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MESTRADO EM GERONTOLOGIA SÃO PAULO 2009

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Simone Magalhães Lacerda

Universidade Aberta à Terceira Idade: Representações da Velhice

MESTRADO EM GERONTOLOGIA

SÃO PAULO

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Simone Magalhães Lacerda

Universidade Aberta à Terceira Idade: Representações da Velhice

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Gerontologia, sob orientação da Profa. Dra. Suzana Carielo da Fonseca.

SÃO PAULO - SP

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Banca Examinadora

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Aos meus pais, pelo apoio incondicional, sempre.

À Michele Lacerda Pereira Ferrer, pelo incentivo e ajuda técnica.

À Suzana e Fábio, pelo acolhimento durante o período de idas e vindas.

Ao coordenador da UnATI-UNIFAL, Marcelo Armelin Pacheco e à Maria de Fátima Sant´ana, que me permitiram o acesso aos documentos da UnATI-INIFAL, sem os quais seria impossível a realização deste trabalho.

À minha orientadora, Profa. Dra. Suzana Carielo da Fonseca, pelos preciosos ensinamentos, que levarei comigo.

Às minhas avós, por me apresentarem a um mundo novo e surpreendente.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, pelo apoio.

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Este trabalho traz uma reflexão que coloca em questão representações da velhice mobilizadas por idealizadores e alunos da UnATI-UNIFAL (Universidade Aberta à Terceira Idade, Universidade Federal de Alfenas-MG). Um dos seus objetivos centrais era investigar não apenas o universo deste programa de atenção ao idoso em Alfenas, mas abordar concepções relativas ao processo de envelhecimento e a velhice que o subsidiaram e tem subsidiado outros programas dessa natureza. Assim, exploro, de um lado, o modo como as noções de saúde, educação e qualidade de vida são mobilizadas e articuladas para fundamentar a “abertura” da universidade aos mais velhos: movimento que me permitiu investigar representações da velhice para além da polaridade saúde/doença, eixo articulador conceitual do discurso organicista. Discuto, então, o surgimento da expressão “terceira idade” e sua relação com os termos “velho” e “idoso”, assinalando que a noção a que ela se refere tem vínculo com uma concepção redimensionada de saúde (que inclui a complexa questão relativa ao “bem/mal-estar” humano).

De outro lado, volto minha atenção para a história de constituição das universidades abertas (no Brasil e no mundo). Identifico, nesse empreendimento, a importância da extensão universitária na concretização deste programa de atenção ao idoso e a via de mão dupla que está em causa nesta projeção “extra-muros”: a universidade se abre para “ensinar” ... mas aprende com os velhos. Nessa linha, coloco em causa o par ensinar/aprender no âmbito da universidade aberta à terceira idade.

Finalmente, trago à luz o resultado de uma análise de dados, coletados em entrevistas semi-estruturadas, realizadas com idealizadores e alunos da UnATI-UNIFAL. Lanço mão do dispositivo metodológico idealizado por Lefévre & Lefévre (2000)o “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC) – em cuja base conceitual está a noção de “representação social” (Moscovici, 1961; Jodelet, 1989). Procuro mostrar que, se há a possibilidade de se identificar temas gerais - entre eles, saúde/doença; ensinar/apreender; perdas/ganhos; vida/morte; atividade/ociosidade - que se inscreve nos discursos dos entrevistados, há que se reconhecer suas marcas singulares. Marcas que, muitas vezes, subvertem discursos socialmente cristalizados sobre o processo de envelhecimento e a velhice.

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This paper brings a reflection that questions representations of old age, issue brought up by the coordinators and students of UNIFAL (Universidade Aberta à Terceira Idade, Universidade Federal de Alfenas-MG/ University Open to Seniors, - the Federal University of Alfenas- Minas Gerais). One of its main objectives was not only to examine the universe of this program in Alfenas centered on the elderly, but to address conceptions related to the aging process and old age itself, which provided subsidies to this program as well as to others of this nature. Accordingly, I explore, on the one hand, how notions of health, education and quality of life are mobilized and articulated to justify the “opening” of the university to seniors : movement which enabled me to look into representations of old age beyond the health /sickness polarity, axis articulator of organicist discourse. I, therefore, discuss the appearance of the expression ”seniors” and its relationship to “old’’ and “elderly,” pointing out that the notion it refers to is linked to a renewed conception of health (which includes the complex issue concerning “human welfare.” )

On the other hand, I turn my attention to the history of the constitution of open universities (in Brazil and the rest of the world). In this enterprise, I identify the importance of university extension in the materialization of this program centered on seniors and the two-way avenue that is at issue in this projection outside the university walls : the university opens up to “teach” … but it learns from the elderly. In line with this, I bring to discussion the pair teach / learn in the university realm open to seniors.

Finally, I bring to light the result of data analysis, gathered in semi-structured interviews, carried out by the coordinators and students of UnATI-UNIFAL. I make use of the methodological tool used by Lefévre & Lefévre (2000) o “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC)/ Discourse of the Collective Subject – in whose conceptual basis the notion of “social representation” lies (Moscovici, 1961; Jodelet, 1989). I try to demonstrate that , if there is the possibility of identification of general themes- among them, health/sickness/ teach/learn, losses/gains, life/death, activity/idleness - which are inscribed in the discourse of those interviewed, their unique marks should be acknowledged. Such marks very often subvert socially-crystallized discourses on the aging process and old age.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...1

CAPÍTULO 1 - LONGEVIDADE: VIVER MAIS ... VIVER MAIS NA VELHICE ...6

1.1 Epidemiologia do envelhecimento...6

1.2 Saúde x Doença: conceitos-chave nos discursos sobre envelhecimento e velhice ...10

1.3 "Terceira Idade": uma nova categoria identitária? ...17

CAPÍTULO 2 - UNIVERSIDADE ABERTA À TERCEIRA IDADE: ESPAÇO DE (RE) SIGNIFICAÇÃO DA VELHICE ...23

2.1 Explorando os conceitos de “universidade” e de "extensão universitária": seus desdobramentos na concepção de uma "universidade aberta à terceira idade" ...24

2.2 Sobre "universidade": fundamentos e movimentos de mudança ...28

CAPÍTULO 3 - A UnATI-UNIFAL: REPRESENTAÇÕES DA VELHICE ...37

3.1 Sobre a UnATI-UNIFAL...37

3.2 Bases teórico-metodológicas...40

3.3 Sujeitos da Pesquisa...45

3.4 Análise/interpretação do Material Coletado...45

3.5 A Velhice na ótica dos idealizadores da UnATI-UNIFAL...46

3.6 A Velhice na ótica dos freqüentadores da UnATI-UNIFAL...54

CONSIDERAÇÕES FINAIS...69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...72

ANEXOS ...78

ANEXO I... 78

ANEXO II...79

ANEXO III...80

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INTRODUÇÃO

Meu interesse pela Gerontologia surgiu durante as aulas, quando cursava a Faculdade de Fisioterapia. Um professor me apresentou ao campo e às questões diversas e complexas implicadas no processo de envelhecimento e na velhice. Elaborei, então, uma monografia final na qual discuti o problema que envolve o esquema corporal em idosos com amputação de membro inferior. Os efeitos dessa investigação sobre mim (pessoal e profissionalmente) responderam pela decisão de continuar minha formação nesse campo. Ingressei, então, no Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Gerontologia, oferecido na UNIFESP. Para obtenção do título de especialista, realizei uma pesquisa sobre qualidade de vida do idoso que recebe atendimento domiciliário. Com mais experiência e conhecimento, passei a dar aula como professora voluntária na Universidade Aberta à Terceira Idade de Alfenas, da UNIFAL (Universidade Federal de Alfenas). Ali cheguei por intermédio das minhas avós, freqüentadoras assíduas do programa. Imediatamente, percebi que todos os alunos da disciplina que eu ministrava (“Orientações Funcionais”) também eram assíduos e extremamente envolvidos com as atividades da UnATI-UNIFAL. Pensei em Alfenas, cidade pequena e relativamente calma, e me perguntei sobre o que teria levado aquelas pessoas - de diferentes idades, níveis sócio-culturais e histórias de vida - a escolher esse programa de atenção ao idoso.

