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Grupo Fundamental

Adriano Delno

e Willian Valverde

Universidade Federal do Paraná, Brasil

Maio 24, 2015

Resumo

Esse artigo tem como objetivo o estudo do grupo fundamentalπ1(X, x)que é uma fer- ramenta importante para identicar se dois espaços (ou superfícies) não são homeomorfos.

1 Introdução

Um dos grandes problemas da topologia é saber se dois espaços são ou não homeomorfos, isto é, se são invariantes topológicos ou não. Para mostrar que X e Y são homeomorfos é preciso exibir uma funçãof :X →Y contínua cuja função inversaf−1 :Y →Xtambém seja contínua.

Não é uma tarefa fácil mas em alguns casos é possível encontrar a função quando X e Y são homeomorfos.

Por outro lado, mostrar que dois espaços não são homeomorfos já é uma tarefa bem mais difícil, visto que é necessário mostrar que não existe nenhuma função que satisfaça essa propri- edade.

O grupo fundamentalπ1(X)vem no sentido que é possível saber se dois espaços topológicos não são homeomorfos, em outras palavras, se X e Y são homeomorfos então os respectivos grupos fundamentais são isomorfos. O grupo fundamental faz parte de uma área da topologia denominada topologia álgebrica que é o estudo das propriedades topológicas usando as ferra- mentas de álgebra. A topologia algébrica foi fundada pelo matemático frânces Henri Poicaré por volta do ano1894onde apresentou uma série de trabalhos reunindo os principais resultados, entre eles o grupo fundamental.

Basicamente, o grupo fundamental consiste de classes de equivalência de caminhos contínuos fechados, centrado em algum ponto base com uma operação que será mostrada nesse artigo.

Inicialmente, abordaremos o assunto homotopia entre funções, mais precisamente, entre caminhos. Posteriormente, analizaremos que as classes de equivalência formadas por caminhos homotópicos forcecem uma estrutura de Grupo especíca para cada espaço, a qual é uma invariante topológica. Num segundo momento, calcularemos o grupo fundamental de alguns espaços particulares e por meio de tal grupo analisaremos se são homeomorfos ou não entre si.

Também apresentaremos, utilizando as ferramentas citadas, uma demonstração para o Teorema Fundamental da Álgebra.

2 Homotopia

Denição 2.1. (Homotopia) Sejam X e Y espaços topológicos. Uma homotopia entre duas funçõesf :X→Y eg :X→Y é uma função contínuaH:X×I →Y tais queH(x,0) = f(x) e H(x,1) =g(x) para todo x∈X onde I = [0,1].

Quando existe a função H dizemos que f e g são homotópicas e denotamos por f 'g.

Doutorando em Matemática Aplicada,

Mestrando em Matemática Pura

(2)

Denição 2.2. Dois espaços topológicos X e Y são homotópicos se existem funções contínuas f :X →Y e g :Y →X tais que g◦f 'IX e f◦g 'IY onde IX é a função identidade em X e IY é a função identidade em Y. Quando X é homotópico a Y denotamos por X 'Y.

Um resultado que será utilizado sempre é sobre colagem de funções contínuas e é fornecido pelo resultado abaixo.

Lema 2.1. (Lema da Colagem) Seja X = A∪B onde A e B são fechados em X. Sejam f : A → Y e g : B → Y contínuas. Se f(x) = g(x) para todo x ∈ A∩B, então a função h:X →Y dada por h(x) =f(x) se x∈A e h(x) =g(x) se x∈B é contínua.

A demonstração desse resultado pode ser encontrado em [1].

Lema 2.2. Homotopia é uma relação de equivalência sobre o conjunto das funções contínuas de X em Y.

Demontração: Precisamos vericar as três partes da denição de relação de equivalência:

reexiva, simétrica e transitiva.

Homotopia é reexiva. De fato, f ' f para qualquer f : X → Y contínua. Basta tomar H : X ×I → Y dada por H(x, t) = f(x) para todo t ∈ I. Então H é contínua e H(x,0) = H(x,1) =f(x) para todox∈X.

Homotopia é simétrica. De fato, sef 'gentão existe uma aplicação contínuaH :X×I →Y tais que H(x,0) = f(x) e H(x,1) = g(x) para todo x ∈ X. Considere H¯ : X ×I → Y dada por H(x, t) =¯ H(x,1−t). Então H¯ é contínua,

H(x,¯ 0) = H(x,1) =g(x) e H(x,¯ 1) =H(x,0) =f(x)∀x∈X.

Isso mostra que g 'f.

Homotopia é transitiva. De fato, se f ' g e g 'h, existem H, K : X×I → Y aplicações contínuas tais que

H(x,0) =f(x), H(x,1) =g(x), K(x,0) =g(x)e K(x,1) =h(x) ∀x∈X.

Considere L:X×I →Y dada por

L(x, t) =

(H(x,2t), 0≤t≤ 12

K(x,2t−1), 12 ≤t≤1 Note que (x,12) pertence ao domínio de H e de K e

L(x,12) =H(x,1) =K(x,0) =g(x).

PortantoL está bem denida e pelo Lema 2.1 é contínua. Além disso, L(x,0) =H(x,0) =f(x)e L(x,1) = K(x,1) =h(x).

PortantoL é uma homotopia entre f e h.

Em seguida segue um exemplo clássico de homotopia.

Exemplo 2.1. (Homotopia linear) Seja Y ⊂E onde E é um espaço vetorial normado. Dadas aplicações contínuas f :X →Y e g :X →Y e suponha que para todo x∈ X, o segmento de reta [f(x), g(x)] esteja em Y. Então H : X ×I → Y dada por H(x, t) = (1−t)f(x) +tg(x) dene uma homotopia entre f e g.

Em particular, toda função contínua é homotópica a função identicamente nula. De fato, considere H :X×I →Y dada por H(x, t) = (1−t)f(x). EntãoH é contínua,H(x,0) = f(x) e H(x,1) = 0 para todo x∈X. Isso mostra que f '0.

As classes de equivalência, segundo a relação de homotopia, são chamadas classes de homo- topia. A classe de homotopia da função contínua f :X →Y será denotada por [f].

(3)

Proposição 2.1. Sejam f, g :X →Y e h, k :Y →Z aplicações contínuas. Se f 'g e h'k então h◦f 'k◦g.

