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A responsabilidade civil objetiva genérica fundada na atividade de risco (teoria geral e hipóteses práticas) MESTRADO EM DIREITO

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-Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE no Curso de Pós%Graduação em Direito das Relações Sociais, área de concentração de Direito Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, sob a orientação da Professora

Doutora Odete Novais Carneiro Queiroz.

(3)

219 f.

Orientadora: Profa. Doutora Odete Novais Carneiro Queiroz

Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Direito.

(4)

_____________________________________

_____________________________________

(5)

São Paulo, 05 de janeiro de 2009.

(6)

dos olhos atentos daquela que, no exato momento em que escrevíamos esta

dedicatória, estava perto de se tornar a companheira de toda a vida. E é assim

que oferecemos, com nosso coração, este simples estudo de responsabilidade

civil, a você, . Rendemos ainda todo nosso agradecimento de vida ao

oferecer este texto também aos amados pais e irmãos, ' , $ , '

e 3 . Queremos também consignar a alegria de promover o presente

estudo ao mesmo tempo em que verdadeiramente ingressávamos numa

segunda família, orientada por dois seres humanos fantásticos, 6% e .

Ainda, sem que isso seja o bastante para agradecer a todas as lições, ao

& '55 também oferecemos as linhas que seguem. Por fim,

a trajetória pelo Estado de São Paulo nos deu a oportunidade de conhecer os

amigos - '! ) , 6 # ) e $ 7 , verdadeiros

(7)
(8)

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Onde está o emolumento deve estar o ônus. Quem aufere o bônus deve suportar o ônus. Constatação da deficiência da teoria subjetiva com a verificação de que a necessidade da demonstração da culpa efetiva do agente danoso em juízo deixava a vítima irressarcida na maioria dos infortúnios. Surgimento da teoria objetiva, resultado da aplicação da doutrina do risco. Eclosão de vários dispositivos legais impondo o dever indenizatório para determinadas situações concretas, tratando%se da responsabilidade civil objetiva típica ou fechada. Abertura do sistema objetivo de ressarcimento, prevendo%se que a atividade arriscada para os direitos alheios desencadeia para o autor do dano o dever de reparar o prejuízo sem que se indague de sua culpa, tratando%se da responsabilidade civil objetiva genérica % segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil brasileiro. Hipóteses típicas de responsabilização objetiva genérica pela atividade de risco, como a fabricação, a guarda, o manuseio e o transporte de substâncias inflamáveis e explosivas. Hipóteses para a constatação, como as práticas automobilísticas, a atividade bancária, o cartão de crédito, o comércio eletrônico, a guarda e o transporte de valores, o serviço de segurança e escolta, a construção civil, os cadastros de proteção ao crédito, o mercado de capitais, o empréstimo de veículos a terceiros, a fabricação e o fornecimento de cigarros, a responsabilidade do empregador por acidente com o empregado, as empresas de comunicação, as instalações nucleares e radioativas, as práticas desportivas e outras atividades que podem dar ensejo à responsabilização civil objetiva genérica fundada na atividade de risco. Situações que podem ou não afastar o dever indenizatório nesta modalidade de responsabilidade civil, como o estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular de um direito, o caso fortuito ou de força maior, o fato de terceiro, a culpa exclusiva da vítima, a tomada de precauções para evitar o acidente e a prática de conduta lícita por parte do agente causador do dano.

(9)

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Where the fee is there should be the load. Who gains the bonus should support the load. Finding the deficiency in the theory subjected to verification that the necessity from the demonstration of guilt affected by the harmful agent of the law would leave the victim with no reimbursement in most cases. The appearance of the objective theory resulted from applying the risk doctrine. Emergence of various legal norms have input the duty of indemnification for determine concrete situations, dealing with the foreseen or closed objective civil responsibility. Opening of this reimbursement system, expecting that the precarious activity for the right of others; triggers for the criminal an obligation to repair the damage without the questioning of his culpability, dealing with the generic objective civilian responsibility – second part of the only paragraph in article 927 of the Brazilian Civil Code, Typical hypothesis of the generic objective responsibility theory through risk activity, such as the manufacturing, the stocking, the handling, and the transportation of flammable and explosive substances. Hypothesis for the questioning, such as driving, bank activities, the credit card, the electronic commerce, the protection and transport of valuables, the security and escort services, the civil construction, the entries of credit protection, the capital market, the loan of vehicles to third parties, the cigarette fabrication and distribution, the employer’s responsibility with employee’s accidents, the communication businesses, the nuclear and radioactive installations, sports practices and other activities that could give opportunity to the generic objective responsibility based on the risk activity. Situations that may or may not distance indemnification duty in this type of civil responsibility, such as the necessity state, the self%defense, the daily practice of a right, sudden cases or unpredictable events, a third person involvement, the exclusive guilt of the victim, the precautions taken to avoid the accident and the legal activity of the harmful agent.

(10)

B =========================================================================================== CC

C= A 7 1 1D

EEEEE====EEEEEEEEEEEEEEE=== CF

.= 1 B B 6 1

========================================================================================================== ..

2.1 IMPORTÂNCIA E VEEMÊNCIA DA EVOLUÇÃO DO INSTITUTO ... 22

2.2 A VINGANÇA PELA VINGANÇA NOS PRIMÓRDIOS DA HUMANIDADE... 24

2.3 O REGRAMENTO ESTATAL DA VINGANÇA... 24

2.4 A COMPOSIÇÃO VOLUNTÁRIA A CRITÉRIO DA VÍTIMA, AINDA COM FULCRO NA VINGANÇA ... 25

2.5 A COMPOSIÇÃO TARIFADA DA LEI DAS XII TÁBUAS, ABOLINDO%SE A VINGANÇA ... 26

2.6 O PERÍODO ROMANO – DELITOS E AÇÕES PRIVADAS E PÚBLICAS, DISTINGUINDO%SE INDENIZAÇÃO CIVIL E PENA CRIMINAL ... 27

2.7 A LEI AQUÍLIA – RESQUÍCIO DA CULPA E DA GENERALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO INDENIZATÓRIO ... 28

2.8 DA RESPONSABILIDADE PESSOAL À PATRIMONIAL ... 31

2.9 O CÓDIGO DE NAPOLEÃO – A CONSAGRAÇÃO DA CULPA ... 31

2.10 A CONSTATAÇÃO DA DEFICIÊNCIA DA TEORIA SUBJETIVA... 34

2.11 A BUSCA POR SOLUÇÕES ALTERNATIVAS AO PROBLEMA REVELADO PELA DIFICULDADE NA PROVA DA CULPA ... 36

2.12 BREVE NOTÍCIA ACERCA DOS NOVOS RUMOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 38

G= 1 1D ======================================================================================================== HC 3.1 LOCAL E MOMENTO DE SEU SURGIMENTO ... 42

(11)

OU FECHADA E GENÉRICA OU ABERTA ... 51 3.5 DA CONVIVÊNCIA HARMÔNICA ENTRE AS TEORIAS SUBJETIVA E OBJETIVA ... 55

H= 1 - 9 ============== IJ

I= K

- =========================================================================================================== FG

F= B L M 1

1D L M - A7 N

= 0.O 7 ==================================================================== FJ

O= D 1

============================================================================== O/

J= P-1 Q 1 1D

7 R S ===================== OO

0= - A A T 1

1 1D ============================================================ J.