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questões relativas ao processo de envelhecimento e velhice que o subsidiaram e tem subsidiado outros programas desta natureza. No foco, as demandas de seus freqüentadores e os modos como eles têm sido acolhidos pelos idealizadores do referido programa.

Uma exploração inicial do tema já sinalizava um caminho de discussão: encontrei, na maioria dos trabalhos científicos que li, uma articulação explícita entre a universidade aberta e a questão que envolve qualidade de vida na velhice. Parti para uma investigação bibliográfica mais aprofundada e me dei conta de que, no campo dos estudos gerontológicos, é quase consensual a hipótese de que múltiplos fatores intervém na saúde e, conseqüentemente, na qualidade de vida de idosos: físicos, psicológicos, sociais e culturais. Assim, avaliar e promover a saúde deste grupo etário significaria ter que levar em conta variáveis problematizadas em distintos campos do saber, e que podem envolver atuação interdisciplinar e multidimensional (ANDERSON & ASSIS, 1998).

A expressão "qualidade de vida" foi utilizada, pela primeira vez, em 1920, por Arthur Cecil Pigou, em seu livro The Economics of Welfar. O foco do debate estava voltado para a questão do suporte governamental, no campo da saúde, aos indivíduos de classes sociais menos favorecidas e o seu impacto sobre suas vidas e sobre o orçamento do Estado. Pode-se dizer que, neste livro, a questão central é a identificação e teorização dos aspectos econômicos do bem-estar de uma coletividade.

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Vale lembrar que, logo após a sua criação1, a Organização Mundial de Saúde (OMS)definiu saúde como: “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez” (OMS, 2005). Como bem assinalou Lawton (1983), dois eixos constituem a base de tal definição: multidimensionalidade e subjetividade. De fato, o termo “bem-estar” reclama que se aborde tal questão pela via da inclusão do sujeito na reflexão sobre saúde. Esse é um dos desafios que pretendo enfrentar na reflexão que encaminho neste trabalho, como se verá mais adiante.

Neste momento, é importante que se diga que, em consonância com esta nova definição de saúde, muitos programas de atenção ao idoso foram criados no mundo todo, entre os quais coloco em destaque, neste trabalho, as "universidades abertas à terceira idade". Luz e Silveira (2006) atentam para o fato de que há uma diversidade de propostas (sociais e educativas) que envolvem os idosos, visando reeducar, recuperar velhos sonhos, reabilitar capacidades, desenvolver competências e incremento de socialização. No que concerne às universidades abertas, é interessante pensar que em sua base está, de um lado, a articulação entre saúde e educação e, de outro, mas intrinsecamente a ela vinculado, uma concepção de velhice bem-sucedida. Tal concepção, aliás, forjou o uso da expressão “terceira idade” como alternativa ao uso do termo “velho” que, como se sabe, carrega consigo um estigma negativo, tanto no âmbito das concepções de senso-comum como em algumas vertentes de estudos gerontológicos e geriátricos.

No Brasil, algumas pesquisas científicas foram realizadas com participantes de universidades abertas no Rio de Janeiro e São Paulo( VERAS & CALDAS, 2004; FENALTI & SCHWARTZ, 2003; SOBRAL, 2001, CACHIONI, 1998 e 2002, entre outras).Elas focalizam as diversas características do envelhecimento, tanto do ponto de vista qualitativo, quanto quantitativo. Porém, poucos são os estudos realizados em cidades de pequeno porte, que voltam a atenção para os aspectos bio-psico-sociais do envelhecimento, assim como para a comparação e análise de concepções que subjazem à proposta dos idealizadores e participantes desses programas.

Nesta dissertação, exploro o modo como as concepções de saúde, educação e qualidade de vida fundamentam a dita “abertura” da universidade aos

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mais velhos: um movimento que me permitiu investigar representações da velhice para além da polaridade saúde/doença, eixo articulador conceitual do discurso organicista. Para tal, dou um primeiro passo, ao refletir, no primeiro capítulo, sobre as bases que sustentaram o nascimento desse primeiro discurso científico sobre a velhice e o processo de envelhecimento no final do século XIX.

Tendo em vista esta história de constituição da área, procurei, a partir da leitura de Canguilhem (1966) e Foucault (1980), autores que exploram as mudanças no saber médico entre os séculos XVII e XIX, desvelar os efeitos de tais mudanças (especialmente no que diz respeito à dicotomia saúde/doença) nas primeiras hipóteses reconhecidas como “científicas” sobre a velhice e o processo de envelhecimento. Indiquei, nesta retrospectiva histórica, o porquê da prolongada hegemonia do discurso médico no campo que faz da velhice o seu objeto de estudo e o que respondeu (ou tem respondido) pelo reconhecimento, no interior da Gerontologia, de que a abordagem desse objeto exige um passo para além da visão orgânica.

No segundo capítulo, trago à luz o modo como se deu a abertura das universidades ao segmento etário idoso. Para tal, realizei uma breve retrospectiva histórica: parti da exploração da bibliografia sobre a constituição das universidades (seus fundamentos, sua função / papel na sociedade), as mudanças pelas quais passou até atingir a configuração atual, para colocar em destaque dois pontos que, a meu ver, estão na base de sustentação dos programas de “universidade aberta”, quais sejam: (1) a relação entre ensino, pesquisa e extensão e (2) o compromisso com a promoção da saúde na terceira idade. Vale ressaltar que é como fruto de um compromisso extensionista - que articula saúde e educação – que os programas das universidades abertas se constituíram, inicialmente na Europa e, depois, no mundo todo.

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deu origem à primeira Universidade Aberta à Terceira Idade – UNATI – no Brasil (OKUMA, 2002): a UnATI-UERJ.

Atualmente, o Brasil conta com mais de 150 programas voltados para idosos em universidades (SÁ, 1999). Pode-se dizer que há uma grande diversidade que os caracteriza, já que cada instituição toma as próprias decisões sobre objetivos, conteúdo, estrutura curricular, atividades e formação de professores. Eles têm, ainda, na sua base de constituição, recursos humanos e materiais que estão em acordo com suas representações da velhice e da educação de idosos. Mostro, então, que, na trama que envolve o entrecruzamento entre as noções de saúde, educação e sua relação com discursos científicos sobre a velhice e o processo de envelhecimento configuraram /configuram-se as universidades abertas.

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CAPÍTULO 1

LONGEVIDADE: VIVER MAIS... VIVER MAIS NA VELHICE

1.1 Epidemiologia do envelhecimento

Em todo o mundo, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo mais rapidamente do que a de qualquer outra faixa etária. O envelhecimento de uma população relaciona-se a uma redução no número de crianças e de jovens, em função da diminuição da taxa de natalidade, e a um aumento na proporção de pessoas com mais de 60 anos. A expectativa é a de que, à medida que as populações envelhecem, a pirâmide populacional triangular que, em 2002, caracterizava a distribuição por faixas etárias, seja substituída por uma estrutura mais cilíndrica, em 2025 (OMS, 2005).

No que diz respeito à população brasileira, pode-se notar essa mesma tendência: há um aumento na participação da população maior de 60 anos no total da população nacional: de 4%, em 1940, para 9%, em 2000. Em pesquisa publicada recentemente no jornal “Folha de São Paulo”2, mostrou-se que há, na população brasileira, uma proporção de sete jovens ou adultos (15 a 59 anos) para cada idoso (mais de 60 anos). Estima-se, nessa mesma pesquisa, que em 2050, a proporção será de dois para um (Folha de São Paulo 15/03/09). Cabe dizer que também a proporção da população acima dos 80 anos está aumentando e alterando a composição etária dentro do próprio grupo. Isso quer dizer que a população

2 A entrevista Datafolha sobre idosos brasileiros entrevistou 1238 pessoas com sessenta anos ou

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considerada “mais idosa” também está envelhecendo, o que implica uma heterogeneidade, do ponto de vista etário, no segmento populacional denominado idoso (CAMARANO, 2002): há idosos mais jovens e idosos muito idosos.

