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Bases teórico-metodológicas

No documento MESTRADO EM GERONTOLOGIA SÃO PAULO 2009 (páginas 47-52)

CAPÍTULO 3 A UnATI-UNIFAL: REPRESENTAÇÕES DA VELHICE

3.2 Bases teórico-metodológicas

Em consonância com os pressupostos da Gerontologia Social, esse estudo lança mão da metodologia de pesquisa configurada na proposta encaminhada por Lefévre & Lefévre (2005), referida como “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC)15. A análise tem como ponto de sustentação o reconhecimento de que perspectivas quantitativas e qualitativas deveriam ser encaradas como perspectivas complementares, ou seja, como fases seqüenciais de um mesmo processo. Para os autores, estratégias qualitativas indicam o que é importante estudar em um dado contexto sócio-cultural, permitem identificar variáveis pertinentes e formular hipóteses culturalmente apropriadas; enquanto pesquisas quantitativas são construídas a partir de amostras representativas do grupo estudado, permitindo a testagem, replicação e validação das hipóteses formuladas16. O DSC é, de acordo com eles, uma metodologia de preparo ou processamento da matéria-prima dos depoimentos para que, sobre ela, possa vir a se revelar o que pensam as coletividades pesquisadas. O que se procura reconstituir – do ponto de vista quali- quantitativo – é um ser ou entidade empírica coletiva já que, como afirmam:

o social falando (estrutura estruturante) ou falado (estrutura estruturada) (Bordieu, 1990) nos indivíduos, na primeira pessoa do singular, é o regime natural de funcionamento das opiniões ou representações sociais (Lefévre & Lefévre, 2006, p. 519).

“Representação social” é, portanto, o conceito-chave que orienta a metodologia de pesquisa em questão neste trabalho. Tal conceito, forjado no âmbito da Sociologia por Durkheim (1898/1974), “atravessa as ciências humanas” (ARRUDA, 2002: 128) e torna-se fundamental na área de Psicologia Social, com os trabalhos de Moscovici (1961) e Jodelet (1989). Daí, ele se desdobra para outros campos do conhecimento – saúde, educação, didática, meio ambiente, entre outros – que, de uma maneira ou de outra, voltam o foco para a relação indivíduo-sociedade. Isso porque, diz Franco (2004), pode-se considerar que a abordagem e a realização de

15 Que, de acordo com Lefévre & Lefévre (2000), é uma proposta metodológica para pesquisas

sociais que buscam descrever e interpretar representações sociais.

pesquisas sobre representações sociais sejam ingredientes indispensáveis para a melhor compreensão de uma sociedade.

A teorização de Moscovici sobre “representação social”, realizada no início dos anos 1960, só vai ganhar força no campo da ciência, atenta Arruda (2002), no início dos anos 1980. Esse lapso de tempo ocorreu, diz ela, porque o trabalho do autor rompe teórico-metodologicamente tanto com o paradigma behaviorista (Psicologia), como com o do determinismo da infra-estrutura (Ciências Sociais)17. Deve-se dizer que “a Teoria das Representações Sociais – TRS – operacionalizava um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e em sua diversidade” (ARRUDA, 2002, p. 129) (ênfase minha). Isso porque, na ótica de Moscovici, tanto o pensamento primitivo, como o senso comum ou a ciência são formas de representação da realidade e é na trama de seus entrecruzamentos que se movem indivíduos e coletividades.

Cada uma dessas formas de significar a realidade produz, como efeito, diferentes pontos de vista. Isso porque propósitos diferentes estão em jogo em cada uma dessas formações sociais. Neste sentido, Arruda afirma que:

O universo consensual seria aquele que se constitui principalmente na conversação informal, na vida cotidiana, enquanto o universo reificado se cristaliza no espaço científico, com seus cânones de linguagem e sua hierarquia interna. Ambas, portanto, apesar de terem propósitos diferentes, são eficazes e indispensáveis para a vida humana. O conhecimento do senso comum não é um conhecimento corrompido ou distorcido, mas é o lugar onde o conhecimento científico se junta ao senso comum produzindo redes de comunicação, tornando a sociedade viva (ARRUDA, idem, p. 130).

A referida autora nos faz lembrar que a teorização encaminhada por Moscovici, para além de reconhecer diversas racionalidades, reabilita o saber popular e a experiência vivida. Nessa medida, deve-se levar em consideração que:

17 Quando se fala em determinismo da infraestrutura, o que está em questão é uma certa leitura

marxista que “tendia a atrelar o desenvolvimento superestrutural à infraestrutura” (ARRUDA, 2002: 129). O trabalho de Althusser abre caminho para o de Moscovici na medida em que coloca em cena a possibilidade de “encarar com mais tranqüilidade a diversidade de produção de pontos de vista dentro de uma mesma classe social” (idem, ibidem).

o sujeito do conhecimento é um sujeito ativo e criativo, e não uma

tabula rasa que recebe passivamente o que o mundo lhe oferece,

como se a divisória entre ele e a realidade fosse um corte bem traçado (idem, p. 134).

Mas isso não quer dizer que as representações não sejam “da natureza mesma dos grupos sociais que as criam” (OLIVEIRA,2004, p. 183). Note-se que o conceito moscoviciano de “representação social” envolve uma complexidade que decorre do compromisso desse autor com a explicitação do que está em causa no objeto da Psicologia Social:

“[refletir] sobre como os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural, etc. ..., por um lado, e por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos. Em suma, como interagem sujeitos e sociedade para construir a realidade, como terminam por construí-la numa estreita parceria – que, sem dúvida, passa pela comunicação” (ARRUDA, 2002, p. 128).