C/= 7 ========================================================================== JO

10.1 O DIREITO MEXICANO E O DEVER INDENIZATÓRIO EM VIRTUDE DOS MEIOS PELOS QUAIS A ATIVIDADE É DESENVOLVIDA... 87 10.2 OS CÓDIGOS DE PORTUGAL E DA ITÁLIA E A POSSIBILIDADE DE O AGENTE DEMONSTRAR QUE SE ACAUTELOU A EVITAR O DANO... 88 10.3 O DIREITO DA FRANÇA E DA ALEMANHA E A AUSÊNCIA DE CLÁUSULA GENÉRICA DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA... 96 10.4 O RADICAL SISTEMA SOVIÉTICO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA COM VISTAS À PROTEÇÃO DO PROLETARIADO... 97 10.5 A DA INGLATERRA E DOS ESTADOS UNIDOS... 98 10.6 AS LEGISLAÇÕES DE ALGUNS PAÍSES VIZINHOS DA AMÉRICA DO

(12)

1D ====================================== C/F

12.1 EXAME DA EXPRESSÃO:

... 107

12.2 EXAME DA EXPRESSÃO: ... 116

12.3 EXAME DA EXPRESSÃO: 119 CG= 1 1D 7 R ===================================================== C.G CH= BV 8 - - B 1 1D 7 R ================================================================================================== C.F 14.1 A FABRICAÇÃO, A GUARDA, O MANUSEIO E O TRANSPORTE DE SUBSTÂNCIAS INFLAMÁVEIS E EXPLOSIVAS... 128

14.2 RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMOBILÍSTICA − ACIDENTES CAUSADOS POR VEÍCULOS “COMUNS”... 130

14.3 O TRANSPORTE DE CARGAS PESADAS... 138

14.4 A ATIVIDADE BANCÁRIA... 141

14.4.1 Responsabilidade pelo Pagamento de Cheque Falso... 141

14.4.2 Responsabilidade pela Cobrança Judicial ou Protesto de Título Quitado... 144

14.4.3 Responsabilidade pelos Saques Indevidos em Caixas Eletrônicos... 146

14.4.4 A “Negativação” do Nome de Alguém em Virtude da Abertura de Conta por Estelionatário... 148

14.4.5 Indenização Pedida pelo Terceiro que Recebeu Cheque Falso... 150

14.5 O CARTÃO DE CRÉDITO... 150

14.6 OS CONTRATOS ELETRÔNICOS... 153

14.7 A GUARDA E O TRANSPORTE DE VALORES... 154

14.8 O SERVIÇO DE SEGURANÇA E ESCOLTA... 156

14.9 A CONSTRUÇÃO CIVIL... 157

(13)

14.13 A FABRICAÇÃO E O FORNECIMENTO DE CIGARROS... 180

14.14 A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR POR ACIDENTE COM O EMPREGADO... 182

14.15 A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO... 183

14.16 AS INSTALAÇÕES NUCLEARES E RADIOATIVAS... 184

14.17 AS PRÁTICAS DESPORTIVAS... 186

14.18 OUTRAS ATIVIDADES... 188

CI= S - 6 8 - S 1 7 8 S ============================================================================================== C0. 15.1 ESTADO DE NECESSIDADE, LEGÍTIMA DEFESA E EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO... 192

15.2 CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR... 195

15.3 O FATO DE TERCEIRO... 199

15.4 CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA... 205

15.5 A TOMADA DE PRECAUÇÕES PARA EVITAR O ACIDENTE... 209

15.6 A PRÁTICA DE CONDUTA LÍCITA... 211

============================================================================================= .CH

(14)

Do latim: ; para o português:

; resultou no brocardo:

.

Esta a ideia central da responsabilidade civil objetiva genérica fundada na atividade

de risco, objeto deste estudo, constatando se, hoje, com apoio na legislação, na

jurisprudência e na doutrina, com tranquilidade, a tendência de não se deixar

irressarcida a vítima de atos danosos, ainda que revestidos de licitude, respondendo

civilmente o agente pelo prejuízo causado em virtude de sua conduta arriscada para

determinados direitos alheios.

Realmente, a busca pela reposição da vítima no estado em que se encontrava antes

do infortúnio, tornando a indene, pode ser claramente notada nos ordenamentos

jurídicos modernos e na produção jurisprudencial e doutrinária de todo o mundo.

O surgimento da responsabilidade objetiva genérica pelo desenvolvimento de

atividade arriscada se apresenta como um marco para a efetiva tutela do direito

indenizatório das vítimas de condutas perigosas praticadas no seio da sociedade,

vindo a lume por obra da nova disposição legal positivada na segunda parte do

parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, por meio de uma cláusula

geral, que terá sua finalidade exposta logo no primeiro capítulo desta dissertação.

Até o surgimento, todavia, desta espécie de responsabilidade objetiva, percorreu se

um longo caminho, que, no segundo capítulo deste trabalho, dará ensejo à análise

da evolução histórica da responsabilidade civil, ressaltando se sua importância e

veemência, partindo se dos primórdios da humanidade, quando vigorava a vingança

pela vingança, sem qualquer cogitação de culpa. Daí se chega ao período romano,

desde o regramento estatal da vingança, depois a reparação a critério da vítima

ainda com fundamento na vindita, passando se pela composição tarifada da Lei das

XII Tábuas, após pelos primeiros elementos de distinção entre sanção civil e

criminal, chegando se, finalmente, à ascensão da Lei Aquília, primeiro diploma civil a

conter resquícios da noção de culpa e de um princípio geral de reparação, batizando

(15)

Como se verá, a responsabilidade civil, antes tendo como objeto da prestação o

próprio corpo do devedor, passou a incidir sobre seu patrimônio.

Já depois da Idade Média, com o fim dos Estados Absolutistas, o Código

Napoleônico veio a lume, importando, sobretudo, o estudo de seu artigo 1.382, que

consolidou a ideia de culpa como pressuposto fundamental do dever indenizatório,

espraiando sua força por todos os diplomas civis ocidentais.

Com a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, no fim do século XVIII e início do

século XIX, caracterizada pela passagem da manufatura à indústria mecânica, o

chamado maquinismo constituiu se numa verdadeira ameaça à integridade física do

operariado, subsistindo tal situação por longos anos, até o momento em que se

constatou a dificuldade da vítima na comprovação da culpa pelos acidentes de

trabalho. Então, no final do século XIX e início do século XX, vários processos

técnico jurídicos foram implementados na tentativa de conferir adequada guarida às

novas vítimas do maquinismo gerado pela industrialização, como a facilitação da

prova da culpa pelos tribunais, a admissão da teoria do abuso de direito, o

estabelecimento de presunções de culpa e a admissão de um maior número de

casos de responsabilidade contratual.

Não suficientes, todavia, tais métodos, passou se à cogitação da responsabilização

do agente causador do dano sem necessidade da comprovação de sua culpa

efetiva, pela mera constatação de que teria de arcar com os prejuízos decorrentes

de sua atividade em virtude dos riscos que ela propiciava aos direitos alheios,

surgindo o que se chamou de doutrina do risco, com suas variantes: o risco proveito,

o risco criado, o risco administrativo, o risco integral, o risco profissional, o risco

benefício e o risco excepcional.

A mencionada doutrina do risco se constituiu no fator de propulsão da

responsabilidade objetiva (sem culpa) no final do século XIX e início do século XX,

encontrando na doutrina e jurisprudência francesas seu campo mais fértil de

desenvolvimento, notadamente pelos trabalhos de Raymond Salleiles e Louis

Josserand no âmbito doutrinário, e da Corte de Cassação de Paris no âmbito

(16)

previsão da responsabilidade objetiva por todo o mundo no decorrer do século XX,

em vários campos de atuação da humanidade.

No direito brasileiro, o tema foi abordado com lucidez e primazia inicialmente por

Alvino Lima e depois por Aguiar Dias, em meados do século passado, ambos

ferrenhos defensores da doutrina do risco, que se positivou a partir do Decreto nº

2.681, de 7 de dezembro de 1912, regulando a responsabilidade civil das estradas

de ferro, com imposição de dever indenizatório sem culpa a essas entidades por

todos os danos que a exploração de suas linhas causar aos proprietários marginais

(art. 26).

A partir daí, o legislador nacional, encantado com a novel teoria do risco, passou a

formular diversos dispositivos legais esparsos com previsões de responsabilidade

sem culpa, que serão examinados em momento oportuno, chegando, finalmente, à

instituição da responsabilização civil objetiva genérica em virtude da atividade

arriscada desenvolvida pelo autor do dano, já no século XXI, positivada na segunda

parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, núcleo deste estudo

dissertativo.

Ao longo deste trabalho, pretende se constatar que a instituição da responsabilidade

objetiva genérica pela atividade de risco representou uma abertura no sistema

indenizatório até então vigente, que se mostrava fechado.

A convivência harmônica entre as responsabilidades subjetiva e objetiva será

atestada pela totalidade da doutrina civil nacional e internacional, concluindo se pela

impossibilidade da substituição absoluta de uma pela outra, cada qual guardando e

oferecendo suas virtudes para o sistema de reparação civil.