Então, o crescimento relativamente mais elevado do segmento idoso é resultado de altas taxas de crescimento populacional, dada a alta fecundidade prevalecente no passado - em comparação à atual - e da redução da mortalidade. Enquanto o envelhecimento populacional significa mudanças na estrutura etária, a queda da mortalidade é um processo que se inicia no momento do nascimento e altera a vida do indivíduo, as estruturas familiares e a sociedade. Essa dinâmica entre taxas de natalidade e mortalidade responde, em parte, por uma mudança no perfil da saúde da população idosa. Vários estudos epidemiológicos têm colocado ênfase no fato de que, ao invés de processos agudos que "se resolvem" rapidamente com a cura ou o óbito, as doenças crônicas e suas complicações têm se tornado predominantes como, por exemplo, as seqüelas deixadas pelo acidente vascular encefálico e as fraturas após quedas (CHAIMOWICZ, 1997). Essa predominância tem conseqüências sérias já que dela se desdobra a utilização, por décadas, dos serviços de saúde (público ou privado).

Como se sabe, a Organização Mundial da Saúde (OMS) subdivide a idade adulta em quatro estágios: meia-idade (45 a 59 anos); idoso (60 a 74 anos); ancião (75 a 90 anos) e velhice extrema (acima de 90 anos) (WEINERCK, 1991). Tal classificação, vale notar, considera apenas o aspecto cronológico, desprezando os aspectos biológico, psicológico e sociológico no processo de envelhecimento. Segundo Bretas & Oliveira (1999), por exemplo, quando se volta o foco para a dimensão social do envelhecimento, pode-se identificar diferenças significativas nas formas como as vidas dos indivíduos são periodizadas. Isso significa que o ciclo de vida dos seres humanos são definidos pela sociedade no qual está inserido, já que eles estão sob efeito de influências culturais, sociais e históricas. É preciso assinalar, entretanto, que a existência de um marco etário para o início da velhice tem (não se deve negar!) alguns aspectos positivos. Entre eles, por exemplo, indicar quando se considera que um indivíduo adquiriu direito a um merecido descanso e a benefícios previdenciários em função de sua contribuição para a coletividade. Tal parâmetro articula idade cronológica e fatores que ordenam a vida social.

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indivíduos, abrange, sobre um mesmo rótulo, de sexagenários a centenários, o que pode resultar em experiências, expectativas, objetivos de vida, e condições físicas e psicológicas diversificadas. O pensamento redutor, disjuntivo, e, portanto, parcial, não analisa de forma ampla e profunda a velhice que se mostra como um fenômeno multifacetado que, ao lado dos fatores biológicos, implica diversidade sociocultural e histórica como bases constitutivas deste mesmo fenômeno. De acordo com Mercadante (2005), abordar essa diversidade é admitir a existência de uma pluralidade de formas de viver a velhice. Para essa autora, essa heterogeneidade indica que sua problematização envolve complexidade. É nessa mesma direção argumentativa que entendo a afirmação de Néri:

a literatura gerontológica mais recente tem nomeado diferentemente os “períodos” implicados no processo de envelhecimento, referindo-os da seguinte maneira: velhice inicial, velhice, velhice avançada ou outras. Tais denominações refletem uma necessidade de organização da ciência, já que “por si” elas não descrevem, nem explicam, o que está em causa em cada uma dessas subdivisões (NERI, 2001, p. 163).

Vale dizer que, na explicação das razões que levaram à cronologização da vida, pesos distintos podem ser atribuídos a dimensões diversas (DEBERT, 2004). É nessa perspectiva que Bretãs & Oliveira (1999) entendem que a noção de geração, mais do que a de idade cronológica, está em causa na determinação da velhice. Para elas, experiências extra-familiares (vivências coletivas) respondem por mudanças de comportamento e construção de memórias que se incorporam na esfera social e política da história da humanidade e, eu diria, nas histórias de vida de cada sujeito. Assim, a velhice deixa de ser entendida apenas uma categoria etária: ela coloca em causa uma história, uma memória (ao mesmo tempo coletiva e singular).

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industrializada. Assim, o Estado Moderno3 transformou-se, por excelência, na instituição que orientaria o sentido da vida, regulamentando todas as suas etapas, desde o nascimento até a morte (DEBERT, 2004).

Nessa linha de raciocínio, talvez seja importante ressaltar que “O Guia Brasileiro da Terceira Idade (1999)” já apontava para o fato de que o Brasil atingiria, em 2025, cerca de 34 milhões de cidadãos com mais de 60 anos de idade e, portanto, possuiria a sexta população mais idosa do mundo. Naquela época, o país contava com mais de 13 milhões de idosos, o que representava 8,6% da população. Interessante notar que, aproximadamente, metade deste contingente populacional encontrava-se (e ainda se encontra) na região sudeste: a que apresenta o nível mais elevado relativamente à economia e distribuição de renda.

O primeiro aspecto a ser considerado em relação à transição demográfica em países como o Brasil é o momento histórico em que ela ocorre. Segundo Ramos (2002), diferentemente do que se observou na Europa, as mudanças demográficas não se deram como fruto do desenvolvimento social e, sim, como conseqüência de um processo maciço de urbanização, sem alterações marcantes na distribuição de renda e na estrutura de poder social. Uma população eminentemente rural, na década de 1940 (apenas 20% da população vivia na zona urbana), passa, em menos de 40 anos, a ser eminentemente urbana (o último censo mostrou que mais que 80% da população brasileira está vivendo em centros urbanos). Alteram-se com isso, as estruturas de trabalho e de organização da família: por exemplo, a mulher foi progressivamente incorporada à força de trabalho e sendo obrigada a delegar funções de cuidados da casa a familiares sem que houvesse uma estrutura de apoio social na viabilização deste processo.

Assim, vários são os estudos que, no Brasil, voltam o foco para o impacto social da velhice. Neles, coloca-se em relevo o fato de que o quadro atual, ou seja, de crescimento da população idosa, acompanhada de falta de disponibilidade de riqueza ou, o que é mais comum, de sua perversa distribuição de renda, contrasta com, por exemplo, a de países europeus. À precária condição sócio-econômica, associam-se múltiplas afecções concomitantes, que em conjunto, podem levar o velho ao isolamento social. É grande o impacto dessas ocorrências para as sociedades que têm que enfrentar este desafio em curto período. Tal como em

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outros países do Terceiro Mundo, o Brasil, paralelamente às modificações demográficas que estão ocorrendo, vê crescer a necessidade de ocorrência de profundas transformações socioeconômicas. Isso porque, além de serem política e economicamente dependentes de outras nações, esses países possuem uma estrutura socioeconômica arcaica, que privilegia alguns poucos cidadãos em detrimento de uma maioria (NETTO, 2002).

Nesse panorama, se impõe, a meu ver, problematizar a qualidade de vida deste segmento etário. Se, de fato, é incontestável que hoje há mais velhos que ontem e que amanhã haverá mais velhos que hoje, e se isso pode não estar intrinsecamente vinculado à melhora significativa dos fatores sócio-econômicos, qual a relação que se entretém entre a longevidade que se impõe e as condições nas quais ela se realiza? Se a vida está mais longa, com que qualidade se vive em países como o Brasil? Como anunciei anteriormente, entendo que abordar tais questões implique problematizar, entre outros fatores, o que se concebe como “qualidade” de vida: uma questão que se relaciona estritamente à concepções de saúde. É por essa razão que passo a discutir o modo como o par saúde/doença (eixo articulador do discurso organicista) comparece no campo dos estudos gerontológicos. Entendo que a questão que envolve o prolongamento da vida, e mais, o acréscimo de qualidade à vida que se prolonga, exige que se empreenda uma tal reflexão.

1.2 Saúde x Doença: conceitos-chave nos discursos sobre envelhecimento e velhice

De acordo com Minayo et al (2000), tornou-se lugar comum, no âmbito da área de saúde, repetir, com algumas variantes, a seguinte frase: saúde não é doença, saúde é qualidade de vida. A autora assinala, entretanto, que tal afirmativa costuma ser vazia de significado e, freqüentemente, revela a dificuldade que profissionais da área encontram para abordá-la teoricamente fora do marco referencial do discurso médico.

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parece derivar de uma dificuldade que se impõe a esse campo: enfrentar o desafio de problematizar as fronteiras entre a saúde (normalidade) e a doença (patologia) na velhice. De acordo com seu ponto de vista, há indícios de que vivemos uma grande contradição: se, por um lado, a tendência dominante no campo dos estudos sobre o envelhecimento (representada pelas abordagens organicistas) é a concepção da velhice como uma espécie de doença (cuja medida de base é o grau de degeneração do organismo), por outro lado, assiste-se ao florescimento de um discurso alternativo que insiste em denegar tal proposição, tendo como base a afirmação de que a velhice é uma fase “normal” da vida.

