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Paradigmas para o desenvolvimento: o papel histórico da CEPAL na interpretação da realidade Latino-Americana

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Academic year: 2023

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Amanda Sgrignolli

Paradigmas para o Desenvolvimento:

O Papel Histórico da CEPAL na Interpretação da Realidade Latino- Americana

Mestrado Profissional em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais

São Paulo 2022

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Paradigmas para o Desenvolvimento:

O Papel Histórico da CEPAL na Interpretação da Realidade Latino- Americana

Mestrado Profissional em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Mestre em Governança Global e Formulação de Políticas Internacionais, sob a orientação da Prof. Dra. Terra Friedrich Budini

São Paulo 2022

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Banca Examinadora

Prof a. Dr a. Terra Friedrich Budini (Orientadora – PUC-SP)

Prof a. Dr a. Luiza Rodrigues Mateo (PUC-SP)

Prof. Dr. José Maria de Souza Júnior (Faculdades Integradas Rio Branco)

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“O livre mercado não existe. Todo mercado possui regras e limites que restringem a liberdade de escolha. Um mercado parece livre apenas porque aceitamos tão incondicionalmente suas restrições subjacentes que deixamos de vê-las”

- Ha-Joon Chang

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A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) instituída há mais de 70 anos no âmbito das Nações Unidas, teve papel primordial como escola de pensamento para o desenvolvimento econômico latino-americano em suas primeiras décadas de existência, pois representou um pensamento próprio da região sobre sua realidade e seu desenvolvimento e originou difusões de práticas e políticas pela região, antes da perda de sua influência a partir da década de 1980. A Comissão se desenvolveu com o propósito de analisar as tendências econômicas, políticas e sociais da região e caracterizou um método próprio de análise histórica e estrutural, ligada às dinâmicas internacionais e situa a América Latina frente às outras nações e principalmente às nações desenvolvidas. Seus conceitos teóricos podem ser classificados em fases distintas, com conceitos-chave elaborados frente às mudanças no cenário internacional que perpassam as décadas desses 70 anos. Neste contexto, o presente trabalho compreende a relevância histórica da CEPAL para a América Latina e busca reconstruir sua história e seus conceitos para analisar o desenvolvimento latino-americano e a trajetória de inserção da região no capitalismo global. Desta forma, o objetivo é analisar a Comissão e seu arcabouço teórico frente ao desenvolvimento da América Latina ao decorrer das décadas e principalmente no cenário mais recente, a fim de se traçar paralelos, pontos de continuidade e ruptura em sua análise da realidade latino-americana, e entender como a Comissão se desenvolveu e acompanhou os processos históricos e as mudanças na inserção da América Latina no capitalismo global. O problema que direciona a presente pesquisa é como o pensamento cepalino se modificou frente ao desenvolvimento econômico latino-americano, e se as mudanças no pensamento cepalino representam uma ruptura com os antigos moldes políticos e econômicos da região interpretados pela CEPAL. Os resultados da pesquisa demonstraram um enfraquecimento da Comissão em termos de influência sobre os processos da América Latina, bem como uma aproximação de seus conceitos ao neoliberalismo através do neoestruturalismo, que parece apagar o estruturalismo pautado no auge de seu pensamento. Esta pesquisa busca alcançar o problema de pesquisa a partir de análises de fontes primárias, como as publicações oficiais da CEPAL, e a partir de fontes secundárias que situam o debate desenvolvimentista latino-americano da CEPAL e suas mudanças ao decorrer das décadas.

Palavras-chave: Desenvolvimento Econômico; Globalização; América Latina; CEPAL

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The Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC), established over 70 years ago within the United Nations, played a key role as a school of thought for Latin American economic development in its first decades of existence, as it represented a thought of the region about its reality and its development, and lost relevance in the international scenario, mainly after the 1980s. The commission was established with the purpose of analyzing the economic, political and social trends in the region and characterized its own method of structural historical analysis, linked to international dynamics that places Latin America in relation to other nations and especially to developed nations. Its theoretical concepts can be classified into distinct phases, with key concepts elaborated in view of the changes in the international scenario that permeate the decades of these 70 years. In this context, the present research understands the historical relevance of ECLAC for Latin America and seeks to reconstruct its history and concepts in order to analyze Latin American development and the trajectory of the region's insertion in global capitalism. In this , the objective is to analyze the Commission and its theoretical framework regarding the development of Latin America over the decades and especially in the most recent scenario, in order to draw parallels, points of continuity and rupture in its analysis of the Latin American reality. , and changes in the region's thinking about these dynamics. The problem that guides the present research is how ECLAC thinking has changed in the face of economic development, and whether the changes in ECLAC thinking represent a break with the old political and economic molds of Latin America interpreted by ECLAC. The research results showed a weakening of the Commission in terms of influence on Latin American processes, as well as an approximation of its concepts to neoliberalism through neostructuralism, which seems to erase the structuralism based on the height of its thinking. This research seeks to address the research problem from the analysis of primary sources, such as ECLAC's official publications, and from secondary sources that situate ECLAC's Latin American developmental debate and its changes over the decades.

Keywords: Economic Development; Globalization; Latin America; ECLAC

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1. INTRODUÇÃO ... 7 2. O PENSAMENTO CEPALINO E AS DINÂMICAS

DESENVOLVIMENTISTAS DA AMÉRICA LATINA: UM BREVE

HISTÓRICO ... 15 3. A CEPAL A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: SITUANDO O DEBATE ... 24 4. A GLOBALIZAÇÃO E A TEMÁTICA SOCIAL NA DÉCADA DE 2000 .... 37 5. ENSAIOS CEPALINOS SOBRE A IGUALDADE E O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: MUDANÇAS A PARTIR DE 2010 ... 47 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 66

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1. INTRODUÇÃO

A CEPAL foi instituída no âmbito da recém criada Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial, em 1948, em Santiago no Chile, devido à um conjunto de elementos deste contexto do sistema internacional. O momento pós-Segunda Guerra era o contexto de implementação do Plano Marshall elaborado pelos Estados Unidos para a reconstrução da Europa, devastada pela guerra, onde os esforços financeiros dos Estados Unidos estavam focados no continente Europeu. A América Latina, neste contexto, viu-se desprovida de recursos financeiros para investimentos internos, como também receptora de bens de capital sucateados devido a escassez de dólares no mercado que impossibilitava o suprimento das necessidades internas através das exportações de bens primários (MIRANDA, 2015).

O pensamento desenvolvimentista na América Latina era incipiente, e com o surgimento das Nações Unidas houve uma oportunidade dos países latino-americanos de estruturar um esforço regional para compreender suas particularidades e seu posicionamento no sistema internacional. Neste momento, a ONU já estruturava estudos sobre o mundo subdesenvolvido, apoiada pelo diagnóstico já formulado por economistas do leste europeu e escandinavos sobre a industrialização como um meio de modernização das sociedades subdesenvolvidas, e já sinalizava para a degradação dos preços dos produtos agrícolas (VITAGLIANO, 2004).

Neste contexto, foram criadas 5 Comissões provisórias destinadas a aprofundar as análises de desenvolvimento de cada região, sendo elas: A CEPAL para tratar da região latino-americana e o Caribe, a ESCAP (Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico), a ESCWA (Comissão Econômica e Social para a Ásia Ocidental), a CEA (Comissão Econômica para a África), e a ECE (Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa), todas de caráter provisório com a duração de 3 anos, de 1948 a 1951.

