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A Velhice na ótica dos idealizadores da UnATI-UNIFAL

No documento MESTRADO EM GERONTOLOGIA SÃO PAULO 2009 (páginas 53-61)

CAPÍTULO 3 A UnATI-UNIFAL: REPRESENTAÇÕES DA VELHICE

3.5 A Velhice na ótica dos idealizadores da UnATI-UNIFAL

Vejamos, inicialmente, de que modo algumas “representações da velhice” jogaram um papel na idealização da UnATI-UNIFAL. Essa amostra é pequena já que se refere ao material coletado em entrevista com apenas dois dos idealizadores deste programa (referidos, a partir de então, como EI1 e EI2). Isso se deve, de um lado, ao fato de que eles foram os principais fundadores da UnATI-UNIFAL e, de outro, ao vínculo profissional que mantinham com a instituição à época da sua criação. Esclareço que ambos eram docentes e pesquisadores da universidade, o que me levou, desde o início, a indagar: será que essa posição não implicaria, imediatamente, que eles pudessem ser tomados como porta-vozes do discurso científico sobre o processo de envelhecimento e a velhice? Caso a resposta seja afirmativa, é possível identificar em suas respostas marcas de um discurso científico específico? Meu compromisso, nessa análise, é identificar como (e se) esse conhecimento produziu impacto (ações efetivas) nas práticas sociais da comunidade de Alfenas.

Em resposta à primeira questão que lhes foi dirigida na entrevista - “o que o levou a participar da criação da UnATI-UNIFAL?” -, ganha relevo a referência à “demanda reprimida de integração” (50% do total de respostas). Ela se constitui, portanto, na “idéia central” que engendra o “Discurso do Sujeito Coletivo”, que responde pela idealização da UnATI-UNIFAL, e que se encontra explicitado no quadro abaixo:

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo Demanda reprimida de integração Havia uma demanda reprimida, né? Os

idosos, eles não tinham nenhuma atividade física, eles não tinham nenhum programa para o idoso dentro do sistema de saúde de Alfenas

.

A idéia era fornecer à população, uma válvula aberta nesse sentido de integração do idoso às atividades de lazer, laborativas e, também, informativas.

De fato, o reconhecimento de que havia em Alfenas uma demanda de integração social dos idosos foi a mola propulsora da idealização da UnATI-UNIFAL. A palavra re-conhecimento é importante aqui na medida em que invoca um conhecimento prévio sob cujas bases a ação promotora de integração se realizou. Entendo que ele se revela na manifestação de outras duas categorias discursivas que emergiram, numa proporcionalidade menor (25% cada uma) na fala dos entrevistados, quais sejam: “infra-estrutura disponível” e “doença do idoso” (anexo IV, resultado I).

Essa última exibe uma relação explicitamente colocada entre velhice e doença e está implicitamente vinculada com a idéia central do DSC, em cujo foco se encontra uma concepção ampliada de saúde, como vimos no capítulo I desta dissertação. Arrisco-me a dizer que a assunção de uma ruptura com o binômio velhice-doença – marca inquestionável de um discurso estigmatizante sobre a velhice – responde, de uma certa forma, por uma ordenação do sistema social em Alfenas, concretizado na configuração da UnATI-UNIFAL.

Note-se que uma escuta especial e cientificamente orientada estava em jogo quando se detectou uma “demanda reprimida”. Ela tem a ver com uma representação da velhice que coloca no centro uma noção de saúde que excede considerações biológicas. Como se viu no DSC, o significante “atividade” está em relação direta como o significante “saúde”. De fato, como diz Beauvoir, “a atividade implica, efetivamente, uma certa saúde. Mas muitas razões, psicológicas e sociais, podem levar a prolongá-la, mesmo num estado de deterioração física” (1970, p. 39). Ora, o que está contido no reconhecimento da demanda reprimida é a idéia de que falar em saúde no campo do envelhecimento implica assumir que tal discussão coloca em causa a complexidade do humano e a complexa relação sujeito-sociedade.

Nessa mesma perspectiva, a emergência da categoria “infra-estrutura disponível” parece estar vinculada à idéia de que uma universidade pública tem sua cota de responsabilidade na promoção da saúde e qualidade de vida de idosos. Aliás, será pela via da “extensão universitária” que nascerá a UnATI-UNIFAL, como vimos: programa que se realizará sob a égide do conceito moderno de universidade

em cuja base está, como assinalado no capítulo 2, a relação efetiva com a comunidade.

