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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO NATÁLIA LIRA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

NATÁLIA LIRA

O PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL DA PROSTITUIÇÃO E A

REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE NO BRASIL

(2)

NATÁLIA LIRA

O PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL DA PROSTITUIÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso submetido

à Coordenação do Curso de Graduação em

Direito, da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial para a obtenção do

grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Penal

Orientador: Prof. Dr. Fernando Basto

Ferraz

FORTALEZA

(3)

NATÁLIA LIRA

O PROCESSO DE EXCLUSÃO SOCIAL DA PROSTITUIÇÃO E A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE NO BRASIL

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito, da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Direito.

Aprovada em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dr. Fernando Basto Ferraz (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_______________________________________________ Bruno Cunha Weyne

Universidade Federal do Ceará - UFC

_______________________________________________ Martha Pryscilla Monteiro Joca Martins

(4)

(5)

Um dia notei que apesar de ser discriminada pela sociedade, o meu trabalho de prostituta era importante. Meus amigos e parentes não sabiam de minha vida, mas também não se interessavam, tanto que nunca me perguntaram como vivia, se meus filhos e eu comíamos, como nos vestíamos...

O meu trabalho de prostituta era importante, apesar de ter o peso da culpa imposto pelos conservadores e pela sociedade em geral. Meu trabalho era mais que importante. Dele eu tirava os sustento dos meus filhos, dava-lhes estudos e construí minha casa, sem pesar ninguém da minha família e amigos. Me achei importante!

Sou hoje capaz de lutar pelas amigas que dependem da prostituição com uma visão diferente.

Espero que nossa organização alcance o máximo, e que para o futuro estejamos totalmente organizadas.

Espero que surja, dentro de cada uma, a importância que despertou dentro de mim um dia. Afinal, somos seres humanos, cidadãs como outra mulher.

O mais importante quando realizamos um trabalho é acreditarmos nele. Isso nos dá a maior força para continuarmos. Isso tem sido fundamental para prosseguirmos hoje. A atual situação com que esbarramos em cada esquina nos traz muitos questionamentos: os menores abandonados, os idosos.

Como é triste, como nos corrói. Termos que passar cada esquina, por cada viaduto da vida e nada. Temos que nos organizar de qualquer forma, para que nossa voz seja ouvida.

Isto não deve ser preocupação somente de nossa associação, mas de todos que querem o bem-estar social. Nos perguntamos diante de tantas desigualdades com que somos obrigados a conviver, onde está a democracia deste país?

(6)

RESUMO

Avalia-se a possibilidade da regulamentação da prostituição no Brasil como

possível alternativa ao processo de exclusão social que afeta as pessoas envolvidas com

esse fenômeno. Expõe-se os principais elementos culturais que contribuíram para a

marginalização e conseqüente processo de exclusão social desses indivíduos. Relata-se

a importância do movimento social de defesa das prostitutas para a mudança da

perspectiva da prostituição como doença social ou exploração sexual, propondo em

contrapartida a abordagem laboral da atividade. Traça-se um panorama do atual

tratamento jurídico dispensando ao fenômeno da prostituição no Brasil e suas

implicações na construção da realidade social desta atividade. Analisa-se as principais

iniciativas no sentido da regulamentação da prostituição já propostas no país.

(7)

ABSTRACT

This paper assesses the possibility of a regulation for prostitution in Brazil as a possible

alternative to the process of social exclusion that affects people involved with this

phenomenon. It sets out the main cultural elements that contributed to the marginalization

and, consequently, these individuals process of social exclusion. The study reports the

importance of the social movement in defense of prostitutes in order to change the perspective

of prostitution as a sexual exploitation issue or social disease, proposing, however, an

approach of the activity as a labor

.

The argumentation provides an overview of the current

legal treatment afforded to the phenomenon of prostitution in Brazil and its implications for

the construction of social reality of this activity. Considerations examine the main initiatives

already proposed about regulation of prostitution in the country.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...09

2 ASPECTOS SOCIAIS DA PROSTITUIÇÃO ...11

2.1 Conceito de prostituição...11

2.2 A estigmatização da prostituição como fator de exclusão social...12

2.3 Movimento social em defesa dos direitos das prostitutas no Brasil...18

3 ABORDAGEM DA PROSTITUIÇÃO PELO DIREITO PENAL...21

3.1 Sistemas proibicionista, abolicionista e regulamentarista...21

3.2 Tipos penais relativos à prostituição no Brasil...25

3.2.1 Mediação para servir a lascívia de outrem...27

3.2.2 Favorecimento à prostituição...28

3.2.3 Casa de prostituição...30

3.2.4 Rufianismo...34

3.2.5 Tráfico internacional de pessoas com finalidade de exploração sexual...35

3.2.6 Tráfico interno de pessoas com a finalidade de exploração sexual...37

4 REGULAMENTAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO BO BRASIL...38

4.1 Regulamentação desestigmatizante...39

4.2 A prostituição como profissão...40

4.3 Projetos de Lei...46

4.3.1 Projeto de Lei nº 3436/1997 ...47

4.3.2 Projeto de Lei nº 98/2003...50

4.3.3 Projeto de Lei 4.244/ 2004...53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...55

REFERÊNCIAS...59

ANEXO A – Projeto de Lei nº 98/2003...63

(9)

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, desde a época em que as grandes cidades brasileiras começaram

seu processo de urbanização, a prostituição passou a ser considerada um problema

social, pois, segundo a visão dominante naquele período, atentava contra a moralidade e

a saúde pública. Assim, apesar de não haver qualquer tratamento legal específico a

respeito da questão, as autoridades policiais e médicas desenvolveram mecanismos de

repressão e controle que visavam à regulamentação estatal do exercício do meretrício.

Essa regulamentação, no entanto, nunca logrou o êxito esperado, perdendo

espaço para o sistema abolicionista, que se revela como sendo fruto da luta do

movimento feminista contra as arbitrariedades cometidas pelas autoridades públicas em

detrimento de todas aquelas mulheres suspeitas de exercerem a prostituição, uma vez

que se fundamentavam na concepção da prostituição como forma de exploração sexual.

A partir deste momento, essa nova visão proposta pelo movimento feminista

foi se consolidando como sendo a mais adequada para tratar a questão da prostituição,

levando-se em consideração o processo de mudança de valores sociais predominantes à

época. Assim, na atualidade, o modelo abolicionista é o recomendado pela Organização

das Nações Unidas (ONU), sendo adotado pela maioria dos países ocidentais.

Hoje, o Brasil é partidário da tese abolicionista para o tratamento da

prostituição. Assim, de acordo com este entendimento, considerando a prostituição fruto

da dominação masculina, sendo a prostituta apenas uma vítima dessa situação, o

referido modelo objetiva a eliminação da atividade pela criminalização de condutas que

pretendam a sua promoção ou a sua exploração, sem punir, no entanto, a prostituta.

Na década de 60, com o crescente questionamento dos valores sociais

daquele período e o conseqüente advento de diversos movimentos sociais, como os de

defesa de direitos das mulheres, homossexuais, negros etc., as prostitutas começam a

reivindicar o direito à autodeterminação, ou seja, de construir a própria identidade, e é

só a partir daí que começa a delinear-se a perspectiva da prostituição como um trabalho.