Demonstração: Por hipótese, existem aplicações contínuasH :X×I →Y eH¯ :Y×I →Z tais queH(x,0) =f(x), H(x,1) =g(x)para todo x∈X e H(y,¯ 0) =h(y),H(y,¯ 1) = k(y) para todo y∈Y. Dena G:X×I →Z porG(x, t) = ¯H(H(x, t), t).

Então G é contínua pois é composta de duas funções contínuas. E

G(x,0) = ¯H(H(x,0),0) = ¯H(f(x),0) =h(f(x)) = (h◦f)(x) ∀x∈X.

G(x,1) = ¯H(H(x,1),1) = ¯H(g(x),1) =k(g(x)) = (k◦g)(x) ∀x∈X.

Isso mostra que h◦f 'k◦g.

Lema 2.3. A relação de homotopia entre espaços topológicos é uma relação de equivalência, isto é,

• X 'X.

• Se X 'Y então Y 'X.

• Se X 'Y e Y 'Z então X 'Z.

A demonstração desse Lema é análogo ao Lema anterior.

Denição 2.3. Um espaço topológico X se diz contrátil se X ' {x}.

Usando a denição 2.2, um espaço ser contrátil signica que existe uma função contínua r:X → {x} contínua ei:{x} →X tal quei◦r'IX e r◦i'I{x}. Note quer é uma função constante e i é a função inclusão. Em outras palavras para um espaço vericar que um espaço é contrátil devemos ter IX 'k onde k é uma constante.

Exemplo 2.2. Rn é contrátil.

De fato, considere a aplicaçãoH :Rn×I →Rn dada porH(x, t) =tx.Note queH(x,0) = 0 ,H(x,1) =x=IRn(x)eH é contínua, portanto H é uma homotopia entre a função identidade IRn e a função nula, mostrando que Rn é contrátil.

Denição 2.4. Considere X um espaço topológico e A ⊆ X, r : X → X com r(X) ⊂ A, r'IX, r|A=IA. Então r é chamada de uma deformação retrátil. Nesse caso, denotamos por X 'A.

Exemplo 2.3. Rn\ {~0} 'Sn−1.

De fato, para demostrar esse resultado basta encontrar uma funçãorque satisfaça a denição 2.4. Considerer :Rn\{~0} →Rn\{~0}dada porr(x) = ||x||x . Entãor(X) =Sn−1,r|Sn−1 =ISn−1. Também considere H(x, t) = (1−t)x+t||x||x . Então,H(x,0) =x=I

Rn\{~0}(x), H(x,1) = ||x||x = r(x) para todox∈Rn\ {~0} e H é contínua. Portanto r'IRn\{~0}.

3 Homotopia de Caminhos

Denição 3.1. (Caminho) Seja X um espaço topológico. Um caminho entre x0 e x1 em X é uma função contínua γ : [0,1]→X tal que γ(0) =x0 e γ(1) =x1.

Denição 3.2. Dois caminhosγ1, γ2 :I →Xsão caminhos homotópicos se possuem as mesmas extremidades, isto é, γ1(0) = γ2(0) = x0, γ1(1) = γ2(1) = x1 e existe uma aplicação contínua H : I×I → X tal que H(0, t) = γ1(t), H(1, t) = γ2(t), H(s,0) = x0, H(s,1) = x1 para todo s, t ∈ I. Se γ1 e γ2 são caminhos homotópicos, denotamos por γ1 ∼= γ2 ou simplesmente por γ12.

Uma representação gráca pode ser vista na gura abaixo.

(4)

H :I×IX x1

x0

X I×I

H(s,0)

γ2

H(s,1)

γ1

Figura 1: Caminhos homotópicos

Denição 3.3. (Caminho fechado) Um caminho γ : [0,1]→ X é um caminho fechado em x0 se γ(0) =γ(1) =x0.

Dois caminhos fechados γ1 e γ2 são homotópicos se satisfazem a denição 3.2. Note que como são caminhos fechados, H(s,0) = H(s,1) =x0.

Exemplo 3.1. SejaAum subconjunto convexo de um espaço vetorial normado. Seu, v :I →A são caminhos com as mesmas extremidades, isto é, u(0) =v(0) =x0 e u(1) =v(1) =x1, então u'v.

De fato, considere a aplicação H :I×I →X dada por H(s, t) = (1−s)u(t) +sv(t). Então H é contínua,

H(0, t) =u(t), H(1, t) =v(t), H(s,0) =x0 e H(s,1) =x1 ∀s, t∈I.

PortantoH é uma homotopia entre u e v.

Denição 3.4. Dado dois caminhos u, v : I → X com u(1) = v(0), o produto de u por v é denido por u·v(t) =

(u(2t), 0≤t ≤ 12 v(2t−1), 12 ≤t ≤1.

O produto de caminhos não é associativo. Considere u, v, w : I → X com u(1) = v(0) e v(1) =w(0).

Então

(u·v)·w(t) =





u(4t), 0≤t ≤ 14 v(4t−1), 14 ≤t ≤ 12 w(2t−1), 12 ≤t ≤1 e

u·(v·w)(t) =





u(2t), 0≤t ≤ 12 v(4t−2), 12 ≤t≤ 34 w(4t−3), 34 ≤t≤1 .

(5)

Claramente os caminhos são diferentes.

Embora os caminhos (u·v)·weu·(v·w)não sejam associativos, eles são homotópicos. De fato, considere a aplicação contínua H:I×I →X dada por

H(s, t) =





u(1+s4t ), 0≤t≤ 1+s4 v(4t−1−s), 1+s4 ≤t≤ 2+s4 w(4t−s−22−s ), 2+s4 ≤t≤1

.

É fácil ver que

H(s,0) = u(0), H(s,1) =w(1), H(0, t) = (u·v)·w(t) e H(1, t) = u·(v·w)(t).

Denição 3.5. Sejam f, g : X → Y funções contínuas. A função f é homotópica a g re- lativamente a um subconjunto A ⊂ X, quando existe uma homotopia H entre f e g tal que H(x, t) =f(x) =g(x) para todo x∈A. Nesse caso, denotamos por f 'g(relA).

Exemplo 3.2. Considere dois caminhos fechadosuev centrados emx0. Entãou'v(rel{0,1}). Denição 3.6. (Caminhos constantes) Seja x∈ X. Um caminho cx é constante se cx(t) = x para todo t∈I.

Denição 3.7. Dado um caminho u de x0 a x1, o caminho inverso u¯ de x1 para x0 é dado por

¯

u(t) = u(1−t).