Essa hipótese se confirma na resposta à segunda questão - “quais eram os objetivos da UnATI de Alfenas à época de sua criação?” -, quando a “integração social” reaparece como idéia central (66, 67%) a subsidiar o DSC, como vemos a seguir:

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo Integração Social Bem, o objetivo principal era integrar o

idoso, né, na sociedade. Oferecer uma proposta alternativa que pudesse trazer o idoso para o desempenho de atividades mais intelectualizadas, mais informativas. Ainda mais nesse mundo globalizado que a gente está vivendo ... Minimizando um pouco a exclusão social do idoso.

A insistência do significante “integração” requer, a meu ver, que se detenha um pouco nos sentidos que dele emanam, dos quais coloco em destaque: “ato ou efeito de integrar(-se)”;“ação ou política que visa integrar em um grupo as minorias, raciais, religiosas, sociais, etc”18. Nessa dupla possibilidade de significar, retiro a hipótese de que no referido re-conhecimento que motivou a criação da UnATI-UNIFAL encontra-se a representação de que o segmento idoso constitui uma minoria, do ponto de vista social. Não é sem razão, portanto, que no último enunciado do DSC apareça o significante “exclusão”. Interessante é, também, acrescentar que “integrar” implica uma via de mão dupla: em causa está, de um lado, uma (re)ação externa (político-social) e, de outro, uma (re)ação com motivação interna (subjetivo-social). Isso significa que falar em “integração” envolve sempre uma ação com dois pólos.

Se, sem dúvida alguma, a “integração social” é a categoria organizadora do DSC, a referência à “troca de experiência”, categoria que emerge em menor proporcionalidade (33,33%) (anexo IV, resultado I) nas respostas dos idealizadores, traz à tona dois níveis de reciprocidade neste programa de atenção ao idoso. O

primeiro, já referido, diz respeito à relação universidade-comunidade. Trago aqui um trecho do que disse EI2, segundo quem: “nós pensamos em abrir, nós não pensamos só no idoso, nós pensamos também na academia, sabe? como você, que está tirando um pouco de proveito disso, na época também os estudantes para TCC, para as monografias, porque um assunto do momento né ... geriatria e gerontologia tudo ...” Interessante é, do meu ponto de vista, o que se desvela aí: do compromisso com a ação de “integrar”, deveria resultar conhecimento científico. Ora, o que está em causa é uma outra dimensão de “abertura”: é a universidade se abrindo para “aprender” com o velho para, assim, tentar “apreender” a velhice. Essa é a dinâmica a que se referia Moscovici relativamente à construção do conhecimento.

Portanto, se foi a partir do re-conhecimento de uma demanda que se implementou a UnATI-UNIFAL, se esperava, também, incrementar conhecimento como resultado de sua abertura à terceira idade. Note-se que, entretanto, da pesquisa, o velho participaria como sujeito investigado. Ao que tudo indica, não estava no horizonte dos idealizadores o velho na posição de pesquisador (produtor de conhecimento científico), como vimos nos modelos europeus de universidade aberta. Resta indagar porque essa outra posição não foi antecipada pelos idealizadores da UnATI-UNIFAL.

“Troca de experiência” é, ainda, uma categoria que refere, na resposta de EI2, convivência inter-geracional: “essa troca de... experiência do idoso com jovem e do jovem com o idoso. Então essa reciprocidade , essa troca era muito importante para o aprendizado tanto do jovem como do idoso”. Nesse sentido, o que está em jogo é menos a construção de um “saber científico” e mais a idéia de que se abrindo à terceira idade, a universidade, com seu grande contingente de alunos jovens, tornar- se-ia um espaço ainda mais marcado pela diversidade. Falar em aprendizado recíproco aí é apostar que conhecer implica lidar com a diferença, tirando “proveito” dela. Isso, para não dizer, que “reciprocidade” é significante contido em “integração”, como já assinalei.

No que concerne outra questão - “você já tinha feito algum trabalho específico com a terceira idade antes?” -, o número restrito de entrevistados jogou, de um lado, um papel fundamental na análise das respostas obtidas, dificultando o reconhecimento de um DSC: 50% declarou experiência anterior e 50%, não. Entendo que essa questão deveria ter sido mais específica, como: “que

tipo de trabalho você já tinha feito antes com a terceira idade?”, o que abriria a possibilidade de respostas, tais como: nenhum, de investigação científica, clínico, teórico, etc. Isso permitiria o elenco de um número maior de categorias. Como isso não foi previsto, não foi possível chegar a tal resultado. De outro lado, talvez se deva considerar que a resposta a tal questão envolve considerações bastante singulares, subjetivas, o que coloca empecilhos à sua representação coletiva.