Em linhas gerais, a dificuldade da vítima na comprovação da culpa e a atividade

criadora de risco desencadeada pelo maquinismo da Revolução Industrial serão

apontadas como os dois grandes motivos para que se propugnasse pela diminuição

do campo de atuação da responsabilidade subjetiva, tudo visando a mais adequada

distribuição de justiça.

Alvino Lima apresentará as críticas e os críticos, sobretudo os irmãos franceses

(17)

rebatendo as uma a uma, tudo levando a crer que o jurista nacional que iniciou sua

atividade jurídica na provinciana cidade de Casa Branca, no interior de São Paulo, é

realmente o mestre da matéria no Brasil.

A seguir, será feita uma distinção meramente didática entre o “risco” que

impulsionou a teoria objetiva no fim do século XIX e início do século XX, este

considerado como um perigo inerente à atuação humana em determinados setores,

e o “risco” encarado como uma fórmula genérica de responsabilidade civil positivada

na legislação brasileira no início do século XXI, tema que, conquanto obscuro nesse

momento introdutório, será explicitado no momento oportuno.

Serão trazidas algumas das vertentes doutrinárias que se propuseram a justificar a

responsabilidade civil objetiva genérica pelo risco da atividade como fórmula posta

na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, assim como será

examinado em que bases positivas, constitucionais e legais, ela se assenta,

verificando se, a seguir, qual o seu âmbito de atuação frente a temas como a

responsabilidade subjetiva, a responsabilidade objetiva prevista em dispositivos

legais esparsos e a responsabilidade contratual.

Alguns eminentes juristas não se contentaram com a abertura da responsabilidade

civil objetiva, enquanto outros aplaudiram a inovação em nome de uma mais eficaz

distribuição de justiça, depositando sua confiança não só na atividade hermenêutica

do juiz de primeira instância, considerado isoladamente, mas no Poder Judiciário

como um todo.

No direito estrangeiro, alguns países também adotaram a responsabilidade civil

objetiva genérica, mas com algumas nuanças em relação à disciplina brasileira,

podendo se, com o devido estudo das mencionadas legislações internacionais,

concluir se o nosso sistema é mais ou menos protecionista da vítima.

O risco proveito e o risco criado, em linhas gerais, foram as teses que pretenderam

influenciar a responsabilização objetiva pela atividade arriscada, sendo que a

tomada de posição sobre a prevalência de um ou de outro irradiará efeitos em

momentos posteriores, mormente quando se decidirá sobre se determinada conduta

pode ou não ser tipificada na segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do

(18)

A próxima tarefa será, então, dissecar qual o significado da longa expressão que

consagrou a responsabilidade civil objetiva genérica pela teoria do risco, prevista na

segunda parte do artigo 927 do Código Civil de 2002, dividindo a em três partes: 1ª)

2ª)

; 3ª) . Examinada cada uma das partes

da citada expressão legal, poder se á conceituar a responsabilidade civil objetiva

genérica pela atividade de risco.

Ao depois, será constatado que algumas atividades do dia a dia são eminentemente

perigosas, como a fabricação, a guarda, o manuseio e o transporte de explosivos e

de combustíveis, ensejando, sem maiores indagações, a aplicação da

responsabilidade objetiva genérica pela atividade arriscada.

Outras tantas, contudo, se encontram numa zona obscura, não se podendo, sem

que se proceda a um estudo criterioso, afirmar se são influenciadas pela

responsabilidade civil objetiva genérica, como as práticas automobilísticas, o

transporte de cargas pesadas, a atividade bancária em suas mais variadas

vertentes, o serviço oferecido pelas entidades empresariais operadoras de cartão de

crédito, as contratações eletrônicas, a guarda e o transporte de valores, o serviço de

escolta e segurança, a construção civil, os cadastros de proteção ao crédito, as

práticas no mercado de capitais, o empréstimo de veículo a terceiros, a fabricação e

o fornecimento de cigarros, a relação entre o empregador e o empregado, a

atividade das empresas de comunicação, as instalações nucleares e radioativas, as

práticas desportivas, e tantas mais que a imaginação permitir e a doutrina e a

jurisprudência oferecerem para constatação.

Posteriormente, deverá ser verificado se determinadas hipóteses têm ou não o

condão de excluir a responsabilidade daquele que desenvolve atividades arriscadas

para os direitos de outrem, como o estado de necessidade, a legítima defesa, o

exercício regular de um direito, o caso fortuito ou de força maior, o fato de terceiro e

a culpa exclusiva da vítima, até se chegar ao exame sobre se existirá a obrigação de

indenizar mesmo quando o causador do dano tenha tomado as devidas precauções

para que sua atividade não implique prejuízo para os direitos de outrem, além de se

verificar qual é a consequência sobre a licitude da conduta arriscada, concluindo se,

(19)

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Para aquilo que se pensa ser um bom início de trabalho acerca de tão palpitante

tema jurídico e social, salutar se constatar, com Giselda Hironaka, que poucos

institutos jurídicos evoluem mais do que a responsabilidade civil, sendo que

[...] sua importância em face do direito é agigantada e impressionante em

decorrência dessa evolução, dessa mutabilidade constante, dessa

movimentação eterna no sentido de ser alcançado seu desiderato maior, que é exatamente o pronto atendimento às vítimas de danos, pela atribuição, a alguém, do dever de indenizá los.1

Nesse sentido, a mesma Giselda Hironaka afirma que “o momento atual dessa trilha

evolutiva, isto é, a realidade dos dias contemporâneos, detecta uma preocupação no

sentido de ser garantido o direito de alguém de não mais ser vítima de danos”.2

Segundo ainda a mesma jurista nacional, com relação à responsabilidade civil, “a

crise está indiscutivelmente evidente” e “a inadequação e a insuficiência dos códigos

estão certamente expostas”.3 Nesse quadro, para ela, “é tempo de reformar, de

revolucionar, de superar limites, repensar e reescrever o sistema, enfim”.4

Por isso, dentre os muitos temas inovadores do Código Civil de 2002, mereceu

estudo a novel imposição do dever indenizatório lastreado na atividade de risco

desenvolvida pelo agente causador do dano, denominada * * +* *

, * - . *+ / - - 0 *+ *- 123.

Diga se, no entanto, que algumas ideias subsistem inalteradas mesmo após a

entrada em vigor do novel diploma civil, permanecendo, em regra, como

pressupostos de qualquer modalidade de responsabilidade civil (subjetiva ou

objetiva), a conduta, o dano e o nexo causal.

Como sabido, a responsabilidade civil se subdivide em duas modalidades: a

subjetiva ( do art. 927 do Código Civil) e a objetiva (primeira parte do parágrafo

único do art. 927 do Código Civil). A diferença básica entre as duas reside no fato de

1

* * . São Paulo: Del Rey, 2005, p. 3.

2Ibidem, p. 2. 3

Ibidem, p. 3.

4

(20)

a subjetiva pressupor a culpa do agente, além dos elementos acima indicados

(conduta, dano e nexo causal), enquanto a objetiva prescinde da culpa, mas requer

a imposição legal do dever indenizatório.

O que se vê é o seguinte quadro: para que se dê a responsabilidade civil subjetiva,

exige se, em regra, a presença da conduta, do dano, do nexo causal e da culpa do

agente ( do art. 927 do Código Civil); para que se verifique a responsabilidade

objetiva, exige se a presença da conduta, do dano e do nexo causal, dispensando

se a culpa, mas exigindo se a subsunção do fato concreto a um dispositivo legal que

imponha ao agente o dever de indenizar a vítima (primeira parte do parágrafo único

do art. 927 do Código Civil).

Como será examinado no decorrer desta dissertação, antes mesmo da entrada em

vigor do Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico brasileiro já previa diversas

situações em que se impunha ao agente o dever de indenizar independentemente

de sua culpa, com fundamento na responsabilidade objetiva, como, em dois

exemplos, a responsabilidade do fabricante pela reparação dos danos causados ao

consumidor decorrentes de defeito do produto (art. 12 da Lei nº 8.078/90) e a

responsabilidade do Estado pelos danos causados por seus agentes (§ 6º do art. 37

da Constituição Federal).

O que se via, então, até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, eram duas

situações: ou se demonstrava a culpa do agente para que emergisse seu dever de

indenizar a vítima, no que se estava falando em responsabilidade subjetiva; ou o

caso concreto se subsumia a um dispositivo legal que impunha o dever de indenizar

sem que se perquirisse sobre a culpa do agente, numa hipótese, então, de

responsabilidade objetiva.

