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PARA QUE SERVEM OS POETAS? CONTEXTUALISMO E PRAGMATISMO

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Academic year: 2022

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TRADUÇÃO DE CONFERÊNCIA

PARA QUE SERVEM OS POETAS? CONTEXTUALISMO E PRAGMATISMO

Peter H. Hare

State University of New York at Buffalo - USA

[Tradução do inglês para o português: Henry Mallet]

Resumo: William James disse a um poeta que “o poder de brincar com o pensamento e a linguagem” é “o mais divino dos dons”. Ele estava convencido de que o jogo de palavras (e.x. nos escritos de Benjamin Paul Blood) poderia, às vezes, tornar mais acessíveis realidades que, de outro modo, ser-nos-iam inacessíveis. No jogo jocoso das palavras movemos-nos livremente entre estruturas conceituais. Se alguém crê, como James, que conceitos, especialmente conceitos intelectuais, bloqueiam nossa percepção da realidade, então, quanto mais flexível for o uso que fazemos dos conceitos, melhor será nossa percepção da realidade (e.x. realidades modais). Como alunos de Harvard e posteriormente poetas da modernidade, os hoje famosos Gertrude Stein e Wallace Stevens, absorveram o pensamento de James. Significativamente, nenhum poeta é mais notável por sua brincadeira com as palavras do que Stein. A poesia de Stevens, proponho-me a demonstrar, brinca com teorias epistemológicas como estruturas metafóricas alternativas. A poética e poesia da “linguagem” pós-moderna de Charles Bernstein recentemente desenvolveram esta epistemologia poética de modo bastante radical. Possíveis ligações com a noção espantosa de C. S. Peirce da experiência matemática deverá também ser explorada.

Palavras-chave: William James. Charles Peirce. Poesia. Epistemología poética.

* * *

Nunca se sentiu tanta ânsia a resposta à pergunta “Para que servem os poetas?”

como se sente hoje. A mais recente edição da revista oficial da Academia Americana de Artes e Ciências traz uma carta de um membro da Academia, referindo-se com desdém à ininteligibilidade da poesia publicada na revista por membros deste augusto colegiado.

E num ensaio recém-publicado no informativo do Projeto de Poesia St. Mark, em Nova York, Dale Smith lamenta o que considera a inatenção hodierna ao que ele denomina

“força comunicadora da poesia”. A Poesia, diz ele, “se tornou cada vez mais auto- referencial, raramente capaz de se disseminar além de uma pequena tribo de praticantes e estudantes”.

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Obviamente, dúvidas sobre a utilidade da poesia contemporânea não são expressas apenas por representantes da alta cultura, como aqueles mencionados acima.

Garrison Keillor, um destacado árbitro da cultura convencional, em suas antologias poéticas, campeãs de vendas, Good Poems e Good Poems for Hard Times, é pouco benevolente ao falar sobre poetas contemporâneos e especialistas em poética. Em sua forma caracteristicamente pitoresca e levemente indiscreta, ele declara que a maioria dos poemas contemporâneos é “como preservativos na areia da praia, evidenciando que alguém já esteve ali e teve uma experiência, porém sem maior interesse para os passantes”.

Ataques à poesia, naturalmente, não são novidade. A agressão de Platão à poesia talvez seja a mais memorável jamais escrita.

Todavia, não é minha intenção pesquisar ataques à poesia ao longo dos últimos 2.500 anos. Ao invés, gostaria de defender uma abordagem contextualista e pragmatista à problemática da função da poesia. Meu argumento é que qualquer interpretação contextualmente neutra da natureza e função da poesia, está fadada ou a ser derrubada por exemplos contrários ou a se tornar banal. E esta banalidade não poderá ser evitada por um movimento Wittgensteiniano, onde formas e funções concorrentes de poesia supostamente compartilhem semelhanças familiares.