É no conceito de themata que Moscovici tenta explicitar melhor esse jogo entre o social e o individual no interior da TRS. Partindo da hipótese de que as representações sociais não derivam de apenas uma sociedade “mas das diversas sociedades que existem no interior da sociedade maior” (OLIVEIRA, 2004, p. 184), o autor propôs que, em meio à pluralidade de associações humanas, idéias (temas) gerais operam e produzem impacto nas dinâmicas subjetivo-sociais. Ele toca aqui no problema teórico que envolve a dicotomia generalidade x singularidade no campo das ciências humanas, uma vez que tal conceito “nos permite ver o detalhe e a generalidade em cada investigação particular, sem perder de vista a dimensão social presente em ambos” (idem, p. 185). Nesta perspectiva, talvez possamos pensar que a velhice e/ou o processo de envelhecimento constituem um tema que perpassa todas as sociedades. Mas, o conhecimento que se constrói dele depende da sociedade na qual está inserido o sujeito cognoscente e, conseqüentemente, da dinâmica subjetivo-social que se lhe impõe.

Portanto, quando falamos em representações sociais, o que está em jogo são elaborações mentais construídas socialmente a partir da dinâmica que se estabelece entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Há dois processos que, segundo Moscovici, fundamentam tal relação: (1) o processo de objetivação, aquele através do qual as representações assumem uma forma concreta, seja através de imagens produzidas, seja através de objetos.: "objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia [...] é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância” (MOSCOVICI, 2000/2007, p. 71); (2) o processo de ancoragem que, por sua vez, é aquele que produz a aproximação daquilo que é estranho (perturbador e sem sentido) a uma representação familiar. Neste processo, entretanto, deve-se manter a potência do estranhamento para que o “novo” não seja sobre-codificado pelas categorias pré-existentes.

Entende-se porque na metodologia do DSC, que se apóia no conceito de “representação social”, recolhem-se representações acerca de um determinado objeto através de entrevistas individuais, com questões abertas, em que três operadores /operações orientam a análise do material, quais sejam:

1- Expressões-chave = trechos selecionados do material verbal de cada depoimento que melhor descrevem seu conteúdo.

2- Idéias-centrais = fórmulas sintéticas que indicam efeitos de sentido(s) presentes nos depoimentos, em cada resposta e, também, no conjunto de respostas de diferentes indivíduos que apresentam sentido semelhante ou complementar.

3- Ancoragens = idéias-centrais, fórmulas sintéticas que referem ideologias, valores, crenças, presentes no material verbal das respostas individuais ou agrupadas, sob a forma de afirmações genéricas destinadas a enquadrar situações particulares. Na metodologia do DSC, considera-se que existem ancoragens apenas quando há, no material verbal, marcas discursivas explícitas dessas afirmações genéricas. Os DSCs são, portanto, a reunião das expressões- chave presentes nos depoimentos, que tem idéias -centrais e/ou ancoragens de sentido semelhante ou complementar.

Para terminar essa breve discussão, entendo ser necessário trazer à luz algumas críticas dirigidas aos dispositivos metodológicos que se fundamentam no conceito de representação. Para tal, tomo o trabalho de Almeida (1999) como exemplar da oposição que a eles se faz. Segunda a autora, as ciências sociais têm encontrado limites no uso da categoria de “representação social” para problematizar a complexa e crucial relação sujeito/objeto. Ela faz referência à reflexão encaminhada por Velho (1995), autor que teria apresentado uma abordagem alternativa ao conceito de representação – em que, segundo ele, se privilegia o contexto (“localização sociológica”) no qual se insere o sujeito – quando introduz, na análise, a noção de texto, tomado de Ricoeur que deixa ver que um evento “transcende as condições sociais de sua produção” (Ricoeur, 1984, apud Velho, 1995: 187).

Para Almeida, é mesmo preciso reconhecer a necessidade de uma abordagem alternativa já que a noção de representação estaria fundamentada num modelo que limita a escuta do pesquisador para o conteúdo dos discursos dos sujeitos:

a noção de representação, ao tratar de um modelo de produção discursiva simples, deixa de atentar, por exemplo, para a problematização de ‘quem fala’ no sujeito. E levar em conta este maior ‘esquadrinhamento’ e detalhe de aspectos e áreas dentro do sujeito é um dos procedimentos que fazem parte desta abordagem alternativa ao ‘escopo’ mais restrito e ‘sociologizante’ deste conceito (ALMEIDA, 1999, p. 144).

Nessa perspectiva, há um plano “sociologicamente invisível”, que implica tensões, conflitos, gestos, atitudes, que se manifestam no contexto relacional e que não podem ser considerados nos dispositivos de análise, porque não cobertos pelo conceito de representação. Na sua visão, “traços e características singulares e únicos da subjetividade só são despertados e produzidos como categorias discursivas nos jogos da intersubjetividade” (idem, p. 146).

As palavras dessa autora soam pertinentes para mim porque, na realização da tarefa que me cabia neste capítulo (interpretar os dados coletados em entrevistas), confrontei-me com “falas” que ofereciam resistência à reunião em categorias mais gerais, tais como as postuladas no DSC. Por isso, procuro dar um passo, também, em direção ao singular: abrir a escuta não apenas para aquilo que

aparece como recorrente na fala dos vários sujeitos tomados simultaneamente (e que se aglutina nos operadores do DSC como “expressões-chave”, “idéias centrais”), mas para a particularidade que se instancia em cada uma das falas tomadas sucessivamente. De fato, entendi que o que não se repetia nos depoimentos, deveria ganhar expressão aqui para que se chegasse mais perto de representações subjetivas da velhice que estão/estiveram em movimento nos encontros entre tais sujeitos.

No documento MESTRADO EM GERONTOLOGIA SÃO PAULO 2009 (páginas 47-52)

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