Melhor que se repita para que claramente se possa explicar a inovação que

representou a responsabilidade fundada na atividade de risco desenvolvida pelo

agente causador do dano: se a vítima não encontrasse um dispositivo legal em que

pudesse ser tipificada sua situação concreta, não havia como se falar em

responsabilidade objetiva, restando a ela o ônus de demonstrar a culpa do agente,

(21)

Não havia, no Código Civil de 1916, ao lado da responsabilidade fundada na culpa

( do artigo 159), uma previsão expressa permissiva da responsabilidade

objetiva. No Código Beviláqua havia sim previsão da responsabilidade objetiva, mas

de forma particularizada, para determinados e específicos casos, como, por

exemplo, em seu artigo 1.529, impondo ao habitante de uma casa o dever

indenizatório pelo prejuízo ocasionado por um objeto que dela houvesse caído.

Assim, a responsabilidade objetiva se operava unicamente por força dos vários

artigos de lei espalhados pelo ordenamento jurídico que previam a obrigação de

indenizar sem que fosse necessário perquirir sobre a culpa do agente, mas sempre

visando a certos e determinados acontecimentos já devidamente previstos na

legislação.

O que fez o Código Civil de 2002 foi prever expressamente, ao lado da

responsabilidade subjetiva ( do artigo 927), a responsabilidade objetiva,

afirmando aquilo que já se praticava desde o início do século passado:

(primeira parte do parágrafo único do artigo 927).

Até aí, pouca novidade, pois isso já acontecia antes mesmo da entrada em vigor do

Código Civil de 2002: ao lado da responsabilidade subjetiva ( do artigo 159 do

Código Civil de 1916), havia os casos previstos na legislação extravagante de

responsabilidade objetiva, como se exemplificou com o artigo 12, , da Lei nº

8.078/90, e com o § 6º do art. 37 da Constituição Federal.

Então, nesse panorama geral sobre a responsabilidade civil, as novidades do

Código Civil de 2002 foram duas, a primeira de menor importância e a segunda tão

relevante que deu origem a esse estudo: pela primeira e menos importante

inovação, foi trazida uma cláusula permissiva da responsabilidade objetiva fundada

em hipóteses legais esparsas no ordenamento jurídico (primeira parte do parágrafo

único do artigo 927); pela segunda e muito relevante inovação, foi criada mais uma

dessas hipóteses de responsabilidade objetiva, na segunda parte do mesmo

parágrafo único do artigo 927, lastreada no risco da atividade normalmente

(22)

O raciocínio continua o mesmo: ou a responsabilidade civil se sustenta na culpa,

quando se fala da teoria subjetiva; ou a responsabilidade civil se sustenta em um

dispositivo legal que impõe o dever de indenizar independentemente de culpa,

quando se trata da teoria objetiva.

Dessa forma, a vítima terá dois caminhos a percorrer na busca pela indenização

contra o agente causador do dano. O primeiro deles será comprovar a conduta, o

dano, o nexo causal e a culpa do agente pelo infortúnio, tratando se de

responsabilidade subjetiva. O segundo caminho será encontrar um dispositivo legal

que imponha o dever indenizatório independentemente da culpa do agente,

bastando lhe a prova da conduta, do dano e do nexo causal, tratando se de hipótese

de responsabilidade objetiva.

Ocorre que para percorrer esse segundo caminho da responsabilidade objetiva,

duas novas vias se abrem para a vítima. Pela primeira via, deve procurar por algum

dispositivo legal esparso que fundamente o dever indenizatório independente de

culpa, passando pelo Código Civil e por todos os diversos diplomas legais

extravagantes existentes no ordenamento jurídico, como o Código de Defesa do

Consumidor, a Lei do Meio Ambiente, a Lei de Acidente do Trabalho, e a própria

Constituição Federal, além de outros, sendo que, encontrando alguma norma à qual

sua situação se subsuma, terá lugar a responsabilidade civil pela teoria objetiva. Por

uma segunda via, a vítima pode demonstrar que a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implica, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem, oportunidade em que o agente suportará a indenização sem que haja

necessidade de demonstração de sua culpa pelo prejuízo, também se podendo falar

em responsabilidade objetiva.

Conclui se, portanto, que o Código Civil de 2002, como novidade no tema, apenas

criou mais uma hipótese de responsabilidade sem culpa, tratando se, assim, de mais

uma espécie de responsabilidade objetiva, quando:

(segunda parte do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil).

Dessa forma, se a vítima não conseguir demonstrar a culpa do agente e tiver

(23)

Lei do Meio Ambiente, Lei de Acidente do Trabalho, Constituição Federal etc.), não

encontrando qualquer dispositivo ao qual se subsuma seu caso concreto, ainda terá

uma última oportunidade, podendo recorrer à segunda parte do parágrafo único do

artigo 927 do Código Civil de 2002, desde que demonstre que

. Demonstrados todos esses elementos, emergirá a

responsabilidade do causador do dano independentemente de culpa, prova de que

se está falando de espécie de responsabilidade objetiva, gênero ao qual pertence a

responsabilidade fundada no risco da atividade.

Note se que, na esteira do que fez o Código Civil de 2002 em várias outras

passagens, a nova modalidade de responsabilização objetiva foi colocada como

mais um instituto jurídico que impõe extraordinária atividade hermenêutica ao juiz,

porquanto dele será exigida a interpretação da cláusula geral constante da segunda

parte do parágrafo único do artigo 927. Em outras palavras, caberá ao julgador

aclarar o que pretendeu o legislador ao impor o dever de indenizar

independentemente de culpa

.

Retome se, apenas, que continua sendo necessária a presença daqueles

pressupostos genéricos aos quais se fez referência no início desse capítulo, não se

podendo abrir mão, em regra, da demonstração da conduta, do dano e do nexo

causal, para que possa emergir a responsabilidade civil objetiva pela atividade de

risco.

Karl Larenz bem resumiu o conteúdo deste capítulo de maneira simples e clara5.

Afirmou que o direito civil conectou, em princípio, a obrigação de ressarcimento de

danos somente a uma conduta culposa. Assim, disse, quem se comportava de um

modo não desaprovado pelo ordenamento jurídico quedava se liberado do dever de

ressarcimento por danos causados a outrem. Afirmou, a seguir, que esta regulação

se demonstrou demasiadamente limitada em vista dos riscos especiais de danos,

quase inevitavelmente ligados ao funcionamento dos modernos meios de transporte

e de determinadas instalações elétricas ou ao emprego de determinados materiais

5

(24)

extremamente perigosos. Por isso, aduziu que, quando se apresenta tal risco de

danos, não é possível reconhecer como justo que deva suportar o prejuízo única e

definitivamente quem foi afetado casualmente pelo fato danoso. Para ele, se

mostrou mais justo, socialmente, que fosse transferido o dano, total ou parcialmente,

a quem houvesse criado o foco de perigo ou a quem dele tivesse tirado proveito.

Segundo ele, então, esta é a idéia central da moderna responsabilidade por riscos.

Assim, como o presente estudo visa à responsabilidade civil objetiva pela atividade

de risco, a meta a ser alcançada é o exame daquilo que a faz diferente das outras

espécies de responsabilidade objetiva previstas na legislação, podendo se dizer que

esse elemento discriminante se verifica quando:

(25)

2

%#'

%( !

6 # 7

%#&

# ' !

% ( !