Em 2000 e 2002, foram aprovadas as regulamentações da prostituição,

(10)

acontecimento, o movimento de prostitutas no Brasil, que já vinha desenvolvendo ações

nesse sentido no país, apóia, em 2003, o Deputado Federal Fernando Gabeira na

propositura do Projeto de Lei nº 98/ 03, que visava regularizar o exercício da atividade.

Poucas não foram as críticas a essa proposta no país, os setores mais

conservadores da sociedade, apoiados em visões estigmatizadas da prostituição, como a

de que atividade constitui ato imoral, mal necessário ou doença social, defendem os

mais diversos argumentos contra essa regulamentação, de acordo com essas percepções.

Como o país não é adepto deste modelo de tratamento, havendo apenas

conjecturas a respeito do tema, esta questão geralmente fica relegada apenas à

abordagem sociológica. No entanto, é perceptível que alguns dos pontos suscitados pela

possível aprovação ou não do modelo regulamentarista espraiam-se na seara jurídica.

O foco desta pesquisa será, assim, a análise das principais questões jurídicas

que envolvem o tema, com vistas a verificar as reais possibilidades de aprovação dessa

proposta no Brasil, reconhecendo é claro que, mesmo vencendo estas questões, não há

que se desconsiderar o fator sócio-cultural que envolve assuntos desta envergadura.

Diante do exposto, esta Monografia pautar-se-á, sobretudo, na importância

da regulamentação da prostituição para a melhoria de vida de quem exerce esta

atividade no país. Desta feita, teceremos breves considerações a respeito dos aspectos

sociais que contribuíram para a construção da realidade na qual se insere a atividade.

Já de posse dessas questões, partiremos para uma abordagem do atual

tratamento jurídico dispensado ao fenômeno da prostituição no país. É preciso que se

ressalte de antemão que, na verdade, esse tratamento resume-se às atividades periféricas

à atividade, obedecendo ao preceituado pelo modelo de tratamento vigente no país, não

existindo qualquer disposição legal sobre a atividade em si, senão a mera abstenção.

No último momento deste estudo, trataremos do tema da regulamentação em

si, verificando em que consiste essa proposta de regulamentação da prostituição, no

contexto de evolução do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, faremos algumas

considerações sobre a possibilidade jurídica de se considerar a prostituição como uma

(11)

2 ASPECTOS SOCIAIS DA PROSTITUIÇÃO

O tema deste trabalho erige-se, notadamente, sobre a possibilidade jurídica

de regulamentação da prostituição no Brasil, analisando a importância de uma eventual

adoção desse sistema na construção de uma nova realidade social para quem exerce a

atividade no país, considerado o Direito como forte elemento de transformação social.

A prostituição é um fenômeno eminentemente social, complexo e

multifacetado. Desta feita, é importante salientarmos que “o debate da prostituição

como profissão exige reflexões amplas, não se restringindo somente aos processos

legais para inserí-la como uma categoria a mais no sistema formal de trabalho”. 1

Considerando o exposto, pretendemos abordar, neste capítulo, elementos

sociais pertinentes, que necessariamente são afetados, ao se tomar sob a ótica jurídica a

prostituição. Porém, isso será feito não com a profundidade almejada, em virtude da

complexidade da atividade prostitucional aliada às limitações naturais deste trabalho.

2.1 Conceito de prostituição

Tratar do tema da regulamentação da prostituição nos leva forçosamente a

delimitar o que se entende por “prostituição”. Em razão de a atividade ser considerada

uma prática milenar, encontrando-se presente em praticamente todas as civilizações, as

cargas histórica, social e cultural que permeiam o conceito, não raras vezes, fazem com

que este se torne deveras abrangente. Assim, neste tópico, pretende-se aclarar eventuais

discussões a respeito de que comportamentos deverão ser entendidos como prostituição.

É elucidativo a respeito dessa questão o discurso de Carole Pateman2:

Traçar a linha entre amadora e mulheres engajadas na profissão, em nossa sociedade não é sempre fácil, pois perfis específicos e situados em diversos períodos históricos acabam por ser reunidos num mesmo conglomerado. [...] O mesmo significado social é atribuído a atividades tão díspares quanto, digamos, a prostituição religiosa na Antiga Babilônia, a venda de corpos de mulheres carentes em troca de comida para elas próprias e seus filhos, “a escravidão branca”, os bordéis para as tropas, a oferta de mulheres aos

1

GUIMARÃES, Katia; MERCHÁN-HAMANN, Edgar. Comercializando fantasias: a representação social da prostituição, dilemas da profissão e construção da cidadania. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 13, set/ dez. 2005. Disponível em: < http://www.scribd.com/doc/7275849/Comercializando-Fantasias-a-Representacao-Social-Da-Prostituicao > Acesso em: 03 de maio 2010, p. 528.

2

(12)

descobridores brancos, as maisons d’abattages ou a prostituição malaya, em Nairóbi.

A prostituição é por vezes associada ao comportamento sexual desregrado,

ou seja, a prática sexual com parceiros diversos, não se levando em conta para essa

conceituação outros aspectos relevantes. Desta feita, dada a natureza científica deste

trabalho, basearemos nosso estudo no entendimento de que a prostituição moderna, que

se afigura como fruto do sistema capitalista, sendo, consequentemente, moldada por

seus fundamentos, relaciona-se essencialmente a uma contraprestação pecuniária.3

A despeito de o caráter retributivo da prostituição ser o elemento de maior

relevo para o conceito, é de salutar importância também a “habitualidade” no exercício

da atividade, ganhando por vezes esta ares de profissão, donde quem se prostitui extrai

sua renda, se não através do exercício exclusivo da atividade, através da realização

freqüente desta como forma de implemento dessa renda. Assim, a prostituição pode ser

entendida como sendo a prática de entregar-se habitualmente aos tratos sexuais com

pessoas mais ou menos determinadas, configurando esta como um meio de vida. 4

2.2 A estigmatização da prostituição como fator de exclusão social

A prostituição na atualidade é considerada pelo senso comum uma atividade

degradante da condição humana, humilhante e maléfica, ao expor quem a pratica a

diversos perigos como a violência das grandes cidades, ou o contágio por doenças

sexualmente transmissíveis, sendo exercida muitas vezes por pessoas viciadas em

drogas, com baixos níveis de renda e escolaridade e sem nenhuma perspectiva de vida.

3

Abro espaço para tecer considerações no que concerne à relação da prostituição com o capitalismo, já que um dos argumentos mais calorosos das feministas fundamentalistas em desfavor da prática da prostituição refere-se ao fato de a atividade, segundo esse entendimento, constituir uma exploração oriunda do pensamento baseado na dominação masculina, que faz da mulher mero objeto de satisfação do prazer sexual do homem. Destaco, porém, que essa conjuntura outrora vigente em nossa sociedade, e que se encontra ainda presente, mas sem gozar da mesma hegemonia, interfere sem dúvida no fato de essa atividade estar primordialmente associada ao ser feminino, já em relação à proclamada exploração é preciso contextualizá-la dentro desse sistema econômico, em que há exploração de todo e qualquer tipo de trabalho, com a prostituição não seria diferente, é o máximo lucro com o mínimo gasto.