As seguintes relações são facilmente vericáveis: u·u¯'cxrel{0,1} e u¯·u'cyrel{0,1}.

Proposição 3.1. Considere os caminhos u de x para y, e os caminhos constantes cx e cy. Então valem:

i) u'u·cy; ii) u'cx·u;

iii) u·u¯'cx;

Demonstração: Para demontrar essas armações basta mostrar uma aplicação homotópica H entre os caminhos.

Para o caso (i)considere H :I×I →X dada por

H(s, t) =

(u(1+s2t ), 0≤t≤ 1+s2

y, 1+s2 ≤t≤1. Então

H(0, t) =

(u(2t), 0≤t≤ 12

y, 12 ≤t≤1 =u·cy(t) e H(1, t) = u(t).

Tem se também que H(s,0) = u(0) = x e H(s,1) = y. Pelo Lema 2.1, H é contínua e portanto u'u·cy. As outras demontrações são análogas.

4 Grupo Fundamental

Considere um espaço topológicoXex∈X. O grupo fundamentalπ1(X, x)é um grupo formado pelas classes de homotopia dos caminhos fechados relativo a {0,1}em X baseado emx com a operação

[u][v] = [u·v] onde [u] é a classe de homotopia dos caminhos fechados u.

(6)

Lema 4.1. Suponha que u'u0rel{0,1} e v 'v0rel{0,1}. Então u·v 'u0 ·v0rel{0,1}.

Demostração: Como u'u0rel{0,1}existe uma aplicação contínua H :I×I →X com H(s,0) =H(s,1) =x, H(0, t) = u(t) eH(1, t) = u0(t).

Analogamente existe uma aplicação contínua H¯ :I×I →X com

H(s,¯ 0) = ¯H(s,1) =x,H(0, t) =¯ v(t) e H(1, t) =¯ v0(t) ∀t, s∈I.

Dena G:I×I →X por

G(s, t) =

(H(s,2t), 0≤t≤ 12 H(s,¯ 2t−1), 12 ≤t≤1. Então

G(s,12) = H(s,1) = ¯H(s,0) =x e pelo Lema 2.1,G é contínua. Tem se que

G(s,0) =H(s,0) =x e G(s,1) = ¯H(s,1) =x.

Também

G(0, t) =

(H(0,2t) = u(2t), 0≤t≤ 12

H(0,¯ 2t−1) =v(2t−1), 12 ≤t ≤1 =u·v(t), e

G(1, t) =

(H(1,2t) = u0(2t), 0≤t≤ 12

H(1,¯ 2t−1) =v0(2t−1), 12 ≤t≤1 =u0 ·v0(t).

Portanto Gé uma homotopia entre u·v e u0 ·v0 relativo a {0,1}.

Pelo Lema 4.1 a operação [u][v] = [u·v] está bem denida.

Teorema 4.1. π1(X, x) é um grupo.

Demontração: Para vericar que π1(X, x)é de fato um grupo, é necessário vericar as três propriedades:

i) Existência do elemento neutro e sua relação com os demais elementos.

ii) Existência do elemento inverso.

iii) Propriedade associativa.

O elemento neutro é o caminho constante cx e a sua classe será denotada por [e]. Dada uma classe arbitrária [u] com representante u a classe inversa é [¯u]. É necessário mostrar que [u][e] = [e][u] = [u] para toda classe [u], [u][¯u] = [¯u][u] = [e] e por m,[u][v·w] = [u·v][w].

i) Dada [u] uma classe de caminhos fechados qualquer, temos que [u][e] = [u·e]. Basta então mostrar queu·e é um elemento da classe[u], ou seja, queu·cx é homotópico aurelativo a {0,1}. De fato, considere a aplicação H :I×I →X dada por

H(s, t) =

(u(1+s2t ), 0≤t≤ 1+s2 x, 1+s2 ≤t≤1. Então pelo Lema 2.1 H é contínua,

H(0, t) =

(u(2t), 0≤t ≤ 12

x, 12 ≤t ≤1 =u·cx(t),

(7)

H(1, t) =u(t), H(s,0) = H(s,1) =x. Portanto [u][e] = [u]. De maneira análoga mostra se que [e][u] = [u].

ii) Dada [u] uma classe de caminhos fechados qualquer, temos que [u][¯u] = [u·u]¯. Basta então mostrar queu·u¯é um elemento da classe[e], ou seja, queu·u¯é homotópico acx relativo a {0,1}.

De fato, considere a aplicação H :I×I →X dada por

H(s, t) =









x, 0≤t≤ s2

u(2t−s), s2 ≤t≤ 12

u(2−2t−s), 12 ≤t≤1− s2

x, 1− s2 ≤t≤1 .

Tem se que

H(0, t) =

(u(2t), 0≤t ≤ 12

u(2−2t) = ¯u(2t−1), 12 ≤t≤1 =u·u(t)¯ e H(1, t) = cx(t).

Além disso, H(s,0) = H(s,1) = x. Portanto [u][¯u] = [e]. De maneira análoga mostra se que [¯u][u] = [e].

iii) Dadas as classes [u],[v] e [w] vamos mostrar que [u][v ·w] = [u ·v][w]. Para isso é suciente mostrar que u·(v·w)é homotópico a (u·v)·w relativo a {0,1}.

De fato, considere a aplicação H :I×I →X dada por

H(s, t) =





u(2−s4t ), 0≤t≤ 12s4 v(4t−2 +s), 12s4 ≤t≤ 34s4 w(4t−3+s1+s ), 34s4 ≤t≤1

.

Tem se que

H(0, t) =





u(2t), 0≤t≤ 12 v(2t−2), 12 ≤t ≤ 34 w(4t−3), 34 ≤t ≤1

=u·(v·w)(t) e

H(1, t) =





u(4t), 0≤t≤ 14 v(4t−1), 14 ≤t≤ 12 w(2t−1), 12 ≤t≤1

= (u·v)·w(t).

Além disso tem se H(s,0) = u(0) = x e H(s,1) = w(1) = x. Resta mostrar que H é contínua. Mas

H(s,124s) =u(1) =v(0) =x e H(s,34s4) = v(1) =w(0) =x

e pelo Lema 2.1, H é contínua e consequentemente uma homotopia entre u·(v·w) e(u·v)·w relativo a {0,1}.

