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O DIVULGADOR DE UM AUXÍLIO PERIÓDICO

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Academic year: 2021

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O DIVULGADOR DE UM AUXÍLIO PERIÓDICO

Patrícia R. C. Barreto DSc. em HCTE

professora do Colégio Militar do Rio de Janeiro patrícia.barreto@yahoo.com.br

No Brasil, em particular, no século XIX, presenciou-se no Rio de Janeiro, um aumento significativo das iniciativas de circularização de informações acerca não só da sociedade, da política e da economia, mas também da Ciência. O governo português, procurando ingressar na marcha do progresso europeu, cujo principal artífice era a Ciência, autorizou, a partir da década de 20, a edição de jornais, de revistas e de livros em território brasileiro. Estes se tornaram veículos de comunicação não só das iniciativas políticas e econômicas do governo, mas promotores da vulgarização, divulgação e popularização do conhecimento científico, de forma não especializada, para o grande público.

A publicação do Auxiliador da Indústria Nacional insere-se neste contexto de valorização das Ciências em solo brasileiro, na perspectiva de promoção do progresso e do desenvolvimento material e humano do Império. A importância e o reconhecimento dado, em suas páginas, aos conhecimentos ditos “úteis” é um desdobramento das aspirações do movimento iluminista luso-brasileiro. Ao contrário dos jornais literários anteriores, não constam em seus números poesias, notícias sobre a família imperial, balancetes institucionais, ou qualquer outra sorte de artigos que não estivessem ligados única e exclusivamente ao avanço das técnicas de produção, fundamentalmente, agrícolas. O seu didatismo tinha o objetivo claro de contribuir para o revigoramento do campo, através de uma linguagem muito simplificada sobre novas técnicas e tecnologias que melhorassem quantitativa e qualitativamente a agricultura, a pecuária e toda indústria auxiliar do setor primário, e que pudessem ser compreendidas e reproduzidas em qualquer parte do país.

O Auxiliador não foi nem um jornal literário nem uma revista científica. Foi, talvez, nos termos do jornalista Wilson da Costa Buenoi, o mais importante periódico brasileiro de divulgação das Ciências do século XIX. As páginas da revista da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacionalii não estavam marcadas pelo diletantismo, mas pragmatismo. A divulgação da Ciência era justificada pelo seu caráter utilitário para o bem comum. A sua prática deveria

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suprir a falta de aperfeiçoamento técnico, incorporando não só novos conhecimentos, mas uma nova mentalidade sobre o trabalho no campo.

Sua primeira edição data de 1833, isto é, seis anos após a primeira sessão da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Ele estendeu a sua existência até 1892, quando foram cortados os subsídios do Estado para sua publicação. Em 59 anos, nunca deixou de publicar, mensalmente, as notícias mais atuais sobre as Ciências Naturais e os Machinismos. Foram 708 edições, além de 59 cadernos anuais, que reuniram todos os doze números anteriores.

Como porta-voz de uma associação científica, o periódico estava voltado para a popularização da Ciência, não apenas por amor ao conhecimento em si, mas pela utilidade que estas pesquisas e descobertas deveriam ter para a promoção do bem estar e progresso da sociedade brasileira. Assim, em 15 de janeiro de 1833, em seu primeiro número, O Auxiliador

da Industria Nacional inicia as suas atividades com um eloquente discurso de afeição ao novo

perfil pragmático do conhecimento moderno, que não se apegava ao diletantismo puro e que propunha conduzir os cidadãos pelo caminho da perfeição.

O seu discurso didático era endereçado a destinatários bem definidos. Num cenário de restrições educacionais, os “auxílios” mensais destinavam-se a promover uma conscientização de um público amplo, heterogêneo e não especialista. Fazendeiros, fabricantes, artistas e todas as classes industriosas deveriam ser informadas sobre o atraso e a incapacidade de fomento da produção nacional. Assim, artigos e memórias sobre a agricultura ocuparam quase todos os números do periódico, demonstrando os descompassos do setor, em relação às experiências bem-sucedidas em ex-colônias francesas e inglesas. O Auxiliador da Indústria Nacional foi uma tentativa de constituir um corpus referencial de textos e experiências sobre a produção no Brasil, de modo a organizar metodicamente os conhecimentos estabelecidos pela Ciência em prol da inovação e qualificação técnica através da associação de cientistas, artistas e homens da administração pública.