4

(13)

Segundo Ricardo Vieralves de Castro5,

Nesses discursos o que define a ‘perversão’ nas práticas sexuais é o ‘não-natural’, o que se opõe à natureza. Dessa maneira, as práticas sexuais devem ser catalogadas, classificadas e analisadas na construção dualista do lícito e do ilícito. [...] Assim sendo, a melhor maneira de justificar a prostituição no âmbito das práticas sexuais ilícitas é atribuir individualmente a responsabilidade. As prostitutas passam a ser consideradas com graves problemas estruturais enquanto mulheres, a saber: de ‘personalidade’; de ‘capacidade para o estabelecimento de juízos’; de ‘incapacidade mental’; de ‘ordem fisiológica’ etc.

Não discordando de que algumas das hipóteses suscitadas por essa visão

sejam verificáveis, estando a prostituição, muitas vezes, relacionada a condições de vida

extremamente precárias, vê-la unicamente a partir destes elementos é correr o risco de

ser reducionista, abarcando apenas parte da situação desse fenômeno tão complexo.

Carlos Silveira6, em estudo baseado na prostituição de baixo meretrício,

esclarece que “é na prostituição da pobreza, no mais baixo nível sócio-econômico da

atividade, que a discriminação incide de modo mais contundente e dramático, pois a

ausência de alternativas estimula uma concretização mais palpável do estigma.”

Desta feita, é possível encontrar nessa atividade tanto pessoas que se

encaixam nas situações anteriormente citadas, como também aquelas que dispõem de

boas condições de vida, prostituindo-se, assim, por razões que vão além da mera

subsistência, visto que poderiam exercer diversas outras atividades como fonte de renda.

Ressalte-se ainda que, até na prostituição atrelada às camadas mais pobres, muitas

vezes, o exercício da atividade é realizado por vezes para a compra de bens supérfluos.

Considerando a sociedade como um todo dinâmico, o que vem

determinando a estigmatização da prostituição é a constante afirmação de valores

preconizados por uma moral hierarquicamente estabelecida, que impõe rótulos a todos

aqueles que ousam transgredir os paradigmas oferecidos, de acordo com o exposto,

não existem desviantes em si mesmo, mas sim, pessoas que são identificadas por outros como fazendo uma “leitura” que diverge das normas convencionais. Portanto, o desvio não está no indivíduo, nem na “leitura” que ele exerce, mas ma identificação, rotulação, atribuição de divergências que as pessoas acionam diariamente umas às outras.7

5

CASTRO, Ricardo Vieiralves. Representações sociais da prostituição na cidade do Rio de Janeiro In: SPINK, Mary Jane Paris (org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 172-173.

6

ANJOS JUNIOR, Carlos Silveira Versiani dos. A serpente domada: um estudo sobre a prostituição de baixo meretrício. Fortaleza: UFC, 1983, p. 15.

7

(14)

Assim, a prostituição, ao longo de sua história, foi predominantemente

associada ao feio, sujo e imoral. A sociedade, entendendo que devia se proteger da

“contaminação” e dos prejuízos que essa atividade trazia para suas instituições,

desenvolveu práticas voltadas à eliminação e, empós, quando começa a se desenvolver a

idéia da prostituição como um “mal necessário”, à marginalização da atividade.

Essa concepção da prostituição apóia-se, sobretudo, em um paradigma

moral caracterizado pela redução do ato sexual à sua função reprodutiva. Nesse

contexto, essa atividade é considerada como transgressora e anormal, já que nela a

prática sexual estaria se realizando unicamente pela busca do prazer em troca de

vantagem econômica.

Assim, de acordo com esse entendimento,

as prostitutas são tidas como perigosas por atentarem contra a própria natureza sexual, que deveria ser canalizada, segundo a moral judaico-cristã, antes para a reprodução do que para o prazer. Estigmatizam-se as prostitutas como as vilãs que atentam contra a família estruturada; são acusadas de colocar em risco a honra e os “valores” da sociedade. Há ocasiões em que aparecem como um “mal necessário”, que protege e ao mesmo tempo ameaça o casamento, contudo devem ser marginalizadas em um espaço construído por certos limites, que elas não podem extrapolar sem risco de serem perseguidas, punidas, ou encarceradas.8

Na Idade Média, não obstante a discriminação sofrida pelo simples fato de

ser mulher, em virtude de a misoginia ser um pensamento predominante à época, as

prostitutas eram ainda tidas como a encarnação do mal. Ao lado das bruxas, e de todos

que fossem considerados hereges, queimaram nas fogueiras da Inquisição. No entanto,

em que pese as atrocidades cometida nessa época, a prostituição continuava a existir.

Santo Agostinho, a partir daí, inaugura a concepção do meretrício como

sendo um mal necessário, termo que encerra a idéia de que a prostituição mesmo

ferindo a moral e os bons costumes, causando danos à sociedade, seria necessária na

medida em que absorveria as perversões sexuais masculinas, que, caso não fossem

satisfeitas, poderiam colocar em risco a honra da família e das mulheres “honestas”.

Diante dessa impossibilidade de eliminação da prostituição, a solução para

esse conflito seria a tolerância do exercício da atividade, concretizando-se através de

ações segregacionistas, sobretudo, através da determinação de locais específicos nos

8

(15)

quais essa atividade poderia ser exercida, em detrimento, assim, dos demais espaços

físicos e sociais, colocando quem exerce a prostituição em situação de marginalização.

O regulamentarismo, então, constituiu uma forma de sistematização, por

parte do Estado, dessas idéias vigentes, tendo sido este o modelo predominante nos

países europeus, no séc. XVIII, época que coincide com o aumento da urbanização das

grandes cidades européias, principalmente em virtude da Revolução Industrial, fato que

contribuiu incontestavelmente para o aumento da prática da prostituição nessas cidades.

No final do séc. XIX, à semelhança do processo ocorrido nos países

europeus, no Brasil, a partir da industrialização e da urbanização das principais cidades

brasileiras, o exercício do meretrício passou a ser tido como um grave problema de

ordem social, sendo, consequentemente, severamente reprimido. Saliente-se que,

anteriormente, as manifestações desta atividade, como assinala Marlene Teixeira9,

coexistiam com a sociedade dita estabelecida sem acarretar maiores problemas. Mais que isso, assim como a sexualidade, as questões relacionadas à prostituição não se incluíam na pauta de debates que mobilizavam a sociedade no período. O fato de as prostitutas nesse período, exercerem a atividade basicamente entre quatro paredes, o confinamento doméstico a que as mulheres ditas de família eram submetidas e a incipiente sociabilidade urbana eram fatores determinantes dessa situação.

João Batista Mazziero10 esclarece que, a partir desta constatação, “alegando

que nas ruas onde se explorava o meretrício as decaídas exibiam-se escandalosamente,

ofendendo o pudor público, falando palavras obscenas ou provocando transeuntes ao

deboche, as autoridades policiais procuravam enquadrar estes atos como crimes.”

A repressão à atividade, nesse período, restringia-se ao âmbito policial, não

havia uma legislação específica voltada para a questão da prostituição, assim geralmente

essa repressão se dava através do enquadramento do comportamento das prostitutas em

crimes como atentado ao pudor, vadiagem, descumprimento de preceitos sanitários etc.

Começam, a partir daí, as investidas regulamentaristas no país, influenciados

pela idéia de que a prostituição constituía um “mal necessário” e pela teoria da pureza

9

RODRIGUES, Marlene Teixeira. Polícia e prostituição feminina em Brasília: um estudo de caso. 2003. 369 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2003. Disponível em: <http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/1585/11/2003_Marlene_Teixeira_Rodrigues.pdf > Acesso em: 03 de maio 2010, p. 38.