O papel da CEPAL como uma Comissão provisória das Nações Unidas era de levantar informações sobre a região, visto a dificuldade e as lacunas de dados enfrentadas em relação à América Latina, para formular as possibilidades de industrialização e crescimento. O economista argentino Raúl Prebisch foi contratado como consultor da CEPAL em 1949 para preparar o relatório sobre o “desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas”, que seria levado para discussão na conferência de Havana, em 1950. A presença de Prebisch e suas elaborações diagnósticas

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foram expressivas, e trouxeram relevância para a entidade. Tal foi sua presença que é considerado o maior ideólogo da CEPAL, e desempenhou o mais longo mandato na posição de secretário executivo da Comissão de 1949 a 1963 (VITAGLIANO, 2004).

Os estudos iniciais da CEPAL tomaram relevância e cunharam a intensificação de uma ideologia permeada pela dualidade entre a afirmação da identidade latino-americana e o anseio de inserção autônoma no sistema internacional (MIRANDA, 2015). Esse movimento levou a efetivação da CEPAL como uma Comissão permanente das Nações Unidas em 1952, mesmo com a desaprovação de tal pelos Estados Unidos (VITAGLIANO, 2004). A desaprovação dos Estados Unidos era baseada em um argumento de que a CEPAL deveria se dissolver nas comissões e instituições pan- americanas já existentes, sob a perspectiva de que a passagem para uma comissão permanente implicaria em altos custos para subsidiar pesquisas e materiais. Em suma, os Estados Unidos “defendiam um discurso de pacificação para que as premissas expressas no Manifesto de 1949 não fossem difundidas” (CARMO, 2017, p.368)

A missão inicial da CEPAL era coordenar ações econômicas destinadas a promover o desenvolvimento econômico da América Latina e reforçar as relações entre os países da região, tanto entre si, quanto com os demais países do mundo, sendo evidente sua participação como eixo das Nações Unidas, que, na época, objetivava consolidar um espaço supranacional, dotado de uma governança política multilateral sob a economia e a política global. Mas, a CEPAL foi, da década de 1950 à 1970, uma escola de pensamento sobre o desenvolvimento da América Latina (CORRÊA, FILHO, 2011), mais do que uma agência multilateral, com o intuito de produzir conhecimento acerca do contexto latino-americano e dar suporte aos governos da região para a aplicação de políticas (SILVA, et. al. 2021), tendo papel fundamental na difusão de ideias e políticas na região.

A CEPAL foi responsável pela interpretação do desenvolvimento econômico latino-americano, e confrontava aspectos da visão dominante sobre o desenvolvimento, que norteava as ações de recuperação econômica das nações Europeias no momento pós- Segunda Guerra, principalmente através do Plano Marshall de 1947 (CORRÊA, FILHO, 2011).

O pensamento inicial cepalino foi baseado no seu método próprio, o histórico- estrutural, que se baseia nas relações entre os países sobre a ótica centro-periferia, no desenvolvimento e subdesenvolvimento, e nasceu sob a influência do pensamento econômico keynesiano. Por ser um pensamento ligado às transformações do sistema

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internacional, tem diversos marcos e transições ao decorrer de sua história, mas tem legados importantes, como uma metodologia ampla, no sentido de incorporar diversos elementos analíticos, um jogo dialético entre ideias e a realidade, em que a primeira é condicionada à segunda, e a busca por uma identidade regional latino-americana, que evidencie os interesses da região e questiona esquemas conceituais sob a luz da realidade latino-americana1.

Relevante a presente pesquisa, cabe-se os conceitos de difusão de políticas por atores e agentes internacionais. A difusão é uma tendência de se adotar sucessivamente determinada prática, política ou programa. A difusão de políticas pode ser voluntária ou coercitiva, ou até mesmo uma combinação desses dois aspectos. O contexto relevante de difusão de políticas para o presente trabalho se dá nas dinâmicas de tomada de decisão dos sistemas políticos, e o foco no papel das agências na difusão e transferência de políticas de um sistema político para o outro (STONE, 2007).

A difusão de políticas não é restrita à uma relação entre Estados-Nações, ela embarca o papel de diversos agentes externos aos Estados capazes de atuar em transferências e difusão de padrões de comportamento e políticas. Desses agentes, se destacam as Organizações Internacionais, atores não estatais como organizações não governamentais, grupos de interesse, firmas de consultoria e até mesmo bancos, que têm a capacidade de influenciar a definição de agendas políticas dos Estados e governos (STONE, 2007).

É neste contexto de difusão de políticas que cabe a CEPAL, visto sua ação direta em seus primeiros anos em processos de difusão de normas e políticas pela região Latino- americana através de sua influência sobre os governos nacionais. Esse processo toma forma através dos mecanismos da Comissão, suas publicações, conferências, e redes de funcionários, que elabora um pensamento permeado de conceitos acerca de normas nacionais, integração regional, e compartilhamento de conhecimento, práticas e estratégias de desenvolvimento voltadas à região, que caracterizam a CEPAL como uma espécie de think tank.

Um think tank é uma instituição que desempenha um papel de advocacy para políticas e práticas. São atores com a capacidade de influenciar, explicar e articular os atores, através de pesquisas, análises e recomendações, no compartilhamento de

1 CEPAL, site oficial. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/historia-de-la-cepal . Acesso em: 26.

Fev.2022.

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conhecimento que permite à formuladores de políticas, no caso os governos dos Estados, tenham acesso a ferramentas para embasar suas decisões2.

A CEPAL foi, portanto, uma instituição com o aspecto de um think tank de grande influência na difusão de políticas nas suas primeiras décadas, e mapeou um pensamento próprio latino-americano sobre sua realidade econômica e o desenvolvimento que inspirou as políticas econômicas das nações latino-americanas durante as primeiras décadas da Comissão.

Isso se deu por diversas razões, em termos externos, o próprio cenário internacional das décadas de 1950 e 1960 contribuiu para a relevância das análises do subdesenvolvimento da CEPAL, no momento de nações recém independentes na África, os movimentos dos não-alinhados, e a busca por autonomia de nações subdesenvolvidas frente à bipolaridade do sistema internacional pós-Segunda Guerra. O cenário geral entre os países subdesenvolvidos era a busca por autonomia, por desenvolvimento e crescimento econômico, e, neste sentido, as ideias da CEPAL dialogam com este cenário e fornecem ferramentas teóricas para este movimento nos governos e nas políticas latino- americanas, isso explica sua audiência e pertinência em seus primeiros anos de existência.

Em termos regionais, é importante ressaltar também o caráter generalista da CEPAL em relação à região Latino-Americana. Nos conceitos do Manifesto de 1949, foram apontadas as insuficiências do mercado de produtos primários em incorporar inovações tecnológicas e não serem capazes de promover o desenvolvimento, além da concepção de que a industrialização seria a forma pela qual os países da região pudessem superar os problemas do subdesenvolvimento. Na realidade, cada país da região possuía um cenário distinto quanto o mercado de produtos primários, de produtos que poderiam em diferentes níveis promover o avanço tecnológico, mas, é justamente essa generalização que permitiu que cada país absorvesse a difusão dos preceitos da CEPAL em seus contextos, e explica a relevância do pensamento cepalino tanto entre os formuladores de políticas quanto entre o público geral, e o sucesso em termos de influência alcançados pela Comissão em seus primeiros anos (COLISTETE, 2001).

Durante os seus mais de 70 anos de existência, houveram mudanças tanto em sua estrutura dirigente, quanto em seus conceitos elaborados nas publicações cepalinas, que representaram rupturas quanto ao seu pensamento estruturalista inicial, além da perda de

2 ENAP, 2020. Disponível em: https://www.enap.gov.br/pt/acontece/noticias/afinal-o-que-e-um-think- tank-e-qual-e-a-sua-importancia-para-politicas-publicas-no-brasil . Acesso em: 01. Jul. 2022.

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influência da instituição frente às nações, a difusão de uma interpretação sobre as políticas latino-americanas e a inserção da região no capitalismo global.