Caracterizava-se pela divulgação dos conhecimentos para o desenvolvimento do setor agrícola e para o melhor aproveitamento das riquezas potenciais do país. A produção não poderia, e nem deveria mais estar baseada apenas nos prodigiosos préstimos da flora brasileira. Civilizar-se determinava, essencialmente, valorizar aquilo que o Brasil tinha de mais vital para sua existência: a Natureza. E isto perpassava pela valorização das Ciências Naturais. Segundo Heloísa Bertol Dominguesiii, o debate sobre o desgaste das técnicas

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agrícolas, epicentro das atividades da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e do seu periódico, favoreceu eficazmente, no século XIX no Brasil, os progressos do saber, fundamentalmente nas instituições que aspiravam ao seu aperfeiçoamento e condicionavam este progresso ao aprofundamento dos conhecimentos científicos nas áreas de Meteorologia, Zoologia, Fisiologia Vegetal e, principalmente, Química e Botânica.

Mais do que uma crítica à estagnação e aos métodos rotineiros, ou simples compilação da produção intelectual estrangeira, a publicação das atas, dos debates das Assembléias Públicas, dos pareceres das Comissões e dos trabalhos dos associados da SAIN, revelava o desejo dos editores de transformar esta realidade, sublimando a Ciência em vista da difusão de uma “nova agricultura”, associada, à Química e à Botânica, adaptada às especificidades da Natureza nacional. Por mais que houvesse descompassos entre o discurso reformador e o latifúndio escravista brasileiro, estes “ilustrados” dispunham-se a produzir uma ferramenta que procurava, através da disseminação e da popularização do conhecimento científico, incentivar os plantadores e produtores de todo o país a adotarem cada vez mais as inovações disponíveis, além de buscarem, eles mesmos, novas soluções para o desenvolvimento do setor e o incremento da produtividade.

Ao se observar algumas características da estrutura conceitual de um periódico deste perfil, alguns elementos tornam-se essenciais para sua definição. Algumas especificidades o diferem dos jornais e revistas literárias anteriores, ao estender o conhecimento científico para além das fronteiras que cercam a sua construção. São elas: periodicidade, universalidade, difusão e atualidade. Na prática, isso significa dizer que o Auxiliador da Indústria Nacional manteve-se num ritmo ininterrupto de publicação. Certamente a velocidade de sua publicação não estava em conformidade com o acelerado desenvolvimento da Ciência, mas o seu compromisso em tentar divulgar as últimas notícias sobre o pensamento científico não deixava que o seu público ficasse alheio a estes avanços por um período maior do que 30 dias. Isto determinava não só a sua atualidade, ocupando-se de fatos (eventos e descobertas), ou pessoas (cientistas, tecnólogos, pesquisadores) que estivessem direta ou indiretamente relacionados com o momento presente das mais diversas áreas das Ciências, mas, a sua longa existência em franca oposição aos demais periódicos do mesmo período.

Por outro lado, um diferencial do Auxiliador, foi a sua universalidade. Não no sentido característico dos jornais e revistas literárias do século XIX, que abrigavam os mais diversos assuntos, como já foi dito outrora. O periódico abrigava os diferentes ramos do conhecimento

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científico, desde que estivessem voltados para o desenvolvimento dos processos de produção do setor primário. Como no Brasil este setor era a força produtiva do Império, e havia por parte do Estado o anseio pela sua expansão, diversificação e desenvolvimento em todo o território, não só em função do seu caráter econômico, mas como uma estratégia de manutenção da unidade nacional, a sua difusão foi facilitada não só pelo interesse do público, mas pelo próprio incentivo estatal, que fazia suas páginas chegar às principais províncias do Império.