Exemplo 4.1. Considere R2 e a origem. Então π1(R2, ~0) é o grupo trivial.

Demonstração: De fato, considere a classe neutra [e]. Então se c0 ∈ [e] signica que c0(t) = 0 para todot ∈[0,1]. Seja um caminho fechado α qualquer baseado na origem, isto é, α(0) =α(1) =~0.

Considere a aplicação H :I×I →X dada porH(s, t) = (1−s)α(t). Então H é contínua, H(0, t) =α(t)e H(1, t) = 0 para todot ∈I.

(8)

Também

H(s,0) = (1−s)α(0) = (1−s)~0 =~0 eH(s,1) =~0.

Isso mostra que H é uma homotopia entreα e a função nula relativo a {0,1}, ou seja, α∈[e]. Portantoπ1(R2, ~0) ={e}.

Uma pergunta que aparece naturalmente é: se mudar o ponto base xpara y o que acontece com o grupo fundamental π1(X, y)? Sobre certas hipóteses, o grupo não muda.

Proposição 4.1. Se x e y pertencem a mesma parte conexa por caminhos de X então π1(X, x)∼=π1(X, y).

Demonstração: Seja v um caminho entre x e y, isto é, v : I →X contínua com v(0) = x e v(1) =y. Considerev¯(t) =v(1−t)o caminho oposto. Dena a seguinte funçãov#1(X, x)→ π(X, y) denida por v#([u]) = [¯v ·u·v]. Pelo Lema 4.1, v# está bem denida, visto que se u'w então v¯·u·v 'v¯·w·v. A função v# é um homomorsmo de grupos. De fato,

v#([u])v#([w]) = [¯v·u·v][¯v·w·v] = [¯v ·u·v·¯v·w·v] = [¯v·u·w·v] =v#([u·w]).

Considere a função v−1# :π(X, y)→π(X, x)denida porv#−1([a]) = [v·a·v¯]. Então v−1# é a função inversa de v#. De fato,

v#−1(v#([u])) =v#−1([¯v·u·v]) = [v·(¯v·u·v)·¯v] = [cx·u·cx] = [u]

v#(v#−1([u])) =v#−1([v·u·¯v]) = [¯v·(v·u·v)¯ ·v] = [cy·u·cy] = [u]

Portanto v# é um isomorsmo.

Corolário 4.1. Se X é um espaço conexos por caminhos, o grupo fundamental não depende do ponto base e é denotado por π1(X).

Dados dois espaços topológicos X e Y é interessante saber qual a relação, se existe, en- tre os grupos fundamentais relacionados. A próxima proposição responde parcialmente esse questionamento.

Proposição 4.2. (Homeomorsmo induzido) Sejam X e Y espaços topológicos. Considere x∈X e y ∈Y pontos bases. Então qualquer função contínua f :X →Y com f(x) =y induz um homeomorsmo f?1(X, x)→π1(Y, y). Além disso valem:

i) I? =Iπ1(X,x);

ii) Se g :Y →Z contínua com g(y) = z então (gf)? =g?◦f?; iii) Se f 'f0 relativo a {x} então f? =f?0.

Demonstração: Dena a função f? por f?([α]) = [f ◦α]. Dados α e β caminho fechados homotópicos relativos a {0,1}, signica que existe uma função H :I×I →X contínua com

H(0, t) =α(t), H(1, t) =β(t)e H(s,0) =H(s,1) =x.

Dena G=f◦H. Então

G(0, t) = (f ◦H)(0, t) = f(H(0, t)) =f(α(t)) = (f ◦α)(t) eG(1, t) = (f ◦β)(t).

Também,

G(s,0) =g(s,1) = (f ◦H)(s,0) = (f◦H)(s,1) =f(H(s,0)) =f(H(s,1)) =f(x) = y.

(9)

A função G é contínua pois é composta de duas funções contínuas, portanto G é uma homotopia entre f◦α ef ◦β relativo a {0,1}. Isso mostra que a função f? está bem denida.

A função f? é um homeomorsmo de grupos. De fato,

f?([α·β]) = [f ◦(α·β)]= [(f ◦α)·(f ◦β)] = [f◦α][f ◦β] =f?([α])f?([β]).

A passagem = apesar de não parecer tão imediata de fato ocorre. Note que o caminhoα·β é dado por

α·β(t) =

(α(2t), 0≤t≤ 12

β(2t−1), 12 ≤t≤1 Compondo com f obtemos

f ◦(α·β)(t) = f(α·β(t))

=

(f(α(2t)), 0≤t≤ 12 f(β(2t−1)), 12 ≤t ≤1

=

((f ◦α)(2t), 0≤t≤ 12 (f ◦β)(2t−1), 12 ≤t≤1

= (f◦α)·(f ◦β)(t).

Agora segue as demontrações das armações.

i) As funções identidades I? e Iπ(X,x) são as mesmas. De fato, I?([α]) = [IX ◦α] = [α] =Iπ1(X,x)([α]).

ii) Sejag :Y →Z contínua com g(y) =z e considere o homeomorsmo induzidog?. Então (g◦f)?([α]) = [(g◦f)◦α] = [g◦(f ◦α)] =g?([f ◦α]) =g?(f?([α])) = (g?◦f?)([α]).

iii) Do fato de f ' f0rel{0,1} temos que f ◦α é homotópico a f0 ◦α relativo a {0,1}, ou seja, estão na mesma classe. Então

f?([α]) = [f ◦α] = [f0 ◦α] =f?0([α]), para todoα ∈π1(X, x), ou seja, f? =f?0.

Agora, com esse resultado, podemos obter uma maneira de vericar se dois espaços topoló- gicos não são homeomorfos.

Corolário 4.2. Sef :X →Y é um homeomorsmo com f(x) =y entãof? é um isomorsmo.

Demonstração: De fato, f−1 :Y →X é a função inversa de f.

Considere f?−11(Y, y)→π1(X, x) denida por f?−1([β]) = [f−1◦β]. Então f?−1([f?([α])]) = [f−1◦f?([α])] = [f−1◦f◦α] = [α] =I?([α]).

Com esse resultado, podemos distiguir quando dois espaços são diferentes topológicamente, analizando os respectivos grupos fundamentais.

Um outro resultado interessante é saber o grupo fundamental de alguma superfície baseado em outras supercíes. Isso é possível com o próximo teorema.