A partir da década de 1980, e se consolidando na década de 1990, há uma transição no pensamento estruturalista cepalino para o que a própria Comissão chama de uma abordagem “neoestruturalista”, a qual se reserva a presente pesquisa para compreender as novas dinâmicas na CEPAL e como esse pensamento se adapta e se modifica frente às dinâmicas neoliberais que ganharam espaço com a globalização, e, em última instância, como essa abordagem se situa na dinâmica atual do desenvolvimento.

Este novo termo “neoestruturalista” é elaborado pela própria CEPAL, a fim de localizar sua abordagem frente às dinâmicas internacionais que se diferem do cenário onde a Comissão foi instituída. Nos textos da CEPAL, o neoestruturalismo é localizado em um esforço de equilíbrio entre a onda do neoliberalismo e o estruturalismo cepalino, adaptando as discussões para dar conta das novas dinâmicas internacionais sem perder de vista seu estruturalismo clássico, mas, para alguns autores como Vitagliano (2004), o neoestruturalismo da CEPAL representa um alinhamento ao neoliberalismo, em última instância. Dessa forma, é posto a dualidade quanto ao próprio termo “neoestruturalista”, importante para uma análise integrada do discurso cepalino e as interpretações do que este representa.

Apesar da perda de sua forte influência das décadas iniciais, a CEPAL e seu pensamento são elementos que caracterizaram décadas de difusão de ideias e políticas acerca do desenvolvimento latino-americano e contribuíram para uma construção regional de identidade frente às dinâmicas internacionais. O enfraquecimento da influência cepalina representa também um enfraquecimento de um pensamento próprio latino-americano sobre o desenvolvimento, e resgatar sua história e seus conceitos é fundamental para reascender uma abordagem latino-americana sobre as dinâmicas internacionais, principalmente devido a atualidade dos conceitos de subdesenvolvimento sob a dinâmica atual do capitalismo, onde a região continua em situação de subdesenvolvimento enfrentado problemas já conhecidos à décadas pela Comissão.

A partir da década de 1980, portanto, há uma ruptura com o pensamento estruturalista cepalino para a abordagem neoestruturalista, termo aqui utilizado como referência ao período específico sob as ressalvas de ser próprio da CEPAL, sob a qual se baseia as publicações consequentes nas décadas de 1990, 2000 e 2010, e que busca por compreender as dinâmicas internacionais sob uma ótica distinta em um contexto de globalização, neoliberalismo e desenvolvimento sustentável. Desta forma, a presente

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pesquisa busca por resgatar importantes elementos históricos da Comissão e esquematizar suas principais mudanças ao longo das décadas, realizando um panorama do desenvolvimento latino-americano à luz das contribuições cepalinas.

Divide-se a CEPAL, então, em dois momentos macro, a “velha CEPAL”, ou seja, a CEPAL estruturalista, e a “nova CEPAL”, neoestruturalista, para entender os contrastes entre esses dois momentos, como a CEPAL reage às mudanças internacionais, e vice- versa, e reflete seus diferentes momentos, e em que medida se relaciona com as instituições internacionais no campo das ideias e na difusão de práticas e políticas. É sob essa ótica que a presente pesquisa busca atualizar o debate acerca do desenvolvimento cunhado pelo pensamento cepalino.

Para atingir os objetivos propostos e responder o problema de pesquisa, foram selecionadas como fontes primárias as principais publicações que cunharam termos e conceitos da Comissão ao longo das décadas. Esses documentos são caracterizados como principais pois expressam os marcos teóricos identificados tanto pela própria CEPAL, que se divide em momentos de aproximadamente décadas baseadas em termos e estruturas analíticas geralmente definidas por uma publicação específica, elaborada coincidentemente ou não nos anos iniciais de cada década, sob a qual todos os trabalhos seguintes de análise da Comissão se baseiam, com exceção da década de 2010, onde o intervalo entre essas publicações que pautam conceitos é menor, com importantes publicações de 2012, 2013, e assim por diante, como também pelas fontes secundárias, trabalhos analíticos realizados por diversos autores que utilizam também essas publicações específicas como eixo em comum em suas análises.

Neste sentido, evitando a exaustividade de uma revisão bibliográfica de todas as publicações da Comissão, o presente trabalho se reservará á essas publicações que cunham os principais conceitos cepalinos no recorte temporal de 1950 e 2018, a fim de sistematizar o desenvolvimento e os contextos latino-americanos sob as elaborações cepalinas. O recorte temporal tem forte apelo metodológico, apesar de amplo, visa convergir com a metodologia histórica proposta pela pesquisa, e é necessário para que se haja um paralelo entre os marcos teóricos que perpassam as décadas o recorte temporal, para se atingir o objetivo proposto de uma análise comparativa e histórica. Ademais, o recorte temporal tem como limite definido o ano de 2018 devido à chegada da pandemia do COVID-19 em 2019 e a instabilidade causada no sistema internacional, sendo um período de indefinição de políticas e práticas tanto dos Estados nacionais, quanto das

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Organizações Internacionais, e o deslocamento comum de prioridades para lidar com a pandemia e seus efeitos.

Dessa forma, a natureza da pesquisa se dá no método qualitativo, descritivo e explicativo, valendo-se da identificação de uma série de fatores que determinam a ocorrência de certos acontecimentos sob um método observacional do objeto de pesquisa, e valer-se-á também do método histórico a fim de se observar a trajetória na história para analisar os pontos de contraste ou continuidade ao longo do tempo.

Para isso, a primeira sessão se dedica a traçar um paralelo histórico das ideias da CEPAL desde sua fundação, baseado nas publicações mais relevantes de cada década, que pautaram as fases do pensamento cepalino frente às dinâmicas internacionais, situando não apenas o pensamento cepalino ao decorrer das décadas, mas também o panorama de desenvolvimento latino-americano e as dinâmicas de desenvolvimento da região.

A segunda sessão se dedica a analisar o rompimento mais significativo com a

“velha cepal”, com a introdução de uma nova metodologia cepalina para às dinâmicas econômicas, políticas e sociais. À esta sessão destacam-se as principais publicações da CEPAL que caracterizam o chamado neoestruturalismo e as novas diretrizes da Comissão, identificando pontos de continuidade e de ruptura quanto o pensamento clássico cepalino, sua interlocução com as dinâmicas políticas regionais e globais, e mapeando o terreno para a discussão das décadas seguintes que embarcam temas como a sustentabilidade, globalização e políticas sociais.

Já na terceira sessão, o foco do debate se desloca para a década de 2000, permeado pelo debate sobre a globalização, os resultados das reformas das décadas anteriores, e o foco no contexto de políticas sociais, que ganha força nas nações latino-americanas com a onda de governos de esquerda presenciada neste período. O discurso cepalino embarca tais elementos em suas análises, com um foco nas questões sociais e na integração regional como forma de internacionalizar a região, e essas relações são exploradas durante a sessão.

Por fim, na quarta sessão, é analisado o contexto mais atual da CEPAL, com base nos textos da chamada Trilogia da Igualdade, que caracteriza as publicações da década de 2010. Neste contexto há um aprofundamento das questões sociais abordadas na década de 2000, junto ao contexto dos efeitos da crise de 2008, além da evolução do conceito de Transformação Produtiva com Equidade para Mudança Estrutural para a Igualdade, o enfraquecimento da integração regional e os desequilíbrios políticos e econômicos da

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década de 2010. Para além, também é abordada a aproximação do discurso cepalino às dinâmicas da ONU e de instituições internacionais neoliberais, em fins de conclusões sobre o objetivo proposto e uma sumarização das dinâmicas discutidas durante o trabalho.