Mas, para esse autor, mesmo na idéia de que a velhice é uma fase “normal” da vida pode estar embutida a hipótese de que é “normal” ficar doente quando se está velho, o que acaba contribuindo para ratificar a tendência dominante e fazer da velhice um sinônimo de doença. Nesse sentido, identificar e combater patologias que podem incidir na velhice acaba se confundindo com identificar e combater a própria velhice. Um ambicioso projeto, em consonância com o “desafio” por ele reconhecido, seria o de se medir uma “idade real” do indivíduo no qual a idade seria uma medida da “saúde” de sua capacidade de enfrentar “adversidades” impostas pelo meio (interno e/ou externo). Assim, o marcador cronológico-social da etapa denominada “velhice” seria apenas um elemento coadjuvante.

Essa discussão faz lembrar a reflexão encaminhada pelo médico-filósofo Canguilhem (1966), que nos adverte para o fato de que, talvez, a nossa sociedade atual tenda a confundir saúde com juventude. O pesquisador forja, no interior do debate que realiza sobre a oposição normal x patologia, um conceito - o de normatividade biológica – que dissipa, em parte, tal confusão. Ele a define do seguinte modo: “luta da vida contra os inúmeros perigos que a ameaçam” (p. 97). Tomada ao pé da letra, a normatividade é uma reação de valor hedônico, ou seja, um esforço espontâneo de defesa do organismo às ameaças que se impõem à vida. Nessa perspectiva, viver é ser normativo, é resistir à destruição. Portanto, há normatividade tanto no estado de saúde quanto no estado de doença: “há normas biológicas sãs e normas patológicas, e as segundas não são da mesma natureza que as primeiras” (p. 99).

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de doença indica uma perda da capacidade de instituir normas diferentes em condições diferentes. O doente é doente por só admitir uma norma. Essa “rigidez” na sua capacidade de reação hedônica independe da idade. O autor amplia o escopo de sua reflexão, quando traz para discussão o trabalho de Halbwacs, segundo quem:

a morte é um fenômeno social, a idade em que ela ocorre resulta, em grande parte, das condições de trabalho e de higiene, de atenção à fadiga e às doenças, em resumo, de condições sociais tanto quanto fisiológicas.Tudo acontece como se uma sociedade tivesse ‘a mortalidade que lhe convém’, já que o número de mortos e sua distribuição pelas diversas faixas etárias traduzissem a importância que uma sociedade dá ou não ao prolongamento da vida (Halbwacs, apud Canguilhem, 1966/2000, p. 127).

Como alerta Beauvoir (1970), muito antes de a velhice se tornar proposição-problema no campo da ciência, representações dessa etapa vital foram sendo construídas e, de alguma forma, projetadas no imaginário popular. A autora relata que Hipócrates já comparava as etapas da vida humana às quatro estações da natureza e propunha que a velhice teria o inverno como correlato. Também Aristóteles, para quem a condição vital dependia diretamente do calor interior, a senescência deveria ser entendida como “resfriamento”. No século II, Galeno fez uma síntese geral da medicina antiga, considerando a velhice como intermediária entre a doença e a saúde. Ela não seria um estado patológico, entretanto, segundo ele, todas as funções fisiológicas do velho se encontrariam reduzidas ou enfraquecidas.

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Assim, no início do século XIX, os estudos sobre a velhice tornaram-se mais precisos e sistemáticos, favorecendo o surgimento da geriatria (um ramo da medicina que faz do envelhecimento seu objeto de estudo). Segundo Beauvoir, a criação de vastos asilos onde se reuniam muitos velhos – tais como a Salpêtrière - foi também um fator determinante para a configuração dessa área de saber em solo francês, já que a concentração de velhos, num mesmo espaço de cuidado, tornava mais fácil a coleta de dados clínicos sobre idosos. Charcot, um eminente neuro-anatomista francês, pronunciou, ali, conferências célebres sobre a velhice. Foi, portanto, nesse século, em pleno advento da anátomo-patologia, que a velhice tornou-se objeto de estudo da Medicina (IACUB, 2007). Nessa ótica, a ciência médica “reduziu o velho a uma relação espacial entre a superfície do seu corpo e o seu interior” (KATZ, 1996 In: IACUB, 2007, p. 69). Essa nova forma de conceituar a velhice – do ponto de vista da ciência positivista - transformou a velhice em uma doença em si mesma, como já assinalei, e, assim, o velho passou a ser identificado como um ser moribundo.

Nessa mesma época, afirma Iacub, a moral vitoriana, sob impacto do discurso organicista, estabelecia um código ético que implicava o processo de envelhecimento numa rígida polaridade entre estereótipos negativos e positivos. Saúde e doença seriam estados determinados pelo autocontrole do indivíduo ao longo da vida. Uma “matemática” simples responderia pela longevidade: vida mais longa = cuidado do próprio corpo. Sua paráfrase moral era: vida virtuosa = vida longa, boa velhice. Conclusão: o uso inadequado do corpo teria como conseqüência uma “má velhice” (doenças), entendida, do ponto de vista moral, como um castigo.

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morte e com o moribundo. O corpo do velho começou a ser caracterizado, a partir de então, em função de seu desgaste e sua diminuição energética:

há superabundância de vida na criança, porque a reação supera a ação. O adulto vê o equilíbrio estabelecido entre as duas e por tal razão essa turgência vital desaparece. A reação do princípio interno diminui nos velhos, a ação dos corpos exteriores fica igual; então, a vida languidesce e avança insensivelmente na direção de seu término natural, que chega quando toda proporção cessa (BICHAT, 1973; apud IACUB, 2007, p. 72).

Elias (1993) atenta para o fato, ainda, de que o novo interesse pelo corpo, suscitado no século XIX, esteve enraizado no “processo civilizador”, que facilitou a transição entre o feudalismo tardio e o moderno capitalismo. Esse processo transformou o corpo em uma propriedade, um capital que devia ser mantido e cuidado, associando-o ao valor do trabalho, em estreita relação com as condições de empregabilidade (IACUB, 2007). A metáfora moderna do corpo-máquina associava o primeiro termo a um bem que devia ser mantido em funcionamento. Isso pressupunha, também, a educação corporal, bem como o desenvolvimento de suas aptidões e sua utilidade, o que Foucault (apud IACUB, 2007, p.76) denominou de “a anátomo-política do corpo humano”. Por essa via: (1) surgiu uma nova consciência corporal - que promovia o cuidado pessoal por meio da higiene, como uma nova forma de virtude; (2) uma concepção de saúde vinculada à capacidade funcional e de trabalho; (3) ideais estéticos se revestiram de um significado estreitamente ligado ao bem-estar físico.

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saúde, de capital físico, etc. -, enquanto a de involução simbolizava um retorno negativo, uma patologia e/ou uma perda (IACUB, 2007).

Debert (1998), entretanto, nos alerta para a seguinte questão: o processo biológico, que nos constitui, resulta da elaboração simbólica que define fronteiras entre as idades pelas quais os indivíduos passam e que não são necessariamente as mesmas em todas as sociedades. De igual modo, Motta (1998) observa que as sociedades, em diferentes momentos históricos, atribuem um significado específico às etapas do curso de vida dos indivíduos, conferindo-lhes papéis e funções. Assim, alguém pode ser socialmente velho sem estar biologicamente velho ou vice-versa, ou ainda, um fato pode corresponder a outro. Tais circunstâncias exigem que se olhe para determinadas realidades empíricas a fim de fazer-lhes uma leitura que revele o lugar do velho e da velhice nos discursos científicos. Este é um dos propósitos deste trabalho, já que ele pretende colocar em foco “representações” da velhice.