10

(16)

social. As autoridades públicas, principalmente, médicos e policiais, pautados em

condutas arbitrárias, confinavam as meretrizes a determinados locais da cidade,

utilizando-se, para tanto, de métodos como ducha de água fria, surras e raspagens de

cabelo.

Ainda segundo Mazziero11,

o sistema de regulamentação policial tinha a nítida função de controlar a moral e a higiene. De um lado, tanto a moral quanto a saúde burguesa deviam ser preservadas, de outro, colocava-se a necessidade de defender a moral pública dos "escândalos e exibições" promovidos pela prostituição.

Ainda que esse sistema não encontre mais fundamento em nosso

ordenamento jurídico, é inegável a contribuição dele para a construção da realidade

social da prostituição no país. Esse confinamento físico, além de marginalizar a

atividade, aproximando-a de tudo que a sociedade considera prejudicial a ela, como uma

espécie de lixeira social, opera subjetivamente naqueles que exercem a prostituição.

Essa faceta subjetiva consiste, valendo-se dos próprios termos que esse

grupo social utiliza, numa divisão entre “mundo de dentro” e “mundo de fora”. Essa

divisão psicológica, originária do confinamento espacial, funciona como um mecanismo

de sobrevivência, necessária para que estes indivíduos sejam “aceitos” em sociedade.

O mundo de dentro é o mundo que se realiza em determinados locais,

momentos ou situações. Nele, a prostituição é considerada uma atividade normal, como

qualquer outra a mais na “zona”, assim não há do que se envergonhar, não há o que

temer, aqui, para conseguir realizar a atividade com satisfatoriedade, é preciso agir com

despudor, exercitar ao máximo sua sensualidade para atrair clientes e ganhar dinheiro.

No mundo de fora, quem exerce a prostituição precisa negar essa condição

pra ser aceito socialmente, valorizado e respeitado, num subterfúgio ao pensamento de

que estes sujeitos, à semelhança do que ocorre com todos aqueles que se encontram em

situação de marginalização, não são dignos de direitos por serem seres inferiores.

Desta forma, temos que,

Muito embora o estigma seja experimentado, no caso em questão pelas prostitutas, de forma subjetiva, é importante ressaltar a sua construção coletiva. Nessa perspectiva, o estigma pode ser considerado como dispositivo de controle cujo objetivo é a manutenção, em alguns grupos que exibem uma

11

(17)

diferença indesejável, do sentimento de menos-valia social imputado a eles. Essa percepção determina inexoravelmente a sua desqualificação como Sujeitos de Direito que, ao mesmo tempo em que vêem negada a sua cidadania, negam-se a conquistá-la. 12

Essa manifestação do estigma, que priva essas pessoas do acesso a direitos

em virtude da ocupação que exercem, fica mais evidente quando os mais diversos tipos

de violência ou descaso em relação às suas demandas sociais acabam sendo justificados

dado o fato de a atividade ser considerada como contrária à moral e aos bons costumes.

A despeito de o Brasil já haver desde antes dessa data criminalizado

condutas que visassem à exploração da prostituição, o país formalizou a opção pelo

modelo abolicionista através da adesão à Convenção de Lake Sucess, em 1959,

compactuando com seus preceitos que enfatizam, segundo explica Castilho13, a

obrigação do Estado de desenvolver ações voltadas à prevenção, reeducação e

readaptação das mulheres que se prostituem, além de abolir qualquer regulamentação ou

vigilância dessas pessoas.

O sistema abolicionista foi pensado inicialmente pelo movimento feminista

da Inglaterra, em resposta a aprovação, no país, das “Leis de Doenças Contagiosas”, que

impunham a realização de exames ginecológicos supervisionados pela polícia e o

registro obrigatório de mulheres da classe operária suspeitas de exercer a prostituição.

Assim, o referido modelo baseia-se no entendimento de que as prostitutas seriam, na

verdade, vitimas, devendo ser resgatadas ou reabilitadas, e não policiadas ou punidas.

Desta feita, depreende-se do exposto, que o abolicionismo, apesar de revelar

uma evolução em relação ao pensamento regulamentarista, assemelha-se a este sistema

ao perpetuar estigmas em relação à prostituição, uma vez que fundamentado na visão

reducionista, exposta no início deste tópico, de que quem exerce a atividade o faz

compelido pelas circunstâncias sociais, e não pela manifestação livre da vontade.

Ressalte-se ainda que essa tentativa de introdução de uma nova perspectiva

em relação à prostituição não foi suficiente para desconstituir o estigma anteriormente

predominante. Assim, convivem na atualidade as mais diversas visões acerca da

12

GUIMARÃES, Katia; MERCHÁN-HAMANN, Edgar. Comercializando fantasias: a representação social da prostituição, dilemas da profissão e construção da cidadania. Estudos Feministas, Florianópolis, n. 13, set/ dez. 2005. Disponível em: < http://www.scribd.com/doc/7275849/Comercializando-Fantasias-a-Representacao-Social-Da-Prostituicao > Acesso em: 03 de maio 2010, p. 531.

13

(18)

prostituição, ora considerando-a uma atividade demoníaca, ora apenas uma

manifestação da dominação masculina, que trata a mulher como mero objeto sexual.

Nesse contexto, fica explícito que a sociedade brasileira ainda não sabe

lidar com o fenômeno da prostituição, pois, notadamente em decorrência dessa

concepção marginalizada da atividade, não são raros os casos de violência, humilhação,

segregação e discriminação social sofridos por quem exerce a atividade, praticados não

apenas por aqueles que a sociedade julga exploradores, mas por toda essa sociedade.

2.3 Movimento social em defesa dos direitos das prostitutas no Brasil

Apesar da longa história de discriminação e perseguição, as prostitutas

começaram a ser organizar pela luta por seus direitos apenas na década de 1970. A

partir desse período, é possível perceber em diversas partes do mundo o despontamento

de grupos de prostitutas que reagiam contra o recrudescimento da violência policial.

Assim como os demais grupos de prostitutas ao redor do mundo, o

delineamento desse movimento, no Brasil, esteve notadamente relacionado a um

episódio de violência policial ocorrido em 197914. No entanto, é preciso não olvidar que

a prostituição no país sempre foi combatida através do que se denominava “polícia de

costumes”, termo que representava as ações policiais baseadas no poder discricionário

de coibir as condutas que ofendessem a moralidade pública e os bons costumes.

Desta feita, os questionamentos em relação à prostituição iniciados nesse

período, trazidos à tona pelo advento desse movimento, se inserem dentro de um

processo de mudança de valores sociais iniciado logo após o término da Segunda

Guerra Mundial, com auge nos anos 60, e que propunha uma libertação dos entraves

morais vigentes até então, era a época da contracultura, da emancipação feminina etc.

No Brasil, o movimento em defesa dos direitos das prostitutas constitui um

dos vários movimentos sociais que se organizaram principalmente no período

pós-ditadura militar, época em que a sociedade se voltava contra o totalitarismo e a forte

repressão por parte do Estado. Nesse contexto, estes movimentos sociais constituíram

14

(19)

uma reação das minorias, em seu conceito sociológico, pela defesa de direitos que

foram e, apesar de alguns avanços nesse sentido, ainda são sistematicamente negados.