Permitindo-me uma analogia despretensiosa, uma tentativa contextualmente neutra de afirmar a função da poesia é tão sem sentido como um esforço contextualmente neutro de afirmar a função das mãos humanas. Só quando um contexto é especificado – digamos, um escultor em seu estúdio, com alguns ideais estéticos, encomenda, instrumentos, etc. – pode-se dizer algo interessante sobre a função das mãos humanas na transformação de um pedaço de madeira em uma obra de arte.

A habilidade do uso da linguagem, onde metáfora e ritmo estejam nitidamente integrados ao significado, é uma capacidade humana tamanha que nada de interessante poderá ser dito sobre a função dessa linguagem sem que se limite o enfoque a um contexto específico.

Em meu contextualismo, não tenho nada contra a interpretação de Heidegger de poesia em termos de sua filosofia do Ser – contanto que Heideggerianos não apliquem o que dizem sobre o não-oculto e poesia fora do arcabouço geral da metafísica e

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desempenhar uma função epistemológica para aqueles compromissados com a filosofia Heideggeriana, porém tenho dúvidas quanto as tentativas de justificar este entendimento de poesia num contexto independente da obra de Heidegger.

Com uma ressalva similar, não faço objeção à teoria de poesia aventada pelo meu Professor Justus Buchler, em seu livro The Main of Light: On the Concept of Poetry. Buchler faz um esplendido relato de como o discurso poético pode ser incorporado à sua teoria abrangente de julgamento e metafísica ordinal, porém concordo com Roland Garret que a teoria de Buchler pouco faz para “iluminar a dinâmica interna de um poema, como os destaques, som, ritmo, linguagem, imaginário e significado se desenvolvem no poema ... Será que um conceito universal de poesia ajuda, efetivamente, a identificar os mecanismos pelos quais este poema surte efeito em mim?”

Embora eu seja a última pessoa a afirmar que o sistema filosófico de Buchler é banal, temo que sua teoria sobre a natureza e função da poesia se aproxima do banal, se bem que de uma banalidade envolta num vocabulário inovador, tal como “o sentido de prevalência”.

Citando a teoria de poesia de outro professor, acho que a opinião de Cleanth Brooks de que um poema funciona como uma estrutura formal e simbólica é útil como um corretivo ao zelo excessivo de seus contemporâneos, que insistem que entendamos poesia biográfica e historicamente; sou cético, porém, quanto a qualquer tentativa de se aplicar, de forma universal, esta abordagem de “explicação de texto” à poesia, fora do contexto dos debates entre críticos literários da era de Brooks.

A “Nova Crítica” do início do Século XX não foi, de forma alguma, o primeiro relato da função da poesia que se possa dizer ter servido como um corretivo adequado às tendências dominantes em seu contexto cultural. Platão notoriamente oferece uma interpretação do que ele vê como a função perniciosa da poesia, ou seja, a visão que a poesia causa um terrível dano à sua platéia ao alimentar as partes não-racionais da alma.

Contextos culturais onde a poesia possui tal disfunção são perfeitamente concebíveis.

Não tenho, também, problemas com a visão grega de poesia, comum antes de Platão; a visão que os poetas às vezes agem como autoridades morais. Nem questionaria a poesia de Whitman, em seu contexto de meados do Século XIX, funcionando como louvor à promessa espiritual da nação.

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Embora seja démodé dizê-lo, não realmente não tenho problema algum – com a mesma ressalva – com a noção de que a função primária da poesia é didática. Hesíodo, um dos mais antigos poetas gregos conhecidos, exalta o labor honesto e denuncia juízes corruptos. Parece-me plausível que, dentro do contexto cultural de Hesíodo, fosse apropriado para a poesia ter uma função claramente didática.

Todavia, reconheço meu esnobismo intelectual ao desdenhar os comentários de Garrison Keillor sobre este assunto. “ A qualidade de um poema,” diz ele, “sofre fortemente ao ser lido no rádio”. Mas, admito que se as limitações contextuais consistem de um show diário de cinco minutos intitulado The Writer’s Almanac, muitos bons poemas não funcionarão bem.