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2. O PENSAMENTO CEPALINO E AS DINÂMICAS

DESENVOLVIMENTISTAS DA AMÉRICA LATINA: UM BREVE HISTÓRICO

A história do pensamento cepalino é dividida em fases ao decorrer das décadas, frente às dinâmicas tanto regionais, quanto internacionais. Faz-se necessário resgatar as fases do pensamento cepalino e o contexto de desenvolvimento na América Latina para situar o debate atual.

Em sua origem na década de 1950, o pensamento cepalino foi baseado nas obras de Raúl Prebisch (1949, 1950), que, em seu esforço de esquematizar e caracterizar os moldes analíticos para as questões do desenvolvimento latino-americano, estabeleceu grandes referências sob a lógica centro-periferia, as questões do subdesenvolvimento, a deterioração dos termos de troca e a industrialização como uma forma de se superar a condição de subdesenvolvimento.

As primeiras elaborações de Prebisch, junto ao lançamento da Comissão, caracterizaram um movimento inovador em termos de análise do comercio internacional.

O problema das disparidades entre os comércios de produtos agrícolas e industrializados já era conhecido pelas Nações Unidas, mas não havia uma formulação que sistematizasse essas relações como foi formulado pela CEPAL (VITAGLIANO, 2004).

A CEPAL se desenvolveu em seus primeiros anos sob o projeto de industrialização para substituição de importações (ISI), que era visto como uma forma de promover a diversificação dos mercados latino-americanos e o progresso técnico através da intensificação industrial na região, o que inspirou o ciclo de governos desenvolvimentistas na América Latina (PREBISCH, 1949). Era entendido que somente através do progresso técnico seria possível maximizar o valor dos produtos, e a incorporação do progresso técnico seria possível mais em um contexto de produtos manufaturados do que de produtos agrícolas, visto o fato de que os preços dos produtos manufaturados têm a tendência de se valorizar em relação aos agrícolas, gerando um desequilíbrio nos termos de troca internacionais (VITAGLIANO, 2004).

Neste cenário específico, a CEPAL considerava os países subdesenvolvidos como extremamente dependentes dos países centrais. Em um contexto de divisão internacional do trabalho, os países subdesenvolvidos cresciam “de dentro para fora” visto a relevância do setor exportador agrícola. Para além, a exportação de produtos primários se provava incapaz de estimular o desenvolvimento industrial. Essa dependência apontada por

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Prebisch (1949) na CEPAL, juntamente com as trocas desiguais, acarretariam em uma transferência do excedente dos países subdesenvolvidos para os países centrais, o que aumentaria cada vez mais a desigualdade de renda, além de expor o desenvolvimento desigual entre os dois blocos. Desta forma, surge a ISI como forma de superar esses problemas do desenvolvimento latino-americano, que foi incorporada através das políticas latino-americanas baseadas nas perspectivas da CEPAL, evidenciando a relevância do pensamento cepalino na sua primeira década de existência.

Tem-se então, na década de 1950, um contexto em que a América Latina busca por sua própria estratégia a partir da industrialização. A compreensão da CEPAL era de que a industrialização fosse um meio para que os países subdesenvolvidos pudessem captar parte dos frutos dos progressos do comercio internacional e elevar o nível de vida de sua população. “A industrialização tornou-se um objetivo fundamental das políticas econômicas, tanto nos países latino-americanos, como em outros países periféricos”

(BENATTI, 2010).

A década de 1950 foi o auge do pensamento cepalino, isso porque a ideologia cepalina convergia com os projetos políticos de vários governos latino-americanos, e foi uma formulação teórica própria da região, que contribuiu para aspectos de identidade regional e teorias aplicadas às realidade latino-americana. Havia, então, uma concepção geral de que era necessário realizar políticas de industrialização como forma de superar o subdesenvolvimento e a pobreza (O`CAMPO, 2014), tanto na CEPAL, quanto nos governos latino-americanos.

Entretanto, é importante destacar a particularidade da ação das empresas transnacionais dos Estados Unidos no projeto de substituição de importações na América Latina na década de 1950. A fase de expansão das empresas norte-americanas na América Latina ocorreu concomitantemente às medidas econômicas de substituição de importações promovidas pelos Estados desenvolvimentistas latino-americanos (FURTADO, 1972).

O modelo de desenvolvimento de substituição de importações foi, em última instância, apoiado pelos Estados Unidos e suas empresas transnacionais, e considerava que a indústria deveria ser protegida, por ser uma fonte de empregos e atividade produtora, independentemente de se ser nacional ou estrangeira. Em outras palavras, foi proporcionado o máximo de proteção para qualquer atividade produtiva que pudesse substituir as importações, considerando que qualquer indústria presente no territorio

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doméstico coopera igualmente para o desenvolvimento e prosperidade do país (FURTADO, 1972).

Diante deste cenário, é evidente que o projeto da ISI implementado nas nações latino-americanas se distancia do pensamento inicial cepalino, principalmente por evidenciar ainda mais as relações centro-periferia através da dinâmica com as empresas transnacionais norte americanas e os resultados obtidos na primeira década de ISI. De acordo com a própria CEPAL, na década de 1960 há uma nova fase do pensamento cepalino a partir do diagnóstico de que a industrialização seguiu um curso no qual não incorporou os frutos da modernidade e do progresso técnico para a maioria da população da região, e que, não conseguiu eliminar a vulnerabilidade externa e a dependência, e, por fim, que esses dois elementos limitavam o desenvolvimento de fato da América Latina.

Assim, durante a década de 1960 a CEPAL se auto denomina como um fórum para debater ideias críticas do processo de desenvolvimento que já estava em andamento, o ISI (O`CAMPO, 2014).

A década de 1960 foi marcada, portanto, pelos esforços cepalinos em compreender as reformas necessárias para desobstruir a industrialização. O modelo de Prebisch (1949) marcado pela sua publicação que ficou conhecida como “O Manifesto latino-americano” é revisitado quanto a necessidade de se restringir o consumo das classes altas para favorecer o investimento e o progresso técnico, e agora se centra na questão agrária, e na concepção de que o progresso técnico era necessário para aumentar a produtividade agrícola e maximizar o uso do excedente da produção, dessa forma, seria necessário que os Estados latino-americanos promovessem uma reforma agrária.

Ao mesmo tempo, surgem as contribuições de Aníbal Pinto, a partir de 1965 e que ganham força com a publicação de sua tese em 1970 sobre a “heterogeneidade estrutural”

da América Latina. Esta analisava que os frutos do progresso técnico se concentravam na distribuição de renda entre as classes sociais e as regiões de um determinado Estado, e que, o crescimento da América Latina reproduzia a heterogeneidade estrutural do período agrário-exportador sob novos moldes. Em outras palavras, Aníbal (1970) afirmava que a industrialização não eliminou a dependência, mas alterou seus termos, de forma que, mesmo com o crescimento econômico, o subdesenvolvimento continuava a se perpetuar.

Segundo Vitagliano (2004) o processo de substituição de importações gerou uma dependência dupla para a América Latina. De um lado, dependente da importação de equipamentos e insumos para serem utilizados em suas produções internas, e de outro

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lado, ainda dependente das capacidades de importação para gerar maior ou menor produção interna, ligado aos limites impostos pelo balanço de pagamentos.

A década de 1970 foi marcada pela crise do petróleo, e pelo fim do modelo ISI (GEREFFI, 2013). A crise do petróleo dos anos 1970 impactou de forma distinta os países latino-americanos. Os exportadores de petróleo tiveram um aumento em suas receitas por um determinado período, enquanto que alguns países enfrentaram fortes desequilíbrios.

Essas diferenças foram anuladas por conta da influência dos bancos transnacionais, uma vez que todos os países latino-americanos, independentemente de seus desequilíbrios ou equilíbrios, enfrentaram um endividamento acentuado. Essa influência dos bancos transnacionais nos estilos de desenvolvimento dos países da América Latina resultou em diversas formas de transformação na região (CEPAL, 1985).