Também para Mercadante (2005), a velhice, além de sua especificidade biológica, refere uma história de vida e insere-se num sistema de relações sociais. A autora afirma que a primeira vivência da velhice se dá no corpo. O corpo, por si, não revela como atributo a velhice, mas uma vez que ela como estigma se instala no corpo, passa a inquietar o sujeito. A visão de um corpo imperfeito – “em declínio”, “enfraquecido”, “enrugado”, etc. - não avalia só o corpo, mas sugere imediatamente ampliar-se para além do corpo, sobre a personalidade, o papel social, econômico e cultural do idoso. A negação do futuro, a noção de um tempo que passa e, ao passar, implica a decadência do corpo e do espírito, configuram as qualidades negativas que, socialmente, têm sido imputadas aos idosos, criando, assim, um modelo, uma padronização na qual tem se assentado o velho como categoria societária. Se essa noção, por um lado, tem alguma utilidade para classificar um grupo de pessoas reconhecidas como velhos, por outro lado, ela não toca a complexidade do “ser velho”.

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pesquisadora, inclusive, traz à luz a equação subversiva postulada por Queiroz & Otta, segundo quem:

o corpo constitui um construto bastante complexo, dada a dupla procedência, natural e cultural, das pressões seletivas, que nos fizeram – biologicamente, inclusive – humanos” (QUEIROZ & OTTA, 2000 apud CONCONE, 2005, p. 133).

Então, a grande heterogeneidade que marca a velhice (nos aspectos morfológicos, funcionais, psicológicos e sociais) nos obriga, a meu ver, a indagar sobre a polaridade conceitual que se toma como ponto de partida para definir o que é normal ou patológico quando o que está em causa é o segmento idoso. Tem-se admitido, quase que num consenso, que, no processo de envelhecimento, fatores extrínsecos (tais como, tipo de dieta, sedentarismo) e causas psicossociais jogam um importante papel no que diz respeito à incidência (ou não) de efeitos adversos sobre o organismo, que ocorrem com o passar dos anos. Entende-se que na forma de envelhecimento dita “saudável” tais efeitos poderiam (deveriam) ser evitados. Por isso, as principais condições associadas à velhice bem sucedida seriam: baixo risco de doenças e incapacidades funcionais relacionadas a elas relacionadas, funcionamento mental e físico excelentes e envolvimento ativo com a vida.

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1.3 "Terceira Idade": uma nova categoria identitária?

Como se viu no item anterior, a noção de velhice, enquanto etapa vital diferenciada, surgiu entre os séculos XIX e XX, momentos marcados pelas convergências de diferentes discursos, entre os quais aqueles forjados no âmbito da Geriatria e Gerontologia. Segundo Silva (2008), esses saberes “emergentes” se debruçaram, respectivamente, sobre o corpo velho e sobre os aspectos sociais da velhice. Coube, portanto, à medicina uma espécie de (re)construção do corpo - com base na anatomia patológica - para explicar o seu processo de degeneração e, conseqüentemente, a postulação da hipótese de que a velhice é um estado fisiológico específico cujas principais características foram agrupadas sob o rótulo “senescência”. A autora assinala que, antes, velhice e morte eram abordadas como questões médico-filosóficas. A partir do surgimento da medicina moderna, a tendência passou a ser, então, o estudo da velhice e do processo de envelhecimento como problemas clínicos, certezas biológicas e processos invariáveis. A morte passou a ser vista, nessa perspectiva, como resultado de doenças específicas da velhice; a longevidade, como restringida por limites biológicos insuperáveis e, a velhice, como etapa da vida marcada pela degeneração do corpo.

Para ela, desde o surgimento da metáfora médica da velhice, o meio social esteve sob sua influência decisiva, inclusive, jogando um papel fundamental sobre as representações subjetivas da experiência de envelhecer. Isso significa que o discurso organicista projetou-se sobre outros campos de saber e sobre o imaginário cultural, alimentando os discursos do Estado, a formulação de políticas assistenciais e a formação de outras disciplinas, entre as quais merece destaque a Gerontologia. Se, num primeiro momento, sua configuração esteve mais próxima do discurso científico fundador da velhice, dele vem se distanciando à medida que tem tomado para si a responsabilidade de verticalizar uma outra hipótese: a de que a velhice é uma categoria social.

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generalizada das aposentadorias e, principalmente, as conseqüências econômicas que a ela se seguiram reclamavam um novo olhar. Um olhar que pudesse problematizá-la como uma questão coletiva. Isso porque a universalização dos sistemas de aposentadoria incidiu sobre a estrutura das empresas privadas, das famílias e, sobretudo, do Estado, que passou a se responsabilizar por um contingente muito maior de sujeitos.

Esse deslocamento vê surgir no discurso dos legisladores sociais um movimento concomitante, que respondeu pela criação de instituições específicas, voltadas para a velhice: caixas de aposentadorias e asilos. Silva faz notar que a “velhice” dos trabalhadores foi assimilada, neste discurso, à “invalidez”, ou seja, à incapacidade de produzir e à doença/isolamento. Essa lógica dava ainda mais vigor à lógica instituída no discurso organicista e contribuía para fazer da velhice um sinônimo de “invalidez” (no sentido amplo do termo): característica pejorativa e estigmatizante a marcar uma posição subjetiva para a velhice.

Na década de 1960, com o avanço das tecnologias médicas, a sociedade se torna mais longeva e os “novos velhos” passam a viver com mais qualidade. Assiste-se, também, a uma generalização e reorganização dos sistemas de aposentadorias e um interesse cada vez maior da cultura de consumo por esses “novos velhos”. Aliado ao discurso da gerontologia social, uma nova categoria etária ganha a cena no discurso científico, a “terceira idade”. Isso instaura, de saída, afirma Silva (2008), pares de opostos, tais como: terceira idade/velhice; aposentadoria ativa/passiva; casa de repouso/asilo; gerontologia/assistência social.

O surgimento da categoria “terceira idade” é considerada, então, pela literatura especializada, uma das maiores transformações por que passou a história da velhice. De fato, como afirma a autora, a modificação da sensibilidade investida sobre a velhice acabou gerando uma profunda inversão dos valores a ela atribuídos: inicialmente entendida como decadência física e invalidez, como vimos, ela passa a significar uma etapa da vida que pode ser dedicada mais amplamente ao lazer e propícia à realização pessoal. É assim que essa nova representação da velhice se difundiu como identidade etária. Difusão que está em relação direta com a consonância entre sua descrição e os anseios e demandas que passaram a orientar a sociedade.

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agências especializadas. Com o objetivo de arregimentar clientela, as caixas de aposentadorias passaram a oferecer, além de vantagens financeiras, serviços diferenciados como clubes, férias programadas, atividades de lazer e grupos de convivência. As necessidades psicológicas e culturais ganharam destaque, estimulando o surgimento das universidades e dos espaços específicos para a terceira idade. Com isso, atenta Silva, requisitou-se o conhecimento de especialistas de ciências humanas que pudessem identificar e descrever com mais precisão as condições de vida e os desejos desses sujeitos. Tais especialistas contribuíram para a consolidação de um estilo de vida específico, baseado em um repertório de condutas e em uma linguagem que influíram na formação da nova identidade etária.

A designação “velho” não parece mais adequada para nomear esses “jovens senhores” e seu novo estilo de vida, diz a autora. Surge, então, a denominação “idoso” que, segundo ela, teria uma conotação mais respeitosa, cujo uso atribuía um valor distintivo às camadas médias da população. Isso porque, insiste Silva, o termo “velho” estava fortemente associado aos sinais de decadência física e incapacidade produtiva, sendo utilizado para designar, de modo pejorativo, sobretudo os velhos pobres. A partir da década de 1960, esse termo começa a desaparecer da redação dos documentos oficiais franceses, que passam a substituí-lo por “idoso”, menos estereotipado. Ao mesmo tempo, o estilo de vida das camadas médias começa a se disseminar para todas as classes de aposentados, que passam a assimilar as imagens de uma velhice associada à arte do bem-viver. O uso do termo “terceira idade”, então, torna pública e legitima a nova sensibilidade investida sobre os jovens e respeitados aposentados. Uma nova e positiva imagem da velhice é, portanto, forjada e se impõe social e culturalmente.

Na ótica da pesquisadora, a tarefa de construção da “terceira idade” ou do “envelhecimento positivo” disseminou-se além do discurso profissional e acadêmico de uma disciplina especializada, tornando-se um tema de grande relevância nos meios de comunicação. O reconhecimento e investimento dos agentes comerciais e financeiros ajudaram a delinear o novo contorno do que é a velhice, consolidando a conexão entre o planejamento da aposentadoria, a noção da terceira idade e a cultura de consumo.