2.1 IMPORTÂNCIA E A VEEMÊNCIA DA EVOLUÇÃO DO INSTITUTO

Como dito, necessário que se trate da evolução histórica do tema para que sejam

colhidos importantes subsídios para as conclusões a serem formuladas

posteriormente, não sendo simples a tarefa, dado que o instituto passou por diversas

modificações ao longo de milhares de anos, podendo se dizer mesmo que durante

toda a existência humana, eis que a responsabilidade civil é essencialmente

dinâmica, tendente a adaptar se, transformar se na mesma proporção em que se

desenvolve a civilização, devendo ser dotada de flexibilidade suficiente para

oferecer, em qualquer época, um meio ou processo pelo qual, em face de nova

técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade

de restabelecer o equilíbrio desfeito por ocasião do dano, considerado, em cada

tempo, em função das condições sociais então vigentes.6

Necessário mencionar sobre a interdisciplinaridade do instituto da responsabilidade

civil, traduzindo se num fenômeno que ultrapassa as raias do direito, por força do

verdadeiro equilíbrio social que a orienta, pois se constitui na consequência

resultante do procedimento de todos os homens.7

Por isso, afirma Giselda Hironaka que:

Quando se examina o conceito jurídico da responsabilidade civil, parece restar claro que ele não é, justamente, dado apenas pelo direito positivo ou pelos doutrinadores da matéria. Será sempre um conceito a repercutir no campo da ética, da política, das ciências humanas e no vulgar; mas principalmente será derivado dessa repercussão: mais do que causa de discussões, responsabilidade civil, como conceito ou noção, é uma criação coletiva a muitas formas distintas do saber. Desde que o formalismo jurídico perdeu sua força a partir de meados do século XX, a responsabilidade civil é uma criação que nem de longe pode ser tomada com exclusividade da teoria jurídica. Caso se pretenda considerar racionalmente o conceito jurídico de responsabilidade civil, será preciso ir além do jurídico, porque o jurídico, exclusivamente, não é mais base suficiente para a sua compreensão.8

6DIAS, José de Aguiar.

* * +* *. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 25.

7LYRA, Afrânio.

* * +* * Bahia, 1977, p. 31.

8

(26)

Louis Josserand chega mesmo a afirmar que a palavra “evolução” expressa

palidamente o desenvolvimento do instituto, podendo se falar em verdadeira

“revolução”, porquanto rápida e fulminante a chegada da responsabilidade civil a

novos destinos.9

Destarte, somente uma acurada análise da história da responsabilidade civil permite

uma visão sobre como evoluiu dos tempos em que a culpa sequer era conhecida,

passando por um período em que se apresentou como elemento fundamental, até

sua mitigação, hoje concorrendo em menor escala com a teoria objetiva, da qual é

espécie aquela decorrente da atividade arriscada.

E com certeza ainda não se vislumbram contornos definitivos para o instituto, sendo

um daqueles – senão aquele – que mais se desenvolveu no passo da humanidade,

estando em plena ebulição doutrinária e jurisprudencial, bastando notar que, mesmo

em outros termos de formulação, hodiernamente, houve, sem dúvida, uma volta ao

passado, renunciando se à ideia de culpa para que surja a responsabilidade civil,

como nos tempos das cavernas, ressalvando se, contudo, a disciplina jurídica hoje

vigente.

Pode se ter uma breve noção sobre o quão vertiginosa foi a evolução da

responsabilidade civil ao se constatar que o ministro Orosimbo Nonato fez referência

à teoria da culpa, sendo que hoje, passados poucos 50 anos, já se pode

dizer ultrapassada e concorrendo, cada vez com menos força, com a

responsabilidade objetiva.10

O exame dessa vertiginosa evolução é que terá lugar a seguir, iniciando se lá pelos

denominados “tempos das cavernas”.

9

% 89 * * +* *. Tradução de Raul Lima. São Paulo: Revista Forense, n. 456,

p. 548, junho de 1941.

10

(27)

2.2 A VINGANÇA PELA VINGANÇA NOS PRIMÓRDIOS DA HUMANIDADE

Nos tempos iniciais da raça humana, o dano não era contemplado pelo direito, não

se cogitava de culpa e o agredido voltava se diretamente contra o agressor sem

perquirição de qualquer natureza sobre como teria se verificado o infortúnio.

A vida selvagem não dava margem a qualquer formalidade para que a vítima

reagisse contra o agente causador do prejuízo. O dano provocava a reação

imediata, instintiva e brutal do ofendido, dominando, então, a vingança privada,

segundo Carlos Roberto Gonçalves.11

Era a reparação do mal pelo mal, no que se estava falando em pura vingança da

vítima contra o ofensor pelo prejuízo ocasionado, sem que se cogitasse de qualquer

noção sobre culpa ou ressarcimento, “no golpe pelo golpe”, como noticiou Wilson

Melo da Silva, anotando que este foi o “primeiro estágio ou a primeira forma de

desagravo no seio dos homens primitivos”.12

2.3 O REGRAMENTO ESTATAL DA VINGANÇA

Posteriormente, segundo Wilson Melo da Silva, a mesma vingança, antes

desregrada, passou ao domínio jurídico, sendo permitida ou proibida e executada

segundo as condições estabelecidas pela decisão do poder público, consistindo na

pena de talião: , sendo buscada unicamente a

imposição de dor para o agente provocador do dano.13

Vale uma pausa para que se discorra sobre a pena de talião, segundo o vocabulário

jurídico De Plácido e Silva:

Do latim é a designação atribuída à pena que consiste em

aplicar ao delinqüente um dano igual ao que ocasionou. A pena de talião

tem assento na própria , conforme se inscreve no Cap. XXI do ,

versículos 23 a 25: se houver morte, então darás vida por vida. Olho por

11

* * +* *. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56.

12

* * + . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 15.

13Ibidem, p. 15, e GILISSEN, John.

89 4* ; *+ * * . Tradução de António Manuel

(28)

olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé. Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.14

Segundo José Acir Lessa Giordani, já as “legislações mais antigas, como o Código

de Hammurábi (2050 a.C.) e o Código de Manu (século XIII a.C.), prevêem sanções

baseadas na Lei do Talião, estabelecendo que o lesado pudesse causar o mesmo

mal ao agente responsável”.15

Para Giselda Hironaka, o denominado período do talião mostra se como uma

compreensão da justiça baseada na vingança presente em praticamente todos os

povos do Mundo Antigo, antes do advento da civilização grega.16

E, segundo a mesma ilustre jurista, o Código Hammurabi é talvez o mais antigo

conjunto de leis da humanidade17, enquanto o Código de Mannu foi a primeira

codificação das leis e dos costumes hindus cronologicamente posterior ao Código de

Hammurabi.18

Tinha se, então, nesse período, o domínio estatal da vingança, decidindo o poder

público quando e como ela teria cabimento, apenas executando se pelas mãos da

vítima.

2.4 A COMPOSIÇÃO VOLUNTÁRIA A CRITÉRIO DA VÍTIMA, AINDA COM

FULCRO NA VINGANÇA

“A vindita, porém, gera a vindita”, nas palavras de Wilson Melo da Silva, motivo por

que, ficando mais experimentado o homem, acabou por descobrir que seu

sentimento de vingança às vezes também se aplaca pela compensação econômica,

em substituição à dor que, no período anterior, o agente deveria suportar pela

produção do dano.19

14

( + * , < *+ . Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1360.

15

* * +* * , * - . *+ no código civil de 2002. 2. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2007, p. 5.

16

* * , p. 45.

17Ibidem, p.46. 18

Ibidem, p. 47.

19

(29)

Assim foi que, num estágio posterior, no período da composição voluntária, o

prejuízo dá lugar ao recebimento de vantagens devidas pelo agressor, a critério da

vítima: o ouro pode substituir o sangue.20

A entrega de objetos ou uma soma em dinheiro do agente causador do dano para a

vítima denomina se , não restando qualquer dúvida quanto ao fato de a

reparação ainda ter como lastro a vingança.21

Frise se: subsiste a vindita como fundamento do ressarcimento, de sorte que ainda

não se cogita de culpa ou de não culpa, pois quem se vinga a isso não se atém.22

2.5 A COMPOSIÇÃO TARIFADA DA LEI DAS XII TÁBUAS, ABOLINDO SE A

VINGANÇA

Cronologicamente caminhando, reconhecendo se o inconveniente da composição a

critério único e exclusivo da vítima, chega se ao período da composição tarifada,

regrada pelo poder público, nos termos da Lei das XII Tábuas, que fixava, para cada

caso concreto, o valor da pena a ser paga pelo ofensor, representando a reação

contra a vingança privada, que é, assim, substituída e abolida pela composição

obrigatória.23

Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves cita Wilson Melo da Silva, nos seguintes

termos:

É quando, então, o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em conseqüência, as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de indenizações preestabelecidas por acidente do trabalho.24

20LOUIS LUCAS,

( . + , p. 22, 1918, SILVA, Wilson Melo da. * *

+ , p. 15.

21

LIMA, Alvino. * + . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.

22

SILVA, Wilson Melo da. * * + , p. 15.

23LIMA, Alvino.

* + , p. 21.

24SILVA, Wilson Melo da.