Teorema 4.2. Considere X e Y espaços topológicos. Então π1(X×Y, x0×y0) é isomorfo a π1(X, x0)×π1(Y, y0).

Demonstração: Primeiro note que se temos dois gruposA eB com a operação·, temos que o produto cartesiadoA×B é um grupo com a operação

(a×b)·(a0 ×b0) = (a·a0)×(b·b0).

(10)

Da mesma forma, se h:C →A ek :C→B são homomorsmos de grupos, então a função Φ : C → A×B denida por Φ(c) = h(c)×k(c) é um homomorsmo de grupos. Considere as projeções p : X ×Y → X e q : X × Y → Y em X e Y respectivamentes. Então, pela Proposição 4.2,peq induzem os seguintes homomorsmos: p?1(X×Y, x0×y0)→π1(X, x0) e q?1(X×Y, x0×y0)→π1(Y, y0).

Denamos a seguinte função:

Φ :π1(X×Y, x0×y0)→π1(X, x0)×π(Y, y0) dada por

Φ([f]) =p?([f])×q?([f]) = [p◦f]×[q◦f].

Para mostra que Φ é um isomorsmo de grupos, resta mostrar que Φ é bijetora. Seja g :I → X um caminho fechado baseado em x0 e h: I →Y um caminho fechado baseado em y0. Então [g]×[h]pertence a imagem de Φ. De fato, considere a função f :I → X×Y dada por f(t) = g(t)×h(t). Então f é um caminho fechado emX×Y baseado em x0×y0 e

Φ1([f]) = [p◦f]×[q◦f] = [g]×[h].

Isso mostra que Φ é sobrejetora.

Agora, considere f : I → X×Y um caminho fechado em X×Y baseado em x0 ×y0 com Φ([f]) = [e]×[e]. Pela denição de Φ , temos que p◦f ' cx0 relativo a {0,1} e q◦f ' cy0

relativo a {0,1}. Considere as respectivas homotopias G e H. Dena F :I ×I → X×Y por F(s, t) = G(s, t)×H(s, t). Então F é uma homotopia entre f e cx0×y0 relativo a {0,1}. Isso mostra que Φ é injetora.

5 Espaços de Recobrimento

Nesta seção veremos uma maneira alternativa de vericar os grupos fundamentais.

Denição 5.1. Sejam B, X espaços topológicos. Uma função p : X → B é um recobrimento de B por X se satisfaz as seguintes propriedades:

i) Para todo b∈B, p−1(b) é um conjunto de pontos discretos em X.

ii) Dado uma vizinhança V deb em B, p−1(V) é uma união discreta disjunta de vizinhanças Vi de p−1(b) em X tal que p|Vi é homeomorfo a V.

Exemplo 5.1. A função p :R→ S1 dada por p(x) = (cos(2πx),sin(2πx)) é um recobrimento de S1.

Exemplo 5.2. A função p : R → S1 dada por p(x) = x mod 1 (função que associa a parte decimal de x) é um recobrimento de S1.

Exemplo 5.3. A funçãop:S2 →RP2 dada por p(x) ={x,x¯}ondexex¯são pontos antipodais é um recobrimento de RP2.

Do ponto de vista local, X e B são topológicamente os mesmos, mas globalmente são diferentes.

Denição 5.2. QuandoX é simplesmente conexo, o que é caracterizado pelo grupo fundamen- tal ser o trivial, a função p:X →B é um recobrimento universal deB. Neste caso denotamos X por X˜.

Uma pergunta natural que aparece é saber qual a relação, caso exista, entre grupo funda- mental deX e de B.

(11)

Denição 5.3. (Levantamento) Seja p : X → B um recobrimento com b ∈ B e x ∈ X e p(x) = b. Então dado um caminho α em B começando em b, um levantamento de α é um caminho α˜ em X começando em x tal que p◦α˜ =α.

X

p

I α //

˜ α

??

B

Lema 5.1. (Unicidade) Seja p : X → B um recobrimento com b ∈ B e x ∈ X e p(x) = b. Então dado um caminho α em B começando em b, existe um levantamento de α dado por α˜ em X começando em x tal que p◦α˜=α. Além do mais α˜ é único.

Lema 5.2. (Levantamento homotópico) Seja p :X → B um recobrimento, α 'β em B de a até b dada pela homotopia H. Então existe uma única homotopia H˜ que é um levantamento de H sendo α˜ o levantamento de α e β˜ o levantamento de β em X começando em algum x com p(x) =a.

X

p

I×I

H //

He

<<

B

A demonstração desses dois lemas podem ser encontrados em [1].

Levando em conta esses dois lemas, é possível chegar a algumas conclusões como se relaci- onam os grupos fundamentais dos espaços X eB.

Teorema 5.1. Seja p:X →B um recobrimento com p(x) =a e seja p?1(X, x)→π1(B, a) dada por p?([α]) = [p◦α]. Então p? é injetora.

Demonstração: É suciente mostrar que ker p? = [e]. Para isso considere um caminho fechado γ ∈ π1(X, x) tal que p?([γ]) = [e] em π1(B, a). Vamos mostrar que γ é homotópico a cx relativo a {0,1}. Se p?([γ]) = [e], temos que p?([γ]) é homotópico ao caminho fechado constante ca relativo a {0,1} pela homotopia H. Pelo Lema 5.2 existe uma única homotopia H˜ entreγ e cx relativo a {0,1}em π1(X, x), ou seja, [γ] = [e] em π1(X, x).

Com esse resultado, vemos que recobrimento de B fornece subgrupos fundamentais de B por grupos fundamentais de X, ou seja,π1(X, x)'p?1(X, x)).

6 Grupo Fundamental do Círculo

Até agora só vimos exemplos de grupos fundamentais triviais. Nessa seção e nas próximas, mostraremos algumas superfícies cujo grupo fundamental não é o trivial.

O grupo fundamental do círculo é isomorfo ao grupo dos inteiros com a operação soma e é muito útil para encontrar diversos grupos fundamentais de outros objetos, tais como o do cilindro e do toro.

Teorema 6.1. O grupo fundamental π1(S1) é isomorfo ao grupo Z.

Demonstração: Há várias maneiras de chegar nesse resultado. Aqui vamos construir um isomorsmo entre o grupo fundamental e os inteiros. Para isso considere o ponto baseb0 = (1,0) em S1. Seja α : I → S1 um caminho fechado começando em b0 e terminando em b0 mas não necessariamente com uma volta. Note que α pode ir no sentido horário e também no sentido anti horário e pode dar várias voltas, em outras palavras, α(0) =b0 e α(1)∈ {b0}.