A Publicação do Auxiliador da Indústria Nacional deve ser entendida, portanto, como uma atividade de difusão do conhecimento científico e tecnológico produzido no interior de uma comunidade específica, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional. Esta era uma associação de homens de diversos setores da administração pública e da economia, que mobilizaram recursos e técnicas para a veiculação de informações sobre Ciência e tecnologia a um público diversificado. Sua revista de divulgação científica tinha um objetivo amplo, comportando uma miríade de características associadas às linguagens, aos recursos textuais e visuais utilizados, aos conteúdos veiculados, ao público alvo, às abordagens e temas, entre outros. Isto estava de acordo com o perfil da associação e da sociedade, com a evolução da própria atividade de debater, divulgar e difundir o pensamento científico no Brasil, e com o desenvolvimento das concepções sobre a Natureza e suas relações com as Ciências, determinadas pelo plano político-ideológico do Império.

Figura 1: Capa do primeiro número do O Auxiliador da Indústria Nacional, 1833.

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O seu objetivo era o de divulgar o que estes cientistas teriam, através dos seus conhecimentos e descobertas, contribuído para melhorar a indústria humana, a saúde, a qualidade de vida e o destino dos povos civilizados. Sua tarefa era a de aproximar o homem comum de um tipo de conhecimento do qual ele, historicamente, foi apartado e do qual se foi mantendo cada vez mais distanciado, à medida que as Ciências se desenvolviam e se especializavam. Seria necessário superar, portanto, uma “ruptura cultural” entre o conhecimento prático e quotidiano e o conhecimento científico, provando os limites e ineficiências do primeiro e desmitificando o segundo, via convergência de interesses: a Natureza, a Agricultura e o Progresso.

Auxiliar significava, acima de tudo, transformar em inteligível para muitos a linguagem hermética e difícil de poucos, informando ao seu leitor sobre tudo o que havia, em termos de pesquisa e inovação técnica, que pudesse suprir as limitações das habituais atividades produtivas do campo. Na medida em que não só os seus editores, mas, também, os membros da associação acreditavam na tal “vocação agrícola” do Brasil, as Ciências, em suas páginas, qualificavam-se como “molas propulsoras” da Agricultura e ganhavam um duplo sentido: um caráter concreto e pragmático de aplicação de suas teorias e um caráter simbólico de redenção econômica.

Bibliografia de referência

ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: informação científica para a cidadania? Ciência da

Informação, Brasília, v. 25, n. 3, set./dez. 1996.

FREITAS, Maria Helena. Origens do periodismo científico no Brasil. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.

____________________. Considerações acerca dos primeiros periódicos científicos brasileiros. Ciência da Informação, Brasília, v. 35, n. 3, set./dez. 2006.

FONSECA, M. R. F. da. Luzes das ciências na corte americana: observações sobre o periódico O Patriota. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 31, 1999. GOUVÊA, Maria de Fátima. O Império das Províncias: Rio de Janeiro, 1822 – 1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

KURY, Lorelai (Org.). Iluminismo e Império no Brasil: O Patriota (1813-1814). Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.

i Sobre o assunto ver: BUENO, Wilson C.. Jornalismo científico no Brasil, os compromissos de uma prática

dependente. Tese apresentada á Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, 1984.

MORA, A. M. S. A divulgação da ciência como literatura. Rio de Janeiro: Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ/ Editora UFRJ, 2003.

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ii Sobre o assunto ver: BARRETO, P. R. C. Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional: o templo carioca

de Palas Atena. Tese defendida no Programa de Pós Graduação em História das Ciências, Técnicas e

Epistemologia do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro em novembro de 2009. iii DOMINGUES, Heloísa Maria Bertol. Ciência: um Caso de Política. As Relações entre as Ciências

Naturais e a Agricultura no Brasil - Império. Tese apresentada ao departamento de História da FFLCH da

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