* * + +* *= 89 * + Belo Horizonte:

(30)

Foi quando se obrigou o desembolso de uns tantos ou quantos àquele

que viesse a fraturar os ossos a um homem livre, nos termos da Tábua VIII, nº 3, da

Lei das XII Tábuas.25

Nota se que, nesse período em que as indenizações eram tarifadas, se pagava uma

predeterminada quantia pelo dano ocasionado, com previsão de casos concretos,

sem que existisse um princípio geral de responsabilidade civil.26

2.6 O PERÍODO ROMANO – DELITOS E AÇÕES PRIVADAS E PÚBLICAS,

DISTINGUINDO SE INDENIZAÇÃO CIVIL E PENA CRIMINAL27

A partir daí, ingressa se no período romano, momento em que se estabelece a

distinção entre a indenização civil e a pena criminal, por meio, respectivamente, da

separação entre os delitos privados (ofensa contra a pessoa ou contra os bens

desta), com o recolhimento da sanção econômica em favor da vítima, e os delitos

públicos (ofensa contra os interesses do Estado), para os quais a sanção imposta ao

agente causador do dano deveria ser recolhida aos cofres públicos.

Assim, no mesmo instante em que o Estado avocou a função de punir,

desenvolvendo a com exclusividade e subtraindo da vítima a possibilidade da

vingança pelas próprias mãos, conferiu a esta o direito da ação indenizatória civil,

distinguindo se, então, mas não ainda de forma absolutamente clara28, os conceitos

de responsabilidade penal (atribuição do Estado) e responsabilidade civil (direito

indenizatório da vítima).

25 ARIAS, José.

> +4 Buenos Aires: Editora Kraft, p. 574, SILVA,

Wilson Melo da. * * + , p. 16.

26

LIMA, Alvino. * + , p. 21.

27 “Na classificação quadripartida adotada por Justiniano, as obrigações provinham do contrato, do

quase contrato, do delito e do quase delito. Particularmente a este trabalho, interessam o delito e o quase delito, eis que davam origem à obrigação extracontratual, âmbito do presente estudo. Os delitos se constituíam nos ilícitos praticados dolosamente, enquanto os quase delitos eram os ilícitos

praticados culposamente”. (ALVES, José Carlos Moreira. * * . 3. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1980, p. 36 38).

28

“O direito romano, entretanto, jamais chegou a separar a indenização do primitivo conceito de

(31)

Ressalve se a seguinte opinião de John Gilissen: “Apesar do desenvolvimento da

responsabilidade individual no domínio penal no final da Idade Média e na época

moderna, a responsabilidade puramente civil não surge senão no século XVIII”.29

Nesse sentido, a opinião de Cunha Gonçalves, citado por Carlos Roberto

Gonçalves, de que, entre os romanos, não havia nenhuma distinção entre

responsabilidade civil e responsabilidade penal. Tudo, inclusive a compensação

pecuniária, não passava de uma pena imposta ao causador do dano. A ! "

começou a fazer uma leve distinção: embora a responsabilidade continuasse sendo

penal, a indenização pecuniária passou a ser a única forma de sanção nos casos de

atos lesivos não criminosos.30

Ocorre que este direito indenizatório da vítima ainda se exercia de maneira tarifada,

sob os auspícios da Lei das XII Tábuas, que, repita se, previa certas e determinadas

situações concretas de atos ilícitos e fixava as respectivas quantias devidas pelo

agente delituoso, sem que houvesse integral e efetiva reparação do dano, por vezes

ficando aquém, por vezes indo além do mal causado.

2.7 A LEI AQUÍLIA – RESQUÍCIO DA CULPA E DA GENERALIZAÇÃO DO

PRINCÍPIO INDENIZATÓRIO

Após esse contexto da tarifação indenizatória, surge, provavelmente no século III

a.C.31, a Lei Aquília32, revelando sua importância o fato de o direito romano ter

construído sob seus ditames a estrutura jurídica da responsabilidade extracontratual,

por produção de sua jurisprudência e dos pretores33, não fosse só a circunstância de

o diploma ter originado a expressão , consagrada até os

dias de hoje e provavelmente para sempre.

29

89 4* ; *+ * * , p. 752.

30 GONÇALVES, Cunha.

* * +* *, v. 12, t. 12, p. 456 e 563, GONÇALVES,

Carlos Roberto. * * +* * * * , p. 23.

31

GIORDANI, José Acir Lessa. * * +* * , * - . *+ no Código Civil de

2002, p. 6.

32“Assim batizada por ser resultado de um plebiscito proposto pelo tribuno Aquilio” (PEREIRA, Caio

Mário da Silva. * * +* *. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 4.).

33

(32)

Para Giselda Hironaka, “a concepção da casualidade fundamental do dano é uma

criação, sem dúvida, da lex Aquilia”.34

A Lei Aquília, embora não sistematizando a matéria, já esboçava um princípio de

generalização com relação à reparação civil do dano, regulando o #

, que constituía seu último capítulo e parte mais importante, tendo

proporcionado que os jurisconsultos do período clássico construíssem a verdadeira

doutrina romana da responsabilidade extracontratual.

Segundo Alvino Lima, “o # consistia na destruição ou

deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido a coisa

, sem direito ou escusa legal ( # $”%35

A reparação pecuniária pelo dano causado levava em conta o valor da coisa nos 30

dias anteriores ao delito, atendendo ao seu valor venal, também de acordo com

Alvino Lima, completando que:

Concedida, a princípio, somente ao proprietário da coisa lesada, é, mais tarde, por influência da jurisprudência, concedida aos titulares de direitos reais e aos possuidores, como a certos detentores, assim como aos peregrinos; estendera se também aos casos de ferimentos em homens livres, quando a lei se referia às coisas e ao escravo, assim como às coisas imóveis.36

Percebe se, claramente, a preocupação em se estabelecer indenizações que

venham a indenizar * a vítima do evento danoso, ressarcindo a

integralmente pelo seu prejuízo, recebendo quantia que não fique aquém e não vá

além do seu desfalque patrimonial.

Divergem os juristas sobre se a Lei Aquília teria introduzido a culpa como elemento

indispensável ao direito indenizatório. Parte deles, dentre os quais o eminente

professor Emillio Betti37, da Universidade de Roma, afirmam que o referido diploma

legislativo a previa como pressuposto para a caracterização do delito, enquanto

outra parte a nega por completo no texto do mencionado diploma legal, sustentando

que o dever de indenizar no direito romano repousava apenas na noção de dano,

34

* * , p. 56.

35

* + , p. 22.

36

* + , p. 22 23.

37

* - *- 8: . Traduzido por Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller,

(33)

sendo que a culpa levíssima prevista na Lei Aquília significava apenas o fundamento

de uma sanção penal.

Dúvida não há, contudo, de que o direito romano se desenvolveu no sentido de

introduzir a culpa como elemento essencial à caracterização do ato ilícito. Parte se,

num primeiro momento, como afirma Alvino Lima38, do período em que o sentimento

de paixão predomina no direito, com a reação violenta perdendo de vista a

culpabilidade, confundindo se pena e reparação, sem distinção de responsabilidade

penal e civil. Desse ponto, segundo o mesmo Alvino Lima, opera se a evolução,

ingressando se num segundo momento, com a introdução do elemento subjetivo da

culpa, distinguindo se a responsabilidade penal da civil.39

Para Carlos Roberto Gonçalves, concordando com a conclusão de Wilson Melo da

Silva, malgrado a incerteza que ainda persiste sobre se a injúria a que se referia a

! " # consistia no elemento caracterizador da culpa,

não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de

culpa acabou por deitar raízes na própria Lei Aquília, o que justificou algumas

passagens famosas, como ! " .40

Essa, então, uma das evoluções encontradas, no campo da responsabilidade civil,

nos tempos romanos, isto é, o início da introdução da ideia da culpa41 para a

verificação do ilícito indenizável, noção que ingressou pelos tempos medievais,

chegando até a França do século XIX, e daí para o mundo todo do século XX,

perdurando até hoje.42

Vale a menção de Giselda Hironaka de que, em 81 a.C. – quase dois séculos depois

da lex Aquilia, portanto – surge a lex Cornelia, que, seguindo os parâmetros da sua

predecessora, vem apenas acrescentar novos casos de reparação de danos

corporais ou à honra.43

38

* + , p. 26.

39

* + , p. 27.