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“conspiração do silêncio”4, com o intuito de mobilizar a sociedade para a situação de abandono e estimular o cuidado à velhice - , por outro lado, passa a divulgar a possibilidade concreta de “invenção” de uma nova identidade a partir da simples adesão a um novo estilo de vida. Para Featherstone e Hepworth (1995), não se pode esquecer que também está em causa, com o surgimento dessa categoria etária, uma “indústria do envelhecimento”.

Para finalizar, trago à luz as pertinentes observações de Silva relativamente aos efeitos dessa retrospectiva histórica. Ela, com razão, indica a necessidade de se explicitar se “velhice” e “terceira idade” são categorias diferentes ou se se trata de uma mera substituição da primeira pela segunda. Dito de outro modo: é preciso investigar se o que está em jogo no uso do termo “terceira idade” é a assunção de uma “nova” identidade etária ou uma “reformulação” da antiga identidade referida como velhice. A autora encaminha a discussão da seguinte forma:

as características de cada identidade etária e o percurso que ambas percorreram até firmarem-se no imaginário cultural demonstram sua independência. São termos cuja formação é bastante específica e diferenciada, estando associados a momentos históricos, saberes médicos e sociais, movimentos políticos e interesses também distintos (SILVA, 2008, p. 166).

Levando em conta, portanto, o surgimento histórico de cada categoria, elas não são sinônimas. Silva faz, entretanto, um alerta:

se a ascensão das imagens positivas que compõem a terceira idade produzirem, como conseqüência de sua extrema valorização, a exclusão da possibilidade de vivenciar o envelhecimento por meio da quietude, do descanso e da inatividade – características mais próximas da descrição de velhice -, certamente perderemos diversidade no que se refere aos modos de vida e aos caminhos de satisfação dos sujeitos (idem, ibidem).

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Além de concordar com tal afirmação, entendo ser importante chamar a atenção para o fato de que a dicotomia velhice/terceira idade parece recolocar a oposição saúde/doença. Como vimos, o termo "terceira idade" tem sido usado como referência para uma velhice "saudável" ou, como também se diz, uma velhice "bem-sucedida". Se se trata mesmo de uma dicotomia, "velhice" seria a referência para o reverso do que está sob o rótulo "terceira idade", ou seja, uma velhice "mal-sucedida", marcada pela doença. O advento do termo “terceira idade” parece ter sido, então, uma alternativa à nomeação de uma condição vital (entre a maturidade e a velhice), que estaria mais em acordo com o ideal de senescência. Note-se que, nessa perspectiva, a velhice permaneceria sendo um termo estigmatizador, tanto que se evita esse termo nessa nova categoria identitária.

Essa não me parece uma boa solução para a área da Gerontologia, tendo em vista a permanência do ideário de que velhice é problema e o apagamento da complexidade que tal condição impõe que se enfrente. Uma observação que, sem dúvida, merece ser explorada na investigação de campo que pretendo realizar. Isso me obriga, inclusive, a indagar se a universidade teria se aberto, apenas, à terceira idade e não aos velhos.

Como se viu nessa breve discussão, no campo da Gerontologia, a transformação do envelhecimento em objeto de saber científico põe em jogo múltiplas dimensões, que envolvem o desgaste fisiológico e o prolongamento da vida, o desequilíbrio demográfico e o custo financeiro das políticas sociais. Este trabalho pretende confrontar as várias “representações da velhice”, sob o olhar de freqüentadores de uma Universidade Aberta à Terceira Idade, com suas diferentes histórias de vida e perspectivas, assim como pela visão de seus idealizadores e suas diferentes percepções sobre a velhice e o envelhecimento, vividos em uma comunidade universitária.

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CAPÍTULO 2

UNIVERSIDADE ABERTA À TERCEIRA IDADE:

ESPAÇO DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DA VELHICE

Como vimos no capítulo anterior, um número diverso de representações tem sido mobilizadas no campo científico que faz da velhice o seu objeto de estudo. Há, entretanto, uma polaridade conceitual que o caracteriza e que tem contribuído para sustentar a dicotomia velhice bem sucedida x velhice mal sucedida. Procurei deixar ver que a oposição saúde/doença (eixo articulador do discurso organicista) responde por sua sustentação e, até mesmo, pelo surgimento, na área da gerontologia, de uma nova categoria identitária, a da “terceira idade”. Vale a pena lembrar que o advento dessa noção tem relação direta com o fato de que se vive mais e com mais qualidade (leia-se: com mais saúde) na velhice. Note-se que “saúde” adquire, na perspectiva atual das pesquisas deste campo, o sentido de “bem-estar” e de “capacidade funcional”, ampliando seu escopo para além de referir ausência de doença.

Vale dizer, ainda, que, a partir do estabelecimento da metáfora do “corpo-máquina” e do pressuposto que a sustenta – a normatização da educação corporal -, uma reordenação conceitual se processou relativamente aos cuidados que haveriam de ser dispensados a esse “bem”. Não é sem razão que Foucault (1995) fala em “anátomo-política do corpo humano”. Afinal, falar em “saúde”, exige que se considere ações que não se limitam à responsabilidade individual (como na concepção médico-moral), mas que, também, implicam as relações de poder que se estabelecem no meio sócio-cultural no qual o sujeito está inserido.

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histórica da configuração da “universidade” e de seu compromisso social do qual resultam as UnATI’s.

2.1 Explorando os conceitos de “universidade” e de "extensão universitária": seus desdobramentos na concepção de uma "universidade aberta à terceira idade"

Segundo Romano (1988), a universidade tal como a reconhecemos hoje - uma instituição que articula ensino, pesquisa e extensão - teve sua origem na Idade Média. O termo universitas designava, àquela época, qualquer espécie de associação legal na qual se debatiam temas relevantes relativos a uma mesma cidade5. Numa retrospectiva histórica, Trindade (1998) identifica quatro períodos marcantes no que diz respeito à constituição das universidades, quais sejam:

(1) a Universidade Medieval (século XII). Configurada a partir de corporações de professores (Paris) ou de estudantes (Bolonha), estruturou-se com o estabelecimento sucessivo de três campos de formação: teologia (Paris), direito (Bolonha) e medicina (Montpellier). Constituída espontaneamente ou através de bula papal ou imperial, a universidade medieval tinha como fundamentos básicos a formação teológico-jurídica, a organização corporativa e a autonomia face ao poder político e à igreja institucionalizada local;

(2) a Universidade Renascentista (século XV). Sob o impacto das transformações comerciais do capitalismo e do humanismo literário e artístico (Itália), bem como da reforma protestante luterana (com seus desdobramentos calvinistas e anglicanos), esse modelo de universidade rompe com a hegemonia tradicional da Igreja e provoca uma reação contrária através da Contra-Reforma. Em seu último momento, colocou-se com força a questão relativa à relação entre universidade e ciência, uma novidade que, segundo o autor, produziu um impacto transformador na

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estruturação da vida universitária, cujos desdobramentos se fizeram notar no período posterior;

(3) a Universidade Iluminista (século XVII). Marcada pelo início da institucionalização da ciência pela universidade e caracterizada pelo abandono do padrão tradicional teológico-jurídico-filosófico, bem como por sua abertura ao humanismo;

(4) a Universidade Moderna (século XIX). Sob influência do “plano de uma universidade russa”, elaborado por Diderot para Catarina II, ocorreram várias reformas universitárias que preconizaram estudos mais aprofundados de ciências naturais e físicas. A marca essencial desse modelo é a associação gradual do trabalho científico desinteressado associado ao ensino que, vale lembrar, passa a colocar em foco as complexas relações entre sociedade, conhecimento e poder, no qual está apoiado o conceito de extensão universitária. Tendência que, na ótica de Fischer (2001), coloca em cena a reciprocidade da relação entre universidade e comunidade. Nessa perspectiva, o desenvolvimento das atividades de ensino não se restringe às disciplinas ministradas nos cursos, mas, acima de tudo, promove a compreensão da aquisição e prática de novos conhecimentos, atitudes, habilidades e valores. Além do ensino sistemático e profissional, a universidade ensina, através de seu exemplo e de sua atuação, tanto na formação como na tomada de atitudes e no desenvolvimento de valores.