Foi preciso quase uma década para que a mobilização inicial pudesse surtir

efeitos em termos de organização do movimento. Assim, em 1987, ocorre o I Encontro

Nacional de Prostitutas, tendo por objetivo maior a criação da Rede Brasileira de

Prostitutas (RBP), que por sua vez, a partir daí, teria a função primordial de empenhar

esforços na criação de associações de prostitutas nas principais cidades brasileiras, além

de definir estratégias unificadas de combate à violência policial presente nessas cidades.

O surgimento da epidemia da AIDS, na década de 80, representou um

grande desafio para a capacidade de mobilização desse grupo, pois tanto as prostitutas,

quanto homossexuais, viciados em drogas e alguns grupos étnicos foram considerados

“grupos de risco”, termo discriminatório que serviu pra indicar aquelas pessoas que

diante de seu comportamento desregrado estariam mais propensos a transmitir doença.

Essa doença, porém, ao mesmo tempo em que aprofundou a discriminação a

estas pessoas, possibilitou, em especial às prostitutas, o fortalecimento das suas

organizações, pois o Estado, tendo que desenvolver ações preventivas de combate à

AIDS, passou a destinar recursos para esse fim a diversas entidades nessa área,

“atualmente, a maioria das associações de profissionais do sexo é financiada por verbas

do Ministério da Saúde, uma vez que sua política entende que fomentar o protagonismo

social e político das prostitutas é uma ferramenta eficaz para a prevenção das DST’s.” 15

A organização desse movimento social é simbólica para o combate à

estigmatização da prostituição, pois a partir daí as prostitutas teriam a oportunidade de

expressar o que realmente pensavam a respeito de si e da atividade que exerciam, em

detrimento, assim, das “percepções dominantes sobre o tema, afirmando a capacidade

de autodeterminação das mulheres e propugnando o reconhecimento da atividade

enquanto atividade comercial e das prostitutas como ‘trabalhadoras do sexo’.” 16

15

COSTA. Ana Carolina; OLIVEIRA. Alessandro; TAVARES, Aline. Trabalho, cidadania e gênero: a experiência de formação da associação de profissionais do sexo de Campinas. Disponível em <http://www.itcp.usp.br/drupal/files/itcp.usp.br/Trabalho,%20Cidadania%20e%20Genero.pdf> . Acesso em 24 de maio 2010, p. 5.

16

(20)

Entendendo que não bastava pautar-se apenas no combate às questões

pontuais como, a violência ou a discriminação em virtude do perigo de contágio por

doenças venéreas, pois que estes problemas estão inseridos dentro um contexto maior de

exclusão social causado pela estigmatização da atividade, o movimento organizado no

Brasil desenvolve ações que visam à promoção da cidadania plena desse grupo social.

O incremento dessa nova visão acerca da prostituição, ou seja, a afirmação

de que a atividade é um trabalho como qualquer outro, e que merece, portanto, esse

reconhecimento por parte da sociedade e do Estado, revela-se fundamental na

construção de uma nova realidade para prostituição, pautada na autonomia destas

pessoas, na garantia de acesso à justiça, no respeito como cidadãos etc., tendo em vista

que a negação destes direitos é conseqüência do estigma social atribuído à prostituição,

(21)

3 ABORDAGEM DA PROSTITUIÇÃO PELO DIREITO PENAL

Para uma melhor compreensão do objeto de estudo deste trabalho

monográfico, analisa-se neste capítulo o atual tratamento jurídico dispensado ao

fenômeno da prostituição no país, focando não apenas na eficácia das normas penais

pertinentes ao tema ou na legitimidade destas, mas também nas implicações desse

tratamento no delineamento da realidade social na qual se insere a prostituição.

A partir desta análise, objetivamos compreender o mecanismo pelo qual o

ordenamento jurídico brasileiro nega a essa parcela da sociedade envolvida com a

prostituição o acesso a direitos e garantias fundamentais, praticando o que seria nas

palavras de Maximiliano Roberto Ernesto Führer17 o “permitir proibindo”, perpetuando,

deste modo, o estigma e, a conseqüente, marginalização que afetam essas pessoas.

O Brasil, com fundamento na tese abolicionista, releva as atividades

periféricas à prostituição ao campo do Direito Penal, o que nos leva, consequentemente,

ao estudo dos tipos penais, que, elaborados dentro uma visão vitimizadora e

salvacionista, não punem aqueles que exercem o meretrício, mas penalizam aquelas

condutas que visem, grosso modo, ao estímulo ou à exploração da atividade.

3.1 Sistemas abolicionistas, proibicionista e regulamentarista

Os sistemas abolicionista, proibicionista e regulamentarista ganham

significação na medida em que não há homogeneidade, considerando as diferentes

culturas, a respeito do grau de lesividade de determinadas condutas.

Assim, temos que uma conduta pode ser considerada danosa para

determinado povo, ou em determinado tempo, e para outros povos, em diferente tempo,

ser considerada irrelevante em termos de prejuízo social, não merecendo punição.

17

(22)

Considerado o exposto, podemos dizer que existem no mundo, de acordo

com a percepção do grau de lesividade de determinada conduta e com o objetivo

perseguido pelo Estado, de forma geral, três sistemas jurídicos de tratamento dessa

conduta. São eles o proibicionismo, o abolicionismo e o regulamentarismo.

Em se tratando especificamente da atividade prostitucional, temos que no

proibicionismo há a proibição da realização de qualquer atividade relacionada à

prostituição, já que esta feriria a moralidade pública. Assim, neste modelo, a própria

atividade é considerada ilegal. Desta forma, a prostituta, lenões, e, em alguns casos,

inclusive aquele que paga pela satisfação de seu prazer sexual, são punidos.

O modelo proibicionista fundamenta-se, sobretudo, na idéia de que a

prostituição constitui ato imoral, devendo, portanto, sua prática ser condenada, com o

fito de ser expurgada da sociedade. Desta forma, todos os agentes envolvidos com esta

atividade são colocados sob vigilância de forças policiais e punidos penalmente.

Neste sentido, leciona José Fernando Lousada18:

O proibicionismo obedece a un modelo ideolóxico em que se misturan a Moral e o Direito. A prostituición concebe-se como un vício moral e o seu exercício proibe-se, criminalizando as prostitutas. Para o proibicionismo a prostituta é una delincuente, como o é o proxeneta.

O proibicionismo, ao criminalizar o exercício do meretrício, é considerado o

sistema de tratamento jurídico mais repressivo, tornando-se, consequentemente o mais

propício à atuação clandestina e à marginalização daqueles que exercem a atividade,

contribuindo, desta feita, para que estes sejam cada vez mais dependentes de terceiros e

alvos da violência policial, já que a proibição não produz o resultado almejado.

A repressão policial à prostituição nos países que adotam o proibicionismo é

sistemática. Tal fato, no entanto, só faz agravar o quadro social de marginalização da

atividade no país que utiliza o referido sistema, pois acaba ocasionando o atrelamento

desta atividade às drogas e ao crime organizado. São representativos da adoção desse

modelo os Estados Unidos19, a China, Tailândia, Países Árabes, Suécia e outros.

Já no sistema abolicionista, partindo do pressuposto de que quem se

prostitui seria sempre uma vítima, seja da exploração de proxenetas e rufiões, ou até

mesmo da violência de policiais e clientes, a prostituição é em si uma atividade tolerada.