O dictum de Keller que “o significado da poesia é dar coragem” me causa uma reação mais grave que o desdém. A idéia de que a única função de um poema é “fazer com que se reanime” em “tempos difíceis,” parece-me uma visão redutiva, implausível em qualquer contexto – mesmo no contexto de um motorista de caminhão num comboio militar no Iraque, ouvindo num iPod uma leitura de Leaves of Grass de Walt Whitman, enquanto teme a próxima bomba na estrada.

Confesso estar pessoalmente atraído para um dos aforismos encontrados em Adagia, de Wallace Stevens, que escreve: “Após abandonarmos a fé, a poesia é aquela essência que toma seu lugar como redenção da vida.” Ecos de Emerson, Dickinson e Santayana são óbvios. Porém, reconheço que minha própria sensibilidade tem sempre se apoiado firmemente na tradição americana representada, de forma tão poderosa, por Emerson, Dickinson, Santayana e Stevens. Existem muitas continuidades entre o contexto de Stevens e o meu, portanto essa noção de função da poesia ressoa naturalmente em mim. Também é importante observar que em seus escritos, Stevens emite dezenas de outras opiniões sobre a natureza e função da poesia; algumas destas parecem conflitar com a visão de redenção enquanto outras são, aparentemente, complementares à essa visão. Se tomarmos os escritos de Stevens como um todo, veremos quão não-redutivas e pluralistas são suas opiniões sobre a função da poesia.

Este pluralismo encontra também um forte eco em mim.

Ao concluir, gostaria de retornar às polêmicas com as quais iniciei este trabalho.

Os intelectuais, incluindo alguns poetas de renome, argumentam que a maioria da

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alunos; alegam, na realidade, que grande parte da poesia de hoje é, de certa forma, irrelevante. É mister lembrar que ataques desta natureza à poesia não são novidade. No início do Século XX, Harriet Monroe, editora da revista Poetry, acusou notoriamente Hart Crane de fazer uso de metáforas obscuras e “ilógicas” em On Melville’s Tomb, tendo Crane tentado explicar como metáforas podem ser eficazes sem ser lógicas.

Uma das críticas mais interessantes da poesia e poética contemporâneas vem de Jeffrey Walker. Os alvos de Walker são Charles Altieri e Charles Bernstein. Altieri adota o ponto de vista, diz Walker, que “o papel essencial da lírica é não defender crenças específicas; que ‘retórica’ e ‘ideologia’ são formas de uma ‘enganosa’

consciência falsa; e que poemas líricos apresentam ‘atos da mente,’ ou seja, incorporam um estado de subjetividade.” Berstein, alega Walker, “conserva uma suspeita mais ou menos romântico-modernista tradicional sobre o que Berstein chama de ‘argumento,’

‘retórica’ e unidade expositora racionalista, como formas de uma falsa consciência socialmente construída. Berstein, assim, tende a projetar um entendimento básico do discurso ‘poético’ ou lírico como essencialmente ‘um ato privado em local público’ que serve para representar ou incorporar o ‘pensamento’ liberado dos grilhões da razão discursiva, ao invés de apresentar um argumento para julgamento do leitor.” Num argumento detalhado que não cabe analisar aqui, Walker alega que a poesia lírica –ou pelo menos a poesia lírica que devemos levar a sério – efetivamente apresenta um argumento genuíno, embora entimático. Presumo que Walker acredita que a poesia que apenas incorpore um estado de subjetividade seja poesia que não tem outra função significativa além de, talvez, psicoterapêutica. Neste sentido, algumas das poesias

“confessionais” de Sylvia Plath podem vir à mente, todavia há diferenças imensas entre os estados de subjetividade a que Altieri e Bernstein se referem, e os estados incorporados na poesia de Plath. A “poesia da linguagem” pós-moderna de Bernstein, a

“poesia experimental” e a poesia de Plath habitam universos diferentes. Os estados subjetivos de Altieri e Bernstein são tão intelectualmente complexos que a poesia que os integram, acreditam muitos críticos, funciona apenas como material sobre o qual estudantes de pós-graduação podem praticar suas habilidades decodificadoras. E Walker parece sustentar que, logo que um exemplo de linguagem ou poesia experimental é arduamente decodificada e não apresenta um argumento genuíno, não tem uma função poética digna do nome.