No que diz respeito ao Brasil, pode-se dizer que o ensino superior é algo recente, se comparado à história de desenvolvimento da universidade no mundo6. Importa lembrar que, segundo Moacyr (1973), apenas quando o país se tornou sede da monarquia portuguesa é que se obteve autorização para o funcionamento de algumas escolas superiores de caráter profissionalizante e que todos os cursos criados no início do século XIX tinham uma mesma preocupação pragmática: estabelecer uma infra-estrutura que garantisse a sobrevivência da corte na colônia.

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Foi, então, no final dos anos de 1940, início dos 1950, que se esboçaram tentativas de luta em prol da autonomia (externa e interna) das universidades brasileiras. Período no qual as universidades multiplicaram-se em número, permanecendo a tendência dominante de promover formação profissional7 e, de uma certa forma, marginalizar a produção do conhecimento, ou seja, a pesquisa (FÁVERO, 2006). Vale dizer, entretanto que a relação ensino-pesquisa já era objeto de preocupação de Amoroso Costa desde 1927, quando ele defendeu a idéia de que era preciso combater o conceito unívoco de ciência e introduzir a pesquisa como núcleo da instituição universitária (FÁVERO, 2006).

Já o movimento de extensão teve início oficialmente reconhecido na Universidade de São Paulo8. Segundo Souza (2000, apud XIMENES & Cols p: 2081), pode-se abordá-lo levando em conta três interlocutores: o movimento estudantil, o Estado e as instituições de Ensino Superiores (IES). Para esse autor,

entretanto, “não existe nenhum exagero ao afirmar-se que a extensão universitária no Brasil deve sua origem ao movimento estudantil” (idem, p. 2082). Isso porque, já na década de 1930, era esse o segmento acadêmico que mobilizava as discussões sociais e políticas do país.

Jezine (2006) nos faz lembrar que é possível identificar diferentes experiências extensionistas desde os primeiros momentos de existência das universidades no mundo. Algumas de caráter religioso, como as missões ou ações filantrópicas de atendimento aos mais pobres, realizadas pelo mosteiro de Alcabaça, em Portugal (1269); as de cunho revolucionário, como os movimentos da Europa que ensejavam liberdade e influenciaram fortemente os países latino-americanos, levando professores e alunos de universidades a questionarem a relação educação superior e sociedade; e as atividades acadêmicas, vivenciadas pela Universidade de Cambridge, Inglaterra (1867), desenvolvidas em forma de palestra, conferências e ações técnicas, associadas aos programas de desenvolvimento social.

Para Ximenes & Cols (2005), na América Latina, o marco da extensão universitária foi o movimento de Córdoba de 1818, que tinha como objetivo incitar e

7 A partir da década de 1950, acelera-se o ritmo de desenvolvimento no país, provocado pela industrialização e pelo crescimento econômico. O número de universidades existentes no país cresceu de 5, em 1945, para 37, em 1964. Neste mesmo período, as instituições isoladas aumentaram de 293 para 564. Essas universidades continuavam a nascer do processo de agregação de escolas profissionalizantes (MENDONÇA, 2000).

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fortalecer a função social da universidade. De acordo com Jezine (2006), a extensão tem sua referência a partir do movimento estudantil e das chamadas universidades populares, em que se destaca, no Brasil, as primeiras experiências da Universidade Livre de São Paulo através de cursos e conferências gratuitos e aberto à população de modo geral. Para a autora, no Brasil, outra influência marcante foi o modelo técnico de extensão norte-americano, no que se refere a assistência técnica à agricultores, firmando-se a idéia de extensão ligada ao processo de assessoria técnica, no qual a universidade projeta os saberes científicos que construiu sobre a população desprovida de conhecimentos e recursos, a fim de suprir necessidades sociais, atender demandas e resolver os problemas sociais gerados pelo capital. Vale notar que se configura aí uma concepção de extensão universitária assistencialista já que a ação que a caracteriza é a de estender conhecimentos até atingir a população carente.

Vale lembrar que, advinda do movimento das universidades populares na Europa, a extensão foi concebida pelo movimento estudantil da América Latina como "ação participativa". Portanto, sua história coloca em cena uma dimensão de luta e resistência. Entretanto, ela foi apropriada pelo poder dominante como elemento capaz de atender as demandas requeridas pela sociedade do capital. Nessa perspectiva, é importante assinalar que, durante o regime militar no Brasil, escamoteou-se as idéias revolucionárias de valorização da cultura e do saber popular, a conscientização e politização do povo, que se desenvolvia a partir dos movimentos de cultura e educação popular, em que o foco da ação era o processo de alfabetização crítica, que objetivava o desenvolvimento da capacidade dos sujeitos de pensarem a sua realidade, com vistas à intervenção social (JEZINE, 2006).

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Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras foram passos importantes para balizar seus princípios norteadores.

De acordo com o Plano Nacional de Extensão Universitária, do Ministério da Educação (http://portal.mec.gov.br/sesu/), a extensão passou a ser entendida como uma prática acadêmica que interliga a universidade (nas suas atividades de ensino e pesquisa) com as demandas da maioria da população, possibilitando a formação de profissional cidadão e se credenciando cada vez mais, junto à sociedade, como espaço privilegiado da produção de conhecimento significativo, com vistas à superação das desigualdades sociais existentes. É o que se lê no referido documento do MEC:

é importante consolidar a prática da extensão, possibilitando a constante busca do equilíbrio entre as demandas socialmente exigidas e as inovações que surgem do trabalho acadêmico (PLANO NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA).

Não é demais lembrar que este desenho de extensão faz com que a intervenção social da universidade seja estruturalmente diferente da intervenção dos demais órgãos públicos. Esses têm como objetivo a prestação de um serviço específico à população, sendo julgados pela eficiência com que executam suas ações. Já a ação da universidade, ainda que busque a eficiência, não pode a ela se restringir. Pois o que deve caracterizá-la não é a ação pela ação, mas esta enquanto mediadora de uma interlocução, fonte de um conhecimento novo que carregue a marca da mudança e da transformação (MOREIRA, 2000).

Para Moreira (2000), a extensão universitária, ao fornecer aos jovens estudantes e aos professores a possibilidade de um contato crítico e reflexivo com a realidade, constituiu-se em um elemento fundamental no processo de formação para a cidadania, permitindo o seu engajamento efetivo na contestação das estruturas injustas e na ação solidária, promotora de transformação.

2.2. As Universidades se abrem à Terceira Idade no Mundo e no Brasil

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preparo para o trabalho, que foram criadas as "Universidades do Tempo Livre" no final da década de 1960. Concebidas como um espaço voltado às atividades culturais e à sociabilidade, seu objetivo central era promover a ocupação do tempo livre dos aposentados e favorecer as relações sociais entre eles. Nesta época, não havia ainda uma preocupação com programas dirigidos à educação permanente, e, sim, com a promoção de atividades ocupacionais e lúdicas. As "Universidades do Tempo Livre" constituíram-se, então, precursoras das "Universidades da Terceira Idade", que viriam a aparecer em 1973, pelas mãos de Pierre Vellas, um reconhecido professor de Direito Internacional da Universidade de Ciências Sociais de Toulouse. Inicialmente, contavam com a possibilidade de misturar atividades episódicas (palestras, debates, cursos de idiomas, caminhadas, esportes, viagens, passeios e eventos culturais) com algumas atividades curriculares. A partir de 1974, entretanto, a Universidade da Terceira Idade de Toulouse transformou-se num programa regular, com cursos que duravam o ano inteiro. (CACHIONI, 2002).

Os objetivos da Université du Troisième Âge eram, segundo seu idealizador:

tirar os idosos do isolamento, propiciar-lhes saúde, energia e interesse pela vida e modificar sua imagem perante a sociedade [...] é possível compensar todo tipo de dificuldade devido à idade e obter novas possibilidades de vida e bem-estar graças a uma ação apropriada composta de vida social, exercícios físicos, atividades culturais e medicina preventiva (VELLAS, 1997, p. 1103) (ênfase minha).