18

LOUSADA, Fernando. Prostituición e Traballo. Esculca: observatório para a defensa dos direitos e liberdades, galícia, boletim n. 19. Disponível em: < www.esculca.net/pdf/bole0019.pdf > Acesso em: 03 de maio 2010, p. 3.

19

(23)

Com o objetivo de proteger estas “vítimas”, no entanto, são punidas qualquer conduta

que contribua, por qualquer meio, para a exploração sexual destas pessoas.

Para Fernando Bessa Ribeiro20, no referido modelo,

considerando a prostituição como uma atividade incompatível com a dignidade da pessoa humana, a prostituta é elevada a condição de vítima, ora da dominação masculina, ora do Estado, ora das estruturas económicas capitalistas, numa articulação hierarquizante que depende largamente de quem a classifica.

Ou ainda, nas palavras de José Fernando Lousada21:

O abolicionismo equipara a prostituición à escravatura – daí inclusive a sua denominación - e, en consecuéncia,criminaliza todo o que rodea a prostituta, mesmo se media o seu consentimento, mais non criminaliza a prostituta que, con diferenza ao que acontece no sistema proibicionista, non é considerada como unha delincuente senón como unha vítima que non deve ser submetida a nengun controlo oficial e que se deve tentar integrar na sociedade.

O abolicionismo guarda semelhanças com o proibicionismo na medida em

que são modelos que se fundamentam em concepções estigmatizantes da prostituição,

aprofundando a exclusão social de quem exerce a atividade, pois estes através da

constante negação de direitos e voz política tornam-se invisíveis perante a sociedade.

É o sistema adotado pela maioria dos países do mundo, além de ser o

modelo propugnado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que desde a sua

fundação empenha esforços no combate ao lenocínio e à exploração sexual, para eles a

prostituição é tida como uma prática que fere a dignidade da pessoa humana, sendo ela

em si a causa da degradação de quem se prostitui, devendo, portanto, ser combatida.

Partindo para o regulamentarismo, temos que é um modelo adotado,

sobretudo, com a finalidade de zelar pela moralidade e pela saúde pública. Ressalte-se

que neste sistema, a prática da prostituição é permitida, porém, quem a exerce

submete-se a uma série de restrições, como a obrigatoriedade da realização de exames de saúde

periódicos, a prática da atividade apenas em determinados locais e horários etc.

20

RIBEIRO, Fernando Bessa. Proibições, abolições e a imaginação de políticas inclusivas para o trabalho sexual. Bagoas, Rio Grande do Norte, n. 2, jan/jun. 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v02n02art01_ribeiro.pdf> Acesso em: 03 de maio 2010, p. 24.

21

(24)

Nesse sentido, Andreia Skackauskas Vaz de Mello22:

A regulamentação se caracteriza pela tolerância oficial do Estado, que considera a prostituição “um mal necessário”. Para controlar a prostituição o Estado licencia bordéis, nos quais as prostitutas estão sujeitas a várias formas de regulação, tais como exames médicos forçados, e delimita áreas de trabalho, as conhecidas zonas de tolerância.

Desta feita, o Estado reconhece, ao se utilizar do regulamentarismo, a

impossibilidade de extinguir completamente a prostituição, entendendo ser mais eficaz

direcionar suas ações à redução dos riscos provenientes da atividade. No entanto, em

oposição a esta prática, há quem observe ser tal reconhecimento inconcebível, pois

ao patrocinar esta atividade imoral, expedindo carteiras profissionais e alvarás para funcionamento das casas de prostituição, o governo torna-se na verdade um grande proxeneta, auferindo lucros, possibilitando a corrupção da administração e a desmoralização dos costumes.23

Este sistema acaba sendo um modelo alternativo aos anteriores, porém tão

discriminatório quanto estes, já que se fundamenta na concepção da prostituição como

“um mal necessário”, uma atividade prejudicial à sociedade, mas necessária na medida

em que permite que se extravasem através dela todas as perversões sexuais, restando

protegida, se for devidamente controlada, a pureza da família e da sociedade.

Coadunando com o exposto, Andreia Skackauskas Vaz de Mello24

preleciona que “o modelo que regulamenta a prostituição pressupõe que a prostituta

deve ser controlada pra servir, da melhor forma possível, seu papel social, pois se

considera que a presença da prostituta é necessária para o perfeito equilíbrio social.”

A partir de 1959, com a adesão do Brasil à Convenção de Lake Sucess,

vigora no país o sistema abolicionista. Assim, a prática da prostituição não é

criminalizada, porém sob o argumento de ferimento ao princípio da dignidade da pessoa

humana, o Estado invoca o papel de protetor daqueles que se prostituem, proibindo

condutas de terceiros que colaborem com a prostituição ou visem à exploração desta.

22

MELLO, Andreia Skackauskas Vaz de. Prostituição e AIDS: em debate a prostituta como sujeito político de direitos. In: Congresso Brasileiro de Sociologia, 14., 2009, Rio de Janeiro. Grupo temático: sexualidades, corporalidades e transgressões. Rio de Janeiro: UNICAMP, 2009. Disponível em: <http://starline.dnsalias.com:8080/sbs/TrabalhoSite/TrabalhosSite.asp?Codigo=45 > Acesso em: 16 de maio. 2010, p. 3.

23

TOMIYOSHI, Diana Tie. O ECA e o combate à prostituição contra crianças e adolescentes:

legislação eficaz ou fragilidade jurídica?. Disponível em <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewArticle/177> Acesso em 23 de maio 2010, p. 25

24

(25)

3.2 Tipos penais relativos à prostituição no Brasil

O Título do Código Penal que trata dos crimes relativos à prostituição, ora

denominado “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”, vem passando nos últimos anos

por uma série de mudanças, “já que a disciplina e o mínimo ético exigidos por muitos à

época de edição do Código Penal, nos idos de 1940, não mais compatibilizam com a

liberdade de ser, agir e pensar, garantida pela Constituição Federal de 1988.” 25

Assim é que em menos de cinco anos o referido título já sofreu alterações

substanciais promovidas pelas leis 11.106, de 28 de março de 2005 e 12.015, de 7 de

agosto de 2009. Essas alterações, porém, somente serão abordadas na medida em que

forem oportunas à análise de alguns tipos penais, pois, em caso contrário, correríamos o

risco de nos determos em discussões que nada têm a acrescentar ao presente tema.

Aproveitaremos esta oportunidade para tecer comentários a respeito das

alterações que afetaram a maioria dos tipos penais que serão abordados a seguir,

sobretudo as trazidas pela Lei 12.015. Os tipos penais são “mediação para servir a

lascívia de outrem”, “favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração

sexual”, “casa de prostituição”, “rufianismo”, “tráfico internacional de pessoas para fim

de exploração sexual” e “tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual”. 26

Os referidos delitos estão agrupados sob a rubrica “Do Lenocínio e do

Tráfico de Pessoas para fim de Prostituição ou outra forma de Exploração Sexual”.

Lenocínio é denominação geral, da qual os delitos incluídos neste Capítulo afiguram-se

espécies, assim entendemos por lenocínio toda conduta que facilite ou promova a

prática da prostituição, constituindo tais condutas atividades acessórias.