A idéia central que orienta o DSC como resposta à questão “para a criação da UnATI em Alfenas, foi seguido algum exemplo ou modelo?”, por sua vez, se explicita no quadro abaixo:

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo Sim, outros modelos de UnATI foram

consultados

Obviamente que houve consultas a outros modelos prévios que já estavam em funcionamento. Inclusive, como fonte de inspiração. Trouxe, várias pessoas, assim, para apresentar os modelos ... como esse da UnATI do Rio. Os manuais de extensão ...

No DSC emerge uma representação na qual está em foco a necessidade de se levar em conta experiências bem-sucedidas para promover uma velhice bem- sucedida. Novamente, coloco ênfase no fato de que o “bem-sucedido” está em relação direta com a extensão universitária. O modelo da UnATI-UERJ é, então, explicitamente invocado. Talvez valha a pena, nesta discussão, destacar as bases sobre as quais ele se sustentava e a originalidade que comportava. Segundo Veras & Caldas, o diferencial deste programa pode ser resumido nas seguintes palavras:

visando assegurar qualidade às atividades planejadas, houve a preocupação com a utilização de metodologias que respeitassem as características dos alunos idosos. Levou-se em consideração o modo de repassar as informações, e com esta finalidade foram utilizados modelos pedagógicos específicos, que incorporam os valores, a cognição e as características próprias desta faixa etária. O idoso foi integrado a um espaço de pessoas mais jovens, oferecendo-lhe

atividades que pudessem ser bem assimiladas e que fossem relevantes quanto o são as atividades universitárias habituais para o público mais jovem (VERAS & CALDAS, 2004, p. 424)

Nessa afirmação, reconhece-se a influência do modelo da UnATI-UERJ sobre o programa da UnATI-UNIFAL, principalmente se levarmos em conta o reconhecimento da importância da convivência inter-geracional antes referida. Também na proposição de que as “atividades integrativas” deveriam contemplar a relação entre educação e a relevância do conhecimento para a vida dos participantes. É aí que a questão da “especificidade” ganha peso e parece conduzir o olhar pedagógico que se implementa na atividade extensionista da UnATI-UNIFAL. Mais uma vez, chamo a atenção para a representação da velhice que orientou a implementação desse programa: velho também aprende e ... pode ensinar. A aposta era a de que a promoção dessa dinâmica no espaço da universidade favoreceria o bem-estar físico, mental e intelectual dos seus freqüentadores. Em outras palavras, acrescentaria vida – com qualidade - aos anos vividos.

Reconheci, entretanto, que na afirmação de Veras & Caldas um certo limite se impõe à prática pedagógica quando em questão está a educação de velhos. Fiquei indagando o que seriam “atividades que pudessem ser bem assimiladas”? Ou, o seu contrário: “atividades que não pudessem ser bem assimiladas”? É certo que tal afirmação não esconde uma representação da velhice na qual se assume que essa etapa vital/existencial implica em limites, neste caso, cognitivos. Estaria aí reconhecida a dimensão de um “inelutável”19 que se impõe à velhice? Mas, será que tal reconhecimento não implicaria, de saída, uma idéia de previsibilidade relativamente à ela? Vale observar que no campo do humano, o imprevisível, às vezes, insiste em jogar suas cartas ...

Se essa representação mobilizou os docentes para implementação da UnATI-UNIFAL, passados oito anos de sua constituição, como eles concebem os efeitos das ações ali arregimentadas? Na tentativa de apreender seus desdobramentos, indaguei-lhes: “o que você acha do modelo da UnATI de Alfenas?”. A “idéia central” e o DSC, a ela relacionada, estão esclarecidos no quadro abaixo:

19

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo O modelo é bom, porém ... O modelo é bom, mas eu gostaria que

a proposta extensionista atingisse um público maior. Falta investimento. Ninguém é voluntário eterno.

O DSC, acima, deixa ver que há dois pontos, no modelo da UnATI-UNIFAL, que merecem atenção: o primeiro – “um público maior” –, ao contrário do que pode parecer, não é uma avaliação relativa ao número de pessoas que freqüentam o programa mas, sim, refere-se ao fato de que entre os freqüentadores há ausência (ou menor presença) de representantes de classes menos favorecidas (econômica e socialmente). Sobre isso diz EI1: “apesar de estarmos numa instituição pública, que teoricamente atrairia uma classe social menos favorecida, essa classe social não nos chegou, tá certo?”. Entendo que essa avaliação deva ser confrontada com os dados relativos à posição social dos entrevistados-freqüentadores para que possamos, de alguma forma, tentar verificar o que responderia por tal fato. De todo modo, é interessante notar que, na discussão sobre a emergência da categoria “terceira idade”, realizada no capítulo anterior, vimos que tal expressão parecia referir mais apropriadamente velhos de classes mais favorecidas. Será que isso se aplica aos freqüentadores da UnATI-UNIFAL? É o que procurarei esclarecer mais adiante.