Considere o recobrimento de S1 por R dado por p(x) = (cos(2πx),sin(2πx)). Dado um n ∈ Z temos p(n) = (cos(2πn),sin(2πn)) = (1,0) = b0, isto é, p(Z) = b0. Observe que n é o número de voltas que o caminho faz em S1.

(12)

Como α é um caminho fechado em S1 começando em b0, pelo Lema 5.1 existe um único caminho α˜ em R começando em p−1(b0) tal que p◦α˜ = α, ou seja, que o diagrama abaixo comuta.

R

p

I α //

˜ α

??

S1

Note que α˜ = (p−1◦α)(t) para t ∈ [0,1], ou seja a resrição de p sobre [0,1] é um homeo- morsmo e portanto α(1) =˜ p−1(α(1)) =p−1(b0) = n para algum n∈Z.

Pelo Lema 5.2, se β é um outro caminho fechado em S1 homotópico a α relativo a {0,1}, os respectivos levantamentosα˜eβ˜que são únicos (quando se diz único quer dizer que se existe um outro caminho digamos γ, com as tais propriedades, então γ é homotópico a este caminho) também são caminhos homotópicos relativos a {0,1}, isto é, o inteiro n depende somente da classe de homotopia [α].

Considere a seguinte função φ:π1(S1, b0)→Z dada por φ([α]) = ˜α(1) =n.

A imagem inversa de pem b0 é o conjunto Z, isto é, p−1(b0) =n para algum n ∈Z. Como R é conexo por caminhos, existe um caminho α˜ :I →R começando em 0 e terminando em n, isto é, α(0) = 0˜ eα(1) =˜ n.

Seja α:I →S1 um caminho em S1 denido por α(t) = (p◦α)(t)˜ . Então α(0) = (p◦α)(0) =˜ p( ˜α(0)) =p(0) =b0.

Da mesma maneira,

α(1) = (p◦α)(1) =˜ p( ˜α(1)) =p(n) =b0.

Isso mostra que α é um caminho fechado emS1. Pela construção note que α˜ é um levanta- mento de α e pelo Lema 5.1,α˜ é único.

Ou seja, dado um n ∈ Z qualquer existe um caminho fechado α em S1 tal que φ([α]) =

˜

α(1) =n. Isso mostra que a funçãoφ é sobrejetora.

Agora suponha que dado n ∈ Z na imagem de φ, existam duas classes [α] e [β] tais que φ([α]) = φ([β]) =n. Pela construção de φ, considere os caminhos α˜ : I → R e β˜:I →R tais que sejam os levantamentos de α eβ respectivamente. Então temos que α(0) = ˜˜ β(0) = 0 e por hipótese temos α(1) = ˜˜ β(1) =n.

Pelo fato de R ser simplesmente conexo e α˜, β˜terem os mesmos pontos iniciais e nais, α˜ e β˜devem ser homotópicos, isto é, existe uma função contínua H˜ :I×I →R que satisfaz

H(s,˜ 0) = 0, H(s,˜ 1) =n, H(0, t) = ˜˜ α(t), H(1, t) = ˜˜ β(t) ∀s, t∈I.

Considere a função H :I×I →S1 dada porH =p◦H˜. Como H˜ é contínua epé contínua, a composta H é contínua. E vale

H(s,0) = (p◦H)(s,˜ 0) = p( ˜H(s,0)) =p(0) = (cos 0,sin 0) = (1,0) = b0,

H(s,1) = (p◦H)(s,˜ 1) = p( ˜H(s,1)) =p(n) = (cos 2πn,sin 2πn) = (1,0) =b0, H(0, t) = (p◦H)(0, t) =˜ p( ˜H(0, t)) = p( ˜α(t)) = (p◦α)(t) =˜ α(t), H(1, t) = (p◦H)(1, t) =˜ p( ˜H(1, t)) =p( ˜β(t)) = (p◦β)(t) =˜ β(t).

(13)

Essas contas mostram queHé uma homotopia entreαeβ realtivo a{0,1}, ou seja,[α] = [β]

e portanto φ é injetora.

Agora vamos mostrar que φ é de fato um homomorsmo entre os grupos π1(S1) com a operação denida na Denição 3.4 e o grupo (Z,+).

Note que a função de recobrimento p é periódica de período 2π e portanto vale:

p(n+x) = (cos 2π(n+x),sin 2π(n+x)) = (cos 2πx,sin 2πx) =p(x) ∀x∈R.

Considere α : I → S1 e β : I → S1 dois caminhos fechados começando em b0. Considere seus levantamentos α˜ :I →R e β˜:I →R que são únicos tais queα(0) = ˜˜ β(0) = 0. Pelo fato deRser conexo por caminhos existem inteiros n em tais queα(1) =˜ n eβ(1) =˜ m. Seja γ˜um caminho em Rdado por

˜ γ(t) =

(α(2t),˜ 0≤t ≤ 12 n+ ˜β(2t−1), 12 ≤t≤1.

Note que γ˜ está bem denida, é contínua pelo Lema 2.1 , ˜γ(0) = ˜α(0) = 0 e γ˜(1) = n+ ˜β(1) =n+m. Ou seja,γ˜ é um caminho emR entre a origem e n+m.

Agora considere γ :I →S1 dado por γ =p◦˜γ. Então

γ(t) = (p◦˜γ)(t)

=p(˜γ(t))

=

(p( ˜α(2t)), 0≤t≤ 12 p(n+ ˜β(2t−1)), 12 ≤t≤1

=

(p( ˜α(2t)), 0≤t≤ 12 p( ˜β(2t−1)), 12 ≤t≤1

=

(α(2t), 0≤t≤ 12 β(2t−1), 12 ≤t≤1, ou seja, γ =α·β.

Isso mostra que γ˜ é o levantamento de γ. Com isso temos

φ([α·β]) = φ([γ]) = ˜γ(1)

=n+m

= ˜α(1) + ˜β(1)

=φ([α]) +φ([β]).

7 Algumas Consequências do Isomorsmo entre π

1

(S

1

) e Z

Conhecendo o grupo fundamental de S1 podemos calcular o grupo fundamental de outros espaços, cuja construção depende ou parte de S1, bem como podemos analisá-las do ponto de vista de homeomorsmo, ou seja, espaços que possuem grupo fundamental diferentes não são homeomorfos.