Para além, o golpe militar de 1973 no Chile teve consequências no pensamento cepalino, e também ameaçou a própria existência da comissão (BENATTI, 2010). A década de 1970 começa a delinear o início do declínio do pensamento estruturalista cepalino, que se apresenta na década de 1980 e toma forma mais robusta nos anos 1990 diante da incapacidade do estruturalismo cepalino em diagnosticar e propor soluções para a superação dos problemas da região (LIVRAMENTO, MARIN, 2016).

Segundo a própria CEPAL, essa crise latino-americana de 1973/1974 marcada pelo crescente endividamento externo, evidenciou para a CEPAL a necessidade de se reorientar os estilos de desenvolvimento para obter homogeneização social e uma diversificação de mercado pró-exportadora, o que marca uma nova fase da CEPAL nos anos 1970 (O`CAMPO, 2014).

A década de 1970 foi, portanto, marcada pela busca da CEPAL por uma nova modalidade de industrialização, que combinasse o mercado interno latino-americano com as dinâmicas exportadoras. Foi neste período que surge a Teoria da Dependência, cunhada por Enzo Falletto e Fernando Henrique Cardoso, sobre as relações de dependência entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Cardoso e Falletto (1973) deslocam o foco de um problema de subordinação para uma relação mais complexa de dependência entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Para além, a ISI seria responsável pela composição da infraestrutura da industrialização, que formou complexos sistemas industriais montados por uma burguesia emergente. Neste ponto, a tese é de que essa burguesia não desempenhou um papel revolucionário como nos casos dos países centrais, mas, na América Latina, negaram sua

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condição revolucionária e se juntaram à grupos oligárquicos para promover o desenvolvimento industrial (VITAGLIANO, 2004).

Dessa forma, embora a condição de dependência fosse interpretada como uma consequência não desejada da industrialização, era entendido que a dependência não era uma limitadora do desenvolvimento, e, pelo contrário, que no atual momento da América Latina, o desenvolvimento era associado à dependência (VITAGLIANO, 2004).

A segunda metade da década foi marcada pelo diagnóstico da CEPAL da necessidade de se reforçar a industrialização e principalmente as exportações para enfrentar as dificuldades da região na inserção internacional, além da preocupação com os endividamentos generalizados e os riscos da abertura comercial (O`CAMPO, 2014).

No fim da década de 1970 já era claro o problema do endividamento externo que se perpetuou durante a década seguinte, onde a América Latina mergulha em uma crise econômica, com o aumento em sua dívida externa, o acesso restrito ao financiamento externo e a deterioração dos termos de troca, fatores que levaram a região à fortes desequilíbrios em suas balanças de pagamentos, além da retomada da alta inflação (MORENO-BRID, et. a. 2004).

A década de 1980, portanto, foi marcada pela desaceleração econômica da região que durou quase dez anos, além de um colapso nos empregos formais, o aumento da pobreza e da concentração de renda, o que fez com que o período fosse considerado uma

“década perdida” no desenvolvimento da América Latina (MORENO-BRID, et. al.

2004).

Este colapso foi interpretado como consequência do processo de substituição de importações. De uma forma, a crise latino-americana foi atrelada às distorções comerciais advindas do protecionismo e das políticas que acompanharam o processo de substituição de importações. Com efeito, diversas reformas macroeconômicas passam a surgir na região, objetivando a eliminação do protecionismo comercial, a desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros, a privatização das estatais e o cancelamento de qualquer tipo de política industrial (MORENO-BRID, et. al. 2004).

Este período representa uma ruptura no pensamento cepalino, que por décadas se opunha às modalidades de ajustes incorporados por instituições como o FMI e o Banco mundial. Segundo um documento oficial da CEPAL (2014, p.8) as condições de crescimento eram “inviáveis” na América Latina, e essa mudança inclinada ao neoliberalismo, ou seja, a abertura comercial, a liberalização de mercados financeiros e a privatização de estatais, era por conta do fato que “o espaço e o interesse pelas discussões

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de longo prazo eram limitados”, e questões imediatas ligadas à dívida externa, o ajuste e a estabilização econômica ganharam força.

Diante deste cenário de estagnação econômica e a crescente dívida externa latino- americana, foi formulada uma proposta por parte dos países desenvolvidos de uma nova forma de desenvolvimento para a América Latina, com um conjunto de medidas que seriam voltadas para o auxílio dos países da América Latina a superarem a crise da dívida, o chamado Consenso de Washington (GUERRA, 2018).

O Consenso de Washington foi formulado pelas instituições que regulam a economia política internacional, o FMI, o Banco Mundial e o BID, e apresenta uma série de prescrições de reformas econômicas estruturais para os países da América Latina, tornando estas um pré-requisito para a concessão de empréstimos e auxílio para aliviar a dívida dos países (GUERRA, 2018). Para além, o Consenso de Washington objetivava transformar a estrutura produtiva da América Latina, de forma que se tornasse mais eficiente e competitiva no comércio internacional, e, assim, a região conseguiria traçar um caminho em direção ao crescimento econômico liderado pelas exportações (MORENO-BRID, et. al. 2004).

O Consenso de Washington traz uma mudança no formato de desenvolvimento da América Latina de industrialização para substituição de importações, agora para um modelo baseado em industrialização orientada à exportação. Os países da América Latina fizeram essa transição sob pressão do FMI e do Banco Mundial, mas já apoiadas por uma nova concepção cepalina acerca do posicionamento internacional da América Latina que convergem em certa medida com os objetivos do Consenso de Washington. Há um discurso por trás do Consenso de Washington de que este modelo de desenvolvimento daria a oportunidade para economias pequenas do mundo em desenvolvimento de se beneficiarem de economias de escala e aprender com a exportação para parceiros muito maiores (GEREFFI, 2013).

As principais medidas impostas pelo FMI e Banco Mundial para a concessão de empréstimos e dentro de um novo formato de desenvolvimento incluem a liberalização comercial, a privatização de empresas estatais, a desregulamentação financeira, cortes nos investimentos sociais e incentivo a práticas extrativistas pelos países periféricos (SADER, 2008) apud (GUERRA, 2018). Esses ajustes eram defendidos pelo FMI e o Banco Mundial sob o argumento de que a América Latina conseguiria, em alguns anos, superar suas dificuldades e voltar ao seu processo de crescimento (O`CAMPO, 2014).

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Durante o período de sessões da CEPAL em 1984, foi apresentado um texto que refletia a posição cepalina quanto as políticas de ajustes e estabilização. Em relação às políticas de ajustes o texto propunha que o ajuste recessivo do balanço de pagamentos fosse substituído por um ajuste “expansivo”, que impulsionaria as exportações através da dinamização de investimentos em setores de bens comercializáveis, e, enfatizava que para que fosse possível tal mudança, seria necessário realizar um acordo de renegociação de dívida entre os países devedores e os banqueiros. (O`CAMPO, 2014).

Em relação às políticas de estabilização, o pensamento cepalino se concentrava nas obras de autores brasileiros e argentinos que conceituavam a “inflação inercial” das políticas implementadas, e o tratamento de choque frente à inflação elevada. Para além, a CEPAL destacava a crescente subordinação dos processos produtivos para os interesses do sistema financeiro na região (O`CAMPO, 2014).

Neste ponto, é interessante observar como se deu essa dinâmica de diagnóstico por parte do FMI e do Banco Mundial, de que a América Latina estaria diante de um fracasso produtivo acarretado pela falha do processo de substituição de importações. Ao ao analisar o cenário a partir da década de 1970 com o choque do petróleo, a problemática parece se concentrar muito mais no campo financeiro do que no campo produtivo, visto o relativo sucesso do ISI em de fato substituir as importações pela industrialização.