Já o segundo ponto – “maiores investimentos” – comparece como questão na resposta do EI2: “por que... voluntário, tudo tem tempo determinado, ninguém é voluntário eterno. Eles já estão com 8 anos de voluntariado, dando aula de graça. Então, eu acho que esses professores vão acabar...deixando a UnATI”. É preciso assinalar que, em nenhum outro momento, tal questão configurou-se como problema no programa das UnATI’s, cuja retrospectiva realizei. Há aqui, parece-me, uma preocupação e uma crítica genuínas não só no que diz respeito à continuidade do programa, mas também à sua função social. Isso me faz lembrar um alerta feito por Hennington, segundo quem:

a última edição do Plano Nacional de Extensão Universitária, [...] ressalta que a intervenção na realidade não tem o objetivo de levar a universidade a substituir as atribuições de responsabilidade do Estado (HENNINGTON, 2005, p. 257).

Talvez a questão do voluntariado seja mesmo um problema a ser enfrentado neste programa de atenção ao idoso (e em todos os outros). Ele, de uma certa forma, denuncia que, pela via da extensão, pode abrir-se um outro espaço de omissão do Estado. “Outro” porque, como já assinalado, esse programa da UnATI- UNIFAL surge do reconhecimento de uma demanda de integração social: índice inquestionável de alguma omissão do Estado.

É preciso notar que a resposta a uma outra questão - “você acha que os objetivos foram atingidos?” – foi assertiva numa proporcionalidade de 66,67%. Contudo, 33,33% abordou a necessidade de se atingir e melhorar outros objetivos, levando à seguinte configuração:

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo A grande maioria, sim. O objetivo era tirar os idosos dos

hospitais, das filas, era a troca de experiências com os jovens, né? Esses alunos viraram professores. Mas o idoso, ele tem um potencial muito maior do que isso.

Entendo que essa idéia central esteja relacionada com a que se obteve como resposta à questão anterior. Os dois pontos “frágeis” – atingir a população de baixa renda e investir na remuneração dos professores – jogam um papel aqui. Mas, não só, já que no DSC aparece a idéia de que “o idoso tem um potencial maior do que isso”. Cabe tentar resgatar, então, que “potencial” precisa ser reconhecido para que a UnATI-UNIFAL cumpra plenamente seus objetivos. Parte da resposta de EI1 nos dá uma pista sobre isso: “a convivência, o trazer a pessoa, a integração, era o principal objetivo”. Mas, ao longo da entrevista, EI1 insiste em dizer que “a inteligência não diminui com a idade [...] eu criei um núcleo chamado Envelhecimento Saudável. Hoje, até, se eu pudesse criar, eu colocaria um outro nome: envelhecimento ativo”.

Ora, se, de um lado, novamente o que está em questão é a relação velhice/envelhecimento-saúde/doença, de outro, a experiência concreta de funcionamento da UnATI-UNIFAL revelou que a representação da velhice, tomada da UnATI-UERJ tinha mesmo algum limite. Lembro que, como afirmaram Veras &

Caldas (2004), procurou-se implementar, nessa última, “metodologias que respeitassem as características dos alunos idosos”. Tais características parecem, à luz das respostas dos entrevistados idealizadores, limitadas em relação ao potencial que se descobriu e que os freqüentadores da UnATI-UNIFAL sustentam.

Já à questão “o que você mudaria no modelo de Alfenas?”, houve uma distribuição uniforme (33,33%) das categorias discursivas “remunerar professores”, “inserir o idoso mais carente” e “manter disciplinas atuais”. Retira-se daí a seguinte idéia central e o respectivo DSC:

Idéia Central Discurso do Sujeito Coletivo A condição do voluntariado e a

ampliação da população-alvo

A Universidade precisa arrumar um caminho para remunerar os professores, procurar mais as comunidades mais distantes, mais carentes.

Como se vê, o DSC aqui está em perfeita sintonia com as respostas dadas às questões anteriores. E, a meu ver, ele indica a necessidade de fazer valer com mais força os ideais extensionistas que deram vida à UnATI-UNIFAL.

Cabe, agora, abrir a escuta para o depoimento daqueles para quem a UNIFAL se abriu - os idosos frenqüentadores - e recolher, daí, as representações que sustentam relativamente à sua própria condição de velhos, a relação que elas entretém com aquelas que responderam pela criação do programa e, eventualmente, as que estão ainda se constituindo como tais.

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