Primeiramente, usando grupo fundamental, mostraremos que S1 não é homeomorfo à Sn quando n ≥ 2. Mas, para isto, precisamos calcular o grupo fundamental de Sn. Para tal, considere o seguinte lema.

(14)

Lema 7.1. SejaX um espaço topológico tal queX =U∪V, ondeU eV são subespaços abertos, simplesmente conexos e U ∩V é conexo por caminhos. Então X é simplesmente conexo.

Demonstração: Considere uma classe de homotopias [α] ∈ π1(X, x0), onde α : I → X, tal que x0 ∈ X∩V. Pela continuidade de α, temos que o conjunto {α−1(U), α−1(V)} é uma cobertura de I, que é compacto. Logo, podemos construir uma partição de I:

0 = t0 < t1 < ... < tn= 1

de tal maneira que α([ti−1, ti]) ∈ U ou α([ti−1, ti]) ∈ V para cada i = 1, ..., n. Quando dois intervalos consecutivos[ti−1, ti]e[ti, ti+1]são tais queα([ti−1, ti])eα([ti, ti+1])pertencem à mesma componente conexaU ouV, podemos eliminar o ponto comum juntando os intervalos em um só de tal maneira que repartindo o intervaloI adequadamente tenhamos queα(ti)∈U∩V. Mas, como U ∩V é conexo por caminhos, existe um caminho ηi que liga x0 aα(ti).

Para cada i, denamos:

αi(s) = α((ti−ti−1)s+ti−1), 0≤s≤1.

Logo, αi(0) =αi(ti−1) e αi(1) =α(ti). Assim, podemos escrever α da seguinte maneira:

α'α1·α2·...·αn.

Então:

α'(α1·η1−1)·(η1·α2·η−12 )·(η2·α3·η−13 )·...·(ηn·αn).

Note que, devido a forma como foi feita a partição de I, cada(ηi·αi+1·ηi+1−1) é um caminho totalmente em U ou em V. Utilizando o fato de que U e V são simplesmente conexos, temos que, para cada i,

ηi·αi+1·ηi+1−1 'ei; então α'ex0 e , portanto,π1(X, x0) = {0}.

A consequência direta desse lema é que o grupo fundamental deSn(n ≥2) é o grupo trivial.

Mostraremos isto como um corolário que segue e, nesse caso, consideraremos os subespaços U como sendo S+n que nada mais é do que a esfera Sn sem o polo norte pN e V como sendo Sn que nada mais é do que a esfera Sn sem o polo sulpS.

Corolário 7.1. π1(Sn, p) ={0} para todo n ≥2. Demonstração: Observe que:

Sn=Sn ∪S+n,

ambos os conjuntos Sn e S+n são abertos e contráteis pois são homeomorfos a Rn (veja exemplo 2.2); logo, além de abertos, são simplesmente conexos. Além do mais, é fácil notar que Sn∩S+n é conexo por caminhos. Assim, pelo lema anterior, temos que Sn é simplesmente conexo, para todo n ≥ 2. Portanto, Sn possui somente uma classe de homotopias, de onde segue o resultado.

(15)

Daí segue que a esfera Sn, n≥2 não é homeomorfa aS1, caso contrário teríamos:

{0}=π1(Sn, p0)∼=π1(S1, x0)∼=Z, o que é um absurdo.

Conhecendo o Grupo Fundamental de S1 também podemos calcular o Grupo Fundamental do cilíndro C, basta observar que C =S1×R e considerar o Teorema 4.4, assim temos

π1(C,(x0, y0))∼=π1(S1, x0)×π1(R, z0)∼=Z× {0} ∼=Z.

Analogamente, podemos calcular o Grupo Fundamental do toro T2. Como T2 =S1 ×S1, então

π1(T2,(z0, z0))∼=π1(S1, z0)×π1(S1, z0)∼=Z×Z.

Da onde segue que o toro Tnão é homeomorfo à Sn, (n≥1). Outra consequência é o Teorema Fundamental da Álgebra:

Teorema 7.1. (Teorema Fundamental da Álgebra) Todo polinômio, não constante, com coe- cientes em C, possui pelo menos uma raíz complexa.

Demonstração: Podemos supor que o polinômio tem a forma:

p(z) = zn+a1zn−1+...+an (1) Caso contrário, poderiamo dividir o polinômio pelo coeciente não nulo que multiplica a maior potência de z e, mesmo assim, não alteraríamos as raízes do polinômio.

Agora, suponha por absurdo quep(z)não possui raízes e, para cada número complexor≥0, dena:

fr(s) = p(r.exp(2πis))/p(r) kp(r.exp(2πis))/p(r)k,

onde 0 ≤ s ≤ 1. Observe que fr(s) dene um caminho fechado em S1, uma vez que fr(0) =fr(1) e|fr(s)|= 1 para todos ∈I = [0,1],fr(s)é contínua, pois estamos supondo que p(z)não possui raízes. Seja,

H(s, t) =

(ft/1−t(s), 0≤s ≤1, 0≤t <1 exp(2πi(ns)), 0≤s ≤1, t= 1 . Note que:

limt→1H(s, t) = lim

t→1ft/1−t(s) = lim

|r|→+∞fr(s)= (exp(2πis)) n=exp(2πi(ns)).

Onde a igualdade∗é obtida substituindop(r.exp(2πis))na equação (1). LogoHé contínua.

Por outro lado, H(s,0) =f0(s)que é o caminho constante e H(s,1) =exp(2πi(ns)), isto é, H é uma homotopia entre f0 e f1 então:

0 =φ([f0]) =φ([f1]) = n

(16)

onde φ é a função denida na demonstração do Teorema 6.1, o que é uma contradição. Logo p(z)possui pelo menos uma raíz.

8 O Grupo Fundamental do Espaço Projetivo Real

Considere RPn o espaço projetivo real de dimensão n. Observe que, a projeção Π :Sn→RPn

é aberta e, ∀U ⊂Sn aberto , temos que

Π−1(Π(U)) =U ∪(U−1).

onde −U representa o conjunto dos pontos antipodais de U. Em linguagem conjuntista:

−U :={x∈Sn;−x∈U} Note também que Π :Sn→RPn é um homeomorsmo local.