Antes do advento da Lei 12.015, os referidos crimes faziam menção apenas

à prostituição. Com a entrada em vigor desta lei, nós tivemos a inclusão da figura da

exploração sexual, não tendo o legislador se ocupado da definição do que viria a ser esta

exploração, fato que já vem gerando controvérsias doutrinarias e jurisprudenciais.

O termo “exploração sexual” já vinha sendo utilizado nas normas

internacionais que cuidam do tráfico de pessoas e na legislação brasileira relativa às

25

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 11.

26

(26)

crianças e aos adolescentes. Neste último caso, o enquadramento de condutas

utilizando-se esse termo não oferece maiores dificuldades, pois diante da incapacidade

de crianças e adolescentes para manifestação volitiva, considerando ainda a doutrina da

proteção integral, qualquer ação que tenha por objetivo aproveitar-se sexualmente

destes pode indubitavelmente vir a ser considerada como exploração sexual.

O mesmo não acontece quando se trata da regulação da atividade sexual de

adultos, pois exploração sexual pode ser compreendida como qualquer atividade que

tenha por finalidade vender sexo, através de qualquer meio, seja por revistas e filmes

pornográficos, seja pela realização do ato sexual mediante pagamento, ou pela venda de

produtos eróticos, em síntese, todas aquelas atividade que se encaixem na denominada

“indústria do sexo”. O termo exploração vem aqui no sentido de utilização de recursos.

Poderíamos interpretar a exploração sexual também como o ato consistente

em constranger alguém à realização da prostituição forçada. Assim, segundo o

entendimento da Juíza Federal Luiza Nagib Eluf, “explorar é colocar em situação

análoga à de escravidão, impor a prática de sexo contra vontade ou, no mínimo, induzir

a isso, sob as piores condições, sem remuneração, nem liberdade de escolha.” 27

Diante da leitura dos crimes em voga, percebe-se, porém que a intenção da

lei se aproxima mais da primeira interpretação, ou seja, a de que exploração sexual se

refira a toda ação que esteja incluída dentro do mercado do sexo, ao indicar em seu

texto que a prostituição, forçada ou não, está dentro da definição de exploração sexual.

Quando da formulação dessa alteração nas leis relacionadas à prostituição,

pode-se ter tido o propósito de conferir maior gravidade a esses crimes, ao utilizar-se da

expressão “exploração sexual. No entanto, diante da possibilidade de se criminalizar

toda e qualquer exploração sexual, que pode muito bem ser entendida como exploração

do comércio ou mercado sexual, fere-se nitidamente o princípio da razoabilidade, visto

que práticas dentro dessa concepção são amplamente aceitas socialmente, como é

ilustrativa da questão a produção, publicação e venda de revistas e filmes pornográficos.

Entendemos que, considerada em sua totalidade, a Lei 12.015 trouxe

grandes avanços para o tratamento dos crimes elencados sob a rubrica “Dos Crimes

contra a Dignidade Sexual”. No entanto, em relação ao aspecto ora abordado,

27

(27)

demonstrou um retrocesso e descompasso com as práticas sociais, e ainda inobservância

aos princípios específicos do Direito Penal, a exemplo, o da intervenção mínima.

3.2.1 Mediação para servir lascívia de outrem

Tipificada no art. 227 do Código Penal, a mediação para servir à lascívia de

outrem é a conduta de induzir alguém a satisfazer a lascívia de pessoa diversa de si,

incorrendo o agente em pena de reclusão de um a três anos. Na lei estão expressas

penas maiores para os casos de a vítima ser maior de 14 e menor de 18 anos ou se o

agente exerce sobre esta vítima algum tipo ascendência, elencando a lei estas hipóteses,

e o crime ser cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude, sem

prejuízo da pena relativa à violência e por fim se o crime for cometido com a finalidade

de lucro, prevendo a lei a aplicação de multa, além da pena principal prevista no caput.

Para Mirabete, a mediação para servir à lascívia de outrem configuraria o

que ele denomina de “lenocínio principal”, e seria um tipo penal que tem por finalidade

evitar o desenvolvimento da prostituição e da corrupção moral, em complemento ao

“lenocínio acessório”, referindo-se o autor aos delitos tipificados nos arts. 229, 230 e

outros, em que a vítima já se encontraria corrompida ou já exerceria a prostituição.28

A despeito de ser um tipo penal de pouca aplicação prática, caracteriza-se

pela residualidade e abrangência, pois além de incidir em condutas que acabam não se

subsumindo ao tipo penal de favorecimento à prostituição, a utilização do termo

“satisfação da lascívia”, já que, sinônimo de satisfação de prazer sexual, pode tomar as

mais diversas formas, desde a prática da conjunção carnal a meros atos contemplativos.

Assim a doutrina e a jurisprudência, diante do absurdo que seria a aplicação

do artigo em comento tal qual se encontra expresso, restringe o âmbito de incidência da

norma entendendo que essa indução só seria relevante para fins de enquadramento no

referido tipo legal se fosse realizada através de promessas, dádivas ou súplicas.29

Para Führer30 ainda, diante da previsão da cominação de uma pena maior

caso a conduta do agente seja realizada mediante violência, grave ameaça ou fraude, e

28

MIRABETE, Julio Fabbrinni. Manual de Direito Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 2, p. 459.

29

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v 4, p. 60.

30

(28)

considerando que a distinção entre “ameaça” e “grave ameaça” é relevante para o

Direito Penal, o crime de ameaça estaria absorvido pelo crime de mediação. Ressalte-se

que existe uma larga distância semântica entre “ameaçar” e “mediar”.

É difícil imaginar uma situação que dê azo à aplicação deste tipo penal sem

se ter a sensação de ferir o quantum de liberdade indisponível do ser humano, sem se

estar também adentrado na vida privada das pessoas. É crime de cunho notadamente

moralista, exemplo claro da falta de respeito aos princípios da proporcionalidade,

razoabilidade, e especificamente no Direito Penal, ao da intervenção mínima.

Nesse sentindo, temos a lição de Guilherme de Sousa Nucci31:

A mediação para servir a lascívia de outrem envolvendo apenas adultos é crime vetusto e de raríssima aplicação. Merecia desaparecer do contexto da tutela penal por respeito ao princípio da intervenção mínima e de acordo com comportamento sexual mais liberal da sociedade brasileira em geral. Não tem o menor sentido buscar a punição de quem dá a idéia (indução) para que alguém (maior de 18) satisfaça a lascívia (prazer sexual) de outra pessoa. E daí? Sem ter havido qualquer forma de violência, nenhum prejuízo adveio para qualquer dos envolvidos.

3.2.2 Favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual

Neste tipo penal, temos a punição daqueles que, na precisa leitura do artigo

228 do Código Penal, induzem ou atraem à prostituição, facilitam seu exercício,

impedem ou dificultam que quem se prostitui abandone a prostituição. Cominando o

referido artigo, em seguida, pena de reclusão, de dois a cinco anos, além de multa.

Seguindo a sistemática do artigo anterior, a lei atribui pena maior para os

casos em que o agente se vale de ascendência sobre a vítima para praticar o delito em

voga ou de violência, grave ameaça ou fraude, sem prejuízo da pena corresponde à

violência, e se a conduta tiver finalidade de lucro, prevê aplicação também de multa32.

31

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 45.