40SILVA, Wilson Melo da.

* * + +* *= 89 * + . Belo Horizonte:

Bernardo Álvares, 1962, p. 46, GONÇALVES, Carlos Roberto. * * * *, p. 5.

41 “Idéia esta de culpa proveniente do pensamento dos grandes filósofos gregos”. (SILVA, Wilson

Melo da. * * + , p. 17).

42PEREIRA, Caio Mário da Silva.

* * +* *. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 6.

43

(34)

2.8 DA RESPONSABILIDADE PESSOAL À PATRIMONIAL

Necessário que se faça uma pausa para se mencionar uma outra fundamental

evolução, também no tema da responsabilidade civil, ainda nos tempos romanos,

verificando se na forma como se dava o pagamento indenizatório. Nesse sentido,

com relação ao modo de quitação da indenização, a responsabilidade civil, antes de

ser patrimonial, como nos dias de hoje, passou por um período de violência contra o

devedor. Este respondia com seu corpo pela falta do pagamento da dívida, sendo

emblemático um exemplo trazido pelo eminente professor Renan Lotufo:

De inesquecível memória, ainda no Direito Romano das XII Tábuas, o devedor insolvente podia ser preso e metido a ferros pelo credor, que só tinha de lhe dar para o sustento uma libra de farinha, e, passados três dias, se não conseguisse o réu, no mercado, obter meios para a satisfação do débito, podia ser morto, ou vendido além do Tibre. E, se fossem diversos os credores, podia ser esquartejado em partes tantas quantas fossem os credores.44

Assim, desde que a responsabilidade deixou de ser pessoal, ou seja, de recair sobre

a pessoa (o corpo) do agente, com o advento da! & & , em 326 a.C.,

a reposição da situação ao estado anterior à prática do ato danoso se dá pela

expropriação do patrimônio do devedor, daí sendo retirado o quanto baste para o

ressarcimento do patrimônio da vítima.

2.9 O CÓDIGO DE NAPOLEÃO – A CONSAGRAÇÃO DA CULPA

Retomando o exame da evolução da culpa como elemento de caracterização do

ilícito que gera o dever indenizatório, deixa se para trás o tempo romano e chega se

aos tempos modernos, mais precisamente ao Código Civil francês, de 21 de março

de 1804, resultado dos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, bandeiras

da Revolução Francesa de 1789. Chamado de '( ) , sem perder de

vista que foi fortemente influenciado pelo direito romano, o diploma civil da França

inspirou a legislação civil moderna de vários países, como a do Canadá, do Japão,

da Suíça, da Irlanda, da Argentina, do México, da Itália, da Venezuela, do Brasil e de

tantos outros países.

44

(35)

A influência do direito civil francês, sobretudo no âmbito jurisprudencial e nos temas

afetos à responsabilidade, pode ser percebida pela seguinte passagem de José de

Aguiar Dias:

A evolução do direito francês nos tempos modernos dispensa

considerações mais longas. Basta recordar que se deu através da mais extraordinária obra de jurisprudência de todos os tempos. A tarefa dos

tribunais franceses, atualizando os textos e criando um direito

rejuvenescido, foi tão impressionante que não há quem a desconheça, na audácia fecunda que é um dos encantos do gênio francês.45

O artigo 1.382 do Código Civil francês46 proclamou genericamente a

responsabilidade extracontratual fundada na culpa efetiva e provada, ainda com

base nos ensinamentos e conceitos provindos da teoria da responsabilidade

aquiliana do direito romano, que continuam em pleno vigor para muitos dos povos

cultos de hoje em dia, mas já com muitas modificações.

A diferença, contudo, entre a responsabilidade civil traçada pelo artigo 1.382 do

Código Civil francês e a responsabilidade civil instituída pela Lei Aquília foi notada

pelos irmãos Mazeaud, conforme dá conta José de Aguiar Dias:

A Lei Aquília nunca pôde abranger senão o prejuízo visível, material, causado aos objetos exteriores, ao passo que daí em diante se protege a vítima também contra os danos que, sem acarretar depreciação material, dão lugar a perdas, por impedirem ganho legítimo.47

O Código Civil alemão, o * (BGB), promulgado em 18 de agosto

de 1896, em vigor desde o primeiro dia do século XX, em seu artigo 823, também

proclama o princípio da responsabilidade por culpa.

No nosso direito, o período precodificado passou pelas seguintes fases: na primeira,

com as Ordenações do Reino, tinha se presente o direito romano como subsidiário

do direito pátrio, inclusive no que se referia à responsabilidade civil, por força da Lei

da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769; na segunda, o Código Criminal de 1830

esboça a ideia de ressarcimento, com o instituto da satisfação; na terceira, Teixeira

de Freitas opunha se à ligação havida entre a responsabilidade civil e criminal, na

45

* * +* *, p. 30 31.

46

+ ,

- % .Qualquer fato de um homem que cause a outrem um dano obriga aquele pela

falta que cometeu a repará lo/(Artigo 1.382 do Código Civil francês). [Tradução livre do autor].

47

MAZEUD, Tr. Théorique et pratique de la resp. civ. dél. et contractuelle, 2ª ed. n. 36, p. 48, 1934,

(36)

esteira da Lei de 3 de dezembro de 1841, que derrogou o Código Criminal e o de

Processo, estabelecendo, em consequência, que “a satisfação do dano causado

pelo delito passou para o seu lugar próprio, que é a legislação civil”48. Já no período

codificado, nosso direito tratou da responsabilidade por culpa (subjetiva) no artigo

159 do Código Civil de 1916 e atualmente vige a combinação dos artigos 186 e 927,

, do Código Civil de 2002.

Dessa forma, praticamente em toda a ordenação civil mundial, está consagrada a

idéia de culpa como pressuposto fundamental para que se deflagre a

responsabilidade civil na modalidade subjetiva.

Então, pode se concluir que, desde os tempos romanos da Lei Aquília, por seu

próprio texto ou por sua interpretação jurisprudencial, passando se pelo '(

) , pelo Código Civil alemão e por toda uma gama de diplomas civis de

praticamente todo o mundo civilizado, ao lado dos pressupostos da conduta, do

dano e do nexo causal, ainda há a necessidade de um outro requisito para que se

possa falar em responsabilidade civil subjetiva: a culpa.

Está, assim, sucintamente examinada a história da responsabilidade civil subjetiva,

uma das modalidades de responsabilização patrimonial, baseada na ideia de culpa

do causador do dano. Culpa em sentido amplo, englobando aquela que resulta da

falta de observância de um dever de conduta ( , posta nas formas de

negligência e imprudência) e aquela que resulta da consciência e vontade da

realização de um ato danoso (dolo).

Resumindo e concluindo, para que se configure a responsabilidade civil subjetiva,

faz se necessária, em regra, a presença da conduta, do dano, do nexo causal e da

culpa.49

48

PEREIRA, Caio Mário da Silva. * *8: * * +* *. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999,

p. 6 7.

49 “Nem por isso, entretanto, deixou se de ver na responsabilidade assentada na culpa uma

(37)

2.10 A CONSTATAÇÃO DA DEFICIÊNCIA DA TEORIA SUBJETIVA

Mesmo com toda sua imponência, conquistada a duras penas e consagrada em

praticamente todos os ordenamentos jurídicos civilizados, à teoria clássica da

responsabilidade subjetiva estava reservado o mais intenso dos ataques doutrinários

que talvez se tenha registrado na evolução de um instituto jurídico, conforme dá

conta Alvino Lima.50

Isso porque o surto do progresso, o desenvolvimento industrial e a multiplicidade dos

danos acabaram por ocasionar o surgimento de novas teorias, tendentes a propiciar

maior proteção às vítimas, que se viam invariavelmente irressarcidas por não

conseguirem comprovar a culpa do agente causador do dano, não lhes socorrendo,

pois, a teoria clássica da responsabilidade subjetiva.51

A decadência da culpa, nesse contexto, foi emblematicamente traduzida por Jhering,

um de seus mais árduos defensores, afirmando que a “história da culpa se resume

em sua abolição constante”.52

O motivo propulsor da evolução da responsabilidade civil, daquilo que se tinha no

final do século XVIII e na primeira metade do século XIX para aquilo que se

conquistou na segunda metade do século XIX e no século XX, foi muito bem

apontado por Louis Josserand, aduzindo que:

De resto, quando ocorria um acidente cuja causa permanecia

desconhecida, eliminava se a dificuldade atirando a responsabilidade ao

passivo duma divindade; e tal acidente era , era * ,

coisa do destino, de Deus ou dos inimigos do Rei; o melhor era então deixar as coisas em paz, não perturbar a ordem dos acontecimentos por uma força

superior a tudo, , tal parecia ser na matéria a divisa dos

legisladores e dos juízes.