Com efeito. Considere p ∈ RPn, então p = {x,−x}. Seja Ue ⊂ Sn uma vizinhança de x que não contém nenhum ponto antípodal de seus pontos, ou seja Ue ∪(−Ue) = ∅. Então, Π(Ue) =U é uma vizinhança de p, tal que Π−1(U) =Ue∪(−Ue) , da onde segue que,Π|Ue é um homeomorsmo sobre U e , portanto,Π é um homeomorsmo local.

Neste caso, a vizinhança U é chamada vizinhança distinguida do ponto p∈RPn.

Vejamos agora que, assim como no caso de S1, também há levantamento dos caminhos em RPn considerando Π :Sn→RPn como recobrimento.

Teorema 8.1. Sejam α : I = [t0, t1] → RPn e x0 ∈ Sn tal que Π(x0) = α(t0). Então existe um único caminho αe : I → Sn tal que α(te 0) = x0 e α = Π◦αe, isto é, o diagrama abaixo é comutativo:

Sn

Π

I α //

αe

==

RPn

Demonstração:Vejamos que, se α(I)⊂U eU ⊂RPné uma vizinhança distinguida do ponto p={x0,−x0}, tal que

Π−1(U) =Ue ∪(−U),e então o teorema é válido.

Neste caso, parax0 ∈Ue, considerandoπ = Π|Ue, temos queπ :Ue →U é um homeomorsmo.

Basta, então, considerar αe=π−1◦α.

Observe que o teorema também é válido no seguinte caso: Quando I =[

Ii , (i= 1,2),

ondeIi são intervalos fechados com um extremot2 em comum, de tal maneira que o teorema seja válido para α|I1 = α1 e α|I2 = α2. Pois, aplicando o teorema a cada intervalo, obtemos αe1 :I1 →Sn tal que

αe1(t0) =x0 , Π◦αe11

(17)

e, αe2 :I2 →Sn tal que

αe2(t2) = αe1(t2) , Π◦αe22. Assim, podemos denir αe:I →Sn por:

α(t) =e (

αe1(t), t∈I1 αe2(t), t∈I2

No caso mais geral, basta notar que, como I é compacto, podemos decompô-lo da seguinte maneira:

I =I1∪I2∪...∪Ik

de tal meneira que α(Ii) ∈ Ui, para cada i, onde Ui é uma vizinhança distinguida e cada intervalo Ii possui extremidade em comum com o intervaloIi+1 conforme o caso anterior.

Vejamos, agora, a unicidade de α: Suponhamos que existem α,e βe:I →Sn tais que Π◦αe= Π◦β.e

Então, para todo t ∈ I, devemos ter α(t) =e β(t)e ou α(t) =e −β(t)e . Do produto interno de Rn+1, temos < α(t),e β(t)e >= ±1, para todo t ∈ I, uma vez que α(t),e β(t)e ∈ Sn. Por outro lado, como I é conexo, o produto interno anterior deve ser constante, caso contrário não seria contínuo. Portanto, como α(te 0) =β(te 0), temos que α(t) =e β(t)e para todot ∈I.

Observe que o levantamento de um caminho fechado em Sn nem sempre é um caminho fechado em RPn. De fato, se αe : I → Sn é tal que α = Π◦αe e se αe é fechado, o caminho α possui levantamento fechado. Se os extremos do caminho αe são antipodais, α é um caminho fechado em RPn mas seu levantamento αe não é fechado.

Desta forma, temos que cada caminho α : I → RPn possui dois levantamentos, o levanta- mento que é fechado emS1 e o levantamento que não é. O resultado a seguir mostra que, para n ≥2, os caminhos fechados de cada um destes tipos são homotópicos entre si.

Proposição 8.1. Seja n ≥ 2; xando x0 ∈ Sn e p0 = Π(x0) ∈ RPn e considerando α, β : I → RPn caminhos fechados de base p0, denotemos por α,e βe : I → Sn os correspondentes levantamentos com origem em x0. Com as notações anteriores, temos que α(1) =e β(1)e se, e somente se, α'β.

Demonstração: Se α,e βe: I → Sn são tais que α(1) =e β(1)e , ter que α ' β segue direto do fato de Sn ser conexo.

Por outro lado, se α = Π ◦αe ' Π ◦βe = β, como α(0) =e β(0) =e x0, α(1) =e ±x0 e β(1) =e ±x0. Considerando as hipóteses, teremos que α(1) =e β(1)e somente se α(1)e e β(1)e não são antipodais, isto é, |eα(1) −β(1)e | 6= 2, onde | · | é a norma induzida em RPn pela norma de Rn+1. Em particular, se |α(t)−β(t)| 6= 2, para todo t ∈ I, isto é α(t) e β(t) nunca são antipodais, então |eα(t) −β(t)e | 6= 2, para todo t ∈ I; como α(0) =e β(0)e , não podemos ter

|eα(1)−β(1)e |= 2.

No caso geral, considere a homotopia H :α'β; pela continuidade uniforme deH, existem 0 < t0 < t1 < ... < tn = 1 tais que |H(s, ti−1)−H(s, ti)| < 2, para todo s ∈ I e i = 1, ..., n. Denamos os caminhos fechados emp0i(s) = H(s, ti); os pontos αi(s) eαi+1(s)não podem ser antipodais, logo αei(1) =αei+1(1). Então,

(18)

αe0(1) =αe1(1) =...=αen(1) =β(1)e

Por meio dos resultados anteriores, já podemos dizer qual é o grupo fundamental de RPn. Com exceção de RP1 que é homeomorfo a S1 (e, portanto, π1(RP1, po) ∼= Z), existem apenas duas classes de caminhos fechados em RPn, com ponto base p0: a classe dos caminhos cujo levantamento é fechado e os que possuem levantamento não fechado. Logo,

π1(RPn, p0)'Z2.

Referências

[1] Munkres, J., Topology, a rst course, Prentice-Hall, Inc., Englewood Clis/New Jersey- U.S.A., 1th edition, 1975

[2] Hatcher, A., Algebraic Topology, Cambridge University Press/Cambridge-U.K., 2001 [3] Lima, E. L., Grupo Fundamental e Espaços de Recobrimento, IMPA, Projeto Euclides/Rio

de Janeiro, 1th edição, 1993

[4] Vilches, M. A., Introdução a topologia algébrica, URRJ/Rio de Janeiro

[5] James, I.M., History of Topology,Oxford University, Elsevier/U.K., 1th edition, 1999

Referências

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