Mesmo que essa tenha sido incorporada de maneira distinta, principalmente pela participação das corporações americanas, alcançou em certa medida o objetivo de substituir as importações, mas se viu diante de um problema financeiro com o choque do petróleo. É interessante observar como as medidas neoliberais propõem uma mudança justamente no que aparentemente deu certo, em propor uma nova organização produtiva ao invés de um enfoque maior nas questões financeiras, que ganham destaque na década de 1980.

A década de 1980, portanto, é marcada pela pouca audiência da Comissão com os governos latino-americanos. Suas recomendações já não eram tão relevantes quanto nas décadas passadas, e os acordos firmados entre os governos latino-americanos com o Banco Mundial e o FMI traziam condicionalidades que contradiziam os aspectos defendidos pela CEPAL nas décadas anteriores. Juntamente com a crise econômica e produtiva da América Latina, há uma crise de ideias, onde a ideologia desenvolvimentista perdeu força (VITAGLIANO, 2004).

No fim da década de 1980 a CEPAL passou pela mudança mais expressiva em seu pensamento, que se consolidou na década de 1990, e foi a transição do pensamento

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estruturalista para o neoestruturalista de fato. Diante da ascensão do paradigma neoliberal, da globalização nestes moldes, e a perda de influência da teoria cepalina frente ao fracasso do ISI e a aproximação com a dialética neoliberal, a CEPAL incorporou novos elementos a sua estrutura, argumentando que a agenda neoestruturalista representava uma “atualização necessária do pensamento estruturalista clássico para os novos tempos” (CENTENO, 2020, p.109), mas que, em última instância, não representou uma alternativa ao neoliberalismo, pelo contrário, incorporou elementos do mesmo e representou uma ruptura com seus conceitos críticos fundamentais das décadas anteriores (CENTENO, 2020).

A este processo de mudança no pensamento cepalino destaca-se as produções de Fernando Fajnzylber de 1983 e 1990, economista chileno que atualizou os preceitos da CEPAL. Sua obra de 1983, dedicada a caracterizar uma “nova industrialização” se baseia no conceito da eficiência a partir do crescimento e da criatividade. E sua obra de 1990, particularmente relevante às publicações seguintes da Comissão, formula as bases conceituais para a chamada “transformação produtiva com equidade”, base do pensamento cepalino da década de 1990, que enfatiza a divisão da América Latina em três grupos frente aos padrões de crescimento: os países que cresceram rapidamente mas apresentavam alta concentração de renda; os países que tinham uma renda relativamente bem distribuída mas que não apresentavam alto crescimento; e os países que além de uma alta concentração de renda, não apresentavam alto crescimento (O`CAMPO, 2014).

Em suma, a divisão da CEPAL marcada pelos documentos que pautaram as décadas, é melhor apresentada na Tabela 1 abaixo, com um mapeamento dos principais conceitos elaborados em cada década e o recorte temporal de cada fase da CEPAL até a década de 1990.

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Tabela 1 - Síntese dos elementos analíticos que compõem o pensamento da CEPAL ao decorrer das décadas

Fonte: Adaptado de Bielschowsky (1998)

Desta forma, é evidente a necessidade de aprofundar os conceitos elaborados pela Comissão na década de 1990 acerca da transformação produtiva com equidade, e sua evolução nos anos seguintes, a fim de responder os seguintes questionamentos: como se deu o debate cepalino diante do cenário de globalização e neoliberalismo? Como essas mudanças se relacionam com o ciclo de governos de esquerda na década de 2000? E quais os reflexos cepalinos em torno das mudanças nas dinâmicas de desenvolvimento latino- americana? A serem explorados nas sessões seguintes.

Período Principais Conceitos - Cenário Internacional Condições Estruturais Internas Ação Estatal 1948 - 1950 Deterioração dos termos de troca; Desequilíbrio

Estrutural; Integração Regional

Industrialização para Substituição de Importações;

Conduzir políticas para a industrialização 1960 Redução da Vulnerabilidade Externa; Reformas

para desobstruir a Industrialização

Heterogeneidade Estrutural; Reformar para viabilizar a industrialização e o progresso técnico

1970 Teoria da Dependência; Insuficiência das exportações

Estilos de desenvolvimento, estruturas produtivas e distributivas; Industrialização que combine o mercado interno

e o esforço exportador;

Viabilizar um estilo de desenvolvimento que leve à homogenidade social; Fortalecimento

das exportações industriais

1980 Asfixia Financeira; Elevada Dívida Externa;

Década Perdida

Ajuste com crescimento;

Oposição aos choques advindos dos ajustes; Reformas

produtivas

Renegociar a dívida externa para promover ajustes com crescimento

1990 Especialização exportadora ineficaz;

Vulnerabilidade do setor produtivo frente às dinâmicas financeiras

Dificuldades para uma transformação produtiva e

social eficaz

Executar políticas para fortalecer a transformação produtiva com

equidade

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3. A CEPAL A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: SITUANDO O DEBATE

A obra de Raúl Prebisch (1949) que originou o pensamento cepalino, e ficou conhecido como o Manifesto latino-americano, caracterizou os elementos metodológicos e analíticos que foram centrais para a teoria estruturalista da CEPAL, e que são presentes no período estruturalista da Comissão. Já na década de 1990, o neoestruturalismo toma forma nas publicações cepalinas. Bieslchowsky (2019), economista brasileiro que atualmente trabalha na CEPAL, argumenta que a partir da década de 1990 há elementos de ruptura mas que também há uma certa continuidade dos conceitos estruturalistas fundamentados por Prebisch (1949).

A fim de compreender essas dinâmicas, resgatemos as elaborações teóricas da própria CEPAL sobre essa transição ocorrida na década de 1990. No início da década, a obra de Fajnzylber (1990) sobre a “transformação produtiva com equidade” caracterizou o debate dos anos seguintes. A concepção era de que a comissão deveria tomar uma posição frente ao cenário de crescentes reformas na região latino-americana, e, fazer isso, segundo eles, não de uma forma oposicionista, mas repensando formas de se estabelecer uma estratégia reformista que pudesse maximizar seus benefícios e minimizar suas deficiências e lacunas à médio e longo prazo (O`CAMPO, 2014).

Uma característica importante é o relativo afastamento da narrativa sobre o desenvolvimento, e a adaptação do discurso cepalino frente às dinâmicas de abertura comercial e crescente globalização. A década de 1990 é marcada pelo compromisso assumido pela CEPAL entre aceitar a conveniência da ampliação dos papeis do mercado, e, ao mesmo tempo, defender a ampliação da prática de intervenção do Estado, mas, de forma distinta do que já havia sido feito (O`CAMPO, 2014).

Há, portanto, uma mudança histórica no posicionamento da CEPAL, que sempre focou na intervenção estatal, desde seu início nos anos 1950 muito ligado à defesa de políticas econômicas keynesianas, para uma perspectiva que defende uma nova forma de atuação do Estado, que não nega a necessidade de influir no destino dos países latino- americanos, mas, o faz de forma distinta, muito mais aproximada de um contexto de Estado facilitador para promover as dinâmicas do mercado em seus territórios (O`CAMPO, 2014).

É importante ressaltar que essa mudança não foi uma simples evolução, do estruturalismo para o neoestruturalismo, foi uma mudança discursiva que não apenas

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mudou seu tema de enfoque, mas também seus diagnósticos e recomendações de políticas públicas. Com o Consenso de Washington, a CEPAL caminhou lentamente em uma direção de ideias atreladas à um desenvolvimento internacionalizado, se distanciando de suas teses iniciais. “A estratégia interna de industrialização, ou o protecionismo, que direcionaria a poupança nacional para outro tipo de importação, foram sugestões de políticas de Estado abandonadas, bem como a ênfase na autonomia nacional”

(VITAGLIANO, 2004, p.171).