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Dentro do espírito do meu pluralismo e pragmatismo contextualista, gostaria de deixar em aberto a questão se a poesia que Bernstein e Altieri defendem possui a função genuinamente poética de apresentar um argumento entimático. De qualquer forma, apenas o fato de ser hermenêuticamente desafiador não deverá desqualificar a literatura de ter uma função genuinamente poética. Por outro lado, rejeito também a visão de que em nosso mundo pós-moderno, toda poesia séria deva ser difícil de decodificar.

A Academia de Poetas Americanos se imagina como porteira oficial do panteon da poesia nos Estados Unidos. Se a Academia respondesse à pergunta “Para que servem os poetas?” da forma que acabo de recomendar, se não se tornasse tanto um baluarte do conservadorismo em sua visão sobre a natureza e função da poesia, não só elegeria Bernstein como chanceler, como também Bob Dylan. Hoje o contexto cultural dos Estados Unidos é bastante heterogêneo para acomodar ambos como grandes poetas.

Entretanto, acho que nenhuma dessas eleições venha a ocorrer em breve.

Gostaria de concluir com algumas sugestões de como a poesia moderna e pós- moderna poderia funcionar dentro do contexto da epistemologia pragmatista.

William James disse a um poeta que “o poder de brincar com o pensamento e linguagem” é “o mais divino dos dons”. Ele estava convencido que o jogo de palavras (e.g. nos escritos de Benjamin Paul Blood) podia, às vezes, tornar acessíveis realidades de outra forma inacessíveis. No uso lúdico de palavras nos movemos livremente entre estruturas conceituais. Se alguém acredita, como James, que conceitos, especialmente conceitos intelectualistas, bloqueiam a percepção de realidade, então quanto mais flexível o uso de conceitos, maior a percepção de realidade (e.g. realidades modais).

Como estudantes de Harvard e posteriormente poetas modernistas, Gertrude Stein e Wallace Stevens absorveram o pensamento de James. Significativamente, nenhum outro poeta se destacou mais por seu jogo de palavras do que Stein. A poesia de Stevens, acredito, joga com teorias epistemológicas como estruturas metafóricas alterativas. A poesia de “linguagem” e poética pós-moderna de Charles Bernstein recentemente desenvolveram esta epistemologia poética de forma radical.

Bibliografia

Brooks, Cleanth e Robert Penn Warren (eds.). Understanding Poetry: An Anthology for

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Buchler, Justus. The Main of Light: On the Concept of Poetry (Oxford: Oxford University Press, 1974).

Garrett, Roland. “Reading Poems with Buchler,” in Armen Marsoobian, Kathleen Wallace e Robert C. Corrington (eds.), Nature’s Perspectives: Prospects for Ordinal Metaphysics (Albany: State University Press, 1991).

Keillor, Garrison (ed.). Good Poems (Nova York: Penguin Books, 2002).

__________________ . Good Poems for Hard Times (Nova York: Viking, 2005).

Ledbetter. Grace M. Poetics before Plato (Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2003).

Monroe, Harriet e Hart Crane, “A Discussion with Hart Crane,” Poetry: A Magazine of Verse, Outubro 1926.

Smith, Dale. “The Romantic-Modern Lyric: Poetry for the Non-Poet, The Poetry Project Newsletter, #206, Fevereiro/Março, pp. 21-22.

Stevens, Wallace. Collected Poetry and Prose, ed. por Frank Kermode e Joan Richardson (The Library of America, 1997).

Walker, Jeffrey. Rhetoric and Poetics in Antiquity (Oxford: Oxford University Press, 2000).

Referências

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