32

(29)

O legislador através do núcleo do tipo penal “induzir” procura punir aquele

que convence, inspira, alicia alguém à prática da prostituição. Segundo a lição de

Führer33, “esta modalidade se assemelha à mediação, com a diferença de que o

destinatário dos serviços sexuais é indeterminado”. Dentro do mesmo núcleo, nós

temos ainda a conduta comissiva de “atrair”, em que o agente seduz, provoca a vítima.

Pune-se também quem “facilita” o exercício da atividade. Este núcleo do

tipo penal diferencia-se do anterior na medida em que a vítima, no primeiro, ainda não

se prostituía. Através da facilitação, o agente proporciona a esta meios eficazes de

exercer a prostituição, arrumando-lhes clientes, colocando-a em lugares estratégicos.

Cumprindo a finalidade de proteção, o legislador tipifica ainda a conduta de

“impedir” que alguém deixe de exercer a prostituição. Aqui a vítima intenta abandonar a

atividade, porém o agente, através de algum artifício manifestamente não permite.

Muito próxima da conduta anterior, a palavra “dificultar”, inovação trazida pela Lei

12.015, prevê como crime a conduta de trazer embaraços no sentido de evitar que a

vítima deixe o meretrício, nesta modalidade o abandono da atividade é desestimulado.

Comentando os referidos núcleos, Nucci34 entende que

nesses casos [...], deve o agente atuar pela força do argumento, não podendo utilizar qualquer forma de violência ou grave ameaça (se o fizer incide na figura qualificada do § 2º). Ora, como se pretende punir alguém que convença outrem a não abandonar a prostituição pela força de palavras de convencimento? Mesmo na forma facilitar a prostituição alheia, soa-nos crime de configuração impossível, em face de bem jurídico tutelado, hoje a dignidade sexual. A contradição é evidente: o agente facilita a prática de ato considerado não-criminoso (prostituição). A intervenção mínima não é respeitada, padecendo o tipo penal de legitimidade constitucional para ser aplicado.

O autor prossegue ainda defendendo a extinção desse tipo penal, vejamos:

O favorecimento da prostituição é basicamente inaplicável, pois envolve adultos e, consequentemente, a liberdade sexual plena. [...] A lesão ao princípio da intervenção mínima e, por via de conseqüência, à ofensividade, torna-se nítida. Tratando-se de prostituição juvenil, o bem jurídico ganha outro tom e outra importância; porém, cuidando-se de prostituição de adulto, com clientela adulta, sem violência ou grave ameaça, não há a menor razão para a tutela penal do Estado. O tipo penal, ora mantido com poucas alterações (inócuas), continuará sem aplicação prática. 35

33

FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Novos crimes sexuais: com a feição instituída pela lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 199.

34

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 75.

35

(30)

O tipo penal está inserido dentro do pensamento abolicionista, uma vez que

através da punição destas condutas, visa coibir a prostituição, porém é um crime pouco

combatido pelos órgãos policiais, e, conseqüentemente, raramente chega à condenação

pelo Poder Judiciário. O que ocorre muitas vezes é o atrelamento destas condutas a

crimes mais graves como exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico de

pessoas, formação de quadrilha, ou crimes com relação indireta, como o homicídio.

Não obstante o exposto, esse crime muitas vezes acaba impedindo o

desenvolvimento de ações voltadas à inserção social das pessoas envolvidas com a

prostituição, como ocorrido em relação à formalização das associações de defesa das

prostitutas. Quando tiveram que regularizar seu funcionamento, muitas encontraram

dificuldades em virtude da existência desse tipo penal, tendo que buscar subterfúgios

para a consecução de seu intento, como alteração de sua denominação social etc.

3.2.3 Casas de prostituição

O Código Penal, na anterior redação do art. 229, criminalizava o

proprietário ou gerente de casa que se destinasse a realização da prostituição e também

aqueles locais destinados a encontros para fim libidinoso, configurando dentre os crimes

analisados neste capítulo o que gerava maior divergência doutrinária e jurisprudencial,

diante da abrangência de situações que poderiam se enquadradas neste tipo penal.

O termo “casa de prostituição” denota apenas o lugar onde ocorre a prática

da prostituição, ou seja, o comércio sexual. Já o segundo termo, “lugar destinado a

encontro para fim libidinoso”, permitia que pudesse incidir nesta modalidade criminal

qualquer lugar onde fosse contumaz a prática de ato libidinoso, incluídos nesta hipótese

poderiam estar hotéis, motéis etc., mesmo sem ter qualquer relação com a prostituição.

No entanto, como bem explica César Dario Mariano da Silva36:

36

(31)

Por razões de pura política criminal tem-se entendido que os motéis ou hotéis de alta rotatividade não tipificam o delito, uma vez que recebem qualquer pessoa e não se prestam somente para a prática de atos sexuais. Como já dito, essas decisões só podem ter o cunho de política criminal, pois ocorre perfeita adequação típica e o fato é criminoso.

Considerando o exposto, a tendência era a restrição cada vez maior do

âmbito de incidência deste tipo penal. Desta forma, vinha-se entendendo que somente

cometeriam este crime as pessoas que mantivessem casa de prostituição com o único

objetivo de prestar abrigo à realização da prostituição, escapando ao enquadramento as

casas em que a atividade principal fosse outra, como bares, danceterias, saunas etc.,

mesmo que nesses locais fosse constatada a efetiva ocorrência de prostituição.

Vejamos o teor de um julgado nesse sentido:

EMENTA: Apelação Criminal. Art. 229 do Código Penal - Casa de Prostituição. Condenação. Recurso defensivo. Pretendida absolvição. Cabimento. Prova colhida que não afasta por completo a versão das rés, no sentido de que a casa em questão tinha outras destinações. Impossibilidade de afirmar-se inequivocamente a habitualidade do delito, representada pelo núcleo do tipo "manter" casa de prostituição. Ademais, a prática sexual, remunerada ou não, é alheia ao Direito Penal, tratando-se de decisão própria e particular de cada pessoa. A interpretação do mencionado tipo deve ater-se ao eventual envolvimento de incapazes ou à averiguação de possível abuso de poder do dono sobre as(os) prostitutas(os) que atuam no local. Atipicidade penal reconhecida. Solução absolutória que se impõe. Provimento do recurso.37

Concomitante ao entendimento acima explicitado, nossos órgãos

jurisdicionais, em atitude mais ousada, chegavam inclusive a decidir segundo o

princípio da adequação social, apesar de este ser pouco aplicado e ainda pouco

esclarecido, propugnando pela atipicidade material do delito, seguem algumas decisões:

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. CASA DE PROSTITUIÇÃO. FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO. ABSOLVIÇÃO. Ausência de lesividade, já que a sociedade e o próprio poder público têm aceitado e permitido o funcionamento de estabelecimentos desta natureza. Conduta atípica. Além disso, os autos não fornecem elementos seguros da prostituição, de natureza habitual, em que não seria difícil a produção de provas consistentes. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.38

EMENTA: CRIMINAL. CASA DE PROSTITUIÇÃO. ACEITAÇÃO SOCIAL. TOLERÂNCIA DAS AUTORIDADES. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. A conduta prevista no art. 229 do Código Penal, diante da

37

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Crime 2003.050.01219. Relator: Alvaro Mayrink Costa. Julgado em 23/11/2004. Disponível em < http://www.tjrj.jus.br>. Acesso em: 23 de maio 2010.

38

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