Financiamento habitacional – atualmente, os bancos fornecem financiamento aos nossos clientes porque eles têm um emprego formal.

Entretanto, deve haver uma oportunidade signifi- cativa em oferecer financiamento imobiliário para trabalhadores informais a um custo mais baixo do que o dos bancos. Deve haver também maneiras de oferecer seguros que protejam contra o não paga- mento causado por flutuações bruscas na renda dos trabalhadores.

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FIGuRA 3 | CONtORNOS DE UMA SOCIEDADE QUE FUNCIONE BEM

INFRAESTRUTURA

FÍSICA INFRAESTRUTURA

SOCIAL INFRAESTRUTURA

FACILITADORA

Imóveis / Terras Emprego /

Empregabilidade Governança

Água / Esgoto Saúde Políticas Públicas

Energia / Clima Educação Planejamento

Habitação Financiamento

Alimentos / Agricultura Sustentabilidade

Transportes / Logística Infraestrutura Soft

Infraestrutura Digital

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cOMO pEnsar EM OpOrtuniDaDEs nEssE sEg- MEntO A Figura 3 poderia ser concebida como os elementos de uma sociedade que funciona bem, como os pilares da urbanização ou crescimento urbano e ainda em termos de inovações e investi- mento potenciais no segmento da base da pirâmi- de, com a exceção das três primeiras caixas cinza.

É impossível ter sociedades saudáveis ou cidades funcionando bem sem que cada um desses pontos seja adequadamente tratado. Mais ainda – eles precisam ser tratados simultaneamente e não incrementalmente.

prEssupOstOs básicOs Cada uma dessas cai- xas representa um mercado de US$ 100 bilhões apenas na Índia, portanto não há um risco de mercado real se for encontrada uma solução de alta qualidade e baixo preço. Sempre haverá um mercado para água tratada, por exemplo. Além disso, todos esses setores podem comportar um alto nível de competição. Por exemplo, em habi- tação, dez empresas adicionais não afetariam os negócios existentes, ainda que beneficiassem imensamente os consumidores. Mesmo assumido o melhor cenário, seremos pressionados a construir 100.000 residências no período de cinco anos.

Considerando o déficit de 30 milhões de residên- cias (ou de seis milhões apenas nas áreas indus- triais), a competição é a menor das preocupações.

A execução é um problema.

Portanto, estamos considerando oportunida- des com baixo risco tecnológico ou de mercado, e o risco da execução é muito mais fácil de ser controlado pelo investidor. Se o foco for inovação,

fundamentos de negócios, execução e um fluxo de caixa positivo o mais rápido possível, haverá imen- sas oportunidades em cada um desses setores.

papéis para as MultinaciOnais? Considerando tudo o que foi comentado neste artigo, haveria um papel para as empresas multinacionais nos seg- mentos da base da pirâmide? Acredito que sim.

Em alguns casos, isso vai envolver oportunidades para lidar diretamente com os consumidores (como vender xampus para os pobres), mas deve haver possibilidades muito maiores (e de menor custo) ao lidar com os custos de transação encontrados por empresas menores, mais inovadoras e empre- endedoras. Finanças é um bom começo, já que os empreendedores usualmente são mais bem atendidos por investidores estratégicos (grandes empresas que atuam nos mesmos segmentos) do que por investidores financeiros. Além disso, as multinacionais costumam ter acesso a merca- dos, novas tecnologias e talentos em gestão, que poderiam ser fortemente utilizados por empresas iniciantes (startups). Finalmente, em relação às políticas públicas, uma grande empresa provavel- mente será mais capaz de lutar por mudanças do que pequenas empresas desconhecidas.

ReuBen aBRaham é professor da Indian School of Business (ISB), res- ponsável pelo Centro para Soluções em Mercados Emergentes (CEMS), e PhD pela Universidade de Columbia (EUA).

tradução: Aldemir Drummond

Referências

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