Mas é de um ponto de vista inteiramente diverso que nos colocamos, nós, homens do século XX, para apreciar as coisas: quando um acidente sobrevém, em que à vítima nada se pode censurar, por haver desempenhado um papel passivo e inerte, sentimos instintivamente que lhe é devida uma reparação; precisamos que ela a obtenha, sem o que nos sentimos presos de um mal estar moral, de um sentimento de revolta; vai se a paz de nossa alma.53

50

* + , p. 39 40.

51

GONÇALVES, Carlos Roberto, * * * *, p. 6.

52

Colin e Capitant. +4 +* *, v. 3. Madri: Ed. Reus, 1943, p. 810,

SILVA, Wilson Melo da. * * + , p. 5.

53“Conferência pronunciada na Faculdade de Coimbra”. (Evolução da responsabilidade civil.

*

(38)

A esse respeito, também Octavio Augusto Machado de Barros notou que:

[...] no final do século XIX, alteraram se completamente as condições de vida, quer no aspecto material, quer no aspecto cultural. A máquina e o progresso técnico haviam transformado a vida social e econômica. Por toda a parte as críticas se multiplicavam no sentido de evidenciar não só a insuficiência das leis, como também a incapacidade da própria ordem constitucional existente, acentuando que a solução dos problemas da vida contemporânea só seria possível com a substituição do critério individualista pelo critério socialista.54

Também o Desembargador Luiz Carlos de Azevedo, Professor Titular de História do

Direito da Universidade de São Paulo, detectou a motivação do surgimento da

doutrina do risco:

Na verdade, no século que se encerrou, o surto contínuo ocorrido na tecnologia veio exigir respostas às situações emergentes, antes sequer imaginadas no contexto dos meios locomotores de comunicação. Os jornais dos anos que precederam ao primeiro conflito mundial descrevem o assustador recrudescimento de acidentes de trânsito causados pelos primeiros automóveis, os quais excediam, em números geométricos, aqueles da época dos tilburis, vitórias e carruagens. Corrida realizada na França, da qual participara com malogrado êxito um dos irmãos Renault, levou a que fossem tomadas medidas rigorosas para refrear o mau uso destes perigosos veículos.55

Em suma, a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII e

espalhada por toda a Europa fez surgir um maquinismo nunca antes visto,

resultando em milhares de acidentes de trabalho e correlatos, sem que os

ordenamentos jurídicos tivessem voltado os olhos para a dificuldade que as vítimas

dos infortúnios encontravam para provar a culpa efetiva dos verdadeiros causadores

dos danos – os industriais –, negando se, destarte, as indenizações nos processos

judiciais.

Estava, desse modo, constatada a insuficiência da teoria subjetiva para a solução

dos infortúnios advindos da Revolução Industrial e seu conseguinte maquinismo,

ante a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de a vítima conseguir demonstrar a

culpa do industrial pelo acidente que a lesionou.

54

* * 0 *+ . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1956, p. 7 8.

55

(39)

2.11 A BUSCA POR SOLUÇÕES ALTERNATIVAS AO PROBLEMA REVELADO

PELA DIFICULDADE NA PROVA DA CULPA

Por conta da constatação da dificuldade encontrada pela vítima para provar a culpa

efetiva do agente causador dos danos surgidos com a nova ordem econômica

baseada na indústria, surgiram vários processos técnicos para atender ao problema,

como a admissão fácil da existência da culpa, a aplicação da teoria do abuso de

direito e da teoria da culpa negativa, o reconhecimento de presunções de culpa e a

transformação da responsabilidade aquiliana em contratual56, tudo visando colocar

as vítimas dos mencionados acidentes em situação processual mais favorável,

reconhecendo se a vulnerabilidade do proletariado ante os industriais.

Sobre esses processos técnicos de facilitação da tutela do direito indenizatório da

vítima, Carlos Roberto Gonçalves traçou o seguinte quadro cronológico:

1 – Primeiramente, procurou se proporcionar maior facilidade à prova da culpa. Os tribunais, em muitos casos, passaram a examinar com benignidade a prova da culpa produzida pela vítima, extraindo a de circunstâncias do fato e de outros elementos favoráveis;

2 – Admissão da teoria do abuso de direito como ato ilícito. A jurisprudência,

interpretando o art. 160, inciso I, do CC de 1916, passou a

responsabilizar pessoas que abusavam de seu direito, desatendendo à finalidade social para a qual foi criado, lesando terceiros;

3 – Estabelecimento de casos de presunção de culpa (Súmula 341 do STF; a lei sobre a responsabilidade das estradas de ferro etc.), casos esses em que intervém sempre o ônus da prova, melhorando muito a situação da vítima. Esta não teria de provar a culpa psicológica, subjetiva, do agente, que seria presumida. Bastaria a prova da relação de causalidade entre o ato do agente e o dano experimentado. Para livrar se da presunção de culpa, o causador da lesão patrimonial ou moral é que teria de produzir prova de inexistência de culpa ou de caso fortuito.

4 – Admissão de maior número de casos de responsabilidade contratual (táxi, ônibus, trem etc.), que oferecem vantagem para a vítima no tocante à prova, visto que esta precisava provar apenas que não chegou incólume ao seu destino, e que houve, pois, inadimplemento contratual.57

Válida, contudo, a advertência de Georges Ripert, para quem os mencionados

processos técnicos, criando se, ao lado de presunções # # da culpa, a

teoria da culpa na guarda e as culpas pré existentes e prováveis, constituem

demonstração irrefragável da objetividade do conceito da responsabilidade

extracontratual. Para Ripert, foram os próprios defensores da teoria subjetiva,

56LIMA, Alvino.

* + , p. 40.

57

(40)

verificando a impossibilidade de resolver o problema da reparação dos danos nos

acanhados limites da culpa subjetiva, exigindo a imputabilidade moral, que

materializaram a noção de culpa. E continua afirmando que nesta objetivação se

alongaram de tal forma, no intuito de não se desligarem jamais do elemento básico –

a culpa –, que se perderam em conceitos e teorias, cujos fundamentos são, na

realidade, o risco. Concluindo que as presunções # # não passam de

casos de responsabilidade decorrentes do próprio fato, pois, senão em teoria, mas

na realidade, tais presunções são meros artifícios, “mentiras jurídicas” criadas com o

intuito apenas de não dar às coisas os seus verdadeiros nomes.58

A par da lealdade ou não de tais processos técnicos à teoria da culpa, mesmo

depois de sua aplicação da maneira como acima transcrita, persistia a dificuldade de

se obter a justa colocação da vítima na situação em que se encontrava antes do

infortúnio. Surgiu, então, na segunda metade do século XIX, a teoria da

responsabilidade objetiva, fundada na doutrina do risco, prescindindo se do

elemento culpa para impor ao agente o dever de indenizar o lesionado pelo

infortúnio.

Georges Ripert, então, recorda que, no fim do século XIX, procurou se alargar o

campo da responsabilidade civil, momento em que, sem abandonar a ideia de culpa,

a doutrina formulou os conceitos de risco profissional, do risco propriedade e do

risco criado, manifestando o citado jurista francês sua adesão à expressão “doutrina

do risco”.59

É a passagem do individualismo, marca do Código Napoleônico, segundo o qual só

pode responder pelo dano aquele que tenha concorrido com sua vontade para o

infortúnio, para a socialização do direito, representada na fórmula da

responsabilidade objetiva, muito mais consentânea à solução dos novos problemas

que surgiam à frente do jurista.

No dizer de Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

A grande verdade nesse caminhar evolutivo da matéria, ao que se entende, é que o eixo fundamental do tema e disciplina atinentes à responsabilidade

58 RIPERT, Georges. Le regime démocratique et lê droit civil moderne. Paris: Cornu, 1936, p. 261,

LIMA, Alvino. * + , p. 327.

59

- *- 8: +* * % Tradução de Osório de Oliveira. Campinas: Bookseller,

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