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Em 1975, o programa "Universidade da Terceira Idade", de Toulouse, já havia se expandido para outras universidades francesas, como também para universidades da Bélgica, Suíça, Polônia, Itália, Espanha, além dos Estados Unidos. É preciso chamar a atenção, também, para o fato de que o modelo inglês (Cambridge, 1981) representou, já nessa época, uma substancial modificação do modelo francês. Para os idealizadores ingleses, os freqüentadores do programa poderiam atuar tanto como professores, como alunos e, também, engajar-se em pesquisas. Finalmente, cabe dizer, que foi o ideário da auto-ajuda que serviu como base para esse "novo" modelo.

Apesar dessas diferenças, é unânime, entre os historiadores desse programa, a idéia de que a abertura da universidade à terceira idade representava uma proposta inovadora na medida em que ela se dirigia a todos os idosos, sem distinção por nível de renda ou educação, que quisessem ocupar produtivamente o tempo livre e auferir os benefícios que a educação podia trazer para sua saúde e bem-estar. O impacto inicial, entretanto, foi modesto e as dificuldades muito grandes. No que diz respeito ao programa francês, apenas 40 pessoas se inscreveram por ocasião da primeira abertura de vagas. A imprensa local e internacional noticiou e fez tamanho alarde sobre a novidade que, seis meses mais tarde, em setembro de 1973, foram mais de mil idosos inscritos9. Contudo, vale lembrar que, por muito tempo, Vellas continuou trabalhando sozinho e lutando pelo reconhecimento de seu trabalho junto a comunidade acadêmica (CACHIONI, 2002).

Com o crescimento do programa, fruto de uma significativa procura por parte dos idosos, as Universidades da Terceira Idade foram chamadas a desempenhar outro papel: o de centro de pesquisas gerontológicas – segundo Vellas, sua principal missão. Os alunos da Universidade da Terceira Idade passaram, assim, a desempenhar um papel ativo nas pesquisas universitárias. Pesquisas feitas para, com e pelos estudantes idosos. O programa entrou, assim, em sua segunda geração. Suas atividades educativas, apoiavam-se, desta maneira, nos conceitos de

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participação e desenvolvimento de estudos sobre o envelhecimento. As pesquisas no campo da gerontologia ganharam suporte institucional e encontraram neste espaço privilegiado um enorme campo de investigação, contribuindo para elevação dos níveis de vida e saúde de seus estudantes, assim como do conjunto da pessoa idosa (PEIXOTO, 1997). Essas atividades também centravam-se na concepção de participação e desenvolvimento de experiências de vida dos idosos para prepará-los para uma intervenção mais efetiva nos problemas da sociedade (LEMIEUX, 1995).

Na década de 1980, as Universidades da Terceira Idade entraram na terceira geração, que se caracterizou pela elaboração de um programa educacional mais amplo, voltado a satisfazer uma população de aposentados cada vez mais nova e escolarizada, exigindo cursos universitários formais com direito a crédito e diploma. Deste modo, de acordo com Peixoto (1997), as Universidades da Terceira Idade passaram a elaborar uma programação baseada em três eixos: participação, autonomia e integração. Os estudantes, de simples consumidores, passaram a produtores de conhecimento à medida que participavam das pesquisas universitárias. Mas, vale dizer que:

desde sua fundação, o movimento internacional de “Universidades da Terceira Idade” expandiu-se por todo o mundo mas sofreu modificações e adaptações locais, conforme as necessidades sociais de cada contexto e dependendo do perfil educacional e econômico das diferentes populações idosas. Públicas ou privadas, de baixo ou alto custo, e com diferentes propostas acadêmicas e políticas, estas instituições, asseguram os historiadores, têm dado conta de fornecer oportunidades de compensação e enriquecimento cognitivo, integração e reconhecimento social, satisfação e envolvimento às populações mais velhas (CACHIONI, 1999 apud PALMA & CACHIONI, 2002, p. 1104).

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ano de 1963, um programa que até hoje está em pleno funcionamento. A partir da congregação de aposentados do comércio, montaram-se grupos de convivência, escolas abertas e cursos de preparação para a aposentadoria. Os grupos de convivência foram fundamentados na mesma metodologia de serviço social e desenvolvimento da sociabilidade, utilizada em programas dirigidos a crianças, jovens e adultos. Sua configuração foi delineada, então, a partir dos programas de lazer, destinados ao preenchimento do tempo livre10.

O SESC instituiu, ainda, o "Centro de Estudos da Terceira Idade", promovendo a especialização de profissionais na área, oferecendo treinamento e realização de cursos no exterior e possibilitando a divulgação de conhecimentos sobre o tema por meio de publicações, tais como, os "Cadernos da Terceira Idade", material que, ainda hoje, é amplamente utilizado para pesquisa e divulgação (DEBERT, 1997). Apenas no início da década de 1970 é que foram criadas, no SESC, as "Escolas Abertas para a Terceira Idade". Elas se dirigiam a um público com melhor qualificação educacional e tinham como finalidade oferecer informações aos idosos sobre aspectos bio-psico-sociais do envelhecimento; programas de preparação para aposentadoria e atualização cultural. Além de módulos informativos, oferecia, também, atividades físicas, tais como, ginástica, yoga ou natação; atividades manuais e artísticas, com grupos corais e cursos de artes plásticas (CACHIONI, 1998). A orientação para o lazer ainda predomina nessa instituição na qual se inspiram vários clubes de convivência, associações de idosos, clubes da maioridade e outras instituições que se desenvolveram fora das Universidades (NERI, 1997)11.

Foi apenas a partir da década de 1980 que as universidades brasileiras começaram a abrir espaço, seja para a população idosa, seja para profissionais interessados no estudo do envelhecimento. Em 1982, na Universidade Federal de Santa Catarina, foi criado o Núcleo de Estudos de Terceira Idade – NETI -, considerado o primeiro programa de atendimento ao idoso e formação de recursos humanos na área gerontológica, realizado em uma universidade. Seus objetivos

10 Compreendiam genericamente: desenvolvimento físico-esportivo, recreação, turismo social, biblioteca, apresentações artísticas, desenvolvimento cultural, cursos supletivos, cursos livres, assistência odontológica, refeições e lanches comunitários, medicina preventiva, educação para a saúde, ação comunitária, trabalhos em grupo e assistência social.

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eram: incentivar estudos e divulgar conhecimentos técnico-científicos na área gerontológica; formar recursos humanos em todos os níveis e promover o cidadão idoso (GUEDES & VAHL, 1992).

No final da década de 1980, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), foi criado um grupo interdisciplinar de profissionais interessados nas questões da terceira idade, o Núcleo de Assistência ao Idoso – NAI. Foi a partir do movimento deste grupo que, em maio de 1992, implementou-se a primeira Universidade Aberta à Terceira Idade – UnATI - no Brasil. Este programa, bem em consonância com o modelo atual de universidade, abrange atividades em três áreas: ensino, pesquisa e extensão. Um de seus objetivos principais é contribuir para a melhoria dos níveis de saúde física, mental e social das pessoas de mais de 60 anos, bem como desenvolver pesquisas no campo gerontológico12.

O Programa da PUCCAMP, procurado por pesquisadores interessados nas questões que envolvem aspectos psicológicos, sociológicos e educacionais desta clientela, é o modelo que mais se aproxima da proposta francesa. A sua criação, em 1990, representa, segundo Sá (1995), um marco importante na evolução da gerontologia educacional no Brasil uma vez que serviu de modelo para a criação de muitas outras UnATIs (nos estados de São Paulo, Pará, Rio de Janeiro, Paraná, Ceará, Pernambuco, Goiás, Maranhão, Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal).

Foi na década de 1990, então, que a extensão universitária no Brasil se voltou para a terceira idade. Com denominações e formas de organização diversas, esses programas têm, no entanto, propósitos comuns: rever os estereótipos e preconceitos em relação à velhice; promover a auto-estima e o resgate da cidadania; incentivar a autonomia, integração social e auto-expressão, e promover uma velhice bem-sucedida em indivíduos e grupos.

As instituições de ensino superior particulares são as que mais têm investido nessa área, seguidas das estaduais e federais. Cachioni (2002) chama a atenção para o fato de que as denominações desses programas são variadas – Universidade para, aberta à, ou da Terceira Idade – mas a diferença não se restringe ao nome

Referências

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