Diversas são as publicações da CEPAL neste período no esforço de esquematizar essa nova lógica. O primeiro documento do período, de Fajnzylber (1990), intitulado

“Transformação produtiva com equidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América Latina e do Caribe” localiza o debate a partir da nova estratégia cepalina para a América Latina, de conquistar uma maior competitividade internacional de forma autêntica, baseada “na incorporação deliberada e sistemática do progresso técnico ao processo produtivo” (O`CAMPO, 2014, p.9).

Tal concepção destaca o caráter sistêmico da competitividade, a partir de uma rede conectiva entre agentes produtivos e infraestrutura física e educacional, com foco na formação de recursos humanos e políticas tecnológicas como pilares para se atingir a transformação produtiva a longo prazo. Há um deslocamento de concepções que, apesar de manter a indústria como eixo da transformação produtiva, agora destaca-se as articulações desta com as atividades primárias e principalmente de serviços, com enfoque na construção de um “ambiente macroeconômico saudável” (O`CAMPO, 2014, p.9).

É importante caracterizar o papel do Estado neste cenário, visto ao esforço histórico da CEPAL em localizar o Estado como o agente principal para regular e promover o desenvolvimento econômico. O pensamento cepalino estruturalista localizava o Estado como o principal agente para se promover o desenvolvimento e regular os fluxos econômicos. Este papel foi criticado por parte dos governos neoliberais do centro, argumentando que o planejamento das ações econômicas, a produção de bens e a distribuição do excedente econômico por parte do Estado levariam a um estatismo burocrático, socializante e ineficaz, mas, é importante ressaltar o objetivo final dessa atuação do Estado, que é justamente apoiar na manutenção e crescimento do próprio capitalismo nos países periféricos (LIMA, 2021).

Este papel não é descartado, mas é reconhecido a necessidade de alterar a forma como se dá a intervenção estatal, sem que isso signifique um aumento ou uma diminuição do papel do Estado (O`CAMPO, 2014). Além disso, a abertura da economia, muito

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criticada nas fases antecedentes do pensamento cepalino devido às desigualdades e relações de dependência, agora é vista como uma necessidade no sentido de prover o progresso técnico e o aumento da produtividade, para se alcançar, em última instância, a transformação produtiva com equidade.

Este movimento é explícito no texto de Gert Rosenthal e Fernando Fajnzylber publicado pela CEPAL (1994) sobre o regionalismo aberto. O regionalismo aberto é:

Um processo de crescente interdependência no nível regional, promovida por acordos preferenciais de integração e por outras políticas, num contexto de liberalização e desregulação capaz de fortalecer a competitividade dos países da região e, na medida do possível, construir a formação de blocos para uma economia internacional mais aberta e transparente3

O conceito do regionalismo aberto, portanto, tem como objetivo conciliar dois fenômenos da década de 1990, a crescente interdependência regional e a tendência do mercado em promover a liberalização comercial. Esta nova concepção sobre o regionalismo não compreende a integração regional como um obstáculo para o processo de liberalização, e sim como uma etapa no processo. O regionalismo aberto entende que seria necessário um mercado comum latino-americano como uma forma de se superar o modelo de desenvolvimento baseado na industrialização, e, em última instância, diversificar a estrutura produtiva da região a fim de diminuir a vulnerabilidade externa (CORAZZA, 2006).

Essa integração promovida pelo regionalismo aberto permitiria a complementariedade das capacidades produtivas e tecnológicas das economias latino- americanas, e visava favorecer a difusão de tecnologias entre setores para diminuir a heterogeneidade produtiva (AGUIAR, 2003).

Para além, a liberalização de mercado promovida entre setores e países da região colaboraria para a redução dos custos econômicos e as incertezas de acordos bilaterais entre os países latino-americanos e os países desenvolvidos. Isso porque a CEPAL alertava para a vulnerabilidade causada por esses tratados em termos de assimetrias de poder, sobretudo à países menores, que tendiam a se adaptar às demandas de economias externas, reduzindo sua competitividade econômica internacional e fortalecendo relações de dependência (AGUIAR, 2003).

3 FAJNZYLBER, ROSENTHAL, 1994, p.11

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Críticos sinalizam para o fato de que o objetivo do regionalismo aberto era atingir o crescimento econômico com equidade social, mas os meios empregados para tal evidenciam uma postura neoliberal da CEPAL por trás de suas teses “neoestruturalistas”, uma vez que não corroborou para a equidade social e piorou a vulnerabilidade externa da região durante a década de 1990, corroborando com as reformas estruturais de caráter liberal, promovendo a liberalização, privatização e a implementação de políticas macroeconômicas propostas pelo Consenso de Washington na região durante a década de 1990 (CORAZZA, 2006).

O documento de Fajnzylber (1990) foi um marco da transição cepalina para o neoestruturalismo, e é inclusive neste documento que surge o termo “década perdida”

sobre a década de 1980 e a crise da dívida dos países latino-americanos, onde assume os desafios a serem enfrentados pela região nos anos 1990 como a estabilização da economia, a modernização do setor público, a adequação da composição das exportações para melhor inserção internacional e etc. O documento também é o primeiro da CEPAL que cita o desenvolvimento sustentável:

É preciso, por um lado, fortalecer a democracia e, por outro, ajustar as economias, estabilizá-las, incorporá-las numa mudança tecnológica mundial intensificada, modernizar os setores públicos, aumentar a poupança, melhorar a distribuição de renda, implantar padrões mais austeros de consumo, e fazer tudo isso no contexto de um desenvolvimento sustentável em termos ambientais4

As elaborações de Fajnzylber (1990) dão ênfase à ajustes macroeconômicos de curto prazo, ao invés do longo prazo, o que apresenta uma ruptura quanto a posição da CEPAL, que sempre foi focada em ajustes e desequilíbrios estruturais de longo prazo. A partir disso, caracterizou-se uma visão acerca da relação das economias latino-americanas com os mercados internacionais, sob a concepção de que essa inserção internacional e o relacionamento com o mercado global seriam pontos fundamentais para a transformação produtiva com equidade (CENTENO, 2020).

Fica claro a posição positiva cepalina frente à internacionalização e o mercado internacional. Muitos dos documentos cepalinos buscavam por debater com o Banco Mundial e o FMI sobre qual seria a melhor forma de se superar a crise latino-americana,

4 FAJNZYLBER 1990, p.892

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mas, todas as indicações passaram a girar em torno da internacionalização dos países latino-americanos e suas aberturas comerciais e financeiras, “A estrita subordinação da estratégia interna à nova ordem internacional destoa dos documentos dos anos gloriosos da CEPAL” (VITAGLIANO, 2004, p.171).

Para além, um dos pontos focais do documento da TPE era justamente na transferência tecnológica, como citada anteriormente, e que, diante dessa necessidade, a cooperação econômica internacional seria fundamental (CENTENO, 2020). Neste mesmo contexto, temos o problema da dívida externa e o Consenso de Washington, focada em ajustes macroeconômicos de curto prazo, a liberalização dos mercados latino- americanos, e os financiamentos destinados à recuperação da dívida externa através da cooperação econômica internacional. Neste ponto específico é evidente o posicionamento da CEPAL através do documento de Fajnzylber alinhado às demandas do Consenso de Washington, onde é pontuado que os esforços para a transformação produtiva com equidade só seriam possíveis através de um contexto externo que fosse:

Minimamente favorável em questões vitais, como o financiamento em geral (e, mais especificamente, o que concerne a uma solução do problema da dívida externa), o intercâmbio comercial e a transferência de tecnologia e conhecimentos. Com isso, formula-se com maior vigor e de maneira mais prioritária o tema da necessidade da cooperação econômica internacional 5

Desta forma, é evidente o foco dado para a cooperação econômica internacional como um ponto necessário para os avanços na América Latina. A concepção de desenvolvimento voltado “para dentro”, cujo as publicações das décadas anteriores da CEPAL se pautavam, agora é substituída por uma concepção de desenvolvimento “para fora”, ou seja, a abertura para o comércio internacional, e a exposição maior dos setores produtivos latino-americanos ao mercado externo (CENTENO, 2020).

Sobre o papel do Estado e a mudança do pensamento cepalino sobre o tema, em um contexto de regionalismo aberto e transformação produtiva com equidade, caberia ao Estado o papel de promover a competitividade internacional, gerando estruturas flexíveis de coordenação dos negócios estrangeiros que contribuam para a transferência de tecnologia no setor produtivo. Neste contexto, o Estado perde seu papel estratégico de

5 FAJNZYLBER (CEPAL), 1990, p.893

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promover o desenvolvimento do pensamento cepalino das décadas anteriores, e, no contexto da globalização e da cooperação econômica internacional, o Estado assume papel coadjuvante ao mercado (CORAZZA, 2006), característica explícita no documento de Fajnzylber (1990, p.896), em que o Estado:

precisará de mudanças institucionais com orientações estratégicas também de longo prazo, nas quais se possa basear uma nova forma de interação entre os agentes públicos e privados, como via inescapável para atingir a equidade e a harmonia social. 6

Para além, a CEPAL propõe a ideia de uma política de liberalização comercial que seja moderada, combinada à uma intervenção estatal capaz de promover as exportações (CENTENO, 2020). Fica claro neste ponto o deslocamento do modelo de industrialização para substituição de importações para a industrialização voltada à exportação, justamente promovido pelas novas concepções introduzidas pelo Consenso de Washington, e a internalização dessa dinâmica no pensamento cepalino em relação à mudança no papel do Estado:

Convém agora deslocar essas prioridades para o fortalecimento de uma competitividade baseada na incorporação do progresso técnico e na evolução para níveis razoáveis de equidade. Isso não significa, necessariamente, aumentar nem diminuir o papel da ação pública, mas aumentar seu impacto positivo na eficiência e na eficácia do conjunto do sistema econômico 7

Tanto o regionalismo aberto de Rosenthal e as estratégias de internacionalização de Fajnzylber são exemplos de propostas que acreditavam ser possível tirar proveito econômico da abertura comercial e financeira. A CEPAL manteve uma postura em certa medida crítica frente aos ajustes neoliberais propostos pelo Banco Mundial e o FMI na década de 1980, mas, a partir da década de 1990, passou a ver oportunidades de desenvolvimento na internacionalização econômica justamente através desses ajustes (VITAGLIANO, 2004).

6 FAJNZYLBER (CEPAL), 1990, p.896

7 FAJNZYLBER (CEPAL), 1990, p.898

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Bielschowsky, economista brasileiro que compõe o corpo diretório da CEPAL atualmente, tem se dedicado em situar o pensamento cepalino estruturalista sob o neoestruturalismo, publicou diversos textos pela CEPAL situando o debate nos dias atuais, como o “Cinquenta anos do pensamento da CEPAL” publicado na década de 2000, além de publicações pela Universidade Federal do Rio de Janeiro onde atua como professor associado. Destaca-se aqui sua publicação “Do manifesto latino-americano de Raúl Prebisch aos dias de hoje: 70 anos de estruturalismo na CEPAL” de 2020, onde argumenta que há pontos de continuidade do pensamento de Prebisch no neoestrutualismo e na “nova CEPAL”.

Para Bielschowsky (2020) apesar das transformações da década de 1990 e das reformas liberais no mercado que levaram à flexibilização das políticas de desenvolvimento elaboradas pelo estruturalismo clássico, a CEPAL ainda detém de um conselho deliberativo majoritariamente formado por nações latino-americanas e que continua defendendo a contribuição dos Estados nacionais para o desenvolvimento socioeconômico, que é justamente a transformação produtiva com equidade. Mas, tal argumentação é falha, em vista de que o fato de o conselho deliberativo ser composto de nações latino-americanas não significa uma continuação nos preceitos estruturalistas da CEPAL, visto o alinhamento dos próprios governos às medidas neoliberais de ajustes.

Neste cenário, de nada vale um conselho deliberativo composto das nações latino- americanas, visto o alinhamento dessas nações aos ajustes neoliberais, e o próprio afastamento das políticas latino-americanas do escopo da CEPAL estruturalista.

Bielschowsky (2020) se apoia na publicação de Fajnzylber (1994), no qual é defendido uma “abertura externa gradual e seletiva, taxa de câmbio real alta e estável e fortalecimento da capacidade produtiva e da inovação” (AGUIAR, 2020, p.3) frente às dinâmicas neoliberais, para explicar a transição do pensamento estruturalista para o neoestruturalista, trazendo a ideia de que:

O pensamento cepalino tem a capacidade de acomodar com facilidade a evolução dos acontecimentos, através de contínuas revisões em suas interpretações, que não significam perda de coerência político- ideológica ou de consistência analítica.8

8 BIELSCHOWSKY (2020, p.6)

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Entretanto, essa posição da CEPAL evidencia o alinhamento da Comissão ao neoliberalismo, principalmente em relação a participação das corporações privadas e estrangeiras em setores que eram exclusivamente ligados ao Estado (CENTENO, 2020), e seu olhar demasiado otimista frente à globalização. Esse elemento foi presente nas reflexões de Celso Furtado (1972) que alertava para a presença das corporações norte- americanas no processo de desenvolvimento latino-americano e a capacidade dessas corporações de direcionar a economia a longo prazo, e de se manter em contínuo lucro mesmo que haja instabilidades nas economias latino-americanas, e agora é visto como um elemento necessário para a participação latino-americana nos mercados globais.

Sobre as publicações e elaborações de Fajnzylber (1990, 1994) acerca da transformação produtiva com equidade no contexto do neoestruturalismo, Bielschowsky (2020) afirma que há elementos profundamente fundamentados no estruturalismo, a partir de, segundo ele, do “tom crítico” de Fajznylber ao neoliberalismo emergente baseado no entendimento de que o desenvolvimento pressupõe um papel importante do Estado. Para além, o texto de 1990 de Fajnzylber ressalta a conciliação entre um tipo de desenvolvimento que seja menos desigual e uma maior acumulação de capital, a partir da suposição que o padrão de consumo dos trabalhadores teria uma relação capital/produto baixa, o que viabilizaria uma maior taxa de crescimento junto a um maior consumo dos trabalhadores (AGUIAR, 2020).

No documento de 1990, Fajnzylber explicava o vínculo especialmente econômico entre o crescimento e a equidade, ao passo em que o crescimento induziria aumentos na produtividade do trabalho, conduziria a melhorias nas remunerações e, consequentemente, na equidade. Esse vínculo se daria de forma quase que cíclica, ao passo em que com a melhora da equidade, o crescimento seria favorecido por permitir um aumento na produtividade (AGUIAR, 2020).

Desta forma, as melhoras na equidade seriam favoráveis para o crescimento de duas formas distintas, por possibilitar maiores taxas de acumulação a partir de uma disposição maior da classe trabalhadora em termos de consumo, e que o padrão de consumo mais equitativo envolveria a produção de bens de consumo com uma relação entre capital e produto menos elevada (BIANCARELLI, VERGNHANINI, 2020).

Esses esforços teóricos de Fajznylber (1990) refletem a dificuldade em se conciliar a equidade social com o crescimento. Na lógica estruturalista, esses objetivos seriam contraditórios, ao assumir que a propensão de consumo de trabalhadores na América Latina seria maior do que a dos países centrais capitalistas, pois neste contexto

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